tag:blogger.com,1999:blog-378075952024-03-15T21:10:31.124-04:00Textos para ReflexãoPensar para melhor viver.raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.comBlogger1598125tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-32360245720776289282024-02-23T13:41:00.001-04:002024-03-01T14:18:23.089-04:00Lançamento: A Tábua de Esmeralda de Hermes<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CW18R1K6?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=d2284e9bd80f3bdb4518e37e1f170f99&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank"><span><img alt="" border="0" data-original-height="600" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0_6EbsZk5sK-aRnVFz766_-mpBSso3DpdfL-96xarn4YxLbKmsCec-3AVhPkard7mTMjK7i-bqwUJMFv9s6QP8qYOzLsRLrhBF07go4pwAhMfq3rtELLUXJFcOSIrtMjoEmgycr98Y7lIvGfxhh3CVft6CGn1i-y9mfVOrTy0yCZRcyUojYE_/s1600/ReleaseAmazon1_Banner.jpg" style="display:block;width:700px;height:600px;margin:0 0 30px 0;" /></span></a>
<p>As Edições Textos para Reflexão retornam ao hermetismo!</p>
<p>A <em>Tábua de Esmeralda</em> foi um dos textos fundamentais que deram origem à alquimia, ao hermetismo e a boa parte do ocultismo e esoterismo que conhecemos hoje. Esta edição conta com tradução e comentários de Rafael Arrais e luxuosa introdução de Thiago Tamosauskas, alquimista praticante.</p>
<p>Já disponível em e-book na Amazon e também na versão impressa, pelo Clube de Autores:</p>
<p>
<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CW18R1K6?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=d2284e9bd80f3bdb4518e37e1f170f99&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank" class="bt">Comprar e-book (Kindle)</a>
<a href="https://clubedeautores.com.br/livro/a-tabua-de-esmeralda-de-hermes" target="_blank" class="bt">Comprar livro (Clube de Autores)</a>
</p>
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<p>» <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2024/01/a-tabua-de-esmeralda-traduzida-por.html" target="_blank">Leia minha tradução da <em>Tábua</em></a></p>
<br />raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-21697686909699378942024-01-18T14:27:00.008-04:002024-01-20T22:43:56.000-04:00A Tábua de Esmeralda (traduzida por Rafael Arrais)<img alt="" border="0" data-original-height="590" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjYV8wzQ7oD8pFooTBPMymWoroKaw4ENxjzAgc3rM9eH-ZJbOzn9CBo38MA-ROrb7olbzlH8X1h0AWzjObiPcd8m3PgLB-3_My324hQ3hyKF7mHebayNUnMkG9QvEHasQKsC0H8lwPdEJhhTp9j2IybwaOOnJzEnViT0O3uhyx4xu761yEehIR/s1600/Tabula_Smaragdina_Emerald_Tablet_of_Hermes_Trismegistus_1609_-_%28MeisterDrucke-1147421%29.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:590px;" />
<p>A <em>Tábua de Esmeralda</em> foi um dos textos fundamentais que deram origem à alquimia, ao hermetismo e a boa parte do ocultismo e esoterismo que conhecemos hoje. Também conhecida como <em>Tábua Esmeraldina</em> ou <em>O Segredo de Hermes</em>, trata-se de um texto antiquíssimo que influenciou tanto o Oriente como o Ocidente, e que se propõe a revelar a natureza do universo e suas transformações. Sua autoria remonta a Hermes Trismegisto, o lendário semideus greco-egípcio, também associado aos deuses Thoth, Hermes e Mercúrio. Sua origem exata é incerta, mas há indícios míticos e históricos que apontam para o Egito Antigo.</p>
<p>Em breve as <strong>Edições Textos para Reflexão</strong> vão lançar minha versão da <em>Tábua de Esmeralda</em>, traduzida e comentada, com introdução luxuosa de Thiago Tamosauskas (de onde foi retirado o parágrafo acima), alquimista praticante e autor do <em><a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0887XS5WQ?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=a584c2c159a240cfa9e86e5b9887a98e&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank">Principia Alchimica</a></em>. Enquanto o e-book não sai (ele está sendo escrito nesse momento), trago aqui a minha tradução da <em>Tábua</em>, que no fim das contas é um texto bem curto mesmo: </p>
<br />
<p><strong>A Tábua de Esmeralda</strong></p>
<p>(1) É verdade, sem falsidade, certo e muito verdadeiro:<br />
(2) O que está embaixo é como o que está em cima e o que está em cima é como o que está embaixo, para realizar os milagres de uma coisa só.<br />
(3) E assim como todas as coisas vieram do Um, pela sua mediação, assim todas as coisas nasceram desta única coisa, por adaptação.<br />
(4) O seu pai é o Sol, a sua mãe é a Lua, o Vento o embalou em seu ventre; a Terra é a sua ama de leite.<br />
(5) A Origem de toda <em>Telesma</em> [1] do mundo está aí.<br />
(6) Seu poder permanece intacto, se estiver voltado para a Terra.<br />
(7) Você irá separar a terra do fogo, o sutil do denso, suavemente e com muito talento.<br />
(8) Suba da Terra para o Céu, e desça novamente à Terra, e receba o poder das coisas superiores e inferiores.<br />
(9) Desse modo você terá a glória do mundo inteiro.<br />
(10) E todas as trevas se afastarão da sua presença.<br />
(11) Aí está a força mais poderosa de todas: aquela que conquista todas as coisas sutis e penetra em tudo o que é sólido.<br />
(12) Assim o mundo foi criado.<br />
(13) Esta é a fonte das admiráveis adaptações que indiquei aqui.<br />
(14) Por isso fui chamado de Hermes Trismegisto, pois possuo as três partes da filosofia de todo o mundo.<br />
(15) O que eu tinha a dizer sobre a Obra Solar está completo.</p>
<p>(tradução por Rafael Arrais) </p>
<br />
<p>***</p>
<p>[1] O termo latino, <em>telesma</em>, veio do árabe <em>ṭilasm</em>, sendo este o idioma onde temos o registro mais antigo da <em>Tábua</em> (os originais se perderam). No árabe, <em>ṭilasm</em> significa "talismã" e/ou "enigma". Obviamente eu vou me aprofundar bastante em seu significado nos comentários do livro. </p>
<p>Crédito da imagem: uma <a href="https://www.meisterdrucke.pt/impressoes-artisticas-sofisticadas/Unbekannt/1147421/Tabula-Smaragdina-T%C3%A1bua-Esmeralda-de-Hermes-Trismegisto%2C-1609..html" target="_blank">gravura</a> (de autoria desconhecida) do <a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CNWTVF6W?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=b51623fedb410541e4572c21b2e62e74&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank">livro de Heinrich Khunrath, <em>Amphitheatrum Sapientiae Aeternae</em></a>, publicado em 1595; esta mesma imagem é usada na capa do nosso livro digital, a ser lançado em breve:</p>
<img alt="" border="0" data-original-height="624" data-original-width="440" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmkPnxm4F5Dl7H0NuWrMrF1TP3kw8K5o9CKuQcdOKcn7slEHiP-BW0OTjkztMdpbMZgjXwjrgmadcKYxRNiCdgVgxturV90sK0wdamrGaylBncEyUj08iYGmGHcZR-BDWjJ66hSE0D_iK6UgBLIPqM6UJ2AY4JIV14hGeKoIo9xRp2NYY42pqE/s1600/cover_A-Tabua-de-Esmeralda-de-Hermes_Rafael-Arrais_Edicoes-Textos-para-Reflexao.jpg" style="display:block;margin:40px auto 60px auto;width:440px;height:624px;" />raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-81201560182711268822024-01-05T15:44:00.002-04:002024-01-05T15:44:37.902-04:00A conversão<img alt="" border="0" data-original-height="450" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_8qCvcV61gGhB1YyETvYz7hFRdcZZoPcem8fvBp_YX_QNJwFwx4ukp4v2OZ2fByD-PWounTSB_rH2yWBAYXyzqkA_9FNx2f27Yf1fR2E4VMD1gwHVf5VQl_SnHjK27zN3GFFvWnARzopcpDug2u4kcxcxSfZFu_1qWZz_HUGvv-0oY8FX6glN/s1600/a-dagger-in-the-desert.jpg" style="display:block;width:700px;height:450px;margin:0 0 30px 0;" />
<p>Ele chegou junto aos primeiros raios de sol da manhã, quando eu abria os portões da mesquita. Suas roupas eram surradas, mas de boa tecelagem; mais parecia alguém rico que havia passado por diversos apuros na estrada para o nosso vilarejo. Quando se aproximou e pude ver seus olhos, percebi que irradiavam um misto de angústia e alívio, como de alguém que tivesse perdido sua vida, mas que estava prestes a renascer. A barba era negra e volumosa, e seu porte físico lembrava o dos guerreiros do Sultão. Ele pareceria ameaçador, não fosse por uma intuição que me dizia “Escute o que esse homem tem a dizer”, e foi o que eu fiz.</p>
<p>Khalid era o seu nome. Ele me disse que desejava fazer a <em>shahada</em>, que estava pronto para se juntar ao Islam, mas que antes precisava me contar uma história, e saber se mesmo assim seria aceito por Allah. Esta foi a sua história:</p>
<p>“Há algumas noites eu ainda era um ladrão, e o único deus que eu conhecia era o deus da adaga. Nesse tempo, eu ainda ganhava a vida assaltando comerciantes desavisados que trafegavam pela entrada entre Tabriz e Coi. Foi assim que vi um deles sozinho, sentado próximo a uma fogueira na beira do lago ao sul dessa região. Era uma presa fácil, ou ao menos foi o que pensei.</p>
<p>Eu me esgueirei sorrateiro como um gato, passo a passo, e quando percebi que o homem não se virou, encostei a ponta da minha adaga na lateral do seu pescoço. O metal era frio, mas mesmo assim o homem não esboçou reação alguma. Após um breve momento, sem se virar, ele falou:</p>
<p>‘Não tenho o que você procura.’</p>
<p>‘Como você sabe que procuro alguma coisa?’ – respondi.</p>
<p>‘Porque é conhecida a intenção de quem se aproxima com a adaga antes de dizer <em>Salam</em>.’</p>
<p>‘Então você deve ter o que eu procuro!’ – insisti.</p>
<p>‘<span class="pull">Não tenho nada além de mim</span>. Nesta situação, já que você não percebeu que não tenho ouro, ou você é estúpido ou cego.’</p>
<p>Até então eu achava que aquele viajante estava somente tentando me enganar, mas quando ele se levantou e virou para mim, a sua face irradiava verdade. Não qualquer verdade, mas uma verdade que jamais soube que existia – até aquele momento. Ainda assim, ainda acreditava que continuava sendo um ladrão. Eis o que ele me disse:</p>
<p>‘Vejo que você não é cego. Mas agora tenho quase certeza da sua estupidez.’</p>
<p>‘E eu tenho quase certeza de que você quer morrer.’ – disse, tentando parecer firme, apontando minha adaga para ele, fingindo que ainda era um ladrão.</p>
<p>O viajante abriu os braços, mas tudo o que podia ver era a luz em seus olhos. Suas palavras eram como um feitiço, um bom feitiço:</p>
<p>‘Então me mate. Vamos. O que lhe impede?’</p>
<p>Eu estava congelado, petrificado. Jamais compreendi o que significava <em>coragem</em> até aquela noite. Seria mais fácil eu fugir dali correndo do que enfiar minha adaga naquele homem. Ainda assim, eu não conseguia sequer sair do lugar. Ele prosseguiu:</p>
<p>‘Aquilo que lhe prende é o fato de você não ter conseguido ver a reação que era esperada. Você é um bandido. Aquele que não quer lhe dar seus pertences puxa a própria adaga. Então, ele o mata, ou é morto, e você pega seus pertences. Mas nesta situação eu não tenho nem ouro nem adaga, e você está tentando entender tal situação. Porque você estava procurando, embora não soubesse o quê. E então você começa a perceber o que está procurando, e o que não consegue encontrar. É como se você fosse uma árvore, com seus galhos, com seus frutos, mas ignorante da própria raiz. Se você notar a raiz, não notará a semente. Se você notar a semente, não notará o solo, e tampouco notará que as pessoas foram criadas com esse solo. Então, deixe tudo ir de vez, deixe tudo ao seu redor e olhe para si mesmo.’</p>
<p>Eu tombei sobre meus joelhos, prostrado ante a realidade daquelas palavras. Era como se minha vida tivesse se iniciado naquele instante. Arremessei longe minha adaga, e disse:</p>
<p>‘Me perdoe.’</p>
<p>‘É você quem deve se perdoar. E, quando o fizer, <span class="pull">busque uma mesquita e faça o juramento. Allah precisa de amigos como você.</span>’</p>
<p>‘Como eu? Um ladrão?’</p>
<p>‘Ambos sabemos que você já não é mais um ladrão. Ora, não foi Issa quem disse: <em>O que acham vocês? Se alguém possui cem ovelhas, e uma delas se perde, não deixará as noventa e nove nos montes, indo procurar a que se perdeu? E, se conseguir encontrá-la, garanto que ele ficará mais contente com aquela ovelha do que com as noventa e nove que não se perderam</em>. Não foi o que ele disse?’</p>
<p>‘Eu sou uma ovelha desgarrada? Sim, é isso o que eu fui, toda a minha vida estive perdido do rebanho.’</p>
<p>‘Você conheceu o caminho do pecado, do ouro fácil, do fio da adaga. Você foi cego e estúpido, mas algo dentro de você nunca desistiu de buscar. Pois eu lhe digo aqui e agora, meu amigo: <em>Aquilo que você busca também está lhe buscando</em>. Vá, encontre uma mesquita, seja um muçulmano.’</p>
<p>E aqui estou eu.”</p>
<p>Aquele homem estava pronto. Ele havia encontrado um wali, um amigo de Allah, alguém que tem o poder de acelerar a conversão daqueles que se encontram perdidos no mundo, mas que jamais desistiram de buscar.</p>
<p>Ele foi aceito na minha mesquita, declarou a <em>sahada</em>, e eventualmente se tornou o meu discípulo mais entusiasmado. Nós nunca soubemos exatamente quem foi o wali que ele encontrou acampando perto do lago, mas pela descrição – um homem vestido como mercador de tecidos – creio que há uma boa chance de ter sido o grande Shams, a luz de Tabriz, quando este se encaminhava para Konya.</p>
<br />
<p><em>raph’24</em></p>
<p>***</p>
<p><strong>Comentário</strong><br />
Boa parte deste conto foi diretamente baseada em uma cena do primeiro episódio da segunda temporada da série de TV <em>Rumi</em> (2023), <a href="https://www.youtube.com/playlist?list=PLDoK5CcjJZA5MTdZ77p5DxOwIidq4m_ig">do canal turco Tabii</a>, escrita por Ali Aydin e dirigida por Can Ulkay. A <a href="https://www.bibliaon.com/parabola_a_ovelha_desgarrada/">parábola</a> da ovelha desgarrada pode ser encontrada em <em>Mateus</em> 18:12-14. Saiba mais sobre a <em>sahada</em> <a href="https://iqaraislam.com/shahada">aqui</a>.</p>
<p>Crédito da imagem: Google Image Search </p>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-49183999466250047692024-01-02T14:06:00.003-04:002024-01-02T14:07:12.112-04:00Lançamento: Vidas Secas, a obra-prima de Graciliano Ramos<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CR9FH7DF?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=bf43bf7464aa1277ab5a6dc0b3da78f4&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank"><span><img alt="" border="0" data-original-height="600" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7vBGYtEy_5gxzXOMOzVCvfrlg47iXnvKbpjVXCLG22zf0jsfrOUpu753eUnODzKCsymkbbJNTrdNXEaCoExMeu0hbDYHmGWgyS0j637PkHQYARooU5QoxGRup3u7zANT3Z_yfOxQJ2JQzhnFYm7XNQ85l__Oj9ooDNSDbhPROYIEK62Ic92xm/s1600/ReleaseAmazon1_Banner.png" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:600px;" /></span></a>
<p>As <strong>Edições Textos para Reflexão</strong> retornam a literatura nacional com a obra-prima de Graciliano Ramos.</p>
<p>Com a sua narrativa intimista de uma família de retirantes do sertão nordestino, o autor traz um retrato brutalmente realista da vida dos homens do campo no início do século 20, que já se viam quase que arrastados para a vida nas cidades, visto que era cada vez mais difícil sobreviver às secas. A sua leitura é uma verdadeira experiência literária: quase podemos sentir o calor do sertão irradiando de suas palavras.</p>
<p><em>Vidas Secas</em> já está disponível na Amazon, em e-book:</p>
<p>
<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CR9FH7DF?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=bf43bf7464aa1277ab5a6dc0b3da78f4&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank" class="bt">Comprar eBook (Kindle)</a>
<!--<a href="https://play.google.com/store/books/details/George_Orwell_1984?id=L-ErEAAAQBAJ" target="_blank" class="bt">Comprar eBook (Google)</a>-->
</p>
<div style="clear:both;"></div>
<br />
raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-36350866607731178912023-12-18T15:02:00.009-04:002023-12-19T19:20:03.276-04:00A teoria da bolsa de ficção, por Ursula K. Le Guin<img alt="" border="0" data-original-height="466" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEpB2Nj_nYcDesfr6arsj4mWK1whY5vxeunyjFh9oXzSav-7KHKJvYEuIprnRx4U1NcwB6_ulLjN8o-TFL3ISLLEsCN-4K-K3JRMtx0k0Bq-modiUn29GGmg_lb_64K2jMmr0vuGxK4ckeZhfZXLyW96hV6kCk4nl8jLjcR2s5WPd3S59gGOaJ/s1600/a-teoria-da-bolsa-de-ficcao_por-Ursula-K-Le-Guin_01.jpg" style="width:700px;height:466px;display:block;margin:0 0 30px 0;" />
<p><strong>Introdução</strong><br />
Décadas antes de Harry Potter, uma escritora já havia enveredado pela temática das escolas de magia e seus estudantes jovens e predestinados. Esta escritora se chamava <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Ursula_K._Le_Guin" target="_blank">Ursula K. Le Guin</a> (1929 – 2018), e ficou mundialmente famosa no campo da literatura fantástica. Ela publicou pela primeira vez em 1959, e sua carreira literária se estendeu por quase 60 anos, produzindo mais de 20 romances e mais de 100 contos, além de poesias, crítica literária, traduções e literatura infantil. O que nos interessa aqui, no entanto, é um texto relativamente curto, que fez parte de uma coletânea de artigos intitulada <em><a href="https://www.amazon.com.br/dp/B073VTJKSL?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=a3bfe6631f4d9787365aa9b02f0eee8a&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank">Dancing at the Edge of the World – Thoughts on Words, Women, Places</a></em> [Dançando nos Limites do Mundo – Reflexões sobre Palavras, Mulheres e Lugares], publicada em 1989. É no miolo deste livro que Le Guin nos trouxe uma nova teoria para as histórias de ficção, baseada mais na bolsa que coleta frutos do que na lança que assassina a caça, mais nas histórias aparentemente sem graça das relações do cotidiano do que nas jornadas heroicas. E este texto é tão impactante, tão abissal em sua profundidade, em sua mudança de paradigmas, que eu simplesmente não poderia deixar de trazê-lo aqui.</p>
<br />
<p><strong>A TEORIA DA BOLSA DE FICÇÃO</strong><br />
<em>por Ursula K. Le Guin; tradução de Priscilla Mello e revisão de Ellen Araujo e Marcio Goldman</em> [1] </p>
<p>Nas regiões temperadas e tropicais onde aparentemente os hominídeos evoluíram em humanos, o principal alimento da espécie eram os vegetais. De 65 a 80% do que os seres humanos comiam nessas regiões nas eras do Paleolítico, Neolítico e na pré- história, era coletado; a carne era o alimento principal apenas no extremo ártico. As imagens dos caçadores de mamutes ocuparam espetacularmente as paredes das cavernas e o imaginário, mas o que nós realmente fizemos para permanecer vivos e saudáveis foi coletar sementes, raízes, brotos, botões, folhas, nozes, frutos, frutas e grãos, além de insetos e moluscos e pássaros, peixes, ratos, coelhos e outros pequenos animais que provêm proteína e podem ser capturados com redes ou armadilhas simples. E nós nem mesmo trabalhávamos muito duro para isso — muito menos que camponeses escravizados após a invenção da agricultura, e muito menos que trabalhadores assalariados desde que a civilização foi inventada. Uma pessoa na pré-história podia ter uma vida boa trabalhando por cerca de quinze horas por semana.</p><p>
Com apenas quinze horas por semana empregadas na busca pela subsistência, resta bastante tempo para fazer outras coisas. Tanto tempo que talvez os mais incansáveis, aqueles que não tinham um bebê por perto para alentar suas vidas, ou alguma habilidade para criar, cozinhar ou cantar, ou mesmo pensamentos interessantes para pensar, decidiram sair e caçar mamutes. Os caçadores mais habilidosos então retornavam cambaleando com uma carga de carne, muito marfim, e uma história. E não era a carne que fazia diferença. <em>Era a história</em>.</p>
<p>
É difícil contar uma história realmente emocionante de como arranquei uma semente de aveia selvagem da casca, e depois mais uma, e mais outra e depois mais uma, e então cocei minhas picadas de mosquito, e ouvi minha filha dizer algo engraçado, e de como fomos ao riacho, bebemos um pouco de água e observamos as salamandras por um tempo, até eu encontrar outro campo de cereais… Não, não se compara, essa minha história não consegue competir com aquela que narra o modo como enfiei minha lança profundamente no titânico flanco peludo enquanto minha filha, empalada por uma enorme presa, se contorcia gritando, com o sangue jorrando por toda parte em torrentes carmesins, e como um outro filho foi esmagado como geleia quando o mamute caiu sobre ele, enquanto eu atirava minha infalível flecha diretamente em seu cérebro através de seu olho.</p>
<p>
Essa história não tem somente <em>ação</em>, ela tem <em>um Herói</em>. Heróis são poderosos. Antes que você possa perceber, os homens e as mulheres no campo de aveia silvestre, bem como suas crianças, e as habilidades dos criadores, e os pensamentos dos que pensam, e as músicas dos que cantam, tudo isso se torna parte do conto do Herói e fica a serviço desse tipo de narrativa. Mas essa não é a história deles. É a história do Herói.</p>
<p>
Quando estava planejando o livro que se tornaria <em>Três Guinéus</em>, Virginia Woolf escreveu um título em seu caderno de notas: <em>Glossário</em>; ela pensava em reinventar o inglês de acordo com um novo plano, para contar uma história diferente. Um dos vocábulos deste glossário é o termo "heroísmo", que segue definido como "botulismo". E herói, no dicionário de Woolf, é "garrafa". O herói como garrafa — uma rigorosa reavaliação. Eu proponho agora a garrafa como herói. Não só a garrafa de gim ou de vinho, mas garrafa em seu sentido antigo de recipiente em geral, de algo que retém outra coisa.</p>
<p>
Se você não tem algo onde guardá-la, a comida escapará — até mesmo algo que não é combativo e desprovido de recursos próprios, como um grão de cereal. Enquanto estão ao alcance das mãos você coloca tantos grãos quanto é capaz em seu estômago, sendo este o primeiro recipiente; mas e amanhã de manhã quando você acordar e estiver frio e chuvoso? Não seria bom ter algum punhado de grãos para mastigar e dar à sua pequena bebê para fazê-la se calar? Mas como conseguir levar para casa algo a mais do que cabe no espaço do estômago ou no das palmas das mãos? Então, você se levanta e vai para o maldito campo de cereais encharcado pela chuva, e não seria bom se você tivesse algo para colocar o bebê e assim colher os grãos com as duas mãos? Uma folha, uma cabaça, uma concha, uma rede, uma tipoia, um saco, uma garrafa, um pote, uma caixa, uma bolsa. Algo que guarde. Um recipiente.</p>
<p><span class="pull">O primeiro dispositivo cultural foi possivelmente um recipiente</span>… Muitos teóricos acreditam que as primeiras invenções culturais devem ter sido um recipiente para guardar produtos coletados e algum tipo de tipoia ou rede para carregar as coisas.</p>
<p>
É isso o que diz Elizabeth Fisher em <em>Women’s Creation</em> (McGraw-Hill, 1975). Mas não, não pode ser. Onde está aquela coisa maravilhosa, grande, longa, rija, um osso, suponho, que o Homem-Macaco primeiro acertou em alguém, como no filme [referência a <em>2001, Uma Odisseia no Espaço</em>], e que, em seguida, grunhindo de êxtase por ter consumado o primeiro assassinato, foi lançado aos céus, e lá girando se transformou em uma nave espacial, abrindo caminho no cosmos para fertilizá-lo e para produzir ao final da trama, um adorável feto, um garoto, é claro, vagando pela Via Láctea, estranhamente sem qualquer útero, sem qualquer matriz que fosse? Eu não sei. Eu nem mesmo me importo em saber.</p>
<img alt="" border="0" data-original-height="313" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjs2m5lGnBV6q74BtS_m6aphDTPnHqCFk0p73TGhD1prGOfqlwdbwED8o1lljwH6lgxerfNCjNRfvanHtVgG4Nzs_69V945CjK1nTuGaw6CWZtx4K9LeWObL9qTCtT22qdq1Agjl2UcdbHQ2mSfHmAPhShmm8O6rC1OsGi9TJd1O84u6C4fHeJ/s1600/a-teoria-da-bolsa-de-ficcao_por-Ursula-K-Le-Guin_02.jpg" style="width:700px;height:313px;display:block;margin:30px 0;" />
<p>
Eu não estou contando essa história. Nós já a ouvimos, todas nós ouvimos tudo sobre todas as lanças e espadas, as coisas para bater e perfurar e açoitar, as coisas longas e rígidas, mas ainda não ouvimos falar sobre onde se colocam essas coisas, o recipiente onde as coisas são guardadas. Essa é uma nova história. <em>Isso é novidade</em>.</p>
<p>
E ainda assim antiga. Antes — certamente muito antes, se você pensar bem — das armas, uma tardia, luxuosa e supérflua ferramenta; muito antes das úteis facas e machados; junto com a indispensável enxada, o moinho e a pá (de que serve desenterrar um monte de batatas se você não tem nada para levar para casa as que não consegue comer?) — junto, ou antes, da ferramenta que extrai a energia para fora, nós fizemos a ferramenta que traz a energia para casa. Faz sentido para mim. Sou uma aliada daquilo que Fisher denomina de Teoria da Cesta [<em>Carrier Bag Theory</em>] da evolução humana.</p>
<p>
Essa teoria não só explica grandes áreas de obscuridade teórica e evita outras tantas bobagens teóricas (habitadas principalmente por tigres, raposas e outros mamíferos altamente territoriais), mas também me deu, pessoalmente, uma base para a compreensão da cultura humana de uma maneira que eu nunca havia pensado antes. Enquanto a cultura foi explicada como sendo originária e tendo se desenvolvido com o uso de longos e rígidos objetos para apunhalar, atacar e matar, eu nunca pensei que eu tivesse, ou quisesse, qualquer participação nisso. (O que Freud entendeu erroneamente como sendo sua falta de civilização, seria, na verdade, a falta de lealdade da mulher à civilização, observou Lillian Smith). A sociedade, a civilização de que falavam esses teóricos, era evidentemente a deles; eles a mereciam, eles gostavam dela; eles eram humanos, totalmente humanos, golpeando, apunhalando, empurrando, matando. Querendo ser humana também, procurei por evidências de que de fato eu era; mas se aquilo era o necessário para sê-lo, fazer uma arma e matar com ela, então, evidentemente, ou eu era um ser humano muito defeituoso, ou nem mesmo humana eu era.</p>
<p>
<span class="pull">É isso mesmo<span class="drop">, eles disseram</span>. Uma mulher é o que você é.</span> Possivelmente, nada humana, certamente defeituosa. Agora, fique calada enquanto seguimos contando a <em>História da Ascensão do Homem, o Herói</em>.</p>
<p>
Vá em frente, eu digo, enquanto volto para a colheita dos grãos, com o bebê na tipoia, e a pequena criança carregando o cesto. Sigam contando como o mamute caiu sobre a criança desafortunada, e como Caim derrubou Abel, e como a bomba caiu em Nagasaki, e como o Napalm caiu sobre os aldeãos, e como os mísseis cairão sobre o Império do Mal, e todas as outras etapas da Ascensão do Homem.</p>
<img alt="" border="0" data-original-height="418" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPAh3ugD1VUfd3iOFpFD0OD-OOXgyfl1cZ4y_ZC29nXYN1lDHNA9Nol1im7EIA3OOk6NLPaAumc0wWjCVKhqYwknc9L81R76IxJziS6ofq63Zm2j3T1ft0KddMYqFL_JImetQjnzNl5IaMVj4uHIjzt0aHftFLHLxnZk23ILlmE0AG5mApcwKu/s1600/a-teoria-da-bolsa-de-ficcao_por-Ursula-K-Le-Guin_03.jpg" style="width:700px;height:418px;display:block;margin:30px 0;" />
<p>
Se for algo humano colocar o que você quer, porque é útil, comestível ou belo, em uma bolsa, cesto, ou em uma casca ou folha enrolada, ou numa rede tecida com seu próprio cabelo, ou no que você tenha à mão e, em seguida, levar para casa com você, a casa sendo um tipo maior de bolsa ou uma grande caixa onde se podem abrigar pessoas e depois, pegar aquilo que armazenou e comer, ou compartilhar ou mesmo guardar mais um pouco para quando chegar o inverno, ou guardar em um pote medicinal, em um santuário ou em um museu, no lugar sagrado, onde se guarda o que é sagrado e, no dia seguinte, provavelmente, fazer a mesma coisa de novo — se fazer isso é humano, se for isso o que é preciso, então eu sou humana, afinal. Totalmente, livremente, com alegria, pela primeira vez.</p>
<p>
Não, diga-se logo, um ser humano afável ou pacífico. Sou uma mulher que está envelhecendo, com raiva, segurando com força a minha cesta, lutando contra bandidos. No entanto, assim como mais ninguém, eu não me considero heroica por fazê-lo. É apenas uma daquelas malditas coisas que você tem que fazer para seguir sendo capaz de colher grãos de cereais e contar histórias.</p>
<p>
É a história que faz a diferença. É a história que escondeu minha humanidade de mim, a história que os caçadores de mamutes contavam do Herói, sobre atacar, empurrar, estuprar, matar. A maravilhosa, venenosa história do Botulismo. A história do assassino.</p><p>
<span class="pull">Algumas vezes parece que essa história está se aproximando de seu fim</span>. E antes que não se conte mais nenhuma história, alguns de nós aqui, na colheita dos cereais em campos de milhos alheios achamos que é melhor começar a contar outra história, com a qual, talvez, as pessoas possam seguir quando a antiga acabar. Talvez. O problema é que todas nós nos deixamos fazer parte da história do assassino [<em>killer story</em>] e, por isso, podemos acabar junto com ela. Desta maneira, é com certo sentimento de urgência que procuro a natureza, o tema, as palavras da outra história, a que não foi contada, a história vital [<em>life story</em>].</p>
<p>
Ela é estranha, não vem fácil, não vem aos lábios sem esforço como a história do assassino; ainda assim, é exagerado dizer que ela nunca foi contada. As pessoas têm contado a história vital há muito tempo, de todas as maneiras e com diversos tipos de palavras. Mitos de criação e transformação, histórias de tricksters, contos populares, piadas, romances…</p>
<p>
O romance é um tipo de história fundamentalmente não-heróica. Claro que o Herói frequentemente conquistou o romance, porque esta é sua natureza imperial e seu impulso incontrolável, conquistar tudo e administrar tudo, enquanto proclama severos decretos e leis para controlar seu pungente impulso de matar. Assim, o Herói, por meio de seus porta-vozes, os Legisladores, primeiro impôs que a narrativa apropriada é aquela que remete à flecha ou à lança, começando aqui e indo direto lá e PÁ! atingindo seu alvo (que cai morto); e segundo, que a questão central da narrativa, incluindo o romance, é o conflito; e, por fim que a história não é boa se ele – o Herói – não estiver nela.</p>
<p>
Eu discordo disso tudo. Eu chegaria ao ponto de dizer que a forma natural, apropriada e adequada do romance poderia ser a de um recipiente, uma cesta. Um livro carrega palavras. Palavras guardam coisas. Elas carregam sentido. <span class="pull">Um romance é uma caixa de medicamentos</span>, guardando as coisas em uma particular e poderosa relação entre si e conosco.</p>
<p>
Uma das relações entre os elementos do romance pode muito bem ser a do conflito, mas a redução da narrativa ao conflito é absurda. (Uma vez li um manual de escrita que dizia: "Uma história deve ser vista como uma batalha", e continuava com estratégias, ataques, vitórias etc.). Conflito, competição, estresse, luta etc. podem ser vistos como necessários ao conjunto da narrativa concebida como uma bolsa/ventre/caixa/casa/pote medicinal, porém são elementos de um todo que, em si mesmo, não pode ser caracterizado como conflito ou harmonia, uma vez que o propósito da história não é a resolução ou o êxtase, mas um processo contínuo.</p>
<p>
Finalmente, é evidente que o Herói não fica bem nessa cesta. Ele precisa de um palco, de um pedestal ou de um pináculo. Você o coloca em uma cesta e ele parece um coelho, uma batata. É por isso que gosto de romances: no lugar de heróis, eles contêm pessoas.</p>
<img alt="" border="0" data-original-height="317" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlzj6IpuKjmw6dpX21ReU6KOdC1yj_mETsssch865lLaNmpjFBrHnvMIB4jnYBvMrKk1fKz2Ee9SuZcyb9Lsu9Z6Ud8ybQd1Lci4WQeosHFd00d5MaR9NpRXE1pBV_yiiG7YHvXiyDL5UidYhD2ljFoqO_4zCzlSd5A0DrE_jMd6iCpTVpUgvL/s1600/a-teoria-da-bolsa-de-ficcao_por-Ursula-K-Le-Guin_04.jpg" style="width:700px;height:317px;display:block;margin:30px 0;" />
<p>
Então, quando comecei a escrever romances de ficção científica, comecei a carregar essa grande cesta pesada de coisas; a minha cesta cheia de fraquezas e bobagens, e de minúsculos grãos de coisas menores que uma semente de mostarda, e de redes intrincadamente tecidas que, quando laboriosamente desatadas, contêm um seixo azul, um cronômetro imperturbável marcando o tempo de outro mundo e o crânio de um rato; cheia de começos sem fins, de iniciações, de perdas, de transformações e traduções, e de muito mais truques do que conflitos, muito menos triunfos do que armadilhas e ilusões; cheia de naves espaciais que ficam presas, missões que falham e pessoas que não entendem. Eu disse que era difícil fazer uma história emocionante de como tirar os grãos de suas cascas, não disse que era impossível. Quem algum dia disse que escrever um romance era fácil?</p>
<p>
Se a ficção científica é a mitologia da tecnologia moderna, então seu mito é trágico. "Tecnologia" ou "ciência moderna" (no sentido que comumente é atribuído a esses termos, como um não refletido diminutivo para ciências-duras e tecnologias de ponta fundadas através do contínuo crescimento econômico) é uma empreitada heroica, hercúlea, prometeica, concebida como triunfo e, por fim, como tragédia. A ficção que personifica esse mito sempre será, e sempre tem sido, triunfante (o Homem conquista a terra, o espaço, os alienígenas, a morte e o futuro etc.) e trágica (apocalipse, holocausto, depois ou agora).</p>
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Se, no entanto, evitarmos o modo linear, progressivo, da Flecha-(assassina)-do-Tempo do Tecno-Heróico, e redefinirmos a tecnologia e a ciência como primordialmente uma cesta de culturas, em vez de uma arma para a dominação, um agradável efeito colateral é possibilitar que a ficção científica seja vista como um campo muito menos rígido e estreito, não necessariamente prometeico ou apocalíptico; e, de fato, menos um gênero mitológico do que realista.</p>
<p>
É um estranho realismo, mas é uma estranha realidade.</p><p>
A ficção científica adequadamente concebida, como toda ficção séria, mesmo que engraçada, é uma maneira de tentar descrever o que realmente está acontecendo, o que as pessoas realmente fazem e sentem, como as pessoas se relacionam com tudo o mais nessa vasta cesta, esse ventre do universo, esse útero de coisas em gestação e esse túmulo de coisas que um dia foram, essa história sem fim. Na ficção científica, como em toda ficção, há espaço suficiente até mesmo para manter o Homem no lugar a que ele pertence, em seu lugar no esquema das coisas; há tempo suficiente para colher muitos grãos e semeá-los também, e cantar para a pequena bebê, e ouvir a piada de sua filha, e observar as salamandras, e ainda assim, a história não acaba. Ainda há sementes a serem colhidas, e espaço na cesta das estrelas.
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<p>***</p>
<p>[1] O texto foi achado online, <a href="https://www.academia.edu/44858388/A_Fic%C3%A7%C3%A3o_como_Cesta_Uma_Teoria_The_Carrier_Bag_Theory_of_Fiction_Ursula_K_Le_Guin" target="_blank">em download gratuito</a> (PDF), sob o título de <em>A ficção como cesta: uma teoria</em>, que talvez seja uma tradução mais correta do título original – no entanto, como este texto ficou conhecido em português como <em>A teoria da bolsa de ficção</em>, achei melhor mantê-lo. A tradução, aliás, é excelente, motivo pelo qual não traduzi novamente eu mesmo. </p>
<p>***</p>
<p><b>Livros recomendados da autora</b> (na Amazon): <a href="https://www.amazon.com.br/dp/8576574691?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=50c72f866349ae1c33dc7a126e964412&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank">Box A mão esquerda da escuridão e Os despossuídos</a>; <a href="https://www.amazon.com.br/dp/6586015421?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=2ca28819e83469b2e693a2ed56e84951&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank">O feiticeiro de Terramar</a> e <a href="https://www.amazon.com.br/dp/8576575663?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=048603524fd240b537bc92aaaac54b98&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank">Sem tempo a perder: reflexões sobre o que realmente importa</a> (não ficção)</p>
<p>Crédito das imagens: [topo] Google Image Search; [ao longo] Cena de <em>2001, Uma Odisseia no Espaço</em>; BBC (Nagazaki logo após o ataque nuclear dos EUA); Google Image Search (Ursula K. Le Guin). </p>
raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-54563627289039202932023-12-15T14:03:00.003-04:002023-12-15T14:04:12.418-04:00Lançamento: Adquirir a sua alma na paciência<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CQ9XV1SF?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=413d9cafe78c16dcb501f767914b07d4&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank"><span><img alt="" border="0" data-original-height="600" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuGiLFUYIcwrYlkRnD4da-oAyNeuNuOGl8YYp0HPkUkFj9jNtiPyclSpSH7WhyphenhyphenuBcrWlmknFQaY_wbk90kkMvRwdfeV32JuNo5XKJHvH2ohgEM33dv9Uy3pJEiI5ZLxgE7uPBFCvKlgeRiSDdyzjxkYIkYfFLyLX1Wvw4aZ5ZDl29EMljb5kQf/s1600/ReleaseAmazon1_Banner.png" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:600px;" /></span></a>
<p>As <strong>Edições Textos para Reflexão</strong> adentram os reinados da filosofia existencialista com um de seus fundadores<em></em>.</p>
<p>Em <em>Adquirir a sua alma na paciência</em>, o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard nos oferece a chave para o encontro e a conquista do nosso "eu". Comentando uma passagem bíblica, o autor nos apresenta um conceito único de "paciência", que tem mais a ver com a teologia do que com a filosofia.</p>
<p>A nova tradução de Rafael Arrais já está disponível na Amazon, em e-book:</p>
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<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CQ9XV1SF?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=413d9cafe78c16dcb501f767914b07d4&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank" class="bt">Comprar eBook (Kindle)</a>
<!--<a href="https://play.google.com/store/books/details/George_Orwell_1984?id=L-ErEAAAQBAJ" target="_blank" class="bt">Comprar eBook (Google)</a>-->
</p>
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<p>» <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2023/12/o-andarilho-de-copenhague.html" target="_blank">Leia também o nosso prefácio para esta edição: <em>O andarilho de Copenhague</em>.</a></p>
<p>» Caso deseje se aprofundar na obra de Kierkegaard, recomendamos <a href="https://www.instagram.com/maitesartori/" target="_blank">seguir o perfil da Maitê Sartori</a> (psicóloga especializada na filosofia do autor) no Instagram, ou quem sabe <a href="https://maitesartori.com/" target="_blank">se increver em algum dos seus cursos</a> sobre o tema.</p>
<br />raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-5062067567312827842023-12-01T13:29:00.007-04:002023-12-15T14:05:14.348-04:00O andarilho de Copenhague<img alt="" border="0" data-original-height="480" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOhLfOc4KQsFwrXwCRNgdv6ehoiVZW9QLbzgPGvQCmjkMs4VUAFWQi4PuLqSFLGAzYCj0Y4FL3hrBSUqThzA89tucH-nDymRsJOiFLZex4CliX3BygXTX91U7zm-tb_eUKRuDxhoL7an1iYHNgoSSZEgb4Sf-S_d5ZoUry7MOTnzl_IyYNin7d/s1600/kierkegaard.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:480px;" />
<p>O texto abaixo foi escrito para compor o prefácio de <a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CQ9XV1SF?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=413d9cafe78c16dcb501f767914b07d4&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank"><em>Adquirir sua alma na paciência</em></a>, o discurso de Soren Kierkegaard que tive a honra de traduzir de versões inglesas. Como a maioria dos meus prefácios, procurei falar sobre não apenas o que o autor nos trouxe em sua obra, mas também sobre como viveu sua vida. Creio que ganhamos muito ao nos imaginar, tal qual o pensador dinamarquês, simplesmente caminhando pelas vielas de Copenhague, saudando as almas que nos cruzam o caminho...</p>
<br />
<p><em>A vida só pode ser compreendida quando olhamos para trás, mas só pode ser vivida olhando para frente.</em></p>
<p>Esta frase, retirada de uma das suas cerca de 7.000 páginas de diários, acabou se tornando uma das mais famosas de Kierkegaard; e, como toda célebre frase de um pensador, resume muito do que ele buscou falar em sua obra. Você arriscaria dizer sobre o que o pensador dinamarquês falou? Bem, se pensou em “autorreflexão”, “autoconhecimento”, ou ainda em “como lidar com a existência humana”, não está muito longe da resposta, seja ela qual for.</p>
<p>
Tendo nascido e vivido em Copenhague, na Dinamarca, Soren Kierkegaard (1813 – 1855) foi ao mesmo tempo melancólico e bem-humorado, ao mesmo tempo filósofo e teólogo, mas quase sempre brilhante. Sua mãe, Ane Sorensdatter Kierkegaard, trabalhou como empregada doméstica antes de se casar com seu pai, Michael Pedersen Kierkegaard. Ela era uma pessoa simples, que não recebeu nenhuma educação formal, mas exerceu uma influência duradoura na vida do filho. Já seu pai, Michael, foi um comerciante de lã muito bem-sucedido. Mesmo sendo um homem severo, cultivava interesse por filosofia e costumava hospedar intelectuais em sua casa. Por conta da influência do pai, ele entrou em contato com os livros de Platão ainda bem jovem, e foi especialmente tocado pela figura de Sócrates.</p>
<p>
Kierkegaard era o mais novo dos sete filhos do casal. Contudo, quando contava 22 anos, já havia perdido cinco dos seus irmãos, tendo restado apenas Peter Kierkegaard, que mais tarde veio a se tornar um bispo luterano. Logo depois, naquele mesmo ano de 1834, foi a vez da sua mãe deixar o mundo; e, poucos anos depois, em 1838, veio o falecimento do pai. <span class="pull">Não admira<span class="drop">, portanto,</span> que o filósofo fosse íntimo dos grandes sofrimentos da existência humana</span>, e que tenha se dedicado justamente a viver da melhor forma possível, apesar deles.</p>
<p>
Com a herança da sua família, Kierkegaard pôde custear a sua educação, a sua vida e várias publicações das suas primeiras obras. Em 8 de setembro de 1840, Kierkegaard formalizou o pedido de noivado a Regine Olsen, jovem dinamarquesa que havia conhecido cerca de três anos antes. No entanto, ele logo se sentiu desiludido com as perspectivas da vida a dois. Encerrou o noivado em 11 de agosto de 1841, apesar de se acreditar que havia um amor profundo entre eles. Nos seus <em>Diários</em>, Kierkegaard menciona a sua crença de que sua “melancolia” o tornava impróprio para o casamento, mas o motivo exato para o rompimento permanece obscuro até hoje. Dali em diante, seu matrimônio seria com a filosofia e, por assim dizer, com a própria existência.</p>
<p>
Uma das primeiras descrições da aparência física do pensador dinamarquês veio de Hans Brochner, um convidado para a festa de casamento do seu irmão, Peter, em 1836: “Eu achei [sua aparência] quase cômica. Na época ele estava com 23 anos de idade. Ele tinha algo bastante irregular em toda a sua forma e usava um penteado estranho. Seu cabelo subiu quase seis centímetros acima de sua testa em uma forma de crista desgrenhada, que lhe dava uma estranha aparência de espanto”. Já o próprio Kierkegaard se descreveu como alguém de composição frágil: “Franzino, raquítico e fraco para poder valer como um homem completo. [E ainda] melancólico, submetido ao sofrimento interior, profundamente ferido de muitas maneiras no íntimo da alma. Bem, a mim só uma coisa me foi concedida: uma inteligência eminente, com certeza para que eu não ficasse inteiramente desarmado”.</p>
<p>
Em seu tempo, as ruas de Copenhague eram tortuosas, de modo que poucas carruagens passavam por elas. <span class="pull">Kierkegaard amava caminhar pelas ruelas e <span class="drop">simplesmente </span>observar o dia a dia das pessoas comuns</span>. Em 1848, ele escreveu: “Eu tinha verdadeira satisfação cristã no pensamento de que, se não houvesse outro, definitivamente havia um homem em Copenhague com quem todas as pessoas pobres poderiam abordar livremente e conversar na rua; se não houvesse outro, havia um homem que, qualquer que fosse o seu círculo social mais frequentado, não se esquivava do contato com os pobres, mas saudava toda empregada que lhe parecia familiar, todo servo, todo trabalhador comum”. Também podemos resumir boa parte da sua teologia sob esse ponto de vista: ao teólogo dinamarquês interessava mais a figura do Cristo andarilho e contador de parábolas do que toda a Igreja que se construiu ao redor dele. </p>
<p>
Sócrates dizia que “uma vida irrefletida não vale a pena ser vivida”, e o pensador dinamarquês levou essa afirmação as últimas consequências. Em <em>O desespero humano</em>, publicado em 1849 e, para alguns, uma das obras inaugurais da filosofia existencialista, Kierkegaard nos apresenta a autorreflexão como uma ferramenta para entender o problema do “desespero”, que para o pensador não derivava da depressão em si, mas antes da alienação do “eu”. Assim, ele classificou diversos graus de desespero. O mais inferior e comum é derivado da ignorância: o indivíduo mal sabe o que o “eu” significa, e não tem a menor consciência da natureza do seu “eu” potencial, a melhor versão de si. Tal desconhecimento é quase uma bênção, e tão sem consequência que Kierkegaard não estava certo se deveria ser classificado como desespero. Segundo ele, o verdadeiro desespero ocorre quando temos mais consciência de nós mesmos, uma vez que os graus mais profundos de desespero derivam de uma profunda consciência do “eu” aliada a uma profunda aversão por esse mesmo “eu”.</p>
<p>
Quando algo dá errado, quando falhamos e, por exemplo, não passamos numa prova, nós aparentemente nos desesperamos porque perdemos algo. Mas numa análise mais atenta, segundo o pensador dinamarquês, fica óbvio que a pessoa não se desespera por conta do fato em si, como não passar na prova, mas antes por conta de si mesma. O “eu” que não conseguiu conquistar seu objetivo se torna intolerável. A pessoa queria se tornar um “eu” diferente, alguém que passou no vestibular, mas agora está presa a um “eu” fracassado, em desespero. Mas seria possível nos desviar desse desespero simplesmente sendo bem-sucedidos em tudo aquilo que desejamos alcançar?</p>
<img alt="" border="0" data-original-height="520" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb6ZfPkY-q1msgY2ussYYIjPKL3bDrUIt5aw9v_6XqVEpftQxtAj0SQK9b4M_FwgYiJIg4OtenOha0EfeoWC43-W8Q0Bpwrii9TVzagkPuGWyfCvmIDQxEgZ5rqulQHiW2zVi5jdoJoatfKU8uNwr2tz7r0GiABEK2DwDSyAUoew1lUe1L3fGt/s1600/Martinus-Rorbye_Copenhague-de-Kierkegaard.jpg" style="display:block;margin:30px 0;width:700px;height:520px;" />
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Para responder esta pergunta, Kierkegaard usou como exemplo um homem que queria se tornar imperador. E demonstrou que, ironicamente, ainda que ele conseguisse alcançar seu objetivo, na verdade ainda teria abandonado o seu antigo “eu”. Ou seja, tanto em seu desejo quanto em sua conquista, ele queria “se livrar de si mesmo”. Ora, essa negação do “eu” é dolorosa: é avassalador o desespero de uma pessoa que quer se afastar de si, que “não possui a si mesma; que não é ela mesma”.</p>
<p>
Mas ele também propôs, é claro, uma solução para tal dilema. Kierkegaard concluiu que um homem poderia alcançar a paz e a harmonia internas se tivesse a coragem de ser seu verdadeiro “eu”, em vez de querer ser outro. “Querer ser quem se é realmente é, na realidade, o oposto do desespero”, ele resumiu. O pensador acreditava que o desespero desaparece quando paramos de negar quem realmente somos e aceitamos a nossa verdadeira natureza.</p>
<p>Em um trecho dos seus <em>Diários</em>, datado de 1835, Kierkegaard esboçava a essência do que viria a tratar em suas obras posteriores:</p>
<p><em>O que eu realmente preciso é ter clareza sobre o que devo fazer e não o que eu preciso saber, a não ser na medida em que o conhecimento deve preceder cada ato. O que importa é encontrar um propósito, para ver o que realmente é que Deus quer que eu faça; </em><span class="pull"><em>o mais importante é encontrar uma verdade que é verdade para mim</em></span><em>, encontrar a ideia pela qual estou disposto a viver e morrer.</em></p>
<p>Em sua busca por si mesmo, por quem realmente é, em oposição às inúmeras máscaras sociais ofertadas pela sociedade da época, Kierkegaard nos deu uma contribuição que já era muito relevante em sua época, e que hoje, na sociedade da ebulição da informação e das redes sociais, se tornou ainda mais relevante.</p>
<p>
Mas foi em <em>Adquirir a sua alma na paciência</em>, um dos <em>Quatro Discursos Edificantes</em>, publicado em 1843, que o andarilho de Copenhague nos ofereceu a chave para o encontro e a conquista de nossa própria alma. Comentando uma passagem do <em>Novo Testamento</em> bíblico, Kierkegaard nos apresenta um conceito único de “paciência”: uma paciência que tem mais a ver com o mundo espiritual, mais com a sua teologia do que com a sua filosofia. Para um estudante de filosofia ou psicologia, tal conceito pode soar demasiadamente místico, até mesmo incômodo. Se for o caso, vá mais além, mergulhe em tal “incômodo”, desvele o que acha que é o misticismo, se aventure pelo misticismo real, a coisa em si: você mesmo – mas tenha toda a paciência do mundo!</p>
<br />
<p>Soren Kierkegaard morreu em 1855, aos 42 anos. Embora a causa de sua morte não seja clara, estudos recentes apontam que a possível causa foi uma doença na coluna vertebral (antes, se achava que ele havia falecido em decorrência da tuberculose). Seu corpo se encontra sepultado no Cemitério Assistens, em Copenhague.</p>
<br />
<p>***</p>
<p>Crédito das imagens: [topo] Desenho não terminado de Kierkegaard feito pelo seu primo, Niels Christian Kierkegaard (c. 1840); [ao longo] Martinus Rorbye (pintura de 1831; retrata a Copenhague da época).</p>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-42100902056128892312023-11-28T14:25:00.008-04:002023-11-28T14:40:30.963-04:00Mas o que exatamente eu sou?<img alt="" border="0" data-original-height="400" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBQwrZos0DwJ0PYJZAQbfAxo5YQoYjN7Gh3r6U7GBHvMxqZtkStQzYmu5T1Xzusftjzn94LqW-AGtDP0lEuGQbcL3SM4GvPudGea-SLOyjIwiDveSqx5XwUggVCS6UgkkRLVodXnxDn9pCD254a_quD6FVFqvhPnLFBUK49mnsS2V23bgugF23/s1600/descartes.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:400px;" />
<p>René Descartes foi um dos grandes pensadores modernos, tanto que é considerado por alguns como “o fundador da filosofia moderna”, e por outros como “o pai da matemática moderna”. E, de fato, ele foi tão ou mais importante para a ciência e a matemática quanto o foi para a filosofia em si. Entretanto, se formos analisar hoje pelo que Descartes é mais lembrado, será difícil escapar da sua célebre afirmação:<br />
<br />
<em>Penso, logo existo.</em></p>
<p>Tal frase, cuja tradução do latim original – <em>cogito ergo sum</em> – seria melhor definida como “Penso, logo sou”, surgiu em um livro que a princípio era quase que um prefácio para outras obras mais científicas, intitulado <em>Discurso sobre o Método</em>. Nesta obra, escrita em 1637 e publicada originalmente na Holanda, pois nessa época o pensador francês residia por lá, Descartes propõe um modelo quase matemático para conduzir o pensamento humano, uma vez que a matemática tem por característica a certeza, a ausência de dúvidas. De acordo com o próprio autor, parte da inspiração de seu método (descrito nesse tratado) veio de três sonhos ocorridos na noite de 10 para 11 de novembro de 1619: em tais sonhos lhe surgiu “a ideia de um método universal para encontrar a verdade”.</p>
<p>E o método de Descartes entrou para a história, ao ponto de se confundir com as bases do próprio método científico como veio a ser conhecido de lá para cá. Mas o que me interessa discutir aqui é a tal frase, o “penso, logo sou”. Como exatamente ele chegou nela?</p>
<p>Ora, Descartes estava preocupado com a validade das evidências que poderiam comprovar as verdades da nossa existência. Se devemos questionar tudo, <span class="pull">por que devemos confiar nas informações que colhemos da natureza<span class="drop">, já que tudo passa pela interpretação dos nossos cinco sentidos</span>?</span></p>
<p>Tudo o que olhamos, cheiramos, escutamos, tocamos ou saboreamos só pode ser analisado pela consciência quando passa pelos nossos ouvidos, olhos, boca, tato e nariz. E, para piorar, essa interpretação é pessoal e intransferível. Como confiar que todas as pessoas perceberiam esses estímulos da mesma forma, permitindo que uma verdade se tornasse válida para todos?</p>
<p>O francês concluiu que nós só temos a capacidade de duvidar dos nossos sentidos (isto é, pensar) porque estamos vivos para receber esses estímulos. Ter a convicção da nossa existência seria a única coisa da qual não podemos duvidar. Eis as suas palavras, traduzidas do original:</p>
<p>“[...] ao analisar com atenção o que eu era, e vendo que podia presumir que não possuía corpo algum e que não havia mundo algum, ou lugar onde eu existisse, mas que nem por isso podia supor que não existia; e que, ao contrário, pelo fato mesmo de eu pensar em duvidar da verdade das outras coisas, resultava com bastante evidência e certeza que eu existia; ao passo que, se somente tivesse parado de pensar, apesar de que tudo o mais que alguma vez imaginara fosse verdadeiro, já não teria razão alguma de acreditar que eu tivesse existido; compreendi, então, que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de lugar algum, nem depende de qualquer coisa material. De maneira que esse eu, ou seja, a alma, por causa da qual sou o que sou, é completamente distinta do corpo e, também, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, mesmo que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é.</p>
<p>Depois disso, considerei o que é necessário a uma proposição para ser verdadeira e correta; pois, já que encontrara uma que eu sabia ser exatamente assim, pensei que devia saber também em que consiste essa certeza. [Assim, percebi] que nada há no <em>eu penso, logo sou</em> que me dê a certeza de que digo a verdade, salvo que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir.”</p>
<p>Ou seja, ainda que tudo o que percebemos com os sentidos desde que nos entendemos por gente for algum tipo de ilusão, e ainda que não possamos obter uma certeza derradeira e absoluta sobre basicamente nenhuma verdade, ainda assim não podemos negar que existimos, que estamos aqui pensando sobre a existência. <span class="pull">Descartes havia encontrado a única certeza genuína da filosofia</span>, a única que não pode ser questionada. E vejam que, ainda assim, o fato de existirmos não significa que tenhamos sequer a certeza sobre a nossa própria vontade, ou liberdade de agir; porém, fato é que <em>algo existe, e não nada</em>.</p>
<p>Agora, me desculpem, mas nesse momento não posso deixar de sorrir ante tamanha ironia, isto é: que um dos tratados que servem de alicerce para o próprio método científico, que um dos pilares da racionalidade moderna seja mais lembrado justamente por sua afirmação mais mística, mais espiritual, ainda que a imensa maioria dos que esbarraram nela não tenha percebido sua profundidade abissal.</p>
<p>Sim, pois muitos se comportam diante dela como aqueles que estavam se preparando para a sua primeira aula de mergulho na praia mas, ao ver a placa informando “Perigo, correnteza forte”, preferiram se abster de mergulhar. Tivessem mergulhado, a primeira coisa que teriam de se deparar era com a continuação até mesmo óbvia da preposição de Descartes:</p>
<p><em>Penso, logo sou. Mas o que exatamente eu sou?</em></p>
<img alt="" border="0" data-original-height="467" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3SAkQt0jHqeNCxP1Sx0vHwTjFak4iOQud_XvJD-ZlvVocL7SFm4Uq1_x_pYlJyeyZHIrIMNQ-Bv1Ox9u5snsRY_phWNAh3QrMxqh32MVDn_EhZJwFFALWhcAEjCcNhyTFmzyWUxZMGz0M-Zhno6epci5C4LEgHcoVOxfvquB7Kt3F3ICBAej7/s1600/cristofer-maximilian-YK8Mvocj6yE-unsplash.jpg" style="display:block;margin:30px 0;width:700px;height:467px;" />
<p>Então cairiam de cabeça no misticismo, ou seja, na tentativa de conceber a verdadeira natureza do que existe, do que é. E poderia falar aqui de Parmênides, dos estoicos, de Plotino ou Benedito Espinosa, mas será mais fácil se deixarmos a filosofia de lado e recorrermos à poesia, mais precisamente a poesia de Jalal ud-Din Rumi, um poeta sufi (o misticismo do Islam) que viveu no século XIII. Eis o que ele soube nos dizer sobre o tema:</p>
<p><em>Na verdade nós somos uma só alma, eu e você. Nos mostramos e escondemos, você em mim, eu em você.</em></p>
<p><em>Eis o sentido profundo da nossa relação: é que entre você e eu não existe nem eu nem você.</em></p>
<p>Os poemas de Rumi eram um eterno diálogo entre ele e Allah, ou Deus. Mas a ideia principal, a que permeia toda a sua obra, e também a de todo místico genuíno, é justamente esta: “entre eu e você, não existe nem eu nem você”. O que existe é o que é, sempre foi e será, justamente porque existe, porque não é nada. Mas isto não se entende com palavras.</p>
<p>Afinal, se fosse necessário pensar através de alguma espécie de linguagem, por mais rudimentar que fosse, então não existiríamos enquanto recém-nascidos, e só passaríamos a existir a partir de dado momento desta vida. Ocorre que mesmo tal ideia é absurda nesse contexto: “passar a existir”. Não faz o menor sentido. Mas isto também não se entende com palavras.</p>
<p>E, mesmo no ápice de sua racionalidade, o próprio Descartes intuiu a mesma coisa, embora talvez não tenha conseguido se expressar através de um conceito cristão. Pois o pensador francês ainda defende a existência de Deus poucas páginas após o trecho que eu trouxe acima. E, para tal, ele se vale de uma lógica que muitos consideram até mesmo infantil: ele afirmou basicamente que o fato de concebermos a ideia da perfeição e do infinito, mesmo sendo imperfeitos e finitos, era a prova da existência de Deus.</p>
<p>Faltou a Descartes justamente ir um pouco além, e mergulhar nos mares abissais do Grande Mistério. Nós não “concebemos” Deus, nós <em>somos</em> Deus. Nós somos o que existe.</p>
<p>***</p>
<p>Crédito das imagens: [topo] Corbis (Descartes); [ao longo] Cristofer Maximilian/unsplash.</p>
raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-66720993687699504752023-11-27T14:12:00.004-04:002023-11-27T14:12:43.462-04:00Lançamento: Mensagem Sufi de Liberdade Espiritual<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CNYBXCMM?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=ed1e7923619f40be7914c948dfc346c8&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank"><span><img alt="" border="0" data-original-height="600" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3XvSr7QfPibCMN0t0D_xs2k4cckmlF18uiHWQQgWDKPLOglfik9PJSt0QhxH6N0JYLMPDMVOiBAk0rnnJyTQa9MqtP7XUj1gAeK-rdQuyrcdLjYDRUVeiCXBSnyE0Df5yU6UN7GqaWhXl-hpAYDBVRri0yRXLfO5c9f7MNed92d3Che3v0EwW/s1600/ReleaseAmazon1_Banner.png" style="display:block;width:700px;height:600px;margin:0 0 30px 0;" /></span></a>
<p>As <strong>Edições Textos para Reflexão</strong> retornam ao sufismo com seu maior divulgador no Ocidente<em></em>.</p>
<p>Hazrat Inayat Khan nasceu na Índia e desde o berço conviveu com a música e a poesia, eventualmente se tornando reconhecido no Ocidente tanto como músico quanto como místico sufi. Muitas de suas palestras foram compiladas por seus estudantes numa coleção de livros conhecida como <em>A Mensagem Sufi</em>: este é o primeiro deles.</p>
<p>A nova tradução de Rafael Arrais já está disponível na Amazon, em e-book:</p>
<p>
<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CNYBXCMM?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=ed1e7923619f40be7914c948dfc346c8&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank" class="bt">Comprar eBook (Kindle)</a>
<!--<a href="https://play.google.com/store/books/details/George_Orwell_1984?id=L-ErEAAAQBAJ" target="_blank" class="bt">Comprar eBook (Google)</a>-->
</p>
<div style="clear:both;"></div>
<br />raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-44018713545671831602023-10-17T14:25:00.006-04:002023-10-17T14:25:50.073-04:00Sofia<img alt="" border="0" data-original-height="485" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzbexd1A5ZhlbVKhecDJn7DP7UfAKJZF-Wr_r5uGB7js70Ppxpo821XptWTcQXBxgXSEppZ7buUL6560nYsCUR3k5Lqlu1a4W57XS9aVvPtXKpvISNWpjcpxtqrLcwq7HryDUEYSe2-ev_aNgYdO7pB0D_q47QPwkv4jgbHkolbDnbCZW156mF/s1600/pistis-sophia.jpg" style="width:700px;height:485px;display:block;margin:0 0 30px 0;" />
<p>Quando a luz precisa se manifestar<br />
não há nada que se interponha em seu caminho:<br />
ai de quem tentar!<br />
Mas benditos são os que nela se banham<br />
por inteiro.</p>
<p>Por esse dias houve aqui<br />
um encontro de almas que,<br />
se não eram afins,<br />
se não se viam afins,<br />
foram afinadas pelo destino.<br />
É isso o que a luz faz!</p>
<p>Por esses dias<br />
vimos mulheres que se põe firmes, de pé,<br />
questionando livros sagrados,<br />
e também vimos homens<br />
que se permitem chorar.</p>
<p>Por esse dias <br />
vimos quem recitasse a Tábua de Esmeralda de cor(ação),<br />
e quem nos transportasse de volta<br />
à época da Arte das Musas.</p>
<p>Por esses dias<br />
vimos que a via esquerda também pode ser mística, <br />
e a direita, rigorosa.</p>
<p>Por esses dias a luz veio e refletiu em todo lugar,<br />
em toda profundeza,<br />
em bruxos e romanis,<br />
em magos e monjas,<br />
em poetas e médiuns,<br />
em vivos e mortos.</p>
<p>Por esse dias <br />
vimos que a Revolução do Haiti <br />
é aqui: no coração;<br />
e que dia virá em que faremos tudo o que os iluminados fizeram<br />
e muito mais;<br />
para que o Céu se assente neste mundo<br />
e não no próximo.</p>
<p>Bendita seja Sofia.<br />
Bendita é esta luz<br />
que foi criada<br />
para se refletir.<br />
Bendita é a alma<br />
que sabe que é espelho.</p>
<br />
<p><em>raph'23</em></p>
<p><em>(inspirado em experiências do <a href="https://www.simposiosofia.com.br/" target="_blank">Simpósio Sofia</a>)</em></p>
<p>***</p>
<p>Crédito da imagem: Google Image Search </p>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-76052342018256136262023-09-29T16:41:00.000-04:002023-09-29T16:41:02.133-04:00Minha tradução de O Príncipe publicada pela Faro Editorial
<img alt="" border="0" data-original-height="500" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjERzk_aLE3z7qwyCJSjZElyAEhVrfXQtqTq9YlfOQyDqpEYTQQGivy7o1nq80CEoe2WqI5tdGhhOb_8kWT_AzeW88pDZ6dcgXA2V9Wig8XJmF3s8ooAIMqnLogT8jrWUBZ2iCq5JjqZElF1aqL9ZPv84v0AWtbwbME338DY8mtGG8ieEVxRhey/s1600/livros-faro-oprincipe-capa.jpg" style="width:700px;height:500px;display:block;margin-bottom:30px;" />
<p>Em 2020 <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2021/02/o-ano-em-que-virei-tradutor-profissional.html" target="_blank">eu vendi três das minhas traduções à Faro Editorial</a> e me tornei definitivamente um tradutor profissional. Este ano negociei mais uma das minhas traduções com a Faro, o célebre <em>O Príncipe</em> de Nicolau Maquiavel.</p>
<p>Logo abaixo trarei imagens da edição, que já foi lançada. Eu não recebo direitos autorais pela venda do livro, pois a negociação de uma tradução se dá por um pagamento único, como a venda de um produto mesmo. No entanto, caso vocês o comprem na loja da Amazon utilizando o link abaixo, eu ganharei uma comissão praticamente equivalente à parte que um autor leva de direitos autorais :)</p>
<p>Eis as imagens do livro:</p>
<img alt="" border="0" data-original-height="700" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivuvR8rIfhv01mF0MxU5y_nCsLgBqIO1g1W4ZkWHFIRdZ1mHjW1PU3x2csgbxTkepSh2Q8ek5lJ3tTzkCzBDNi-CWJc9LcBUIx91V_YLe-K6vHzzWYgk4Ce7de2CL7QcCrQCmm9NoiBUg4rShDSwjOdYwoDR7I1gGOFGnhW3YI0Aiqjyldd6dW/s1600/livros-faroeditorial-oprincipe.jpg" style="width:700px;height:700px;display:block;margin:30px 0;" />
<p><a href="https://www.amazon.com.br/dp/6559573494?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=c6a7df4921e2ac70acd4835440acff88&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank" class="bt">Comprar <em>O Príncipe</em> na Amazon</a></p>
<div style="clear:both;"></div>
<p>***</p>
<p>Obs.: <em>O Príncipe</em> foi publicado pelo selo Avis Rara, da Faro Editorial.</p>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-10045893588991749112023-09-20T14:11:00.002-04:002023-09-20T14:38:20.781-04:00O pão que um demônio amassou<img alt="" border="0" data-original-height="413" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxhUs7eIGyMwN9jVGGIkkXTyAhn2yY6YrjdDbW90n24CPuoHWTZLJ5lBwDGNP4hyqfDcpXfeWOffS3J2QPxAEqSWrmTW6irLf_T_1ZEK7J8wdNKAS47JCgqgdvXsr_URBIGvAODVRRoQ8UCebIrGdRQerdDfa6KAQV6cNLWIMhwF6FfRi0vg-b/s1600/annie-spratt-9DkKRpI9MsQ-unsplash.jpg" style="width:700px;height:413px;display:block;margin:0 0 30px 0;" />
<p>Diz o Padeiro como fazer pão:<br />
jogue a farinha numa vasilha<br />
e vá adicionando água aos poucos;<br />
então trabalhe a massa com as mãos<br />
acariciando-a enquanto ainda está mole.</p>
<p>Aqui o ingrediente mais essencial<br />
é o tempo!</p>
<p>Dizem que Deus também nos fez assim:<br />
nos pegou da terra mole<br />
e acariciou, acariciou, acariciou,<br />
até que surgissem homens e mulheres,<br />
cada um único na Criação.</p>
<p>Mas faltou dizer em que tempo<br />
isso se deu; e também responder:<br />
“E Deus por acaso tem mão?”</p>
<p>Seja como for, não vale ter pressa<br />
na feitura do pão. Pois que, ao fim,<br />
é esta massa que vai ao forno<br />
arder, arder e arder,<br />
até dourar.</p>
<p>Após dourado, cada pão é o que é,<br />
e devemos agradecer pelo pão de cada dia,<br />
seja ele da massa que for,<br />
ou mesmo o pão<br />
que um demônio amassou.</p>
<p>Pois se saímos da terra mole inacabados,<br />
há que se ter alguém para nos socar,<br />
e socar, e socar, e socar,<br />
até que fiquemos assim,<br />
bem amassados,<br />
prontos para ir ao forno.</p>
<p>E daí, quem sabe, possamos concordar<br />
com o Padeiro: o tempo é, de fato,<br />
absolutamente essencial<br />
para que cada pão-alma<br />
seja dourado.</p>
<br />
<p><em>raph'23</em></p>
<p><em>(inspirado por trecho da peça Seco, do grupo teatral <a href="https://www.instagram.com/fulanodital/" target="_blank">Fulano di Tal</a>, em Campo Grande/MS)</em></p>
<p>***</p>
<p>Crédito da imagem: Annie Spratt/<em>Unsplash</em> </p>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-9407358402396242632023-09-12T18:36:00.005-04:002023-09-14T17:47:02.743-04:00Deuses endemoniados<img alt="" border="0" data-original-height="490" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjssst82EyXFkFEOhao_EaiCPG4VJ66OZNveKrGDrrV0rOwSEo8xH3JJpo3kN3EKQBOPzrjod83UFgt_Ckbf1Z_eVQaGQAt1Lt9_QiSbEsbBkCPokGHSBLRE-F4c3Fwi-aG8ltgz-d_yo7OYpz2UKiespJHyJtzrgBJEONHFSshofjdCnpznjVQ/s1600/puja-do-fogo.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:490px;" />
<p><em>Incertos os locais e os tempos em que viveram. Os tempos: mais de três mil anos atrás. [...] A área: o norte do subcontinente indiano, mas sem fronteiras precisas. Não deixaram objetos nem imagens. Deixaram somente palavras. Versos e fórmulas que marcavam rituais. Meticulosos tratados que descreviam e explicavam esses mesmos rituais.</em> [1]</p>
<p>O <em><a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Rigueveda" target="_blank">Rigveda</a></em> é um dos textos mais antigos da humanidade. Escrito em sânscrito, a ancestral língua sagrada dos hindus, ele detalha em minúcias os rituais e sacrifícios endereçados aos seus deuses primordiais, ou <em>devas</em>. Agni, <em>deva</em> do fogo, era tão importante que é o seu nome que inaugura a primeira linha do <em>Rigveda</em>. Depois dele, vieram muitos, muitos outros: Indra, Mitra, Varuna, Krishna, Shiva, Ganesha, a lista chegaria literalmente aos milhares.</p>
<p>Hoje o <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A2nscrito" target="_blank">sânscrito</a> é considerado uma língua morta, isto é, sem falantes nativos. Entretanto ele faz parte do conjunto de línguas oficiais da Índia, pois é até hoje extensivamente utilizado nos rituais religiosos, incluindo o canto de mantras. Mas, se hoje o sânscrito está longe de estar morto de fato, há milhares de anos ele serviu com base para a escrita de tantos documentos que pesquisadores estimam que há mais escritos antigos em sânscrito do que em latim e em grego antigo, somados.</p>
<p>Ao longo dos <em>Vedas</em>, os textos sagrados hindus, do qual o <em>Rigveda</em> foi o primeiro, os deuses são chamados de <em>devas</em> desde sempre. A palavra sânscrita <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Deva_(hindu%C3%ADsmo)" target="_blank">deriva da raiz <em>div</em></a>, que significa “resplandecente, fonte de luz, luminoso”, e cujo uso como adjetivo remonta a algo “celeste, divino”. De vez em quando, <span class="pull">os <em>Vedas</em> mais antigos associavam os <em>devas</em> a um outro nome, <em><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Asura" target="_blank">asura</a></em></span>. Como veremos, este termo sânscrito foi consideravelmente ressignificado ao longo dos séculos, mas lá no início ele parecia se referir a uma qualidade: “poderoso”. Portanto, inicialmente muitos <em>devas</em> tinham a qualidade <em>asura</em>, e até mesmo alguns reis védicos eram associados ao termo. </p>
<p>Com o passar do tempo, no entanto, <em>asura</em> veio a significar coisa muito diferente: primeiro, semideuses sobre-humanos com boas e más qualidades; e, eventualmente, algo que se assemelha em muito ao que chamamos de demônios no Ocidente cristão. Ao que parece, os <em>asura</em> se tornaram deuses endemoniados, mas por que será que o termo passou por uma ressignificação tão radical?</p>
<p>Há <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Asura#Indo-Aryan_context" target="_blank">uma teoria muito interessante</a> que conecta o termo sânscrito a um termo muito parecido de um idioma que serviu como base para os textos sagrados do <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Zoroastrismo" target="_blank">zoroastrismo</a>, religião da antiga Pérsia: tal idioma era o <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_av%C3%A9stica" target="_blank">avéstico</a>, um primo do próprio sânscrito. Segundo os <em>Gatas</em>, os livros mais importantes da religião persa, cuja autoria é atribuída ao próprio Zoroastro, os deuses podiam ser divididos em duas classes: os <em>ahuras</em> eram aqueles dignos de adoração, enquanto os <em>daevas</em> deveriam ser evitados. O termo <em><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Ahura" target="_blank">ahura</a></em> estava, inclusive, associado ao próprio nome do deus e criador supremo dos seguidores dos <em>Gatas</em>: Ahura Mazda.</p>
<img alt="" border="0" data-original-height="444" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLTrL9aTZFp8R106DH9oCZjk77IjJuKbBpi82WyALJusUZ7uCkhO04ErKeToZC1fwWdLWYWx_Yix86g1uLx8ZRse_zF7MjMdH3M9ONscyHzMHid9ndc0ybACPWom97nVlBmh0GmyfdoRvPRPjQkIAPSrmlAeWNo4TLYhEpqIR4JpbXJYOXXTmA/s1600/ahura-mazda.jpg" style="display:block;margin:30px 0;width:700px;height:444px;" />
<p>Com o passar do tempo, entre os zoroastristas os <em>daevas</em> foram sendo cada vez mais demonizados. Se antes eram somente deuses menores, indignos de adoração, eventualmente se tornaram... adivinhem? Isso mesmo: algo que se assemelha em muito ao que chamamos de demônios no Ocidente cristão. E não é necessário se aprofundar muito mais para notar o que a teoria nos diz: para os hindus, os deuses (<em>ahuras</em>) dos <em>Gatas</em> se tornaram demônios (<em>asuras</em>), ao passo que para os zoroastristas foi justamente o oposto, os deuses (<em>devas</em>) dos <em>Vedas</em> é que viraram demônios (<em>daevas</em>).</p>
<p>Aliás, conhecendo a humanidade como conhecemos, não é difícil compreender como essa teoria pode ter base sólida na realidade. Afinal, quantos não foram os povos ditos civilizados que classificaram todo e qualquer estrangeiro como bárbaro? E quantos não foram os religiosos que chamaram seus rituais de “religião oficial”, e todos os demais de “magia e bruxaria”? Assim, para boa parte da humanidade, o deus de um povo era o demônio do outro, e vice versa; mas terá sido sempre assim?</p>
<br />
<p><em>Pelo que dela me contaram, acho que não há nada de bárbaro e selvagem nessa nação, a não ser que cada um chame de barbárie o que não é seu costume. Assim como, de fato, não temos outro critério de verdade e de razão além do exemplo e da forma das opiniões e usos do país em que estamos. Nele sempre está a religião perfeita, o governo perfeito, o uso perfeito e consumado de todas as coisas.</em> [2]</p>
<p>Quando os padres europeus vieram ao Brasil, então recém-descoberto por eles (mas os índios chegaram milênios antes), se depararam com a dupla tarefa de evangelizar tanto os indígenas quanto os escravizados africanos. E, se entre os índios havia tantos povos distintos que foi difícil determinar um único conjunto de deuses, entre os africanos essa etapa foi mais simples, pois muitos deles cultuavam os chamados orixás, que eram como deuses da natureza.</p>
<p>Não demorou muito, e <span class="pull">eles tentaram identificar qual dos orixás seria o representante do mal,<span class="drop"> isto é,</span> o demônio</span>. Como encontraram um símbolo de Exu com um pênis ereto, e como muitos deles associavam o sexo ao pecado, e o pecado ao mal eterno, ficou acertado assim, de forma um tanto apressada, que na falta de um representante melhor, <a href="https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/nao-sou-o-diabo-sou-exu/" target="_blank">Exu seria o Coisa Ruim</a>.</p>
<p>Ora, ocorre que entre os orixás, assim como entre muitos outros panteões, inclusive o dos deuses gregos, não há um representante do mal, um adversário direto do Criador, muito menos um anjo caído. Veja bem: isto não significa que os orixás, ou até mesmo os demais deuses, não possam praticar atos de maldade, eles apenas não <em>representam</em> o mal. Os deuses em geral já cometeram desde adultérios a genocídio generalizado por meio de dilúvios, mas isso por si só não quer dizer que Zeus e Jeová (para dar nome aos bois) sejam demônios, muito pelo contrário. Então, <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2010/10/palavras-de-exu-rei.html" target="_blank">por que diabos Exu deveria ser demônio</a> somente porque foi visto com o pênis ereto?</p>
<img alt="" border="0" data-original-height="420" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRV-yoWyVsaKy0zfpV_CAFIwJreEErJJohgczY-iXzabtBUPbFdnK7TMHKEdTzBNg18xGl8SudlNKzKh-1-GD6WjFlTSs4L2Ph3L3OSrmRYF1QITMdSENXQ-qnAbosgwpvr614AUNEkvOy1cE2xXf9EYyv5_2vH3gqXp9CvYpwc8T7_XKbtDg-/s1600/exu-carnaval-2022-Grande-Rio.jpg" style="display:block;margin:30px 0;width:700px;height:420px;" />
<p>Uma das possíveis explicações para a ausência de um representante do mal entre os orixás pode ser o fato de que os povos africanos que cultuavam tais entidades da natureza não travaram nenhum tipo de conflito cultural, onde a religião de um povo tentou se infiltrar no território de outro, como provavelmente se passou entre os hindus e os zoroastristas. Mas talvez a explicação seja ainda mais simples, talvez o próprio demônio não seja exatamente aquilo que a maioria pensa.</p>
<p>O termo “demônio” vem do latim, <em><a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Daemon" target="_blank">daemon</a></em> (em grego, <em>daimon</em>) cuja tradução aproximada está mais próxima do que chamamos hoje de “espírito”. Aliás, a prova de que o termo não era originalmente associado a algum ser maléfico, ou grupo de entidades que representavam o mal, e somente o mal, é que os gregos antigos usavam termos como <em>eudaemon</em>, um espírito ordeiro, e <em>cacodaemon</em>, um espírito caótico. Mesmo o <em>cacodaemon</em> não seria necessariamente mal, mas antes uma espécie de espírito zombeteiro, que não seguia as regras. O próprio Sócrates, grande sábio da filosofia grega, dizia estar em contato constante com seu <em>daemon</em>, isto é, uma espécie de espírito guardião.</p>
<p>E, se ainda não foi o suficiente para mudar sua opinião, os gregos ainda tinham um termo muito curioso para expressar uma espécie de estado de plenitude do ser, de grande felicidade e contentamento ante a existência, <em><a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Eudaimonia" target="_blank">eudaimonia</a></em>. E o que significa <em>eudaimonia</em>? Ser habitado por um bom <em>daemon</em>, viver sob a influência de um bom espírito.</p>
<p>Assim, da próxima vez que alguém passar pelo seu caminho desesperado, temendo o demônio que dobrou a esquina, diga para que não fuja, diga para chamá-lo para tomar um café. Vai saber, talvez o seu demônio na realidade seja o seu próximo grande amigo.</p>
<br />
<p><em>(este texto eu dedico ao <a href="https://www.youtube.com/watch?v=KO9knb3fcFg" target="_blank">meu amigo Robson Belli</a>, pelo conjunto da Obra; a ideia inicial surgiu de um comentário do <a href="https://www.youtube.com/watch?v=SnJQEGhByB4" target="_blank">Guilherme Romano no Boteco Mayhem</a>) </em></p>
<p>***</p>
<p>[1] Trecho do início de <em>O ardor</em>, de Roberto Calasso (trad. Federico Carotti; Companhias das Letras).</p>
<p>[2] Trecho dos <em>Ensaios</em> de Montaigne, mais precisamente do ensaio intitulado <em>Sobre os canibais</em>, onde ele comenta sobre o que ouviu falar dos índios brasileiros (trad. Rosa Freire D’Aguiar; Companhia das Letras).</p>
<p>Crédito das imagens: [topo] raph (<em>puja</em>, ou ritual do fogo, celebrado de forma muito similar aos <em>Vedas</em>, aqui em Campo Grande/MS, por <a href="https://www.instagram.com/premaeabhishek/" target="_blank">Atmaji e seus discípulos</a>); [ao longo] Google Image Search (representação clássica de Ahura Mazda); Guito Moreto/O Globo (Exu representado no desfile da Grande Rio na Marquês de Sapucaí; a escola venceu o Carnaval de 2022).</p>
raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-57993543771440609322023-09-06T13:56:00.005-04:002023-09-06T13:56:58.408-04:00Lançamento: Fédon (ou Da Alma)
<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CHCB57XV?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=9880c973ffb27c51ac660399ca10367e&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank"><span><img alt="" border="0" data-original-height="600" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjza5cuhc7TZN6TF6XJ59SANE3IOLGapdKLQOD0o0XkS9CakeaRj85ml7p_znzyj2oXG1lk4sOzforzVNumfAwvoi7f4YecqZ8Qld-W8BECHL9MI8LRymbwDqn8AVAoiiJRoWkcrraJA8SbkpsvhgrDkCvClPG4e2Q-HCV8_-9B4fNPT69Ab-NG/s1600/ReleaseAmazon1_Banner.png" style="width:700px;height:600px;display:block;margin:0 0 30px 0;" /></span></a>
<p>As <strong>Edições Textos para Reflexão</strong> voltam aos primódios da filosofia ocidental com o seu maior clássico<em></em>.</p>
<p>Seja para concordar ou discordar, fato é que boa parte dos pensadores do Ocidente iniciaram sua jornada filosófica justamente por Platão. E é em <em>Fédon (ou Da Alma)</em> que temos ao mesmo tempo o ápice e a melhor introdução possível ao seu pensamento. Em <em>Fédon</em>, somos apresentados ao chamado Mundo das Ideias e ao conceito de transmigração das almas, que podem sim seguir para o além-vida, o Hades, mas que também podem retornar, para aprenderem, vida após vida, a se tornarem melhores e mais sábias. </p>
<p>A nova tradução de Rafael Arrais já está disponível na Amazon, em e-book:</p>
<p>
<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0CHCB57XV?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=9880c973ffb27c51ac660399ca10367e&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank" class="bt">Comprar eBook (Kindle)</a>
<!--<a href="https://play.google.com/store/books/details/George_Orwell_1984?id=L-ErEAAAQBAJ" target="_blank" class="bt">Comprar eBook (Google)</a>-->
</p>
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<br />raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-42668661541272368712023-08-10T11:24:00.003-04:002023-08-10T11:24:33.009-04:00Voltei ao Conhecimentos da Humanidade para falar de Rumi<img alt="" border="0" data-original-height="394" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisbgacP0LoM7Ll331K03_WjPQJtNR5inixlz6Df1U8W_6o-JTr4EEi6vqFrXWmIalBJIgfP4XMX1voHaSTUZ0z2cA4qKk7V6lAWbkKt-bro28PkqLBs0rPHJRhyDniFnkHfLZW5e1Mdf7z1NGpgqVPLymTeMvCp0o2Z-oZ-8HKwIhRmGz6JXYK/s1600/raph-no-cdh.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:394px;" />
<p>Voltei a participar do canal Conhecimentos da Humanidade para falar de Rumi, do sufismo, e de minha jornada pessoal na Ordem Sufi Naqshbandi. Há outras lives onde falo do mesmo tema, mas ainda que você tenha visto alguma, saiba que esta é bem especial, pois nela ficará sabendo de certos detalhes de minha jornada com o sufismo que eu nunca falei em lugar nenhum (e nem o Bruno). Assista abaixo:</p>
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<iframe width="700" height="394" src="https://www.youtube.com/embed/hez1WoJ6lM4?rel=0" frameborder="0" allow="autoplay; encrypted-media" allowfullscreen></iframe>
</div>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-60341558437022757232023-07-12T11:38:00.000-04:002023-07-12T11:38:09.526-04:00Artemagia, com o Boteco Mayhem<img alt="" border="0" data-original-height="420" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoa0OS3GrFOVt_bHQY7knUS_OK25yw_5A-icoVMOxdpe5xLbrPvmJRpTTrzIsysLxrOWVOun7k6vNmJhekqPb_BVO--iOrmPPUG_6l11abbN_79i9ui1Ir6EKrdOkgbmEYcgAxsdQjMhtGHz8slWsZuhIzWgCR8QyIO3uWmqtfAG3WWxuc5oRj/s1600/BotecoMayhem-Artemagia.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:420px;" />
<p>Voltei ao Bate-papo Mayhem para falar de meu novo livro, <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2023/06/lancamento-artemagia.html" target="_blank"><em>Artemagia: uma reflexão sobre o Caminho</em></a>. Ao logo de quase uma hora, tento explicar do que se trata o livro, e de como ele chegou ao mundo. Assista abaixo:</p>
<div style="margin:30px 0;">
<iframe width="700" height="394" src="https://www.youtube.com/embed/DHUfie2FFZc?rel=0" frameborder="0" allow="autoplay; encrypted-media" allowfullscreen></iframe>
</div>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-67084676783834964342023-07-04T15:06:00.012-04:002023-12-24T20:03:41.068-04:00O que está sempre vivo
<img alt="" border="0" data-original-height="513" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtf0oI7cNmedkyREP7Q-Qo_49jyiThSBR6eGZ-hAAZZWvgOhspV1WaQyhnBSgfxtiZaiar64sbNRzYARkV_z7Tn5gZwez52OeU6PocU2Z4GTYD9SXoqattNkzqdTq0i8bsu2zjhO9ph8MWoMNcvG9Wkv-DMLG-_g32mUJjJINCTsd1ltkdCj3a/s1600/bruno-leschi-El-egS_h_N4-unsplash.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:513px;" />
<p>Um homem do norte adentra sua casa no fim da tardinha. Os últimos raios de sol de um dia entre dias cada vez mais curtos, com cada vez menos claridade, adentram sua cabana de madeira. Lá dentro, sua família celebra o presente que ele vinha arrastando a duras penas pela estrada: não a carcaça de um animal, mas o tronco de uma árvore pequena, da família dos pinheiros, com suas folhas perenes – folhas que não morrem completamente nem mesmo no outono, que está prestes a ficar para trás.</p>
<p>Nas línguas antigas do norte europeu, esse tipo de árvore era chamada <em>júl</em>, e a preservação de um tronco pequeno em casa era parte das preparações para a celebração do solstício de inverno, que tinha o mesmo nome da árvore. Entre os de língua inglesa, tal celebração <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Yule" target="_blank">ficou conhecida como Yule</a>, embora muitos escandinavos a chamem, até hoje, simplesmente de Júl.</p>
<p>A Terra não gira em torno do Sol com seu eixo totalmente vertical. Ele é relativamente inclinado, e por isso todo ano, enquanto nosso planeta completa uma volta em torno da estrela, nós temos dois solstícios. No solstício de verão no hemisfério sul, a parte de baixo da Terra está mais inclinada em direção ao Sol; porém, exatamente no mesmo dia, o hemisfério norte recebe menos raios de sol, tem o dia mais curto do ano, e daí se celebra o <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Solst%C3%ADcio_de_inverno" target="_blank">solstício de inverno</a>. Meio ano depois, a situação se inverte, e enquanto o norte atravessa o dia mais longo do ano, o sul se encontra no mais curto – isto é, no menor período de luminosidade.</p>
<p>Além disso, para os astrônomos ancestrais, que observavam os astros a olho nu, já estava claro que o Sol nascia todos os dias num ponto um pouco diferente do anterior. E assim era até chegar o próximo solstício, quando o Sol começava a nascer de volta na outra direção do horizonte. No entanto, tais observadores também constataram que, logo após o solstício de inverno, o Sol ficava três dias nascendo exatamente no mesmo ponto do horizonte, para só então voltar a se deslocar. Foi tal fato astronômico que deu origem aos mitos de deuses e heróis que morrem para renascer três dias depois. Ademais, como o próprio solstício de inverno também traz consigo a noite mais longa do ano, em muitas culturas pagãs o ano-novo se iniciava justamente ali: uma morte seguida de um renascimento.</p>
<p>Ora, os povos ancestrais tinham o Sol em grande conta, ainda mais aqueles que viviam no norte europeu, e passavam invernos rigorosos com pouca (às vezes, nenhuma) luz solar. Para eles, o fato do astro seguir invencível, noite após noite, para renascer no dia seguinte, certamente o alçava à imortalidade, e decerto não foi difícil associá-lo a própria divindade. Assim, o ritual do corte de um pinheiro, de um <em>júl</em>, para trazê-lo até em casa e com ele passar todo o inverno, também tinha um simbolismo parecido, afinal as folhas do pinheiro são perenes, seguem verdes por semanas mesmo após o corte – elas representam o que sempre está vivo.</p>
<p>Além disso, o próprio fato das raízes de uma árvore como esta estarem fincadas no solo, enquanto seu tronco segue vertical por alguns metros, e seus galhos tentam alcançar o céu, faz dela um símbolo vivo da conexão entre o mundo e o reino celeste, a própria terra dos deuses. Séculos e séculos depois, na mesma região do mundo, um mito peculiar veio do Oriente Médio, e aos poucos conquistou a mente de boa parte das pessoas, de modo que as celebrações pagãs, então conectadas estritamente ao movimento do Sol, <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Natal" target="_blank">passaram por grande ressignificação</a>. <span class="pull">O próprio Sol não era mais propriamente um deus</span>, mas a representação de um homem-deus: o Cristo que, crucificado, ressuscitou três dias depois.</p>
<p><em>Mas fica mais estranho que isso</em>. Para os descendentes dos europeus que vieram se estabelecer no hemisfério sul, como no Brasil, as celebrações cristãs passaram a ser celebradas de modo invertido, de modo que o Natal, antigo Yule, não é celebrado no solstício de inverno, mas no de verão! E os pinheiros caseiros, transformados em árvores plásticas cheias de bolotas coloridas, já não tinham mais nenhuma conexão simbólica possível com os <em>júl</em> ancestrais. </p>
<p>E assim, enquanto no norte todos passam pela noite mais longa, pela morte do Sol, para celebrar seu renascimento três dias depois, no sul estamos suando a pino num jantar cheio de carne e vinho. Na verdade, no sul nós não deveríamos estar celebrando Yule, mas <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Litha" target="_blank">Litha</a>, a festividade do solstício de verão, a celebração do dia mais longo do ano, quiçá a mais antiga festa religiosa da humanidade.</p>
<p>Bem antigamente, antes de Litha os pagãos celebravam <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Beltane" target="_blank">Beltane</a>, que marcava o início do verão. Era um festival da fertilidade, no sentido de que boa parte das colheitas já vinha sendo realizada. Nessa festa, grandes fogueiras eram feitas com gravetos de <em>júl</em> e carvalhos, árvores tidas como sagradas. Tais fogueiras eram consideradas portadoras de energia divina, e eram mantidas acesas por semanas e semanas, até que chegasse Litha, quando as pessoas tinham o costume de saltar por suas labaredas, agora próximas do apagamento, para absorver sua energia.</p>
<img alt="" border="0" data-original-height="467" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFJc7BqEVXQXbYjOXjoLA5wMhkd0lsmtmiJJtBodg-P8OaMS1tRj5fPogWH3gqi-k0HUelpQpNIY92oujqwd4gtuwBdDDkCXGYrvnYvb0MNgHVLDO1pTqGpEXqijiGmTFyOoPcRiVV6_MOEIroSZ6jQxlmHwCgts0j-NvhFiIfWVRqQdRpl5Fv/s1600/sao-joao.jpg" style="display:block;margin:30px 0;width:700px;height:467px;" />
<p>Séculos e séculos depois, ainda hoje pulamos <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Festa_junina" target="_blank">as fogueiras das festas juninas</a>, que foram ressignificadas pela Igreja para homenagear o nascimento de São João Batista, aquele que batizou o Cristo, e que foi o primeiro mártir do cristianismo. Ocorre que, mesmo isso, fazemos ao contrário no hemisfério sul: celebramos o dia mais longo do ano, o início do verão, quando estamos atravessando o dia mais curto, o início do inverno.</p>
<p>É verdade que a Igreja conseguiu dissociar as celebrações cristãs das pagãs, transformando a posição do Sol em símbolos que já não tinham quase nada que ver com ele. Mas foi no hemisfério sul que isso se deu de forma mais completa e absoluta, pois além de nossas festividades cristãs estarem dissociadas das estações do ano, elas ainda se encontram invertidas.</p>
<p>Por outro lado, para aqueles sulistas que se prestam a voltar a realizar tais festividades, sem necessariamente abandonar o Cristo, tal separação não é de todo ruim: afinal, você pode celebrar o Sol Invicto no fim de junho, e voltar a celebrar sua contraparte humanizada, o nascimento do Cristo, no Natal. Você pode, de fato, comemorar o nascimento de um deus duas vezes por ano.</p>
<p>***</p>
<p>Crédito das imagens: [topo] Bruno Leschi/unsplash; [ao longo] Sérgio Bernardo/JC Imagem.</p>
raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-8671098860049109662023-06-22T14:42:00.004-04:002023-06-22T14:42:45.673-04:00Lançamento: Artemagia<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0C8Y3TTLN?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=c20ed1f5cc8170e66c20ff66804c4f1e&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank"><span><img alt="" border="0" data-original-height="600" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjhJB0i3F6wBaAmKQTg46sjOh7neHDmit5PUnjYLtgtqFwtn5m6hhSpvSPyOZ4JCuoS0WmMQrihxeorlfYWW5jtaGfXhQ6WyRV1khoXUsKjqIxeaKskj_eRb1p4HwLHR6zBsapPKGhxVOmaOwoWXg1vseSTrodDEAdkYb2V26LRe8kg0qvRXJr9/s1600/ReleaseAmazon1_Banner.png" style="display:block;width:700px;height:600px;margin:0 0 30px 0;" /></span></a>
<p>O <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/search/label/Projeto%20Ars%20Magica" target="_blank">Projeto Ars Magica</a> chegou ao fim, e o seu título final é <em>Artemagia: uma reflexão sobre o Caminho</em>. </p>
<p>Em <em>Artemagia</em>, Rafael Arrais se vale da sua escrita poética e hipnotizante para nos trazer preciosas e profundas reflexões acerca do Caminho, o caminho espiritual, e tudo o que ele abarca: a Arte, a magia, a religião, a filosofia, a ciência, a espiritualidade, a chamada Verdadeira Vontade, o contato com anjos e demônios, as vias da mão direita e esquerda, o tarot etc. Se souber ler com o coração, você também será mudado para sempre por este livro.</p>
<p>Já disponível em e-book, na Amazon, e também na versão impressa:</p>
<p>
<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0C8Y3TTLN?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=c20ed1f5cc8170e66c20ff66804c4f1e&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank" class="bt">Comprar e-book (Kindle)</a>
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</p>
<div style="clear:both;"></div>
<p>» <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/search/label/Projeto%20Ars%20Magica" target="_blank">Leia alguns trechos da obra</a></p>
<br />raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-60085364895207144292023-05-24T15:25:00.009-04:002023-05-24T15:29:21.522-04:00Projeto Ars Magica (trecho 2)<img alt="" border="0" data-original-height="450" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXf0r3uuXR--sx3WduPc2qwAS4yXoVRpD1DZyD57AvVq_Ayz8EtUm3P088L1fntUZXI3YnLydv0r58TDCDwPcBds11_1u5moKExDbN22Utul3ZBv1833tk6pygkkolxze7YEGpYHqM_doHdBn4XDKuinGIMaVgCPCceQhBSpRyD3ejiFz4pg/s1600/ban-Projeto-Ars-Magica-01.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:450px;" />
<p>10 anos após <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2023/01/lancamento-ad-infinitum-edicao.html" target="_blank">o lançamento de <em>Ad infinitum</em></a>, enfim eu voltei a escrever um livro totalmente original. De lá para cá, foram muitas traduções, edições, e compilações de poemas e artigos do meu blog; mas agora chegou a hora de algo novo. E, assim como o próprio <em>Ad infinitum</em> um dia foi tão somente o <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2010/05/projeto-ouroboros.html" target="_blank">Projeto Ouroboros</a>, agora também voltarei a postar trechos de meu novo livro, enquanto ele é escrito. Bem-vindos ao Projeto Ars Magica! </p>
<p>Ao contrário do projeto anterior, neste não darei muitos detalhes do que exatamente se trata. Mas, para resumir, será uma obra sobre a Arte e o Caminho.</p>
<p>Então, vamos direto ao que interessa: abaixo, segue um dos trechos já escritos do projeto. </p>
<img alt="" border="0" data-original-height="487" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhasNJ6uEHehWWfog7_ytfpU4byA-mCmpWD0rN0lc4xYeoF8UOuAjESLRRmYtSu1PKRuh5DJ6pEU1GyT78NF7-uOTZH-1N59vlgb3m10l-HLp1io4EwCycruj6-XaVO4s13UayQ2nj5hIul7owLBDfdnFT-K1aUqWjBmTfgBgHKn8ij7xTMGw/s1600/gobekli-tepe.jpg" style="display:block;margin:30px 0;width:700px;height:487px;" />
<p><strong><strong>3.1</strong></strong></p>
<p>Imagine que antes das cidades e vilarejos, antes da agricultura, antes que os homens se decidissem por habitar um só canto, existiram templos, e um deles é bem mais antigo que as pirâmides; de fato, sua idade passa dos dez mil anos:<br />
<br />
Göbekli Tepe (“monte com barriga”, em turco) é o topo de uma colina onde foi encontrado um santuário, no ponto mais alto de um encadeamento montanhoso no sudeste da Turquia. Sua estrutura possui 15 metros de altura por 300 de diâmetro e inclui dois complexos que se acredita serem de natureza ritual, e datam do décimo ao oitavo milênio a.C. Neles foram erguidos círculos de enormes pilares de pedra em forma de T – os megalitos (monumentos de pedra) conhecidos mais antigos do mundo. O estudo dos três recintos de pedra mais antigos do santuário revelou um padrão geométrico oculto: um triângulo equilátero com 19,25 metros de lado, subjacente a todo o plano arquitetônico.<br />
<br />
Um templo, um templo de dez mil anos! Mas o que era um templo, o que é um templo? A palavra deriva de <em>templum</em>, “local sagrado”, em latim. E não há dúvida que Göbekli Tepe era um deles. Mas, será que naquele tempo os caçadores-coletores, os andarilhos e xamãs se reuniam ali, na maior estrutura arquitetônica do mundo, apenas para ouvir um sermão religioso e cantarolar músicas edificantes? Ou será que aquele templo era o próprio centro de sua existência, o lugar para onde retornavam, de tempos em tempos, para preencher suas vidas de sentido, e suas almas de entusiasmo?<br />
<br />
Seus pilares de pedra apresentam os seguintes animais esculpidos: raposas, leões, bois e vacas, javalis, burros, garças-reais, patos, escorpiões, formigas, aranhas, muitas serpentes e algumas figuras antropomórficas. É preciso lembrar que isso tudo se deu antes do registro das primeiras linguagens escritas. Ou seja, tais pilares ancestrais representam os primeiros registros da arte rupestre fora das cavernas. Mas o que exatamente os xamãs realizavam no ventre da terra, o que exatamente se fazia em Göbekli Tepe?<br />
<br />
Para todas essas questões, seria leviano dar uma resposta categórica e definitiva. O que podemos imaginar daqui, dez mil anos depois, é que ali, no sudeste da Turquia, o ser humano começou a entrar em contato com o Mistério.
</p>
<br />
<p><strong><strong>3.2</strong></strong></p>
<p>Há uma lenda bastante difundida entre as religiões ocidentais que afirma, basicamente, que o monoteísmo, a “descoberta” do Deus Único, foi uma concepção originária do judaísmo. Segundo esta lenda, existem no mundo algumas poucas religiões monoteístas, derivadas da crença hebraica, e outras tantas que creem na existência de vários deuses de origem paralela – o chamado politeísmo.<br />
<br />
<span class="pull">A verdade, no entanto, pode ser mais profunda</span>: Joseph Campbell foi um estudioso de mitos e religiões em todo o globo, e em <em>O poder do mito </em>ele deixa muito claro o que acredita ser a principal diferença entre as grandes religiões ocidentais e orientais: enquanto a oeste do canal de Suez, a maioria das pessoas identifica Deus com a <em>fonte</em> do Mistério, a leste de Suez, a associação que se faz é a da divindade como o <em>veículo</em> desta energia transcendente.<br />
<br />
Por isso as religiões ocidentais tendem a identificar a Deus como um Grande Senhor que, sabe-se lá de onde, mantém a fonte da vida em constante afluência, enquanto que as religiões orientais tendem a ver esta divindade por toda a parte – ela seria o próprio fluido em movimento, a habitar a essência de todos os seres e de todas as coisas.<br />
<br />
O curioso é que ambas as visões são complementares, e parecem ser apenas formas diferentes de se contemplar este grande Mistério: “por que existe algo, e não nada?” Para resolver tal questão ancestral, a mente humana tem se aventurado a observar os recônditos mais distantes do Cosmos, e a mergulhar cada vez mais profundamente dentro de si mesma. Este grande conjunto de dualidades, de opostos, emanados de uma única fonte, mas que preenchem a tudo o que há, se parece mais com uma imensa roda de deuses, eternamente girando em torno de um eixo misterioso.<br />
<br />
<em>Como a pedra do moinho, gira a roda do céu</em><br />
<em>em torno de Allah.</em><br />
<em>Acaso segure um raio de tal roda</em><br />
<em>terá sua mão decepada! </em><br />
<br />
(Rumi) <br />
<br />
E, como veremos, nesta mesma roda há diversas maneiras de se enxergar este Mistério que nos transcende.</p>
<p> </p>
<p>Rafael Arrais</p>
<p>***</p>
<p>Crédito das imagens: [topo] raph (com Midjourney e GFPGAN); [ao longo] Google Image Search (escavações em Göbekli Tepe).</p>
raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-20788654687230757632023-05-10T17:59:00.007-04:002023-05-24T15:29:49.849-04:00Projeto Ars Magica (trecho 1)<img alt="" border="0" data-original-height="450" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXf0r3uuXR--sx3WduPc2qwAS4yXoVRpD1DZyD57AvVq_Ayz8EtUm3P088L1fntUZXI3YnLydv0r58TDCDwPcBds11_1u5moKExDbN22Utul3ZBv1833tk6pygkkolxze7YEGpYHqM_doHdBn4XDKuinGIMaVgCPCceQhBSpRyD3ejiFz4pg/s1600/ban-Projeto-Ars-Magica-01.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:450px;" />
<p>10 anos após <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2023/01/lancamento-ad-infinitum-edicao.html" target="_blank">o lançamento de <em>Ad infinitum</em></a>, enfim eu voltei a escrever um livro totalmente original. De lá para cá, foram muitas traduções, edições, e compilações de poemas e artigos do meu blog; mas agora chegou a hora de algo novo. E, assim como o próprio <em>Ad infinitum</em> um dia foi tão somente o <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2010/05/projeto-ouroboros.html" target="_blank">Projeto Ouroboros</a>, agora também voltarei a postar trechos de meu novo livro, enquanto ele é escrito. Bem-vindos ao Projeto Ars Magica! </p>
<p>Ao contrário do projeto anterior, neste não darei muitos detalhes do que exatamente se trata. Mas, para resumir, será uma obra sobre a Arte e o Caminho.</p>
<p>Então, vamos direto ao que interessa: abaixo, segue um dos trechos já escritos do projeto. </p>
<img alt="" border="0" data-original-height="437" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhc9pcb2rFtqw_EpnFm-MhKT95YShh3t1o9geFEP3aRrIIbBkfmNTfFlGcPYq3pzrYz1AHi7r3OhmEn7XRz8a5o-MBZY5znXoUMizAG52RiBWFAWBfFYeN-LDZp-qAwuOhQNxUl54K5FrMnnlSlGQFRNabSQO5gicFhQPKKnUJl7_wwahZqXA/s1600/daniel-kordan.jpg" style="display:block;margin:30px 0;width:700px;height:437px;" />
<p><strong><strong>1.2</strong></strong></p>
<p>Uma bela forma de se pensar o Caminho é imaginar uma região cheia de vales e montanhas. De vez em quando, um caminhante tem a oportunidade de subir no pico de uma das montanhas, mesmo que seja a menorzinha. Então, dali ele consegue observar as terras abaixo, as florestas e as estradas, os jardins e as fazendas, as pequenas aldeias e as grandes cidades, os rios correndo rumo ao oceano, e o horizonte onde as montanhas cada vez mais altas têm seu cume coberto pelas nuvens. Há sempre grande contentamento em simplesmente descansar no cume de um monte e contemplar o mundo abaixo, sem se preocupar com nada, sem ser nada e, ao mesmo tempo, ser carregado pelas brisas, ser dissolvido em tudo. A verdade, porém, é que nenhum caminhante consegue reter tal estado por muito tempo: do contrário, já teria chegado à última estada, e não precisaria mais caminhar.<br />
<br />
Então, todo caminhante sabe que precisará descer novamente, e se aventurar em mais uma jornada, rumo ao próximo cume de montanha. O que separa uma escalada dessas de outra? Uma prática de meditação bem feita? Um recital de poesia? Uma dança ao redor da fogueira, ao som do tambor? Uma nova vida? Tanto faz: o que importa é que, do Alto, podemos somente observar o Caminho à frente, mas é cá embaixo que se caminha. Daí que cabe ao caminhante memorizar o Caminho, quando visto do alto; e não apenas dentro da mente, mas sobretudo no interior do próprio coração, nas profundezas da alma.<br />
<br />
Ao descer abaixo, muitos caminhantes trazem consigo mapas detalhados de cada passada, de cada estradinha, de cada curva e ponte estreita que deverão passar a fim de chegar depressa na próxima subida de montanha. Não há nada de ruim em ser precavido, mas <span class="pull">é preciso considerar que tudo muda,<span class="drop"> que nada está parado,</span> que ninguém atravessa o mesmo rio uma segunda vez</span>, e que até mesmo as montanhas mudam de lugar. E, ainda mais importante que isso: é preciso considerar que isso não é uma competição, e que mais vale chegar na próxima estalagem na companhia de outros caminhantes do que se destacar, e chegar primeiro, e estar só.<br />
<br />
Nós não fomos chamados a este Caminho para subir no “pódio dos melhores artistas da caminhada”, nós fomos chamados a caminhar juntos, e há grandes caminhantes que se abstiveram de avançar mais, apenas para poder dar conselhos aqueles que se arrastam lá atrás. <br />
<br />
Afinal, estamos todos debaixo do mesmo Sol, e mesmo na noite mais escura, vem a Lua nos dizer: “Olhem, olhem para o Alto, contemplem a imensidão e iniciem a contagem dos sóis!”.<br />
<br />
Tudo isso foi sempre assim, caminhantes e retardatários, sábios e ignorantes, amigos dissolvidos em tudo que há, e seres obsediados pelo próprio ego. Não sabemos onde vai dar o Caminho, mas aqueles que já se aventuraram a dar os primeiros passos já não se encontram mais perdidos.</p>
<p> </p>
<p>Rafael Arrais</p>
<p>***</p>
<p>Crédito das imagens: [topo] raph (com Midjourney e GFPGAN); [ao longo] Daniel Kordan.</p>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-71471015623713317152023-04-25T14:01:00.005-04:002023-04-29T10:27:36.228-04:00Lançamento: Filosofar é aprender a morrer e outros ensaios de Montaigne<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0C3F17VTG?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=54d0d5f8974dfd52216db5195ec49ca1&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank"><span><img alt="" border="0" data-original-height="600" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhH8OI1EPc_6fHgGNNufLutXfZyeyg0Uuu66QwJz8KjlnznSK4328uDLIsl9Fu6F_jN06aenq_P5_p75DLAyXAwHH6avCzSaa9VjGinsk-2CDhXTLUEsoK0u6nxAZSTDyoA8AVS_wG2UdS0CmLyOEFsbiXUhUl5nxSCe0iD65HoKbOtm3RGGQ/s1600/ReleaseAmazon1_Banner.png" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:600px;" /></span></a>
<p>As <strong>Edições Textos para Reflexão</strong> retornam à filosofia com uma seleção de seis dos melhores <em>Ensaios de Montaigne</em>.</p>
<p>Ao falar de si mesmo, da filosofia e do mundo com extrema elegância, bom senso, acidez e honestidade intelectual, Montaigne não apenas fundou um novo gênero literário (o ensaio), como demonstrou que os chamados pensadores, ou filósofos, não precisam falar somente de coisas grandiosas, muito sérias e cosmogônicas. Ele trouxe as reflexões do dia a dia para o grande palco da filosofia, e na posteridade decerto fez incontáveis bons amigos: seus leitores.</p>
<p><em>Filosofar é aprender a morrer e outros ensaios</em> é a mais nova tradução de Rafael Arrais – um <em>ebook</em> já disponível para o Amazon Kindle e na Google Play:</p>
<p>
<a href="https://www.amazon.com.br/dp/B0C3F17VTG?&linkCode=ll1&tag=textospararef-20&linkId=54d0d5f8974dfd52216db5195ec49ca1&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" target="_blank" class="bt">Comprar eBook (Kindle)</a>
<a href="https://play.google.com/store/books/details?id=9yO8EAAAQBAJ" target="_blank" class="bt">Comprar eBook (Google)</a>
</p>
<div style="clear:both;"></div>
<p>» <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2023/04/os-ensaios-de-montaigne.html" target="_blank">Leia o Prefácio desta edição</a></p>
<br />raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-13200903166186910012023-04-06T17:38:00.003-04:002023-04-06T17:40:22.858-04:00Os Ensaios de Montaigne<img alt="" border="0" data-original-height="450" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgphNqSxtZ8Rf8JEOu-ZR6UHOTwvU8bVgVDLQTfUzGceNOWk-e9Fir7rMDQ7UR6NCQGKkr_ji9jg2YjtohCr3IOG8rClb7bEjzAsH2xLs3mpgNc0ky73YN8TEUrNOyPKJT6Jj_E5fcIXt5P73_ARWX7PJ8TfrozrXh1CLDR0iVzTEVBqlijyA/s1600/montaigne.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:450px;" />
<p><em>Prefácio escrito para a minha tradução de </em>Filosofar é aprender a morrer e outros ensaios de Montaigne<em>, a ser lançada em e-book pelas Edições Textos para Reflexão (em breve).</em></p>
<br />
<p>No sudoeste da França, no topo de uma colina arborizada, em torno de cinquenta quilômetros a leste de Bordeaux, há um castelo de pedras amareladas e telhado vermelho. Foi lá que Michel Eyquem de Montaigne nasceu (em 1533), residiu e morreu (em 1592, aos 59 anos).</p>
<p>
A propriedade foi adquirida pelo seu avô, que atuava no ramo da pesca, em 1477. Mais tarde, seu pai adicionou algumas alas ao castelo e expandiu sua área de cultivo agrícola. Aos 35 anos, Montaigne tornou-se responsável pelo castelo, embora tivesse pouco interesse pela administração dos negócios familiares, e não entendesse praticamente nada de agricultura. Apesar de ter esposa, filha e um séquito de criados convivendo na mesma propriedade, ele preferia passar boa parte de seu tempo em uma biblioteca circular no terceiro e último andar de uma das torres laterais do castelo. Ela continha em suas prateleiras cerca de mil volumes de filosofia, além de algumas máximas (frases curtas) filosóficas que ele mandou gravar nas ripas de madeira do teto. Ademais, uma cadeira, uma escrivaninha e três janelas com vista para a natureza da região. Este era o seu mundo, e foi nele que encontrou forças para escrever seus <em>Ensaios</em>.</p>
<p>
Montaigne viveu em plena Renascença, que marcou um grande reencontro da cultura europeia com os clássicos da Antiguidade. Através de um grande esforço de seus pais e preceptores, ele havia sido alfabetizado em latim, de modo que desde a tenra infância tinha mais facilidade para ler os clássicos do que os próprios livros franceses de sua época. Por volta dos sete ou oito anos, ele já havia lido <em>As metamorfoses</em> de Ovídio. Antes de chegar aos dezesseis, adquiriu a obra de Virgílio e passou a dominar a <em>Eneida</em>. Mas foi de filósofos e pensadores da Antiguidade que ele extraiu a maior inspiração para os seus escritos, particularmente das traduções recentes da obra de Platão para o latim, assim como das obras de Sêneca e Lucrécio, além da descrição de outros sábios dada em <em>Vidas, doutrinas e sentenças dos filósofos ilustres</em>, de Diógenes Laércio.</p>
<p>
Tal como Epicuro, outro filósofo clássico, ele acreditava que a amizade era um componente essencial da felicidade humana. Durante poucos anos, ele teve a sorte de encontrar e conviver com um grande amigo. Aos 25 anos, foi apresentado a um escritor de 28 anos e membro do Parlamento de Bordeaux, seu nome era Étienne de La Boétie. Foi um caso de amizade à primeira vista: com La Boétie, Montaigne sentiu que não precisava ocultar os traços de personalidade que costumava ocultar dos demais. Em seus <em>Ensaios</em>, ele chegou a afirmar que apenas La Boétie “teve o privilégio de conhecer a sua verdadeira face”; isto é, ele foi a única pessoa com quem Montaigne se sentiu à vontade para falar de tudo, ou quase tudo, sem os costumeiros filtros do convívio social – particularmente entre a nobreza.</p>
<p>
Infelizmente, tal encontro de almas foi um tanto breve. Em agosto de 1563, quatro anos após se conhecerem pela primeira vez, La Boétie caiu de cama com dores no abdômen, e morreu poucos dias depois. Montaigne passou o restante da vida buscando, sem sucesso algum, encontrar um substituto para o convívio com aquele amigo. No fim das contas, ao se retirar em seu castelo, em sua biblioteca circular, para se dedicar a escrita dos seus <em>Ensaios</em>, ele recriou por outros meios o verdadeiro retrato de si mesmo que La Boétie havia reconhecido. Afinal, <span class="pull">conforme o próprio Montaigne nos comunica no início da obra, é sobre ele mesmo que ela trata</span>.</p>
<p>
É bem possível que Montaigne tenha começado a escrever para abrandar um sentimento pessoal de solidão, mas sua obra também serviu, de certa forma, para abrandar a solidão dos próprios leitores. Ao falar de si mesmo, da filosofia e do mundo com extrema elegância, bom senso, acidez e honestidade intelectual, Montaigne não apenas fundou um novo gênero literário (o ensaio), como demonstrou que os chamados pensadores, ou filósofos, não precisam falar somente de coisas grandiosas, muito sérias e cosmogônicas. Ele trouxe as reflexões do dia a dia para o grande palco da Filosofia, e se não conseguiu encontrar outro La Boétie enquanto vivo, na posteridade decerto fez incontáveis bons amigos: seus leitores.</p>
<p>
A primeira edição dos <em>Ensaios</em> foi publicada em 1580, na cidade de Bordeaux, composta por dois livros. Após a segunda edição de 1582 e a terceira de 1587, em Paris no ano de 1588 é publicada a quinta edição dos <em>Ensaios</em>, já com três livros. Curiosamente, não há registros da publicação da quarta edição, mas um exemplar impresso da quinta edição contendo correções e alterações de Montaigne é conhecida como a Cópia de Bordeaux, hoje localizada na Biblioteca Municipal de Bordeaux. Com esta e as várias anotações deixadas por Montaigne, em 1595 é publicada por Marie de Gournay, espécie de discípula intelectual do autor, a primeira edição póstuma, onde ela acrescentou citações, notas e um longo prefácio; esta edição serviu como base para as diversas publicações dos <em>Ensaios</em> ao longo dos séculos. A edição completa traz 107 ensaios de tamanhos variados; esta seleção traz 6 dos seus melhores ensaios, incluindo <em>Filosofar é aprender a morrer</em> e <em>A amizade</em>.</p>
<br />
<p>Do editor, neste 06 de abril de 2023.</p>
<p>***</p>
<p>Crédito das imagens: Google Image Search (uma das estátuas de Montaigne, situada em Paris).</p>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-39021856741377768092023-03-23T16:04:00.004-04:002023-03-23T16:05:43.734-04:00A obra-prima de Yogananda, com o Boteco Mayhem<img alt="" border="0" data-original-height="420" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLZhRI-rRgJaZ8REFD6C2ufjfwXVeviGDqxKItOD8gtN1U0hkxmK54PBWI3YUnbkvhWga8GsU9-gFKuVLbLE106wDNaV7JTxt6kOF54rlA3VJi6IC1dtvY0_Vveqy707rIaRCRS9xlHSxIFfLs84JnmO2mJLLAYTPDGsDshXU__MMiQ4nTZA/s1600/BotecoMayhem-Autobiografiadeumiogue.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:420px;" />
<p>Em mais uma participação no Bate-papo Mayhem, falo de minha tradução da obra-prima de Paramahansa Yogananda, <i>Autobiografia de um Iogue</i>, que <a href="http://textosparareflexao.blogspot.com/2023/01/lancamento-autobiografia-de-um-iogue.html" target="_blank">já está disponível em e-book na Amazon e outras lojas</a>. Assista abaixo:</p>
<div style="margin:30px 0;">
<iframe width="700" height="394" src="https://www.youtube.com/embed/U2iSJLnpzu8?rel=0" frameborder="0" allow="autoplay; encrypted-media" allowfullscreen></iframe>
</div>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-78655841537001281172023-03-06T11:21:00.005-04:002023-03-06T11:21:40.888-04:00Ad infinitum: 10 anos, com o Boteco Mayhem<img alt="" border="0" data-original-height="420" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJA3hz2YWfZHBr0Do-4MFyeoi81saahQ56TAZMquV4XIirhtlicwLoBzRibg7bb485V1OctrHejVilXoPL_6ASSutB_oDnW1QkuGS39tyBEDwLoVkCvipXOg2Bss0SHBpWGaCw6HG4jzM3rg02TTSMIZ5dbxbANRib2qKLVO6QFiQlKNKN_A/s1600/BotecoMayhem-AdInfinitum10anos.jpg" style="display:block;margin:0 0 30px 0;width:700px;height:420px;" />
<p>Na primeira gravação de 2023, o Bate-papo Mayhem me presenteou com um episódio inteiro para falar do meu livro, <i>Ad infinitum</i>, que acaba de completar 10 anos de lançamento, e <a href="https://textosparareflexao.blogspot.com/2023/01/lancamento-ad-infinitum-edicao.html" target="_blank">ganhou uma edição comemorativa</a>. Assista abaixo:</p>
<div style="margin:30px 0;">
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</div>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-37807595.post-32896753132914223432023-01-31T14:13:00.002-04:002023-01-31T14:13:45.355-04:00Terra, fogo, água e ar (parte final)<img alt="" border="0" data-original-height="466" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGtIxUJTyFBxi3g7ajeSK5g_D79EMoVtxB0BmHoF28qdydKx126U256iuliEBGmzPmPPEkF98lE0XZwv8RYODYSar0T3vHbp1sFsZ3Jsams-0JxJPQ6yfoeCFDbqJOiPklR9-23SRBii5esHZpwlisk5Hok2Sg_TWFPDQkuwVuwrYGp3lspQ/s1600/fogo.jpg" style="width:700px;height:466px;margin:0 0 30px 0;display:block;" />
<p>« <em><a href="http://textosparareflexao.blogspot.com/2023/01/terra-fogo-agua-e-ar-parte-4.html">continuando da parte 4</a></em></p>
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<p><strong>Esta é uma verdade</strong></p>
<p>Ainda antes que os homens fossem homens, espécies ancestrais de hominídeos conheceram o fogo. A primeira visão dele deve ter sido inesquecível, eterna: primeiro, mais um relâmpago no céu; depois, um trovão assustador ressoando pela terra inteira. Mas isso já era conhecido, a novidade é que havia logo ali, bem à frente, um arbusto em chamas. Uma sarça ardente e sagrada, queimando, abençoada com um pedacinho do sol.</p>
<p>Foi pela domesticação do fogo que os seres arcaicos aprenderam a caçar de modo mais eficiente e, principalmente, a cozinhar a carne caçada. Foi isso que possibilitou que as imensas quantidades de energia gastas na ingestão de carne crua pudessem ser canalizadas para o cérebro. O resultado disso foi o surgimento dos homens: nós somos os filhos e as filhas do fogo.</p>
<p>Desde que a chama não se apague, qualquer templo, qualquer concepção divina, qualquer nova religião poderá perdurar para sempre, atemporal como o fogo e o sol e a natureza. Em suas chamas, em incessante mutação, os xamãs de outrora tinham muitas visões, e delas extraíam conselhos para a sobrevivência da tribo. Eles filosofavam pelo fogo, se devotavam a ele de corpo e alma, para que seus irmãos pudessem prosperar na terra.</p>
<p>Até hoje não há artista, sensitivo ou pastor que saiba exatamente de onde vem sua intuição, aquela vontade antes do próprio querer, aquela voz que diz, “Será assim”, e para a qual eles respondem, “Que assim seja”.</p>
<p>Imersos na atemporalidade do fogo, tais guias da humanidade se assemelham aos primeiros contadores de histórias em torno da fogueira da aldeia. <span class="pull">É pela palavra que eles encaminham seu rebanho</span>, mas mesmo a palavra antes foi luz em suas almas. Luz vinda de onde? Luz feita do quê? Não importa, a luz foi criada para ser refletida, não explicada. </p>
<p>Somente eles aprenderam, de alguma forma que mal sabem explicar, a roubar o fogo dos deuses, e compartilhá-lo com os seres de baixo. Você pode achar que tal regalia coube somente aos grandes santos, profetas e gurus, mas infelizmente não foi assim: há também muita sombra e escuridão entre os arautos do fogo.</p>
<p>Pense nas atrocidades que já foram cometidas em nome daqueles que afirmavam falar em nome de algum deus, ou mesmo alguma ideologia infalível. Até mesmo os cientistas se tornaram submissos àqueles que dizem representar o seu deus, o deus-da-matéria-que-a-tudo-explica. Não é preciso dar detalhes: você sabe do que estou falando.</p>
<p>Aos que brincam com fogo, coube a maior das responsabilidades, que é evitar que ele consuma a tudo e a todos. Na escala correta, ele pode iluminar o templo do coração de muitas almas; na errada, ele pode destruir vilarejos, bibliotecas, templos alheios, países inteiros.</p>
<p>Somente a água pode equilibrar tal balança. É só com o exercício constante da empatia que aquele que se depara com as verdades universais poderá se abster de dizer, “Esta é <em>a</em> verdade”; e, no lugar, constatar, “Esta é <em>uma</em> verdade”.</p>
<p>Pois se o seu deus é algum senhor de exércitos, que demanda que todos se curvem à sua vontade ou desapareçam da terra, então que os deuses tenham piedade de nós. Mas, se o seu deus é como o sol que aquece a manhã, e jamais deixa de vencer a noite, e que não descansará até que toda a tribo se torne céu, então, meu irmão, minha irmã, bem-vindo, bem-vinda ao caminho.</p>
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<p><strong>Bibliografia</strong> <br />
<em>Kabbalah Hermética</em> (Marcelo Del Debbio). Wikipédia.</p>
<p>Crédito das imagens: [topo] Kimson Doan/unsplash. </p>raphhttp://www.blogger.com/profile/03856030769179723265noreply@blogger.com2