tag:blogger.com,1999:blog-74439995382461986302024-01-08T03:30:34.809-05:00O aprendizpostagens de livros inéditosO aprendizhttp://www.blogger.com/profile/05427010805464309038noreply@blogger.comBlogger6125tag:blogger.com,1999:blog-7443999538246198630.post-25593782727990104972023-03-02T19:13:00.004-05:002023-03-02T19:14:40.671-05:00Aviso sobre as postagens do livro HAMLET MODERNO<p> <span style="background-color: #f8f9fa; color: #202124; font-size: 28px; white-space: pre-wrap;">Les nouveaux articles du livre Modern Hamlet sont en rouge (Merci à tous)</span></p><div><span face="arial, sans-serif" style="color: #202124;"><span style="font-size: 28px; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span><p><span style="background-color: #f8f9fa; color: #202124; font-family: inherit; font-size: 28px; white-space: pre-wrap;">Modern Hamlet book new posts are in red color.</span><span style="background-color: #f8f9fa; color: #202124; font-family: inherit; font-size: 28px; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="background-color: #f8f9fa; color: #202124; font-family: inherit; font-size: 28px; white-space: pre-wrap;">(Thank you all)</span></p><p><span style="background-color: #f8f9fa; font-size: 28px; white-space: pre-wrap;"><span style="color: #202124;">As novas postagens do livro Modern Hamlet estão em vermelho (Obrigado a todos)</span></span></p><pre class="tw-data-text tw-text-large tw-ta" data-placeholder="Tradução" dir="ltr" id="tw-target-text" style="background-color: #f8f9fa; border: none; color: #202124; font-family: inherit; font-size: 28px; line-height: 36px; margin-bottom: -2px; margin-top: -2px; overflow-wrap: break-word; overflow: hidden; padding: 2px 0.14em 2px 0px; position: relative; resize: none; unicode-bidi: isolate; white-space: pre-wrap; width: 270.02px;"></pre></div>O aprendizhttp://www.blogger.com/profile/05427010805464309038noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7443999538246198630.post-22012860250060447012023-02-22T19:02:00.018-05:002024-01-07T20:41:36.924-05:00Hamlet moderno. " ESTE LIVRO VAI FAZER VOCÊ REPENSAR HAMLET".<p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>BRASIL</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> Teleornal da tarde.</p><p>RIO DE JANEIRO. FAVELA DA LIBERDADE; OUTUBRO de 2013.</p><p>No tiroteio entre três policiais e dois moradores da favela liberdade na noite de véspera de natal, ninguém saiu ferido. Porém, o garoto que foi a peça chave para desencadear a troca de tiros, foi encontrado morto no alto do morro, no dia seguinte. Ele foi vítima de uma punição chamada de micro-ondas pelos moradores da sua comunidade. O policial que investigava crimes de prostituição de menores, e que também trocou tiros com os dois homens negros e gêmeos que comandavam a favela, também foi encontrado morto com um tiro na nuca.</p><p>As buscas para encontrar os dois irmãos suspeitos de terem cometido o duplo assassinato, continuam. Há indícios de que os dois suspeitos se mudaram de favela para não serem capturados. Os moradores não quiseram revelar os nomes dos dois. </p><p><br /></p><p>EM GOIÂNIA-GO, o aumento de jovens viciados em drogas está fazendo com que Goiânia entre para o rol das cidades mais violentas do país. Dois rapazes de dezoito e dezenove anos escaparam de uma chacina em um ponto de consumo de crack. Apenas esse ano, mais de 80 jovens já foram assassinados.</p><p>As drogas atingem também os jovens ricos da capital. Umjovem morador de um bairro nobre da cidade foi preso portando drogas sintéticas em uma boate. Após pagar a fiança ele foi liberado.</p><p>Um aluno da escola Cândido Plates Rivera, uma das mais conceituadas em educação em Goiânia, foi detido pelos policiais após ele ter se envolvido em um acidente de trânsito com seu automóvel. Drogas sintéticas foram encontradas em seu veículo. Rodrigo Ráusen Rivera, dono da escola, não se manifestou sobre o incidente. Mas, o ministério público já deu sinais de que a escola poderá ser fechada em poucos dias. Representantes da sociedade goianiense se manifestam em defesa da instituição educacional, uma vez que, ela tem sido de fundamental importância para educar e preparar jovens para as suas carreiras profissionais e convívio social.</p><p>-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>Hamlet moderno</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>01 </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>NAS MINHAS ANDANÇAS PELA CIDADE EU PUDE perceber o quanto Goiânia é bela. Considerando o fato de ela ser uma criancinha ainda, em comparação a outras capitais brasileiras, não há quem possa negar que nós Goianos temos uma cidade jovem, bonita, urbanizada e bem traçada, - se tratando de ruas e avenidas. Sem malícia. </p><p>No bairro onde eu moro, da calçada da minha quitinete eu posso ver uma paisagem inspiradora, o Bosque dos buritis. Naquele lago o meu pai e os meus tios pescaram inúmeras vezes. Nos anos 80 era proibido a pescaria, mas quem foi que disse que um pouquinho de travessura não era válido para não ter que comer apenas arroz com farinha em casa. Nos anos 80 não dava pra se dizer que o goiano tinha orgulho de sê-lo. Dizem que um cantor famoso chamou Goiânia de roça asfaltada. Eu não acredito nessa história. Mas a cidade se desenvolveu e chegamos onde estamos. E se o mesmo cantor voltar aqui, eu quero ver como ele se sairá dirigindo o seu calhambeque bi-bip pelas ruas da nossa adolescente cidade. –Eu só não direi o nome desse cantor porque ele canta muito e também é o orgulho da nossa música brasileira.</p><p>O meu pai me mandou para a escola com a intenção de me fazer uma pessoa mais sociável e menos impulsiva, porém, eu terei que não me revelar a ninguém, porque eu sou filho do idealizador dessa oficina de sonhos, e neto do realizador. Manterei em segredo a sete chaves. Promessa de Ráusen Júnior Alcântara Rivera. </p><p>Estou de licença do serviço militar. Por causa do meu temperamento explosivo eu quebrei dois dentes de um recruta babaca no regimento. O meu pai conseguiu com o capitão que conseguiu com o coronel, uma punição disciplinar a ser aplicada a mim pela minha, digamos, transgressão, por ter deixado o soldadinho banguela. Os dois dentes dele saíram de férias. Eu fui mandado para escola cheia de gente pacata. Algumas alunas são bacanas, mas a maioria é aspirante a patricinhas, ou pelo menos quer passar essa impressão. Eu ainda não posso dizer que tenho amigos, pois, está sendo o meu primeiro período na escola. Mas eu encontrei um camaradinha gente fina. Marcos é o nome dele.</p><p>Na sala de audições nós ouvimos a apresentação dos protocolos e estatutos da instituição C. P. R. Todos participam fazendo perguntas e dando pontos de vistas. O pessoal é comportado feito jurado em audiência.</p><p>Eu ainda não conheço quase ninguém pelos seus nomes. Só o de uma gata que está ralando a calça jeans em minha calça também jeans; Andreia. </p><p>-Mas, onde fica o sistema de convocação seletiva da instituição? </p><p>-A instituição não é exclusivista, ela apenas seleciona os mais esforçados para promover a realização de seus sonhos.</p><p>-Os sonhos deles ou os nossos, Monique?</p><p>-De todos nós.</p><p>Amanda se mantinha na defensiva, e mesmo demonstrando interesse por mim, algo dizia em seu olhar que ela não era do tipo de garota que vai se entregando a alguém logo no primeiro encontro. Também não seria de uma moça tão fácil assim que eu precisava. Embora ela fosse bonita, eu sentia que ela não estaria apenas à procura de Passatempo, e, seu jeito ressabiado em relação a mim, mostrava que ela queria que viesse a ser mais que uma paquera. Quanto ao Ser angelical que eu não me lembro do seu nome, eu sinto que encontrei a garota dos meus sonhos, mas pelo fato de eu ter sofrido amnésia e não me recordar do nome dela... Já era.Descobri o nome da que só responde as perguntas; Monique, pele clara, olhos cor de mel, cabelos longos, castanho médio, - e, que boca maravilhosa a dela. </p><p>-Eu soube que a instituição é controlada por pessoas livres, de bons costumes e que também separam o joio do trigo. Isso é verdade?</p><p>-Com certeza.</p><p>Ergui a mão.</p><p>-Responda uma pergunta, professora Monique.</p><p>Risos e palmas. Eu não entendi. Monique ajeitou os cabelos, virou para mim e se preparou.</p><p>-Pode perguntar.</p><p>-E se um parente de um dos mentores da instituição vier a se matricular na escola, ele terá alguns privilégios? –perguntei.</p><p>-Todos os que se destacam e são escolhidos para integrar o corpo pensante da instituição, desfrutam de privilégios, mas sem chance para nepotismos e favorecimentos imerecidos. Mas, por que a pergunta?</p><p>-Aí, você é filho de quem? –perguntou-me um colega ao meu lado.</p><p>Me entreguei. </p><p>–Dos meus pais. –falei.</p><p>Ele deu um toque de ombro no meu e disse. –Essa foi foda. </p><p>-Pode ser que você seja filha de alguém do alto escalão da instituição, afinal de contas, você possui todas as informações...</p><p>-Colega, eu venho escalando os degraus dessa escada que me levará ao menos ao meio da pirâmide, com muita honra e obstinação.</p><p>-Isso está me cheirando a maçonaria. Degraus, pirâmides, escadas. -outro aluno observou.</p><p>-A escola é bancada pelo governo?</p><p>-A instituição não tem vínculos com políticos, mas é mantida por grandes empresários, juristas, banqueiros advogados e profissionais que não se corromperam pelo sistema das engrenagens do poder.</p><p>-Um de vocês pode me esclarecer sobre as exigências da escola?</p><p>-Eduardo, para se matricular na C. P. R, era necessário que o matriculado passasse por uma investigação sobre a sua conduta na sociedade e, havendo sido matriculado, ele passaria por uma avaliação pelos psicólogos da instituição Cândido Plates...</p><p>-Era assim que funcionava, Monique, mas o doutor Rodrigo Rivera resolveu inovar e facilitar as coisas. – disse Andreia, a gata de olhos verdes e narizinho afiladinho. A perna dela continuava roçando a minha.</p><p>-E quais são as vantagens de estudar em uma escola tão moralista?</p><p>-Consiga ser direcionado a uma universidade, ou ao mercado de trabalho por Cândido Plates e Rodrigo Rivera, que você terá a resposta.</p><p>-Sente só o meu talento. Solte o som aí Alberto. –disse um magrinho com uma touca na cabeça. Ele mandou, o outro magrinho obedeceu, levando as mãos a boca, tirando um som com umas batidas bem legais. A turma seguia no balanço...</p><p>-Como é que chama essa dança? -perguntei ao colega do meu lado.</p><p>-Rap.</p><p>O som vocal continuava, e o dançarino fazia o show contorcendo o corpo e... o cara fez umas paradas muito loucas no piso. A galera grita hul, hul e o maluco, mostrava que conhece do bagulho... Terminou a apresentação. Cruzou os braços á cima dos peitos, fez pose... Deu um giro pelo local dando e recebendo um toque na mão de cada um.</p><p>-Estão contratados, vocês dois. O dançarino e o boca instrumental. Foi maneiro galera. –falei. </p><p>“É isso aí”. Todos concordaram. Eu estou gostando da turminha da escola.</p><p>-Aí Ráusen, se você quiser aprender ser Bboy, é só falar comigo. –ofertou-me o instrumentista manual e bocal. O moleque já sabia o meu nome.</p><p>-Pode crer. –respondi. –Qual é o sonho de vocês? –perguntei.</p><p>-Trabalhar em uma das empresas do grupo Rivera. –respondeu o dançarino.</p><p>-O nosso desafio é não mais usar drogas. Foi o doutor Rodrigo que nos deu essa oportunidade e nos prometeu as vagas de emprego. Drogas, nunca mais.</p><p> Aplausos da galera pelo esforço dos dois.</p><p>-Depois desse show ao vivo, alguém tem mais perguntas? –quis saber Monique.</p><p>Pensei, em fazer uma pergunta tipo: Quer sair comigo hoje à noite Monique?</p><p>-Professora. –falei pra não arriscar o convite.</p><p>-Ela não é professora. É aluna igual à gente. –fez-me saber Andreia. Á narizinho, perna riçante na minha. –Os professores só vêm aqui uma vez por semana.</p><p>Preguiçosos.</p><p>-Somos todos eternos aprendizes. –disse outra, lá do outro lado.</p><p>Mais aplausos... O sino tocou e eu não perguntei.</p><p>Todos nós saímos.</p><p>No corredor...</p><p>-Aí RJ, gostou da galera? -quem perguntou foi o meu amigo que chegou ligeiro jogando a mochila nas costas.</p><p>-Maneira, Marcos. –falei.</p><p>Ele pegou em meu ombro, e nós dois caminhamos pelo saguão da escola. </p><p>Um sujeito com cara de encrenqueiro, acompanhado de dois rapazes e duas garotas nos olhava com um riso na cara.</p><p>-Aí ô... dama da lotação. –escutei ele dizer. –É você mesmo, RJ.</p><p>Senti a mão de Marcos pressionar o meu ombro.</p><p>-Deixa pra lá.</p><p>Continuamos andando.</p><p>-Quer uma grana pra cortar o cabelo? –me insultou novamente.</p><p>-Não ligue para as provocações dele. –uma garota me falou ao passar por mim e Marcos.</p><p>Olhei em volta do saguão e vi alguns alunos baixando as cabeças, outros saindo do local e alguns parados para ver o resultado da rusga entre mim e o babaca todo sorridente me apontando para os colegas.</p><p>-Você tá falando comigo? –perguntei indo na direção dele.</p><p>-É com você mesmo. Algum problema? –abriu os braços e caminhou em minha direção.</p><p>Já era.</p><p>Entreguei a mochila a Marcos e avancei contra o provocador. Dobrei os dedos da mão direita e com o carpo dela acertei o nariz do infeliz. Foi só uma.</p><p>-Quer uma grana para o curativo, palhaço? –perguntei vendo-o tentando estancar o sangue que escorria do órgão olfativo.</p><p>-Você quebrou o meu nariz. –falou sufocado.</p><p>O sino tocou novamente. Foi apenas um round.</p><p>Diretoria.</p><p>-Então você é o Ráusen Júnior. Tem algum parentesco com Rodrigo Ráusen Rivera?</p><p>-Eu não o conheço, mas sei que há muitos com esse nome por causa da história dele. </p><p>-Eu conheço uma porção deles. –falou-me o diretor. –Diz aqui em seu currículo que você foi um ótimo aluno colegial. Mas você já chegou arrumando briga com um colega.</p><p>-Desculpe-me diretor, mas, foi ele que procurou briga comigo.</p><p>Eu achando que a revelação iria me livrar da suspensão.</p><p>-Não é de o nosso costume aceitar brigões em nossa instituição, mas por causa do seu histórico que não é de um rapaz encrenqueiro, e o do Jorge que sempre foi o mais difícil de todos os alunos, eu vou te dar mais uma chance. -organizou os papéis e se levantou para me despedir. -Procure não arrumar mais confusões. –disse ele tirando os óculos. –Tenha um bom semestre letivo e fique longe do Jorge. Ele não trabalha mais no departamento de matrículas por razão do seu comportamento arredio e zombador.</p><p>-Obrigado pelo aviso. Posso ir?</p><p>-Vá. –disse-me e foi até ao bebedouro.</p><p><br /></p><p>Fora da sala, na passarela do pátio eu me encontrei com o meu colega.</p><p>-E aí, Ráusen Júnior, o que rolou? –quis saber Marcos. –Oi gatinha, que tal uma balada amanhã? -Esqueci de dizer que ele é o maior pegador da escola.</p><p>-Amanhã eu tenho que ensaiar para a peça até tarde da noite. –respondeu à ruivinha gatíssima.</p><p>-Eu ainda não desisti de você. –falou beijando a mão da garota.</p><p>Feito irmãozinho caçula eu fiquei esperando Marcos se despedir da guria. Depois de conseguir o número do telefone dela, ele voltou a ficar do meu lado.</p><p>-Ela tem umas amigas elites. Tá rolando esquema pra nós dois. Mas e aí, foi suspenso por bancar o pugilista? –perguntou-me, embolsando o celular. E segurando em meu ombro.</p><p>-Fui perdoado dessa vez.</p><p>-Eu gostei do que você fez com o Jorge. Ele jura ser o dono da escola.</p><p>-Por quê? Ele é o mais rico?</p><p>-Pelo que eu sei ele não veio da rede pública como a maioria...</p><p>Parei no corredor fazendo Marcos parar também.</p><p>-Você quer dizer que a maior parte dos alunos dessa escola é financiada pelo governo? Conta outra. Olha a aparência desse pessoal.</p><p>Olhamos em todo o pátio e vimos garotas e rapazes com calças e camisas de marcas e de aparência bem agradável.</p><p>-Pois pode acreditar que 99% dessa galera são da periferia e são bancados pelo doutor Rodrigo Ráusen Rivera. A diferença está em como eles são educados pela metodologia de ensino da instituição C. P. R.</p><p>-Poxa... legal!</p><p>-Aquele branquinho da sala de teatro é o Alfredo. Não se meta com ele. Ele é o maioral daqui, e o Roberto irmão dele é o vice.</p><p>Se eles não se meterem comigo, terão esses títulos até o fim dos estudos. Ao contrário, serão os maiores exibidores de fraturas. Eu mesmo quebrarei os dois.</p><p>-Os alunos aqui aprendem mais relações humanas do que outras matérias. Funciona como a um centro de convivência para a transformação pessoal e convívio social.</p><p>Meu pai me escondeu esse detalhe.</p><p>Enquanto nós dois andamos indo em direção ao portão de saída, eu notava que algumas alunas falavam alguma coisa sobre mim e o nariz quebrado. Ao passar pelos colegas do encrenqueiro, percebi que eles abriam espaço para mim e meu amigo passar.</p><p>Segundos depois, eu e Marcos já estávamos fora das dependências do instituto. Ele entrou no carro e foi embora. </p><p>Os estudantes têm a oportunidade de se realizarem profissionalmente. Eu tinha o sonho de ser músico profissional. Desde criança sou apaixonado por todo tipo de instrumento musical e, também exercito a voz cantando algumas músicas de sucesso. Por ironia do destino, os instrumentos que eu mais tenho tirado som deles são fuzis e pistolas automáticas. Quem sabe no futuro eu chegue a general das forças armadas.</p><p>Certa vez eu li numa revista uma citação de um cara que dizia: "acreditar em algo e não o viver é covardia" Todavia, eu não sou desobediente aos meus pais, e, eu estava na escola para uma missão: tornar-me um bom menino. </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>02</p><p> </p><p><br /></p><p>MEU AMIGO MARCOS PASSOU em minha casa para irmos juntos a uma festa. Minutos depois já estávamos no local.</p><p>-E aí Ráusen. Você tem que entrar no clima. A galera aqui é animada.</p><p>Ele espera que eu fale algo, mas realmente eu não estou no clima ideal para badalação. Ainda de braços cruzados e em pé, apenas movo os ombros.</p><p>-Olha só quantas garotas bonitas estão chegando. Eu conheço a maioria delas e, se você quiser, eu as apresento a você.</p><p>-Vá em frente, Marcos. Eu vou ficando por aqui... Desculpe-me, é que eu estou desanimado.</p><p>-Quer me contar qual é o seu problema?</p><p>Eu não tenho o costume de me abrir para ninguém, mas ao ver a pista de dança lotada de garotas e rapazes dançando rock, eu vejo que o Marcos é mesmo um cara legal e que se preocupa com o meu estado de espirito.</p><p>-Eu preciso arrumar um emprego por que eu tomei uma decisão que irá mudar todo o rumo de minha vida.</p><p>-Vamos conversar sobre isso ali naquela mesa.</p><p>Dirigimo-nos até a mesa de um quiosque nas dependências do local do baile.</p><p>-Pronto. Conte-me seu problema. –disse ele ao sentarmos.</p><p>-É o seguinte, amigo, eu vou parar de estudar...</p><p>–Você decidiu parar de estudar. –falou a mim. -Duas cervejas, por favor. –pediu a garçonete.</p><p>-Sim. É isso que você ouviu.</p><p>-Então seremos dois desistentes.</p><p>A moça chegou com as cervejas. Ele tirou a carteira e pagou a ela.</p><p>-Você não deve parar de estudar por minha causa. –falei e bebi.</p><p>-Eu sou o único amigo seu na faculdade. Isso quer dizer que o Jorge vai querer se vingar de mim. - falou sério, mas em seguida deu um sorriso e um aceno a duas garotas que passaram perto de nós dois.</p><p>-Qual é a daquele cara? Por acaso ele é de aço pra que todos tenham medo dele? –perguntei insultante.</p><p>-Eu não tenho medo dele. –disse antes de beber. –Só estou te zoando. O Jorge é um palhaço. Ele matriculou um aluno albino e depois o apelidou de Augusto Branca de neve.</p><p>-E qual foi à punição que ele levou?</p><p>-Não presta mais serviços à escola.</p><p>Se o Albino fosse meu amigo, o Jorge não mais serviria nem pra alvo de treinamento de tiros de fuzil no exército.</p><p>-E o Augusto?</p><p>-Conseguiu patrocínio da Ordem Rivera três dias depois da queda do Jorge, e já está no primeiro ano em direito.</p><p>-Então é assim que funciona: A escola fornece educação de qualidade aos menos favorecidos, e, de quebra financia as carreiras profissionais dos que merecem incentivos?</p><p>-É isso aí, professor pardal. –deu-me uma tapa na cabeça.</p><p>Legal a atitude do meu paizão e do meu avozinho. Os dois valorizam o talento das pessoas.</p><p>Algumas clientes começaram a ocupar as mesas do quiosque. Entre as pessoas eu vi uma garota bonita, vestindo calça jeans e camiseta branca. Sua acompanhante também era bonita.</p><p>-Sabe o que eu acho, Ráusen?</p><p>Dei de ombros, bebendo.</p><p>-Eu acho que você deve esquecer os problemas e arrumar uma garota para passar a noite.</p><p>Ao ouvi-lo, meus olhos procuraram os olhos da gata de jeans e camiseta, de cabelos castanhos e longos. Ela parecia não ter me notado ainda.</p><p>-Você gosta de rock? –quis saber Marcos, agitando os braços.</p><p>-Aprecio todos os gêneros musicais. –respondi. –Mas, me diz quem é aquela garota. –aponto com o queixo.</p><p>-Amanda. A desejada por todos. –respondeu e deu mais um gole.</p><p>Eu continuei bebendo e observando Amanda. Fazia sentido ela ser desejada, mas talvez isso significasse que eu não teria nenhuma chance com ela.</p><p>Ela me notou. Parou a latinha de guaraná próxima a boca e me olhou por uns três segundos.</p><p>-Estou começando a entrar no clima da festa. Me fale o que mais você sabe da deseja.</p><p>-Apenas que ela é muito show e que ninguém da escola conseguiu beijar aqueles lábios grossinhos delas.</p><p>-Talvez eu não paro de estudar. –falei encarando-a novamente.</p><p>Ao perceber que eu á encarava, Amanda juntou os longos cabelos e os jogou para a parte da frente do corpo. Cruzou as pernas, me olhou e voltou a conversar com a amiga.</p><p>-Se você quiser, eu te acompanho até a mesa delas. Eu sou gamado na moreninha.</p><p>-Loiros sempre tem uma queda por morenas. –comentei.</p><p>Rimos juntos pela primeira vez na noite.</p><p>O rock continuava e a pista fervilhava de gente pulando freneticamente e imitando guitarristas. As duas garotas ainda conversavam. Amanda dava sorrisos discretos e de vez em quando olhava em minha direção. Eu esperava que chegasse logo a seleção de música romântica para eu chamá-la pra dançar. Enquanto isso, eu e meu amigo bebíamos nossas cervejas.</p><p>-Aí, não olhe agora, mas a moreninha está olhando para nós. Isso quer dizer que elas falam da gente. –Marcos observou.</p><p>Sem nada dizer eu me levantei. Marcos fez o mesmo.</p><p>-A melhor hora de se levar um fora é enquanto rola um rock pauleira.</p><p>-Vamos nessa. – disse ele.</p><p>Fomos </p><p>-Oi garotas! –cumprimentei.</p><p>-Oi meninas! –disse Marcos.</p><p>Elas se entreolharam. Continuamos de pé.</p><p>-Podemos nos sentar com vocês? –perguntei.</p><p>-Fique à vontade. –disse a moreninha.</p><p>Sentei-me do lado da Amanda. Marcos se sentou próximo a morena.</p><p>-Dizem que dançar rock ajuda a queimar calorias. –puxei conversa.</p><p>-Aeróbica é mais eficiente. </p><p>-Na verdade eu não estou aqui pra discutir sobre danças. –mudei de assunto. –Eu acho que conheço você.</p><p>-O que eu sei é que você ficou bastante conhecido depois da briga...</p><p>-Tudo bem, Amanda, eu sei que não causei boa impressão.</p><p>-Ações violentas sempre causam repulsas nas pessoas. –ela criticou e voltou a beber.</p><p>-Autodefesa é válido em situações como aquela.</p><p>-Se você acha. –falou e calou-se.</p><p>Houve silêncio entre nós. Com certeza ela era contra a minha atitude de me defender da investida do Jorge dando um soco no nariz dele. Eu sei que não iria adiantar dizer que foi ele que me agrediu primeiro. De qualquer forma, ela ainda estava sentada do meu lado.</p><p>A garçonete chega recolhendo as latinhas de cervejas. Não quero mais beber. Vou tentar reverter a situação desagradável a qual me encontro perante a Amanda.</p><p>-Sua amiga e o meu amigo parecem estar se dando bem.</p><p>Os dois conversam frente a frente.</p><p>-A Cinthia é sempre bem receptiva. </p><p>-O Marcos é mais interessante do que eu. Loiros de olhos camaleônicos são mais atraentes.</p><p>-Pelo menos, ele é bem-humorado.</p><p>Não entendi o que ela quis insinuar. Só sei que eu não estou com saco pra ficar recebendo indiretas a cada minuto.</p><p>-Se você acha que bom humor significa aceitar um babaca te chamar de “dama da lotação” só porque ele vai de Corolla para a faculdade, e você pega o ônibus lotado todos os dias...</p><p>-Espere, você está querendo dizer que o Jorge zombou de você, só porque você não tem um carro?</p><p>-Sim.</p><p>Ela terminou de tomar o refrigerante, e agora faz tipo de quem reconsidera a questão. </p><p>-O Jorge já foi punido por causa desses apelidos. –frisou ela. </p><p>-O soco que eu dei no nariz dele foi de longe e de perto a punição mais dolorosa que ele levou.</p><p>-Desculpe-me. O Jorge sempre foi um esnobe mesmo.</p><p>-Tudo bem. Eu também sempre fui um cara de estopim curto.</p><p>-De onde você é? –perguntou me olhando diretamente nos olhos.</p><p>-Eu nasci aqui em Goiânia, mas me mudei para o interior com meus pais.</p><p>-Seus pais voltaram a morar aqui novamente?</p><p>-Não. Eles continuam lá.</p><p>-Então você mora sozinho aqui?</p><p>-É isso aí. Só voltarei a fazenda com o diploma na bagagem. –menti.</p><p>-E você pretende se formar em quê?</p><p>Penso em responder que serei médico, advogado ou engenheiro.</p><p>-Não me decidi ainda. Talvez eu nem me forme. –respondi.</p><p>Ela fez cara de decepcionada novamente, mas logo mudou a expressão para sorrir para uma garota que acenou para ela da pista de dança.</p><p>É incrível como o rock deixa as pessoas animadas. No quiosque, apenas eu, meu amigo e as duas amigas, ocupamos a mesa e as cadeiras.</p><p>Marcos já está aos beijos com Cinthia. Eu e Amanda observamos os dois e damos risinhos disfarçados.</p><p>-E namorado, você tem? –perguntei.</p><p>-Não tenho pensado nisso ainda. –falou e bebeu. –Primeiro a formatura. </p><p>Se isso não foi um fora, é autovalorização. Deixou-me sem palavras.</p><p>-E você, já está namorando alguém?</p><p>-Eu acho que não dou sorte com as garotas. </p><p>-Talvez seja pelo seu estopim curto.</p><p>De novo as alfinetadas.</p><p>-Amanda, me desculpe, mas eu preciso sair um tempinho. </p><p>A me ver de pé, Marcos quis saber qual era, mas eu apalpo o ombro dele demonstrando que está tudo bem, agorinha eu volto. Saio sem nenhuma vontade de dançar rock e nem que Amanda me chame de volta. Ela não esboçou reação de querer que eu ficasse. O meu mau-humor não me deixa manter um diálogo com uma garota, mesmo ela sendo bonita e antiviolência como Amanda é. </p><p>Aproximo-me da pista de dança me sentindo cafona por não ter pique nem animação para me misturar aos dançantes elétricos que se empurram e gritam ao som de rock metal. Talvez eu devesse estar em casa vendo televisão. Tiro o celular do bolso e confiro se há alguma chamada não atendida, ou uma mensagem... Nada.</p><p>Por alguns minutos fico encostado com o pé na coluna que sustenta a cobertura do salão. De repente percebo alguns casais se abraçando para dançar música romântica. A turma do rock vai se refrescar fora da pista. Minha calça jeans e minha camisa cinza ainda não umedeceram de suor. Vejo garotas sem parceiros para dançar, mas o meu pensamento ainda está em Amanda que continua sentada no mesmo lugar. Lembrei-me agora que ela é estudante de artes cênicas da escola.</p><p>-Vá chamá-la pra dançar Ráusen Júnior. –falou-me Marcos tocando meu ombro, indo dançar com Cinthia.</p><p>Olho para Amanda e vejo-a sozinha tateando a lata de refrigerante. Talvez ela queira dançar. Escorro a mão nos cabelos, jogando-os para trás e me preparo para colar o meu corpo ao dela numa dança.</p><p>Antes de me dirigir a ela, noto um rapaz chamando-a pra dançar. Ela não quis.</p><p>Sigo até a ela.</p><p>-Oi de novo! –falei me sentando. –Você não gosta de dançar?</p><p>-Prefiro uma boa conversa.</p><p>-Uma boa conversa ou um bom conversador? –me sentei.</p><p>-Os dois... seria ótimo. -lançou-me um olhar desafiador. </p><p>Francamente eu me vejo sem ideia pra trocar com ela, mas a beleza dela me atrai. Seus olhos castanhos, sua boca charmosamente grande e seu rosto perfeitamente perfilado em formato quadrado, a faz parecer uma atriz de novela. Mas talvez o que me deixa mais atraído por ela, seja sua personalidade de moça sincera.</p><p>-Talvez eu não seja nenhum dos dois, afinal, a primeira impressão é a que fica...</p><p>-Nem sempre, Ráusen. Até agora eu não tenho nenhuma impressão sobre você. Apenas acho que agiu errado com o Jorge.</p><p>-Amanda, eu não sei por que você insiste tanto em falar dele...</p><p>-Ele é meu irmão.</p><p>Boom... levo as mãos ao rosto, respiro fundo e...</p><p>-Desculpe-me, eu não sabia. –pedi, com vergonha.</p><p>-Tudo bem, eu entendo, mas mesmo que ele não fosse meu irmão, eu não apoiaria você por ter agido daquele jeito.</p><p>-A música romântica cria um fundo musical que não combina com a nossa conversa. Que tal a gente ir conversar lá fora?</p><p>-Se você prefere assim, então vamos. –aceitou se levantando.</p><p>Enquanto saímos lada a lado, eu imagino no que vou falar a ela. Não é de o meu feitio querer me retratar pelos meus atos, mas eu sinto que ela é a garota que pode dar sabor a minha vida.</p><p>Há muita gente na calçada. Encostamo-nos ao automóvel estacionado próximo ao local da festa.</p><p>-Eu não sei o que dizer sobre a briga entre mim e o seu irmão... Por que ele não conseguiu se matricular na primeira tentativa?</p><p>-Ele falou de pobreza de modo muito pejorativo diante de um grupo de colegas composto por pessoas pobres.</p><p>-É o típico zombador indireto. Não me arrependo de ter agido daquele jeito com ele.</p><p>-Apenas me diz por que você se comporta daquele jeito na escola. Você não faz amigos e parece estar sempre de mal com tudo e com todos.</p><p>De frente a ela eu fico pensando no que dizer de mim</p><p>-O que eu vou falar não será pra me redimir. –ponho-me do lado dela. –Eu prestei o serviço militar. Talvez por isso eu me comporte assim.</p><p>Minha confissão á surpreendeu.</p><p>-Quanto tempo você passou no exército?</p><p>-Alguns anos.</p><p>-Tempo suficiente para adquirir disciplina e autocontrole em situações embaraçosas. –falou sem me olhar. –Oi Soraia. –Cumprimentou a uma passante tão linda, que, eu senti o meu coração palpitar quando ela me olhou e sorriu. Chacoalho a cabeça querendo não acreditar que foi um flerte o sorriso que ela me deu.</p><p>-Eu lamento ter te desapontado, mas eu não pretendo continuar levando esse papo.</p><p>-Realmente, você não parece gostar de conversar, ainda mais quando a culpa te aflige. -falou e pôs as mãos nos bolsos. </p><p>Pensei em ir atrás da Soraia.</p><p>-Estou profundamente contrariado por estar sendo criticado pela garota que eu queria chamá-la em namoro.</p><p>-Pra se namorar é necessário que os dois se conheçam primeiro.</p><p>Eu não esperava por essa orientação, mas senti que eu teria uma chance. Coloco-me de frente a ela novamente, só que agora mais próximo dela.</p><p>-A minha história é um pouco confusa, mas se você me der uma chance, aos poucos você me descobrirá. –falei tocando os braços cruzados dela.</p><p>-Eu tenho medo de descobrir algo mais constrangedor a seu respeito. –Confessou me olhando nos olhos.</p><p>-O que eu posso dizer no momento é que eu estou gamado em você. –Toco lhe o rosto. Ela move a cabeça suavemente e fecha os olhos por alguns segundos.</p><p>-Eu tenho que ir embora. –Se afastou de mim. –Eu estou preocupada com algumas mensagens que alguém está compartilhando pra manchar a imagem do idealizador da escola.</p><p>-Eu te deixo em sua casa.</p><p>-Não precisa. Eu moro ali. –Apontou a casa do outro lado da rua e se foi.</p><p>Não considero que eu tenha levado um fora e, acho melhor dar tempo ao tempo. Pelo menos agora eu sei o nome dela, onde ela mora e também sei o grau do seu senso crítico. Sinceramente a festa acabou pra mim, mas confesso que estou me sentindo bem melhor.</p><p>Vejo-a atravessando a avenida em passos apressados. </p><p>Amanda se mantinha na defensiva, e mesmo demonstrando interesse por mim, algo dizia em seu olhar que ela não era do tipo de garota que vai se entregando a alguém logo no primeiro encontro. Também não seria de uma moça tão fácil assim que eu precisava. Embora ela fosse bonita, eu sentia que ela não estaria apenas à procura de Passatempo, e, seu jeito ressabiado em relação a mim, mostrava que ela queria que viesse a ser mais que uma paquera. Quanto ao Ser angelical que eu não me lembro do seu nome, eu sinto que encontrei a garota dos meus sonhos, mas pelo fato de eu ter sofrido amnésia e não me recordar do nome dela... Já era.</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> ***</p><p> </p><p>Marcos me apresentou a farmacêutica funcionária do pai dele. Gatérrima. Eu é que sou tímido e não rolou nada entre mim e ela. Duas horas depois, eu e marcos já estávamos indo embora. Ainda era cedo e, no caminho, enquanto ele dirigia, me fez saber que a noite pra ele podia ter sido melhor, não fosse o fato de a moreninha ter sentido a falta da Amanda depois de uns quarenta minutos e resolveu ir fazer companhia a ela na casa dela.</p><p>Paramos em frente à quitinete onde moro, descemos do carro e nos escoramos nele. Eu queria falar á Marcos sobre a garota que mais se parece uma anja, de tão linda que é, mas eu esqueci o nome dela.</p><p>-Então quer dizer que você vai continuar estudando?</p><p>-Sim, mas preciso arrumar um emprego urgentemente.</p><p>-O meu pai é dono de uma farmácia. Eu vou dar um jeito de arrumar um emprego de entregador pra você.</p><p>-Legal. Eu conheço bem Goiânia. Eu e a turma de recrutas sempre fazíamos exercícios físicos correndo pelas ruas da cidade, mais para mostrar às pessoas o contingente de recrutas, do que pra manter a forma física.</p><p>-Espere aí. –disse ele segurando em meus ombros. –Você serviu o exército? –arregalou os olhos e esperou minha resposta.</p><p>-Positivo.</p><p>Marcos me soltou e deu um toque estalado em minha mão. Não entendi qual foi o motivo de tanta admiração dele. Talvez eu use essa identificação com as garotas da próxima vez. Se a Amanda tivesse reagido assim, eu teria sido o primeiro da escola a beijar os lábios grossinhos dela.</p><p>-Pelo que você me falou, você não conseguiu saborear os lábios da Amanda.</p><p>-Mas também não levei um fora diretamente. –Remediei. -Você não me falou que o Jorge é irmão dela.</p><p>-Estou sabendo agora. Mantenha o celular ligado. –Orientou-me entrando no carro. –Amanhã a gente vai dar um passeio.</p><p>Ele engatou marcha e foi embora. </p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>03</p><p><br /></p><p><br /></p><p> O sol estava um pouco escaldante. Como sempre, eu acordei cedo e dei uma organizada no meu cafofo por ainda manter o costume de acordar bem cedo no quartel. –é aquela velha história: quem não cuida da sua própria casa, sobra-lhe tempo pra xeretar a vida dos outros. As minhas vizinhas de república já estavam me rodeando. Depois eu vistoriaria as quitinetes delas. Mulher que não zela de sua moradia, tendem a ser vulgares. –Mas, até que elas eram bem da hora.</p><p>Num programa de rádio, anunciava mais mortes de jovens viciados em drogas. Eu imaginava que seria dali para pior. A violência não para e só aumenta a cada dia.</p><p>Marcos me ligou dizendo pra eu o esperar na praça. Marquei de nos encontrar na lanchonete em frente à praça. Enquanto isso eu aproveitava para tomar o meu lanche matinal. Sentado em uma cadeira da mesa do canto eu observava o movimento das pessoas que entravam e saíam levando seus pedidos. Senti saudade dos tempos em que eu vivia com minha mãe e meu pai na fazenda, quando merendávamos juntos à mesa, comendo biscoitos caseiros feitos por minha mãe, e tomávamos café plantado, colhido, torrado e moído em nossa propriedade, e leite tirado das vacas do nosso rebanho. </p><p>Olhei para a porta de entrada e vi Marcos chegando e indo até ao balcão. Ele, sempre mesmo bem-humorado, já chega cumprimentando a balconista que deu a mão a ele e recebeu um beijo no dorso dela. </p><p>Cheio de ginga, ele veio ao meu encontro.</p><p>-Bom dia meu grande amigo Ráusen Júnior. –disse se sentando. –Conversei com o meu pai. O seu emprego está garantido. Segunda-feira você já vai andar mais que notícia ruim em cima da moto fazendo as entregas.</p><p>Damos um toque de mãos estalado e eu o agradeci pela força.</p><p>-Eu disse á meu pai que você é ex-soldado e garanti um bom período de trabalho pra você. Ele está viajando e só volta no mês que vem, mas me deu autoridade para contratar quem eu quiser. Só assim terei motivo para ir à Farmácia.</p><p>-Legal. Não precisava se preocupar com o horário...</p><p>-Nada disso. Vamos conciliar trabalho e estudo. Das treze às dezenove horas.</p><p>-Eu não tinha pensado nisso.</p><p>A garçonete se aproximou trazendo o lanche do Marcos.</p><p>-Obrigado, linda! </p><p>Enquanto ele devorava o cachorro quente, eu o analisava e constatei que ele realmente era um cara muito maneiro.</p><p>-Eu acho que você não terá dificuldade em se adaptar a esse horário. –disse á mim. -Delícia. –falou olhando a garçonete. –Você já lanchou?</p><p>-Terminei agora a pouco.</p><p>Mastigando, Marcos olhava a bela morena recolhendo as garrafas de refrigerante e copos das outras mesas. Enquanto isso, eu pensava em contar a ele o meu segredo, mas mesmo tendo a impressão que ele fosse um bom parceiro, eu achei que não seria a hora certa de confidenciar algo tão sigiloso a meu respeito.</p><p>Ao terminar de comer e se livrar do pratinho e das migalhas arredando ambos para o canto da mesa, ele voltou a falar comigo.</p><p>-Eu tenho que te dizer por que foi que eu fiquei tão empolgado ao saber que você serviu o exército. –Naquele colégio só tem bundas moles. </p><p>-E daí? –perguntei.</p><p>-Acontece, que, sozinho eu não daria conta de combater alguns pilantras que se passam por alunos da nossa escola para vender entorpecentes aos bundões que necessitam de drogas para curtirem a vida. Além do mais, tem alguém sentando a lenha na instituição.</p><p>Eu pensei que ele fosse simplesmente um rapaz loiro de boa aparência e que levava menos de quinze minutos para abordar e se atracar na boca de uma morena gatíssima.</p><p>-Você conhece uma droga chamada ecstasy?</p><p>-Comum na classe média. –Respondi desdenhando.</p><p>-Às margens da nossa escola também.</p><p>-Mas isso é assunto das autoridades. Eu não entendo o porquê da sua preocupação...</p><p>-O meu irmão está andando de muletas por ter ingerido aqueles comprimidos dos infernos. –falou descompassado de raiva.</p><p>Meus pêsames não seriam suficientes para tirar a expressão de ódio das palavras e dos olhos dele.</p><p>-Lamento Marcos. Realmente é muito doloroso.</p><p>-Ele tem apenas dezenove anos. –Baixou o semblante. –Mas ele será vingado. –Prometeu furioso. -Ele, Alfredo e Roberto haviam acabado de receber os formulários que garantiriam a realização dos sonhos deles.</p><p>-Como aconteceu? –perguntei.</p><p>-Sobre o efeito da droga ele saiu alucinado pela rua, gritando a todos que ele era o Márcio Star... Bateu o carro na traseira de outro veículo. Ficou em coma por alguns dias e quando saiu do hospital não podia mais andar com as suas próprias pernas. Está em Brasília no centro de fisioterapia e me manda fotos. Está feliz, mas eu acho que é pra disfarçar o trauma e pra não abalar a mim e aos nossos pais.</p><p>A voz de Marcos soa embargada.</p><p>Eu sei que ele não quer me usar para uma vingança pessoal, se fosse já teria tentado me convencer desde os primeiros dias de nossa amizade. Também não está querendo me cobrar pelo favor de me arranjar um emprego com o pai dele. Eu acho que ele me tem como um parceiro capacitado para a tarefa.</p><p>-Pode contar comigo. –falei.</p><p>Ele levantou a cabeça e expressou gratidão.</p><p>-Mas, e então, como é que vai ser a nossa vingança? </p><p>-A partir de agora a gente começa elaborar um plano para descobrir quem são os traficantes. –respondeu se levantando. –Nós vamos ficar de olho em alguns malucos que aparecem na escola de vez em quando na hora do recreio. E as postagens nas redes sociais sobre o passado de RR Rivera.</p><p>O passado do meu pai está sendo sacaneado. Tenho até pena desses filhos da mãe.</p><p>-Bom, já temos um ponto de partida - me levanto e o acompanho até ao caixa. –Deixe que eu pago a conta. –falei.</p><p>-Nada disso. Dê-me sua ficha. Você ainda não recebeu o primeiro salário.</p><p>Não insisti em pagar o que consumimos. </p><p>Segundos depois, entramos no Golf dele.</p><p>-E agora, aonde vamos?</p><p>-Ainda é cedo. Podemos ir ver certas garotas. –Deu partida. –Que tal reencontrar a Amanda? –manobrou e saiu.</p><p>-Se formos a casa dela, eu serei expulso de lá pelo Jorge.</p><p>-Pois trate de se retratar com aquele idiota, porque ele é um dos suspeitos. Peixe pequeno, mas tem uns contatos.</p><p>-Se é por uma boa causa, então eu darei uma de agressor arrependido.</p><p>Através do vidro fumê fechado para não queimar a pele pelos raios do sol que esquenta a cada minuto, eu vejo o movimento de pedestre e de automóveis que trafegam pela avenida. Muitos jovens moços e moças andam distraídos, uns apressados, outros nem tanto. Penso que talvez possamos evitar que muitos deles venham a ter o mesmo destino do irmão de Marcos. Começo a me sentir útil a humanidade. Como meu pai foi nos anos 80, e ainda é atualmente. Ele não dá esmolas. Financia estudos a quem necessita e os direciona às melhores escolas da cidade.</p><p>Mais uma vez eu tentei falar sobre a garota angelical com Marcos, mas eu não consigo me recordar do nome dela. Acho que a anja bateu asas e voou sem deixar ao menos o seu nome registrado em minha memória. </p><p>-Vai valer a pena. –falei quase sussurrado.</p><p>-Rever a desejada? –Marcos perguntou-me.</p><p>-Bancar o herói. –Respondi apertando o ombro dele.</p><p>-É assim que se fala. </p><p> -Você viu o tanto de mulher bonita, Ráusen pega vento?</p><p> Só podia ser ele: Marcos, o mulherólatra.</p><p>Antes de chegarmos à casa da Amanda, eu e Marcos combinamos uma estratégia para descobrir quem seriam os traficantes. Teríamos que ser bem prudentes em nossa investigação. De acordo o meu raciocínio, o manda chuva não aparecia na negociação do entorpecente que era vendido de forma avulsa, às margens da escola. De acordo o raciocínio do meu parceiro, o Jorge fazia o serviço de distribuição.</p><p>Marcos estacionou na frente do portão da casa da Amanda. Ela nos esperava na calçada.</p><p>-Oi Amanda! –disse Marcos. –Onde está a Cinthia?</p><p>-Ela pediu que eu te dissesse que ela te espera na casa dela.</p><p>Eu ainda não havia descido do carro e, de dentro dele eu via o quanto ela estava bonita, mesmo sendo quase onze horas da manhã. Sem maquiagem, de vestidinho amarelo rodado e de sandália tipo rasteirinha. Casualmente gata.</p><p>Marcos atravessou a rua para ir ao encontro da morena. Com o coração levemente acelerado eu desci do Golf.</p><p>-Bom dia! –falei.</p><p>-Oi! –falou se encostando ao portão - Que surpresa te ver aqui a essa hora.</p><p>-Eu pensei em você a noite inteira. –Declarei.</p><p>-Você quer entrar?</p><p>-Eu não sei quem me espera aí dentro de sua casa.</p><p>Ela suspirou e ajeitou os cabelos para trás.</p><p>-Eu também pensei em você até pegar no sono e, hoje ao me levantar, eu tive uma conversa com o meu irmão sobre o que houve entre vocês dois.</p><p>Permaneci calado de braços cruzados, mas louco para poder experimentar os lábios dela.</p><p>-Ele falou que não quer encrenca com você, e vocês podem até ser amigos.</p><p>-Assim eu terei chance de te namorar?</p><p>Ela ficou em silêncio e usava as mãos para massagear o pescoço. Estava indecisa sobre o que me responder.</p><p>-Entre, vamos conversar na área.</p><p>Aceitei o convite e passei pelo portão. O carro não estava na garagem e, provavelmente, ela estaria sozinha em casa. Isso me deixava mais tranquilo.</p><p>Sentamo-nos na mureta da área coberta.</p><p>-Eu preciso saber mais sobre você.</p><p>-Amanda, eu não preciso saber nada mais sobre você e, eu acho que não é justo cobrar isso de mim.</p><p>-É que eu não confio em rapazes que eu não o conheço direito.</p><p>Ela fica tocando a barra de seu vestido sem querer me olhar nos olhos. Agacho-me e seguro em seus joelhos.</p><p>-Aos poucos você irá me conhecendo. –falei.</p><p>-É tão difícil pra você se revelar de uma vez? –perguntou segurando minhas mãos. –Eu só tenho medo da sua natureza agressiva.</p><p>O modo que ela agora me olha nos olhos me revela que está gostando de mim.</p><p>-Eu queria te dizer tudo sobre mim, mas talvez você não me entenda.</p><p>-Por que você veio aqui hoje então?</p><p>-Foi ideia do Marcos.</p><p>Decepcionada com a resposta ela se levanta.</p><p>-Você vai à escola amanhã?</p><p>-Está me mandando embora?</p><p>-É que eu tenho alguns trabalhos a fazer.</p><p>-Para quem sabe ler, um pingo é letra. Não é assim que se fala?</p><p>-Espere. Eu não estou te mandando embora, é que eu preciso pensar...</p><p>-Façamos de conta que somos apenas colegas de escola. Tchau!</p><p>-Você não vai esperar o Marcos?</p><p>-Avise a ele que eu resolvi fazer Cooper e fui embora correndo.</p><p>-A gente se vê no colégio?</p><p>Paro no portão e penso em que responder.</p><p>-Amanda, nós estamos agindo como dois adolescentes apaixonados e, eu lamento te dizer que eu mal te conheço e não pretendo perder o meu tempo...</p><p>-Tudo bem, eu já ouvi o bastante. Tchau e até outro dia.</p><p>Amanda se mantinha na defensiva, e mesmo demonstrando interesse por mim, algo dizia em seu olhar que ela não era do tipo de garota que vai se entregando a alguém logo no primeiro encontro. Também não seria de uma moça tão fácil assim que eu precisava. Embora ela fosse bonita, eu sentia que ela não estaria apenas à procura de Passatempo, e, seu jeito ressabiado em relação a mim, mostrava que ela queria que viesse a ser mais que uma paquera. Saí de certo modo aliviado por não ter que me envolver afetivamente com uma garota geniosa que tem toda característica de moça controladora e obsessiva. Também tenho que considerar o fato de o irmão dela ser peça chave para que eu e Marcos possamos desbancar a quadrilha de traficantes de ecstasy. Cogito a possibilidade de ir a um bar para espairecer as ideias, mas na verdade eu já estou satisfeito por hoje. A voz de Amanda ainda está latente em minha cabeça. </p><p>Quanto ao Ser angelical que eu a conheci na noite de festa, e que eu não me lembro do seu nome, eu sinto que encontrei a garota dos meus sonhos, mas pelo fato de eu ter sofrido amnésia e não me recordar do nome dela... Já era. Mas, a imagem daquele rosto lindo e aquele corpo perfeito, permanece nítido em minha memória. Só não me lembro do nome dela.</p><p><br /></p><p> ***</p><p>Ao entrar em casa eu repenso no que escrevi aos meus pais. Não vou enviar a carta, por enquanto. Pra ser sincero, eu sempre sou muito indeciso ao lidar com sentimentos alheios e até com os meus ainda mais se tratando de ter que decepcionar as únicas pessoas que eu amo na vida.</p><p>Não vejo a hora de ir para escola e poder reencontrar a galera. Jorge também vai estar lá e será inevitável o nosso reencontro também. Será que a anjinha estuda lá também?</p><p> Liguei o aparelho de som ao chegar a vez de limpar os móveis da sala, e coloquei um CD para rodar. Escolhi uma coletânea de sucessos de um cantor americano. Meu pai e minha mãe tinham essa música como tema do romance dos dois.</p><p>Take me now. David Gates. </p><p>Ouvindo essa canção maravilhosa, vou dando um grau no biombo e recordando de ouvir meu tio me dizer que o meu pai não levava cinco minutos para conquistar e dar uns beques em qualquer garota que ele abordasse. –Beques é invenção do meu tio JP que também era outra fera pra conquistar as gatinhas. -Que saudade de todos.</p><p>Daqui a pouco eu passo o café, como a merenda e rasgo a carta que escrevi anteontem. -Quer saber? Eu vou é ligar para os meus amados e dar a eles a notícia, que, eu arrumei emprego.</p><p>Chamando...</p><p>-Mãezinha! –falei. –Me abençoe. –Pedi.</p><p>-Que você seja sempre abençoado meu filho.</p><p>-Eu estou com muita saudade de vocês todos aí.</p><p>-Então esteja aqui no próximo fim de semana. </p><p>-O meu pai está com saudade de mim, ou só quer me dar uma bronca?</p><p>-Só te dar algumas orientações.</p><p>-Então eu vou pedir a ele que me oriente a como conquistar uma garota linda igual a senhora quando era...</p><p>-Você está aí para estudar. Apenas para isso.</p><p>*Ih, sujou.</p><p>-Mãezinha, se eu ficar conversando muito com a senhora, agorinha eu saio correndo para estar aí com vocês... Chame o meu pai, por favor. Amo-te mãezinha.</p><p>-Eu também te amo. Vou chamar seu pai.</p><p>Quando ela diz que o meu pai está querendo me ver, eu já nem me surpreendo, porque, por ele eu não sairia da fazenda. </p><p>Ele está demorando. Vai ver está conversando com os meus tios.</p><p>-Demorei porque estava afinando o violão. –disse ao pegar o telefone. -Ele já sabia que eu ia perguntar qual o motivo da demora. -Que você seja sempre abençoado.</p><p>-Que assim seja meu pai. Mas o senhor está levando mais de dois minutos para afinar um violão? –perguntei tirando onda.</p><p>-É que as cordas são de náilon, e sua mãe estava me pedindo pra eu pegar leve com você.</p><p>A minha mãe já contou sobre a garota. </p><p>-Não precisa inventar uma história Ráusen Júnior. Cedo ou tarde eu descobriria. -Nem ao telefone eu consigo esconder dele, sequer, meus pensamentos.</p><p> -Então pai... o que o senhor me diz?</p><p>-A voz da sua mãe é a minha voz. Desista. </p><p>-Tá bom. Eu já sei... Eu arrumei um emprego.</p><p>-Você quer falar sobre isso? </p><p>Se eles não querem nem que eu namore, imagine trabalhar.</p><p>-Pai eu estou indo para a escola á pés e, um cara tirou uma comigo...</p><p>-Aí você tirou sangue dele.</p><p>-Foi pai. Eu acertei o nariz do infeliz. Pai... Não conte a minha mãe sobre mim e nem que seu nome está sendo lambanceado...</p><p>-Ela está abraçada a mim, escutando tudo.</p><p>Sujou de novo.</p><p>-Valeu pelo complô contra mim, mas, e o emprego?</p><p>-Desista.</p><p>*Ô palavra!</p><p>-Ah pai! Eu vou continuar sendo zoado na escola.</p><p>-A sua mãe e eu queríamos mesmo te dar um presente. Vá até a concessionária Almeidas amanhã...</p><p>-Pai meus créditos estão expirando e...</p><p>-Concessionária Almeidas. -Indicou outra vez. - Seja sempre abençoado.</p><p>-Assim seja... Acabaram os créditos.</p><p>Concessionária Almeidas. Já sei o que me espera.</p><p>Tomara que a minha mãe não esteja lá, querendo tirar meu pai de ideia. De tanta expectativa, perdi o apetite </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>04</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Marcos e eu sempre nos encontramos na entrada da escola, mas ele resolveu me buscar em minha casa para irmos juntos. Eu aproveitei a carona para dizer a ele que os meus pais não querem que eu trabalhe. Ele foi compreensível sobre a questão, mas notei que ele estava um pouco tenso e, eu não sabia se era pela minha desistência de não trabalhar para o pai dele, ou se era por outro motivo.</p><p>-Fala aí Marcos, o que tá pegando?</p><p>-Você não soube do que aconteceu com o Alfredo, o supervisor geral das oficinas na escola?</p><p>-Não, eu não soube de nada.</p><p>-Overdose. –falou virando à esquerda. –Eu acho que você já sabe o que causou a morte do coitado.</p><p>-Quando foi isso? E onde foi? –perguntei.</p><p>-No apartamento dele ontem à noite. Ele foi visto na rua da boate antes de morrer.</p><p>-Eu não sei onde fica a tal boate, mas o Alfredo, eu o conheci. Ele foi designado á supervisionar e a escolher os melhores das oficinas de artes. Como você soube?</p><p>-A Cinthia me ligou e deu-me a notícia.</p><p>Estávamos próximos a escola e, o movimento de carros não era como de costume. Quando um colega colegial morre, alguns alunos preferem não ir à escola.</p><p>Marcos estacionou um pouco afastado da entrada. Com certeza ele queria conversar a respeito da trágica morte do Alfredo.</p><p>-Ele estava encarregado de escolher os melhores alunos e montar as equipes para apresentá-las ao presidente da instituição Cândido Plates. Conseguir o patrocínio da Ordem Rivera é o sonho de todos os alunos.</p><p>-Eu sinto muito pela morte dele. –falei.</p><p>-O meu irmão também tinha o sonho de ser jogador de basquete. NBA era a meta dele. –falou tirando a chave da ignição.</p><p>Descemos do carro e andamos até o portão de entrada. Só eu levava a mochila com os materiais escolares.</p><p>-O que você veio fazer aqui hoje? –perguntei enquanto andávamos.</p><p>-Com certeza hoje não irá ter aula, mas todos querem explicações sobre o que aconteceu com o Alfredo.</p><p>-Mas você disse que foi overdose.</p><p>Ele não disse nada. Abri o portão e nós adentramos no pátio. Alguns alunos e alunas conversavam no coreto, outros ficaram no corredor de acesso as salas. Ainda calados, nós seguimos para os fundos, o nosso destino seria a quadra poliesportiva.</p><p>-Eu soube que uma garota esteve com ele no sábado à noite. É bom a gente fazer algumas perguntas a ela.</p><p>-Espere. –falei impedindo-o de seguir. –Nós não podemos dar uma de investigadores já de cara.</p><p>-Bem pensado... Só que ela é a que mais pode nos fornecer alguma pista.</p><p>Pensamos um pouco antes de irmos ter com a garota. Olhamos para quadra e, ele me mostrou quem é ela. Ela é uma gata de cabelos cacheados e maquiagem em tons claros e batom bege suave. A pequena saia rodada deixa a mostra um belo par de coxas que riçam uma na outra ao andar, de tão fechadinhas que são suas pernas. </p><p>No corredor, escutamos um grupo de alunos falando sobre o prólogo biográfico que está bombando nos Faces. É o do meu pai.</p><p>-Tudo bem, vá você até à garota. Eu vou ver se falo com a Amanda que era uma das cotadas pelo Alfredo a ser integrada à lista dele.</p><p>Não era de se surpreender com o pouco número de alunos presente para assistirem aulas, mas apesar de ainda ser cedo, exatamente 07: 15, e a manhã estar quente, uma figura andando apressada, com blusa de frio, indo em direção ao alambrado onde Jorge estava conversando com alguns colegas, me chamou a atenção. Senti cheiro de scstasy. -Será que tem cheiro essa droga?</p><p>Dei mais alguns passos e entrei na sala de teatro. Amanda estava sentada na carteira, com os cotovelos na mesa e as mãos no rosto.</p><p>-Oi Amanda!</p><p>-Oi. –Ela falou quase inaudível.</p><p>-Eu posso me sentar ao seu lado? –perguntei arrastando uma carteira.</p><p>Ela não respondeu, mas também não me impediu.</p><p>-Eu lamento pelo Alfredo. –falei ao sentar-me.</p><p>Ela continuou calada.</p><p>Por considerar o estado de profunda tristeza dela, eu também fiquei em silêncio e pensando em como agir diante de uma garota tão deprimida.</p><p>Ela passou os cabelos para detrás das orelhas e em seguida parecia querer conversar com as próprias mãos.</p><p>-Você não quer falar sobre o que houve?</p><p>-Ele estava tão satisfeito com a minha desenvoltura como atriz. –falou sussurrando. –A nossa apresentação seria no dia da entrega dos formulários ao diretório da escola.</p><p>Não havia lágrimas em seus olhos, mas a expressão da voz dela era sofrível.</p><p>-Quantos anos ele tinha?</p><p>-Faria vinte e cinco no dia 30.</p><p>-Muito jovem para morrer de tal forma.</p><p>Amanda fixou o olhar no cenário que era usado para contracenar um drama de Shakespeare. Seus olhos vagavam distantes.</p><p>Eu queria dizer que eu repensei no que disse á ela, em sermos apenas colegas de escola, mas, vendo-a naquela situação, senti vontade de abraçá-la e oferecer-lhe um ombro amigo.</p><p>-Não fique assim. –falei segurando as mãos dela. –Você vai conseguir o patrocínio.</p><p>-Eu não sei se consigo continuar.</p><p>-Você é muito talentosa e não pode interromper a sua carreira promissora assim, tão precocemente.</p><p>Segurei no rosto dela e usei os polegares para enxugar suas lágrimas.</p><p>-Obrigada! –falou segurando meus antebraços.</p><p>-Se você quiser, eu posso ser o Romeu. –dei um leve sorriso. Ela também sorriu bem curtinho.</p><p>-O Alfredo me falou que quando ele ficasse famoso, toda nossa equipe ia trabalhar com ele. –falou olhando para o piso.</p><p>-Ele tinha inimigos na escola ou fora dela. –interroguei.</p><p>-Não... Ele não se misturava aos demais alunos, mas se comportava com muita naturalidade em relação á isso.</p><p>Eu jamais vi alunos tão bem-comportados como os da nossa escola. Um verdadeiro espaço de convivência. Seria insensato achar que um aluno da Cândido Plates fosse mau-elemento.</p><p>-Então, por que as drogas? –fui direto.</p><p>-É isso que eu não entendo. Ele era muito caseiro e só falava em teatro. Até já planejava formar a equipe titular para ensaiar Hamlet moderno para o segundo semestre.</p><p>-Por que Hamlet moderno?</p><p>-Nós da escola somos ensinados á não agir de forma violenta, e, por isso, os líderes da instituição C. P. R, não concordaram com a produção dessa peça, mas o Alfredo disse que a produziria de modo que os surpreenderiam.</p><p>- Interessante. Mas, ele morreu de overdose...</p><p>-Ainda não se sabe nem se ele morreu, e alguns já dizem uma coisa dessas. –ela falou se levantando. –Por causa das más línguas e más intensões, até R. R. Rivera está sendo difamado na sociedade.</p><p>Só não pedi á ela para não se preocupar com o meu pai e o meu avô, porque senão eu me revelaria. Eu achava que o Marcos precipitou ao me dizer que foi overdose. Talvez por isso ele não me respondeu pela segunda vez.</p><p>-Foi encontrado algo que pudesse evidenciar que ele teria ingerido droga sintética ou qualquer outro tipo?</p><p>-Tudo que eu soube foi que ele foi encontrado no apartamento dele com alguns comprimidos de ecstasy, mas ele era completamente avesso ao uso de drogas. –disse e se sentou novamente.</p><p>Levantei-me e comecei á raciocinar. “Ecstasy é droga para á noite e em locais de baladas. Não faz sentido usar a droga e ir para casa dormir”</p><p>-A que horas ele foi encontrado?</p><p>-Mais ou menos nove da noite. Ás vezes eu não acredito que ele morreu, porque ninguém foi ao hospital.</p><p>-Quem deu a notícia da morte? –perguntei.</p><p>-Ráusen. Amanda. –Marcos nos chamou todo eufórico. –O Alfredo não morreu.</p><p>Eu e Amanda emudecemos com a notícia.</p><p>-Ele sofreu parada cardíaca e foi dado como morto, mas ele foi reanimado na ambulância. </p><p>Nós três nos sentamos.</p><p>-Então, onde ele está. –quis saber Amanda.</p><p>-Ele continua no hospital ainda em observação. Talvez ele seja transferido de hospital.</p><p>-Menos mal. - falei.</p><p>-Que bom que ele está vivo. –ela comentou menos triste.</p><p>-Quem foi que te deu essa boa notícia. –perguntei.</p><p>-Enquanto eu conversava com a Soraia, alguém ligou no celular dela e a avisou.</p><p>Amanda nos abraçou toda feliz e foi apressada ao encontro da Soraia. Eu e Marcos continuamos na sala de teatro.</p><p>-Você acha que a Soraia tem algo á ver com essa história? -torci para ouvi-lo dizendo que não.</p><p>-Ela disse que não esteve com ele e nem o conhecia direito.</p><p>-Você desconfia daquela anjinha? -sério perguntei. -Ela se parece com aquelas musicistas que tocam harpa no reino do céu.</p><p>-Não sei e, eu acho que ela só está querendo tirar o dela da reta.</p><p>Esfreguei o rosto tentando me livrar do lapso de memória. Só então me dei conta de que a Soraia era a mesma que me fisgou com um olhar na noite da festa. Que bom, eu não sofria de amnésia.</p><p>-De qualquer forma, a Soraia é a nossa segunda suspeita. –falei. –Quem foi que ligou para ela? –perguntei.</p><p>-Também não sei. –respondeu levando as mãos á nuca. –Merda. Nós não estamos progredindo. –falou e socou a mesa.</p><p>-Sem pressa. Agora que começamos. –o tranquilizei. –Nós precisamos descobrir com quem foi que o Alfredo esteve na última hora.</p><p>Ficamos calados. Eu dedilhava a madeira, Marcos farfalhava os cabelos.</p><p>-Temos que falar com o Jorge. –falei, me levantando.</p><p>-Ele acabou de sair com um ex-aluno dessa escola. Jorge e Alfredo não se combinavam desde que ele causou uma confusão com os nomes de matrículas do Roberto irmão do Alfredo com o outro Roberto.</p><p>-Só de ouvir você falar, eu já me sinto confuso também.</p><p>A notícia de que o Alfredo não morreu parecia ter dado novo ânimo aos alunos em suas respectivas classes. Tudo que eu sabia sobre o Alfredo é que ele era muito dinâmico, conhecia muito de teatro e desempenhava papéis diversos com muita facilidade e perfeição, indo de Jeca tatu á Romeu, sem nenhum embaraço. </p><p> Eu vim preparado para assistir as aulas, mas a minha mochila ficou no carro do Marcos. Tinha um bom álibi para não responder “presente” á chamada.</p><p>-Você viu se a Cínthia veio hoje? –Marcos quis saber.</p><p>-Não, não a vi.</p><p>Não estava nos planos, mas chegamos á diretoria. Apenas eu entrei, Marcos acabava de ver á Cinthia e foi até á ela.</p><p>-Bom dia, diretor.</p><p>-Bom dia. Você não vai assistir ás aulas? –perguntou indo ao bebedouro.</p><p>-Não. Eu não me sinto no clima.</p><p>-Sente-se.</p><p>Enquanto o copo enchia, ele olhava pela persiana e constatou que apenas eu, dos que vieram, não estava presente na classe.</p><p>-Sem dúvidas você veio falar sobre o Alfredo. –Deduziu bebendo água e se sentando.</p><p>-Ele é um bom rapaz. –comentei.</p><p>-E um ótimo supervisor, mas infelizmente, drogas denigrem a imagem de qualquer ser humano. Pior ainda. Está derrubando a reputação da instituição.</p><p>Enquanto ele amassava o copinho para se livrar dele jogando-o no cesto de lixo, eu pensava á respeito da diretoria não ter tido nenhuma atitude contra os traficantes que faziam os arredores da escola, o ponto de venda de drogas.</p><p>-Ele tinha um grande futuro pela frente. Os manuscritos de Cândido o levariam ao mais alto nível profissional e pessoal. Ele queria impressionar Cândido e Rodrigo Rivera e, eu acho que já está impressionando.</p><p>Impressionante.</p><p>-O senhor possui o manuscrito?</p><p>-Eu teria que ser elevado á reitor pelos supervisores das secretarias das artes para alcançar tal troféu.</p><p>Não vou entrar nesse mérito, mas eu acredito que a posição de diretor escolar é mais elevada do que supervisão das pastas e secretários das artes.</p><p>-Eu acredito que ele ainda tem, afinal, ele não morreu.</p><p>-Eu gostaria de poder ter o seu otimismo, mas Cândido não vai querer ter o nome dele vinculado á um escândalo envolvendo drogas. E é bom que Rodrigo e Cândido e a corregedoria não saibam desses incidentes. </p><p>Fuçando as gavetas da mesa ele não percebeu minha cara de: Você é que pensa que eles não sabem.</p><p>-Mas não se trata apenas de um escândalo e, que você me perdoe, mas por que nada foi feito para impedir a comercialização dessa droga aqui na escola. – o coloquei em alerta.</p><p>-Nenhum aluno comercializa drogas aqui. Eu acho que você está mal informado. Os alunos e alunas são de muito bons exemplos. Estes escândalos começaram á acontecer depois que os três rapazes receberam os formulários para os patrocínios da Ordem. -falou com firmeza. </p><p>Comecei a pensar que ele não sabia de nada mesmo. Eu não podia delatar o Marcos, por isso eu teria que ser menos direto com os meus comentários.</p><p>-Desculpe-me, diretor, é que eu tenho visto alguns elementos meios suspeitos aqui, sempre na hora do recreio.</p><p>-É bastante comum garotos virem ver suas namoradas na meia hora de intervalo. Já pensamos até em reduzir o tempo de recreação para evitar esses encontros, mas sempre esbarramos com a má vontade dos estudantes. -ele recostou-se na cadeira e dobrou as mangas da camisa. -Você disse que viu pessoas em atitudes suspeitas. Acha que eles podem ser traficantes?</p><p>-Eu não tenho certeza ainda, mas eles não vêm aqui apenas para ver suas garotas.</p><p>-De qualquer forma é bom enviar um ofício a delegacia de policia para que eles mandem uma viatura...</p><p>-Assim só irá assustá-los. –alertei.</p><p>-E o que você sugere, afinal de contas, você foi soldado?</p><p>Não tive resposta para interrogativa. Teria que inventar uma convincente.</p><p>-Devemos ter certeza de quem são e de quantos são. Só então saberemos como agir. –falei me levantando para sair.</p><p>-Não vá bancar o investigador. Você nem sabe com quem vai lidar. Traficantes são pessoas perigosas. –avisou-me ao chegarmos á porta.</p><p>Despedi-me do diretor Osmar e voltei a fazer rastos no corredor rumo ao portão de saída.</p><p>-Ráusen. –Amanda chamou-me. –Espere, eu vou com você. –correu e me alcançou.</p><p>-Deixe-me levar a sua mochila. –pedi.</p><p>-Você hoje não veio para assistir aula?</p><p>-Sim, é que eu soube do Alfredo, e... o meu material ficou no carro do Marcos. Você o viu?</p><p>-Ele foi à casa da Cínthia, mas disse que voltaria para te pegar ás onze horas. - pelo tom de voz, ela parecia estar mais aliviada.</p><p>Chegamos á rua. Ela estava ofegante por acompanhar-me com meus passos rápidos. Eu morava em uma direção, ela noutra, mesmo assim, ela ainda me acompanhava. Algumas pessoas passavam indo em direção á escola e nos diziam oi. Eu não perguntei á Amanda para onde é que ela estava indo, porque, pra ser sincero, eu estava gostando de sentir a mão dela em meu ombro.</p><p>-Amanda, eu me lembrei de algo muito importante. –falei.</p><p>-Então pare e me conte.</p><p>Paramos. Ela pegou a mochila e a segurou na frente do corpo.</p><p>-Eu só quero te pedir desculpas pelo que falei á você ontem.</p><p>-Tudo bem, eu também estava me portando errado sendo tão desconfiada de você.</p><p>-Você não desconfia mais de mim, é isso que quer dizer? –tocando o braço dela perguntei. </p><p>Ela deixa que a mochila tocasse a calçada segurando-a com uma das mãos, com a outra ela pegou em meu antebraço. Os olhos dela se fecharam, e... </p><p> -Amanda, ele é seu namorado? –uma pequena perguntou cortando o meu barato.</p><p>-Deixe de ser curiosa. –falou fechando a cara.</p><p>-Ah. –disse a garota fazendo beicinho e foi embora.</p><p>Beijamo-nos pela primeira vez... só um selinho. Eu faria isso até com o meu pai.</p><p>-A partir de agora estamos namorando?</p><p>Antes de responder ela deu um aceno de mão para o diretor que também estava indo embora em seu automóvel...</p><p>-Automóvel. –recordei do presente.</p><p>-O que foi Ráusen?</p><p>-Eu preciso tomar aquele ônibus.</p><p>-Confira a sua caixa de mensagens... –ela me orientou.</p><p>Dei mais um beijo no rosto dela e corri para o ponto. Olhei para trás e a vi jogando a mochila nas costas, seguindo lentamente e pensativa para sua casa.</p><p><br /></p><p><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> <span> </span></span><span>05</span></p><p><span><br /></span></p><p><span>Realmente, Marcos estava certo em relação ao padrão de vida dos alunos. Havia muitos deles no ponto de ônibus, mas é incrível como os estudantes da escola do meu pai e do meu avô, se distinguem dos outros. O jeito de falar com as pessoas, o comportamento civilizado de todos eles faz a diferença. Já me sinto satisfeito por ver o que tenho visto.</span></p><p><span>Dentro do ônibus eu ia me roçando nos passageiros, até chegar próximo à porta de desembarque. Uma cena desagradável me chamou atenção; um sujeito gordo, com boné atolado na cara, indecentemente encoxa uma garota de mais ou menos dezesseis a dezessete anos de idade. Ela está amedrontada e sem graça tentando se safar da safadeza do grandalhão molestador. O ônibus está cheio, mas as pessoas parecem não perceberem... Ela me olha com olhar de quem pede ajuda... Percebo que ela é minha colega de escola. </span></p><p><span>Já era.</span></p><p><span>-Motorista. –gritei. –Pare o ônibus. Tem um passageiro que perdeu a parada.</span></p><p><span>A ereção do infeliz foi embora. Os passageiros ficam sem entender o que está acontecendo.</span></p><p><span>O ônibus parou. Eu avanço contra o molestador de garotas indefesas.</span></p><p><span>-Perdeu a excitação, seu filho da puta?</span></p><p><span>Antes de eu ouvir a resposta do troglodita branco, agarro nas bolas e na garganta dele. –Abra a porta motorista. –gritei novamente. –Abrem área. –pedi ao aglomerado de gente em frente à porta.</span></p><p><span>O assediador descarado agarra em meu pulso, tentando liberar a goela pra dizer alguma coisa, mas...</span></p><p><span>-Perdeu, calhorda duma figa. –falei empurrando-o... tá lá fora um pedófilo em queda livre. A queda o deixaria com fortes fraturas por eu tê-lo empurrado de costas, mas ele é sem vergonha e sortudo, pois caiu em cima de um casal em uma moto que esperava o sinal abrir.</span></p><p><span>Escuto alguém dizer á garota, que, se ele tivesse visto a cena, ele teria feito o mesmo. O corajoso pega em minha mão, me parabenizando pelo feito. Agora, todos me olham com admiração. Uns até erguem as cabeças para ver o herói da lotação.</span></p><p><span>Eu estou preocupado com a garota que está aterrorizada, com a mochila entre as pernas e as mãos nas orelhas.</span></p><p><span>O ônibus segue.</span></p><p><span>-Tudo bem com você menina?</span></p><p><span>Ela apenas balança a cabeça e esfrega as mãos na calça preta de moletom.</span></p><p><span>-Ele faz isso sempre com as alunas. E ainda fica nos ameaçando com um vídeo que nos mostram mal vestidas em uma festa. Eu não sei onde foi que ele montou aquele vídeo.</span></p><p><span>-Eu pensei que ele era o seu pai e procurava te proteger. Por isso eu demorei com o help. –brinquei para reanimá-la.</span></p><p><span>-Eu vou mudar de ônibus, de agora em diante... Você é o Ráusen Júnior não é?</span></p><p><span>-Pode me chamar de RJ: O protetor.</span></p><p><span>Rimos.</span></p><p><span>-Eu acho que o Jorge dessa vez não escapa. –disse ela.</span></p><p><span>Eu não entendi o que ela quis dizer com; Dessa vez. Talvez ela tenha algo mais á me revelar sobre o meu primeiro desafeto.</span></p><p><span>-Você já o conhece bem?</span></p><p><span>-Eu, ele e mais alguns alunos, fizemos a audição de avaliação para conseguir a vaga na escola. Ele e outros colegas foram aceitos, outros não foram.</span></p><p><span>-O Meu ponto é o próximo. –avisei.</span></p><p><span>-Eu desço no próximo depois do seu. –falou pondo a mochila nas costas. –Vou descer com você.</span></p><p><span>O ônibus baldeia, nós descemos.</span></p><p><span>A garota é mesmo uma gracinha. Cabelos bem lisinhos e castanhos, cortados em fio reto.</span></p><p><span> Um carro para próximo ao meio fio e, outra garota chama a minha acompanhante.</span></p><p><span>-Olha Ráusen, muito obrigada pelo que você fez por mim. </span></p><p><span>-Você dizia que o Jorge foi aceito, e outros, não.... </span></p><p><span> -Foi. Na segunda vez os outros colegas também se matricularam, mas se desentenderam com o Jorge porque ele havia feito uma confusão com os nomes nos formulários de matrículas. –deu-me um beijo no rosto. –Eu vou de carona com a minha amiga. –Tchau! -disse rápido e entrou no carro. </span></p><p><span>Te cuida menina. Dane-se o Jorge.</span></p><p><span><br /></span></p><p><span> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>***</span></p><p><span><br /></span></p><p><span>“Concessionária Almeidas” É aqui. Tô dentro.</span></p><p><span>-Bom dia rapaz. –disse o vendedor. –Em que posso ajudá-lo?</span></p><p><span>*Me mostre alguns pares de Tênis. –pensei em responder. –Só estou olhando os carros. –falei.</span></p><p><span>-Deseja comprar um destes?</span></p><p><span>Faço com a cabeça um gesto de sim ou não.</span></p><p><span>-Temos aqui alguns automóveis que são á sua cara e que com um pequeno sinal de entrada, um deles pode ser seu.</span></p><p><span>Eu nunca vi carro com cabelos lisos negros e olhos castanhos.</span></p><p><span>Ele pegou em meu ombro e me leva ao estande com alguns modelos zeros quilômetros. Observo que há todas as marcas e modelos. Algumas pessoas negociam com outros atendentes, outros até entram nos carros dando uma olhada no acabamento interno dos veículos. Eu continuo só observando os carrões.</span></p><p><span>-E aí, gostou de um modelo?</span></p><p><span>-São todos muito atraentes. –respondi.</span></p><p><span>-Olha só, esse Classic prata, 1.0, super econômico, flex...</span></p><p><span>-Não, não faz o meu tipo.</span></p><p><span>-Ma é o mais barato da categoria. Quanto você está disposto á gastar?</span></p><p><span>-Eu estou sem nenhum centavo no bolso.</span></p><p><span>O vendedor fez cara de só lamento.</span></p><p><span>-Vá olhando e, qualquer coisa, você chama um dos funcionários.</span></p><p><span>Falou e foi atender á outro cliente. Mas, logo um boa pinta se aproxima de mim.</span></p><p><span>-Ráusen Júnior. –ele abriu os braços. –Como você cresceu. –falou e me abraçou.</span></p><p><span>Eu não entendi o motivo do abraço e nem da surpresa a me ver, mas eu gostei mais de ser recebido por este, do que pelo primeiro.</span></p><p><span>-Como está o seu pai, sua mãe e os caras e as mulheres mais legais do mundo?</span></p><p><span>-Eles vão vivendo. –falei meio cabreiro.</span></p><p><span>-Eu estou muito feliz em te ver. –disse abraçando-me novamente.</span></p><p><span>Olhando por sobre o ombro do quarentão, eu vejo o vendedor que queria me empurrar um Classic, abrindo a porta de um Voyage para mostrá-lo ao cliente. Ele me olha e disfarça. Deve ter estranhado eu ser abraçado pela segunda vez.</span></p><p><span>-Você me conhece? –perguntei.</span></p><p><span>-Eu sou o Almeida. –respondeu.</span></p><p><span>-O dono da loja? –arrisquei.</span></p><p><span>-Um dos donos. Somos três sócios. Negócio em família.</span></p><p><span>Agora ele leva o braço sobre os meus ombros e me leva até umas máquinas que são o meu sonho de consumo.</span></p><p><span>-O seu pai nunca te falou sobre mim e os meus sócios?</span></p><p><span>-Ele me mandou vir aqui hoje. Apenas isso.</span></p><p><span>-Róbson, Rogério Almeida Ráusen e Franklin. Esses nomes te dizem alguma coisa?</span></p><p><span>Deixo de olhar para o GT á minha frente e o encaro.</span></p><p><span>-Você é um dos meus tios?</span></p><p><span>-Sim, eu sou o Rogério.</span></p><p><span>Agora sou eu quem o abraça.</span></p><p><span>-O meu pai fala sempre de vocês três. Os meus tios Róbson e Franclyn, eu os conhecia, mas eu jamais imaginei que o senhor era o meu tio Rogério. Sua benção! –pedi satisfeito.</span></p><p><span>-Que o Grande e Amável Deus Universal te abençoe. A última vez que eu estive na fazenda, você estava com cinco ou quatro anos de idade. Logo eu fui para o Portugal arriscar a vida... Voltei no ano passado e entrei como sócio com os seus dois tios, Robson e Franclyn. Nesses últimos meses eu sempre vou á fazenda, mas você está sempre fuzilando no exército. –falou fazendo pose de soldado atirando. Pelo gesto e o som emitido pelos lábios dele, mas se pareceu com uma rajada de metralhadora. Clientes e funcionários riram disfarçadamente da cena. Ele conhece a minha verdadeira história. Todos os meus tios são muito simples; apesar de serem ricos também. </span></p><p><span>Robson e Rogério são meus tios biológicos.Tio Franklin era, é e sempre será meu tio de consideração e do coração. Meu pai e eles cresceram juntos e nunca tiveram uma discussão entre eles. </span></p><p><span>Faz sentido o que o meu pai e os outros tios meus de consideração falam deles três. Meu Pai, tio Rogério e tio Róbson, nos anos oitenta eles eram os maiores conquistadores de garotas de Goiânia. Eu já ouvi dizer que ninguém superava o meu pai, só que ele desmente. Eu acho que é por causa da minha mãe que quando os escuta falando das paqueras, ela dá uma limpadinha de garganta, aí, todos mudam de assunto.</span></p><p><span>-Eu estou com a chave do seu automóvel aqui em meu bolso, mas o seu pai quis fazer um teste pra saber se conhece as suas intenções e os seus gostos.</span></p><p><span>-Essa até eu quero saber, porque eu nunca conversei com ele sobre carros.</span></p><p><span>Nós dois nos levantamos e vamos de volta ao estande da loja enorme. E pensar que eles começaram com um lava jato.</span></p><p><span>-Escolha o que você interessou por ele.</span></p><p><span>Já não vejo mais carro nenhum á minha frente. Meus olhos estacionaram no Vectra GT grafite, com rodeirões. –rodeirões é meu jeito caipira de dizer.</span></p><p><span>-Olha, tio, eu gostei desse aqui. –falei alisando o capô. –Mas é o meu pai quem sabe.</span></p><p><span>Balançou a cabeça franzindo a testa. </span></p><p><span>-O Seu pai continua sendo o mesmo invasor de mentes. –falou, me jogando as chaves. –Pegue, é seu.</span></p><p><span>Meu coração batendo á mil por minuto. Quase voei para pegar a chave. Dezenas de carros de várias marcas e modelos no pátio. Meu pai é mesmo surpreendente. Ele sabia até qual era o carro que eu sonhava ter.</span></p><p><span><br /></span></p><p><span><br /></span></p><p><span>Antes de entrar no possante, perguntei á meu tio sobre a papelada que eu teria que assinar, ele me disse que já estava tudo nos conformes. Dei mais um abraço nele e saí pelos fundos da concessionária. Meu tio me recomendou: - Não dê ouvidos ao que estão falando do seu pai na internet.</span></p><p><span>Antes de pegar o trânsito, eu dei um toque no celular do Marcos que me retornou logo em seguida me pedindo para encontrá-lo no posto de combustível. Ele estava tão apressado que nem deu tempo de dizer á ele que agora eu estou motorizado. </span></p><p><span>Eu estou um pouco encafifado com a preocupação da Amanda em querer me conhecer melhor assim tão rápido, e depois tem o fato de ela hoje ter feito de conta que já não se importa mais com o que eu sou ou o que deixo de ser. Não que eu queira ser convencido, mas ela quase se ofereceu á mim agora á pouco. </span></p><p><span>E o Alfredo? Cara pacato, caseiro e talentoso com tantas outras peças teatrais para encenar, escolhe logo Romeu e Julieta que tem um fim trágico para os dois protagonistas. “Hamlet“ outra tragédia ainda maior. É realmente muito estranha tanta obsessão pelo trágico. Só espero que ele se recupere logo para que possamos ter uma conversa. </span></p><p><span>Vinte minutinhos depois eu já estava com Marcos na loja de conveniência do posto.</span></p><p><span>-O que você me diz da sua conversa com o diretor? –ele quer saber.</span></p><p><span>-Nada de muito contundente, á não ser o fato de que ele desconhece qualquer envolvimento de um algum aluno com drogas. –respondi. –E que, diretores também sonham em chegar mais longe, e, nós alunos devemos ajudá-los á conquistar seus ideiais.</span></p><p><span> -Concordo.</span></p><p><span>Antes de falar mais alguma coisa, ele vai buscar os nossos refrigerantes. Ao voltar e se sentar novamente, faz cara de quem está progredindo.</span></p><p><span>-Saca só... –falou e bebeu. –O Alfredo não usava e nem usa drogas... Ele é amigo do meu irmão e o ajudou quando ele precisou.</span></p><p><span>-Disso eu não sabia. –pronunciei e bebi.</span></p><p><span>-Acontece que, pra ele ganhar o papel principal na peça de Romeu e Julieta, outro aluno teve que ser desbancado.</span></p><p><span>-Isso pra mim é novidade. Prossegue. –dou um gole extra.</span></p><p><span>-Roberto é o nome do fora de cena.</span></p><p><span>Eu não me lembro de nenhum aluno chamado Roberto, por isso, não me sinto surpreso. Dou outro gole que quase enxuga a latinha e espero que ele me dê mais informações sobre o sem palco.</span></p><p><span>-Você não o conheceu porque ele abandonou a escola no ano passado...Alegou ter sido sacaneado.</span></p><p><span>-Termine logo com essa coca e fale de uma vez sobre esse cara. –ordenei.</span></p><p><span>Ele obedeceu.</span></p><p><span>-Esse “cara”tentou o estrelato em todas as modalidades artísticas que você possa imaginar, mas ele é predestinado ao fracasso. Incompetência é o termo correto. Mas alguns dizem que ele era o cara. –bebeu a pretinha. –Aaah! Geladinha.</span></p><p><span>-Até aí eu entendi, mas o que o Alfredo tem á ver com os infortúnios do sem talento?</span></p><p><span>-Se liga, ele tomou o lugar do cara.</span></p><p><span>Terminei com a minha coca e me dei conta de que faz sentido.</span></p><p><span>-Mas, e o seu irmão, o que tem ele á ver?</span></p><p><span>-O meu irmão Márcio tomou a posição dele no basquete. Estou ciente de que esse Roberto é um calhorda vingativo.</span></p><p><span>-Ok Marcos. Agora me diz por que você acha que esse cara é culpado de tudo.</span></p><p><span>-Antes de responder essa pergunta, eu quero te dizer que ele não foi zoado por nenhum dos alunos que até gostavam dele pela humildade dele, mesmo ele sendo um derrotado na vida e no amor.</span></p><p><span>Infelicidade sentimental. Agora eu estou surpreso. Em pleno século 21, um babaca sofre por paixão recolhida e sai descontando nas pessoas.</span></p><p><span>-Me fale desse amor. –pedi.</span></p><p><span>-Deixe-me pegar outra coca. –se levantou e foi ao freezer expositor.</span></p><p><span>Os clientes do comércio somos apenas nós dois, portanto, podemos ficar papeando por aqui mesmo sem nos preocupar com abelhudos para escutar nossa conversa.</span></p><p><span>Segundos depois ele volta.</span></p><p><span>-Se lembra de quando eu e falei que a Amanda era a desejada da faculdade? –perguntou arrancando o lacre da latinha.</span></p><p><span>-Continue.</span></p><p><span>-Pois é...</span></p><p><span>-Beba logo. Você vai dá cirrose de tanto beber Coca-Cola. –alertei.</span></p><p><span>Enquanto eu o alertava, ele esvaziava a lata.</span></p><p><span>-Ele era apaixonado na Amanda, e pode ser que ele esteja querendo destruir a carreira de todos que se aproximam dela.</span></p><p><span>Isso pra mim foi um choque. Pode ser que eu seja o próximo da lista, afinal, eu já experimentei uma lasquinha dos lábios dela. Fingirei nem ter tocado neles. Talvez eu bata asas e caio nos braços da Soraia. Ôh garota linda!</span></p><p><span>-Me responda uma pergunta. –falei. –O seuirmão e o Alfredo já tiveram algum tipo de relacionamento com a Amanda?</span></p><p><span>-Não... O Márcio não, mas sempre que ele marcava um ponto no nos treinos Inter Classe ele apontava os dedos para ela.</span></p><p><span>-Como forma de oferecer o ponto á garota mais interessante da escola. Entendi.</span></p><p><span>-Pode acreditar que era só amizade. –garantiu vendo minha cara de desconfiado.</span></p><p><span>-Tá ok, mas, e o Alfredo?</span></p><p><span>-Entre ela e ele eu não sei o que rolou, mas depois que os dois começaram á contracenar juntos, o número de pessoas assistindo os ensaios aumentou expressivamente. –secou a latinha. –E os aplausos também. Amanda e ele sempre eram vistos juntos no parque municipal.</span></p><p><span>-Você já progrediu bastante nessa investigação, mas agora me diga quem é, e como podemos encontrar esse tal Roberto.</span></p><p><span>-Mais cedo ele esteve na faculdade e, logo saiu com o Jorge.</span></p><p><span>-Ele estava de blusão de frio, é louro e usa um cavanhaque ridículo? </span></p><p><span>-Bingo. É esse mesmo.</span></p><p><span>Agora temos um nome e descrição física do sujeito. Ele é um tipo comum, porém eu acho que não consigo esquecer aquela figura de jeito medíocre e de cabeça baixa. Típico dos derrotados mesmo.</span></p><p><span>-Bom. Qual é o nosso próximo passo? –pergunto me levantando.</span></p><p><span>-Encontrar esse filho da mãe. –respondeu me acompanhando.</span></p><p><span>Vou até ao caixa. Pago o que consumimos e abasteço o celular com créditos.</span></p><p><span>-Onde está o seu carro? </span></p><p><span>-Na garagem da minha casa. –ele aponta para um belo sobrado do outro lado da avenida.</span></p><p><span>-Para onde vamos agora? -Vamos á minha casa pegar o carro e fazer uma visita ao Jorge. </span></p><p><span>Aperto o controle do meu zero quilômetro e, Marcos percebe que não há necessidade de queimarmos o petróleo do Golf dele.</span></p><p><span>-Caracas, que carrão... É seu?</span></p><p><span>Enquanto ele circula o GT, eu penso: será que o carro é meu, ou o documento está no nome do meu pai?</span></p><p><span>-È claro que é meu. –respondi entrando.</span></p><p><span>-Isso é que é carro, o resto é condução. –propagandeou. -Vou patentear esse comercial: Isto é que é carro. O resto é condução. Ganharei milhões em direitos autorais. –cresceu os olhos.</span></p><p><span>-Olha só quem fala. O cara do Golf última geração. –falei, dei partida e vamos em direção á casa da desejada por muitos e beijada apenas por Ráusen Júnior. Por mim. Claro. Bom, foi apenas uma bicotinha.</span></p><p><span><br /></span></p><p><span><br /></span></p><p><span style="color: red;"> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>06</span></p><p><span style="color: red;"><br /></span></p><p><span style="color: red;">ASSIM COMO EU ESTOU COMEÇANDO á desconfiar de certa pessoa, Marcos parece compartilhar da mesma desconfiança. Encontramos Amanda e Cínthia saindo da biblioteca. </span></p><p><span style="color: red;">-Amanda, qual a ligação entre seu irmão e o Roberto? –perguntei num estalo. Ela olha á nós três e com expressão de espanto puxa o cinto e o trava.</span></p><p><span style="color: red;">-Vamos até a minha casa. Nós temos que falar com o Jorge. Vai Ráusen, saia logo daqui.</span></p><p><span style="color: red;">Eu a obedeço e faço o motor trabalhar.</span></p><p><span style="color: red;">-Dá pra você adiantar alguma coisa? -Marcos perguntou.</span></p><p><span style="color: red;">-Hoje de manhã eu notei que alguém havia mexido no meu laptop. Eu pensei que o Jorge só estava querendo ver fotos de amigas minhas no meu Facebook, mas agora eu acho que ele estava vasculhando o meu E-mail.</span></p><p><span style="color: red;">As coisas começavam á se encaixarem. O Roberto foi á escola e saiu com o Jorge que invadiu o quarto de sua irmã para fuçar em seu computador portátil, pensando que encontraria uma postagem. Mas que postagem é essa?</span></p><p><span style="color: red;">-O que o seu irmão tem á ver com o Roberto? –Cínthia fez a minha pergunta.</span></p><p><span style="color: red;">-O meu irmão é viciado em mulheres nuas, e o Roberto é frequentador assíduo de boates de strípers.</span></p><p><span style="color: red;">-Dois pornógrafos inveterados. –falei.</span></p><p><span style="color: red;">-Vire à esquerda. –Amanda indicou a rua. –O Jorge não estava em casa. Pode ser que ele tenha ido á casa do Roberto.</span></p><p><span style="color: red;">Manobro pegando uma rua que possui residências de arquiteturas modernas. O cara deve ser um riquinho que gosta de mulheres que alisam o mastro.</span></p><p><span style="color: red;">-Aquele é o carro do vice-diretor Osvaldo. –Amanda apontou uma Blazer preta. –E ali é onde o Roberto mora.</span></p><p><span style="color: red;">Eu acho que não me enganei ao dizer que o cara é um riquinho. Desde a calçada até a parte da frente da casa dele, é muito luxuoso. Toda a frente gradeada permite que a gente veja o portão de alumínio da garagem subterrânea da mega mansão que parece ter subsolo. Sistema de segurança via satélite.</span></p><p><span style="color: red;">-Bom, que ele está aí, nós já sabemos. –falei dirigindo á dez por hora. –Mas eu acho que não devemos tocar a campainha pra conferir.</span></p><p><span style="color: red;">-Não, não pare. Vamos esperar dentro do carro. Estacione em frente á quinta casa depois.</span></p><p><span style="color: red;">Fiz o que Amanda ordenou e continuamos nossa conversa no conforto do GT.</span></p><p><span style="color: red;">Outra casa idêntica ao castelo do suspeito.</span></p><p><span style="color: red;">-Amanda, diz pra gente por que o Jorge está envolvido com o Roberto, pois pelo que eu sei, ele não é chegado á teatro. –Marcos inquiriu.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu não faço a mínima ideia. Sinceramente, estou surpresa até mesmo com toda essa amizade entre os três. O Jorge ama teatro.</span></p><p><span style="color: red;">*Amadores são sempre uns incapazes.</span></p><p><span style="color: red;">-Mas você falou que eles são companheiros de boates. –Marcos falou.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu falei isso?</span></p><p><span style="color: red;">-Sim, você falou á menos de dez minutos atrás. –Cinthia confirmou.</span></p><p><span style="color: red;">Eu não reafirmei nada para não deixá-la ainda mais com cara de quem delatou alguém e agora quer desdizer o que disse, mas eu sinto que Amanda está nos escondendo algo de grande importância. Olho pelo retrovisor para disfarçar e vejo Jorge e Osvaldo entrando na caminhonete.</span></p><p><span style="color: red;">-Eles estão saindo da casa. –anunciei.</span></p><p><span style="color: red;">Amanda passa as mãos no rosto. Deve estar buscando coragem para nos contar sobre a amizade de seu irmão com o Roberto.</span></p><p><span style="color: red;">-Você quer que eu siga o Osvaldo e o seu irmão? –perguntei para poupá-la de ter que nos falar da relação entre os três.</span></p><p><span style="color: red;">Houve um breve silêncio.</span></p><p><span style="color: red;">-O Roberto não me queria apenas como amiga. Ele sempre quis que eu fosse a namorada dele e por isso ele se inscreveu no grupo de atores da escola quando soube que eu seria a atriz principal. Eu nunca dei chance á ele por</span></p><p><span style="color: red;">que eu não gostava e nem gosto dele. Então ele achou que virando amigo íntimo do meu irmão, ele conseguiria me conquistar e, num domingo de manhã ele foi a minha casa se declarando e prometendo que se eu o namorasse, ele faria de mim uma atriz de sucesso em pouco tempo... Mas eu não aceitei. Dias depois o meu irmão foi preso por estar com alguns comprimidos de ecstasy numa boate, então o Roberto pagou a fiança pra que ele fosse solto.</span></p><p><span style="color: red;">-Quanto foi o valor da fiança? –perguntei.</span></p><p><span style="color: red;">-Três mil reais.</span></p><p><span style="color: red;">-Mas os seus pais podiam ter pagado.</span></p><p><span style="color: red;">-Os pais dela são separados, Ráusen. –Cínthia me fez saber.</span></p><p><span style="color: red;">-A minha mãe ainda não sabe que o Jorge tenha sido preso. Ela está com o namorado dela, passando as férias em Bueno Aires.</span></p><p><span style="color: red;">-Então vocês moram com a mãe de vocês apenas? –Interroguei.</span></p><p><span style="color: red;">Ela assentiu com a cabeça.</span></p><p><span style="color: red;">-Fale-nos sobre o seu irmão e o ecstasy. –Marcos voltou ao assunto.</span></p><p><span style="color: red;">-Na noite que o Jorge foi preso ele havia sido convidado á ir á boate pela primeira vez pela Soraia. Tudo estava normal. Inclusive, o Alfredo e o Roberto irmão dele também estavam lá. As pessoas bebiam e fumavam como é de costume em baladas, mas ninguém consumia drogas no local. Lá pelas dez da noite, os policiais fizeram uma busca alegando que eles haviam recebido uma denúncia de que alguns frequentadores estavam usando e vendendo ecstasy na balada. Eles encontraram seis comprimidos no bolso da calça do Jorge.</span></p><p><span style="color: red;">Outra surpresa. A Soraia é boateira. Como as aparências enganam. Não a quero mais.-Não seja precipitado Ráusen Júnior. -oriento á mim mesmo. Marcos me olha, mas não diz nada. Talvez ele esteja tal como eu estou desconfiado de que o Jorge caiu numa cilada preparada pelo Roberto.</span></p><p><span style="color: red;">-Desde que o Roberto saiu da escola, eles se tornaram amigos inseparáveis. E pra eu ser sincera com vocês, os dois não conversavam com o Alfredo e o Roberto irmão dele, porque ambos se desentenderam por questões bobas.</span></p><p><span style="color: red;">Talento e incompetência não se dão bem e, isso é sim, algo relevante.</span></p><p><span style="color: red;">-Podemos ir agora? -perguntei ligando o carro.</span></p><p><span style="color: red;">-Vocês precisam acreditar que eu não sei nada mais que isso.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu acredito em você. –disse a morena Cínthia.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu também, mas no seu irmão...</span></p><p><span style="color: red;">-Tudo bem Marcos. Eu acho que o Jorge só está pagando o favor que o Roberto fez ao tirá-lo da cadeia.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu acredito em você Amanda. –falei e coloquei o carro pra andar.</span></p><p><span style="color: red;">-O meu irmão não usa e nem vende drogas. Eu só não entendo como foi que os policiais encontraram ecstasy no bolso dele.</span></p><p><span style="color: red;">-O Roberto armou pra ele, pra depois soltá-lo e chantageá-lo. –Marcos presumiu. –E a Soraia tem culpa no cartório também. –afirmou.</span></p><p><span style="color: red;">-Será? O seu irmão tentou te convencer á namorar o Roberto, Amanda? –Cínthia perguntou. </span></p><p><span style="color: red;">-Não, nós jamais falamos sobre ele.</span></p><p><span style="color: red;">Atento ao volante e á conversa dos três, fico imaginando o que um cara quer sendo amigo do irmão da garota que ele é apaixonado por ela, e nunca toca no assunto com o pretendido cunhado mesmo tendo pagado a fiança para a soltura dele.</span></p><p><span style="color: red;">-Temos que interrogar a tal Soraia. –falei.</span></p><p><span style="color: red;">-Sejam discretos e não me inclua na conversa. –Amanda alertou-nos.</span></p><p><span style="color: red;">-É por isso que temos que investigar sem chamar a atenção da polícia, e quando tivermos certeza de quem são os culpados, aí então podemos denunciá-los.</span></p><p><span style="color: red;">-Tá bom Ráusen. –falou com vós suave. –Eu sei que você não falou por mal. Até eu mesma acho que o meu irmão está metido nisso. –apertou minha mão no câmbio de marchas.</span></p><p><span style="color: red;">Eu dirijo meio devagar e sempre olhando as ruas para ver se vejo um carro ou alguém suspeito, mas á essa hora da tarde o trânsito começa á ficar caótico, e mesmo assim nada me chama a atenção.</span></p><p><span style="color: red;">-Nós não podemos ser vistos juntos, para não levantar suspeitas. O melhor á fazer é trabalharmos em duplas. –dei a ideia.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu e Ráusen investigaremos fora da escola. Vocês duas farão o trabalho interno. –Marcos escalou.</span></p><p><span style="color: red;">Até onde deu pra entender é que existe alguém roubando os sonhos das pessoas e até tentando matar os sonhadores. Todos os meus parceiros concordam comigo. Deixei Cínthia e Marcos na casa dele, e fui com Amanda até a casa dela. Eu notei que ela é um tanto quanto temperamental. Hora ela demonstra total interesse por mim, e fica deslizando a mão em meu cabelo, dizendo que eu sou lindo e que nunca esperava encontrar alguém tão especial como eu. Outra hora ela me trata como se eu fosse um moleque atrevido, e diz pra eu deixar de ser pra frente, principalmente quando eu quero saborear os lábios dela. Depois da terceira tentativa frustrada em tentar beijá-la, eu perguntei: - Amanda, por acaso eu estou com mau-hálito? Ela respondeu que a minha boca tem cheiro de chicletinho trident. Aí eu perguntei novamente: - Então por que você se esquiva dos meus beijos? Ela disse que não quer ser apenas beijada pelo rapaz que ela mais ama na vida.</span></p><p><span style="color: red;">Talvez ela esteja se preservando para se entregar inteira e intocada a mim. Mas pode ser também que esteja me dando o fora de modo teatral.</span></p><p><span style="color: red;">Ainda bem que eu não sinto amor platônico por ela, e os forinhas dela estão me mandando cair pra dentro da anja do sorriso encantador. </span></p><p><span style="color: red;">De consolo, ao descer do carro, ela me deu um beijo... bem no alto da testa, e segurando em meu rosto com as duas mãos, disse: -ai, como você é lindo!</span></p><p><span style="color: red;">Pensei em dizer: vaza daqui atrizinha do caramba.</span></p><p><span style="color: red;"> *** </span></p><p><span style="color: red;">Resolvi vir sozinho á corregedoria do núcleo educacional Cândido Plates. Este é um lugar fora das dependências da escola. Daqui sai todas as normas, regulamentos e protocolos da instituição.</span></p><p><span style="color: red;">Funcionários andam de uma sala á outra num vai e vem constante colhendo assinaturas e recebendo orientações de seus superiores.Vou tentar colher algo também.</span></p><p><span style="color: red;">-Bom dia, eu gostaria de falar com o superior...</span></p><p><span style="color: red;">-Lá. –apontou-me um escritório no final do corredor.</span></p><p><span style="color: red;">A secretária nem me esperou terminar á fala.</span></p><p><span style="color: red;">Senti que eu estava sendo observado por todos e todas que estão aqui dentro. Continuo meu trajeto e chego ao escritório.</span></p><p><span style="color: red;">-Tia Andreza. –falei surpreso. –Como a senhora está bonita. –abri os braços para abraçá-la. –A minha bênção. –pedi e ganhei.</span></p><p><span style="color: red;">Alguns funcionários ficam nos olhando através do vidro transparente.</span></p><p><span style="color: red;">Depois que ela elogia a minha beleza e a compara com a do meu pai quando adolescente, nós nos sentamos novamente. Eu me sinto á vontade para interrogá-la, afinal, ela é minha tia, e o ar condicionado da sala está deixando o ambiente mais fresco do que pé de pinguim no polo norte.</span></p><p><span style="color: red;">-Você não veio aqui atoa. Diz-me o que quer saber.</span></p><p><span style="color: red;">-Bem diretora...</span></p><p><span style="color: red;">-Titia, por favor. –corrigiu-me sorrindo.</span></p><p><span style="color: red;">-Vou te chamar de “você”, pois você está muito conservada pra ser tratada como titia.</span></p><p><span style="color: red;">-Agradável como o seu pai. Tudo bem, eu aceito a bajulação. –afagou meus cabelos.</span></p><p><span style="color: red;">Ajeito-me na cadeira... Escuto ela me chamar de lindo outra vez carinhosamente. Lembrei-me de Amanda.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu preciso saber sobre as normas da escola, como você sabe eu sou novato e quero saber quais são os requisitos para a admissão dos alunos que estudam na Cândido Plates.</span></p><p><span style="color: red;">-Qual o motivo da sua curiosidade?</span></p><p><span style="color: red;">-É que eu acho que entre os matriculados existe um ou mais riquinhos sacanas.</span></p><p><span style="color: red;">Ela arreda alguns formulários e objetos para o canto da mesa e, depois de juntar os cabelos e os jogar para trás, se prepara para me confidenciar alguma coisa.</span></p><p><span style="color: red;">-Em média 83% dos alunos são pobres que não conseguiam custear ás despesas com os estudos.</span></p><p><span style="color: red;">-Mas todos parecem ser no mínimo da classe média.</span></p><p><span style="color: red;">-Os alunos são instruídos pelos professores á como se comportar com decência e ordem. Sobre tudo, são tratados com muito respeito e dignidade por todos os seus colegas de escola. Esse procedimento faz com que todos se vejam como pessoas livres de preconceitos e de complexo de inferioridade, assim sendo, a postura de cada um diante da sociedade e o modo com que eles lidam com ás situações cotidiana, os tornam pessoas diferenciadas. É essa a nossa metodologia educacional.</span></p><p><span style="color: red;">-Realmente é muito exemplar... Mas como eles custeiam as despesas com essa educação privilegiada?</span></p><p><span style="color: red;">-Funciona assim. –disse pegando uma caneta e papel. –O governo federal cria programas de assistência aos alunos de rede pública. O Ministério da educação nos repassa a verba para o pagamento dos professores e todo o pessoal do núcleo educativo. Porém todo o corpo docente da nossa escola são membros da ordem Rivera e trabalham voluntariamente sem nada receber... –riscou a folha e pontuou.</span></p><p><span style="color: red;">-Então toda a diretoria e tutores são ricos?</span></p><p><span style="color: red;">-Financeiramente e nobres de espirito. Toda verba recebida do Ministério da educação nós á usamos com as carreiras profissionais de cada aluno.</span></p><p><span style="color: red;">-Quem banca as despesas com a manutenção do complexo?</span></p><p><span style="color: red;">-Nós, os membros da Ordem.</span></p><p><span style="color: red;">Pelo que entendi não há desvio de recursos financeiro para os bolsos dos magistrados. Ah se todos os órgãos públicos agissem assim!</span></p><p><span style="color: red;">Tia Andreza cruza as mãos sobre a mesa e espera o meu comentário.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu acredito que essa projeção de futuro promissor é que é visivelmente notado no rosto de cada aluno. O Meu pai pode se candidatar a governo do estado. –falei.</span></p><p><span style="color: red;">-Nada disso. –disse ela se inclinado a mim. -A nossa Ordem não entra em discussões políticas, mas tem membros de todos os poderes. Legislativo, judiciário e executivo, e também o consentimento e apoio do governo federal. Nossa política é levar á todos, oportunidade de se realizarem na vida, e sem demagogias, pois aqueles alunos e alunas não sentem que estão recebendo esmolas, ou que foram contemplados pelo sistema de cotas raciais, nem por programa de inclusão social. Eles sabem que estudam em uma escola onde cada um é recompensado de acordo o seu merecimento. Não somos hipócritas e nem tratamos com dolo a ninguém, antes, damos oportunidades iguais a todos.</span></p><p><span style="color: red;">Qualquer questionamento meu em respeito a esse sistema justo e funcional será politicamente incorreto.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu me sinto cada vez mais orgulhoso por ser um Rivera. –falei com orgulho. –Mas eu acho que tem alguém querendo destruir o sonho do diretor de chegar á reitoria. Você pode me deixar á par desse assunto?</span></p><p><span style="color: red;">-Para se chegar á reitoria, os candidatos devem ser indicados pelos alunos nota 10 da escola. A essa altura, o melhor dos melhores já deve ter indicado os nomes dos secretários das pastas. O responsável pelas indicações é chamado de supervisor das pastas. Nós chamamos isso de Democracia aplicada. </span></p><p><span style="color: red;">Será que ela não sabe do que aconteceu com o Alfredo? Não direi nada. Tia Andreza me pôs á par de coisas realmente interessantes, se tratando de filantropia. Rascunhando em uma folha ela traçou as metas do núcleo educacional em relação aos alunos. Os professores não lecionam matérias colegiais, e a escola funciona como um preparatório para ás faculdades. No final, todos ganham. Alunos, sociedade e até o governo.</span></p><p><span style="color: red;"> Saquei que a escola não se trata de uma instituição de ensino convencional, mas de uma instituição filantrópica que dá oportunidade aqueles que se comprometem á seguir uma vida justa e honesta perante Deus e a sociedade em geral. Por isso não são lecionadas matérias colegiais nas salas de aulas, sim, boas maneiras e as já extintas moral e cívica. Artes cênicas e musicais sãomeios para introduzir nos alunos, noções morais de relações humanas. É mesmo incrível como essas duas artes são capazes detransformar caráter e personalidade de pessoas.</span></p><p><span style="color: red;">Eu vou parar de pagar mico. Não levarei mais a minha mochila com livros didáticos. Ninguém usa esse material lá.</span></p><p><span style="color: red;">-Me abençoe, tia, eu vou-me embora. –me levanto e abraço-a.</span></p><p><span style="color: red;"></span></p><p><span style="color: red;">-Que você seja sempre abençoado.</span></p><p><span style="color: red;"><br /></span></p><p><span style="color: red;"><br /></span></p><p><span style="color: red;"> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> 07</span></p><p><span style="color: red;"><br /></span></p><p><span style="color: red;">A VANTAGEM DE SE TER UM CARRO, é poder se levantar minutos mais tarde para ir á escola. Ontem depois que vim embora, já quase dez da noite, eu resolvi ligar para os meus pais e agradecê-los pelo presente, porém, eu fiquei mais de uma hora conversando com os dois. O meu paizão é de pouca conversa ao telefone, por isso é que quando eu estou na fazenda, eu passo a maior parte do tempo ao lado dele. Minha mãe fica enciumada, mas é que ela me dá bronca demais, jáo meu pai, até aos meus doze anos, me ensinou á obedecê-los. Até dezoito, á respeitá-los. Dos dezenove até á idade que tenho hoje, eu devo amá-los e servi-los. Foi assim que eu fui criado.</span></p><p><span style="color: red;">Depois de falar muitos com os dois, eu ainda falei mais uns quarenta minutos com os meus tios, quando fui dormir já era mais de meia noite. Perdi alguns minutos conferindo as mensagens no celular. O nome Rodrigo Ráusen Rivera está mais falado do que o da presidente da república. –por falar em presidente, eu só quero ver se o próximo comandante ou a próxima, irá conseguir segurar a barra a partir de 2015.</span></p><p><span style="color: red;">Estou chegando á escola. Pela quantidade de carros no estacionamento, deduzo que hoje não terá aulas normais.</span></p><p><span style="color: red;">O Marcos estacionou de modo á ocupar duas vagas. Paro próximo ao carro dele, e espero ele desocupar a minha vaga. Nós combinamos essa malandragem. Quem chegar primeiro, segura a vaga do outro.</span></p><p><span style="color: red;">Deu ré, alinhou. Eu ocupo o espaço deixado para o meu possante. Os colegas que ontem estreitamos os laços de amizade conversando á luz da lua sentados na grama me cumprimentam mesmo de longe.</span></p><p><span style="color: red;">-Tá ficando popular hein. –disse Marcos a me ver acenando com a mão para gatinhas e rapazes. -Aí... Pega. –me jogou a minha mochila. –</span></p><p><span style="color: red;">-Essa será á última vez que eu carrego essa mochila. Ela me faz recordar dos meus primeiros dias de recruta.</span></p><p><span style="color: red;">-O dia hoje promete.</span></p><p><span style="color: red;">-A noite ontem prometia, se a Amanda não estivesse cheirando a gel e fumaça de canhão de boate. –comentei. –Eu a deixei na casa dela e vim aqui pra escola. Foi muito legal. Um colega me passou alguma coisa sobre o Roberto cavanhaque.</span></p><p><span style="color: red;">-Por que você não me ligou, caramba? </span></p><p><span style="color: red;">-Sem créditos. –menti. -E você com a Cínthia? –troquei de personagem pra mudar de assunto. Como ele soube dela?</span></p><p><span style="color: red;">-Não sei se vai rolar. –respondeu á mim.</span></p><p><span style="color: red;">-Complicado. –falei, apenas para não entrar em debate contra o namoro dele com a morena. </span></p><p><span style="color: red;">Nós caminhamos em direção á nossa sala. Alunos correm para não entrarem atrasados. Jorge no alambrado fala ao celular.</span></p><p><span style="color: red;">-Desde que eu cheguei, ele não desgruda o celular da orelha.</span></p><p><span style="color: red;">-Marcos, é bom ficarmos de olho nele.</span></p><p><span style="color: red;">-Combinado. –falou á mim. -Oi, Soraia. –cumprimentou a um anjo.</span></p><p><span style="color: red;">É ela mesma, a garota do sorriso encantador na festa de sábado. Só de passar perto dela, eu já me sinto um querubim ou um serafim. Eu nunca vi anjos, mas estou vendo um Ser alado. Ela usa um short branco de jogadora de tênis e uma blusinha de seda de cor pérola. Eu pagaria um sanduiche e um guaraná á ela, só pra vê-la pulando para dar uma raquetada na bolinha. É muito linda! O rosto arredondado dela, á faz parecer um ser celestial. </span></p><p><span style="color: red;">-Oi Ráusen!</span></p><p><span style="color: red;">Ai meu Deus! Eu estou sonhando. </span></p><p><span style="color: red;">-Oi, Soraia. –desembuchei.</span></p><p><span style="color: red;">Ela me sorri e se vai pelo corredor.</span></p><p><span style="color: red;">-Apaixonou hem. –Marcos observou. </span></p><p><span style="color: red;">Sem comentários. Vejo-a sumindo na curva do corredor.</span></p><p><span style="color: red;">A comissão de frente da anjinha é um milagre divino e, a retaguarda é a segunda dádiva divinal. O rosto possui a beleza de uma princesa de contos de fadas. Não é loura, não é morena, não é negra nem ruiva. A cor da pele dela é caucasiana como também é seus olhos azuis.</span></p><p><span style="color: red;">Entramos e nos sentamos.</span></p><p><span style="color: red;">-Bom dia á todos. –disse o diretor. –Eu acabo de receber um comunicado da diretoria, que, com certeza vai alegrar á todos vocês.</span></p><p><span style="color: red;">Ele deu pausa, para entregar á cada um dos alunos, uma folha escrita.</span></p><p><span style="color: red;">Ao receber a minha, eu leio apenas o título: (O legado Rivera.) alguns leem todo o texto, Marcos e eu; Não. A galera se entreolha achando que serão anunciadas as férias. O professor percebe á indiferença de todos á respeito do texto. A maioria embola a folha e a joga no cesto de lixo. Aquilo que muitos julgam ser boa leitura, para os alunos dessa escola, não passa de porcarias, por que eles leem o texto e examinam o contexto. Sem chance para distorções manipulativas. Questão de inteligência cognitiva usada em interpretação de texto.</span></p><p><span style="color: red;">-Vocês não leram o outro lado da página. –ouvimos o diretor dizer.</span></p><p><span style="color: red;">Os demais alunos que leram todo o texto fazem caras de satisfeitos.</span></p><p><span style="color: red;">-Bom. –disse o diretor. -O supervisor Alfredo já deixou a UTI e se encontra na enfermaria do hospital.</span></p><p><span style="color: red;">Sinto que estou na tenda dos milagres. O morto ressuscitou. Marcos me olha desconfiado também. Esse meu amigo é abilolado. Ele disse que o enfermo estava na enfermaria desde a noite que ele foi encontra moribundo. </span></p><p><span style="color: red;">Assovios e gritos animados de todos na sala. Eu dou um toque na mão do meu colega á minha frente.</span></p><p><span style="color: red;">-Mas eu tenho outra notícia á passar para vocês. –ele une às mãos e limpa a garganta. –Há boatos de que drogas sintéticas estão sendo vendidas aqui na escola, por esse motivo, as aulas serão suspensas... Mas, á escola estará aberta para todos como sempre esteve.</span></p><p><span style="color: red;">-Licença Vice-diretor. –Marcos se levantou. –Suspendendo ás aulas não terá como descobrir quem é o traficante.</span></p><p><span style="color: red;">Os estudantes parecem gostar de estudar, por que, todos apoiaram o Marcos.</span></p><p><span style="color: red;">-É isso aí. -falou um cara do tamanho de uma geladeira tríplex. O parceiro dele deu-lhe um toque de mão. Os dois juntos devem somar uns trezentos quilos e uns sessenta anos. Ficou legal a parceria dos dois. Um é negrão, o outro é outro negrão. Ambos de cabeça raspada á navalha. Tem uma moreninha do lado deles. Eu acho que é ela quem lustra a cabeça dos dois.</span></p><p><span style="color: red;">A reclamação continua.</span></p><p><span style="color: red;">-Silêncio, pessoal. –ordenou o diretor. –A nossa principal preocupação é com a segurança de vocês, e cabe á nós deixarmos que a polícia descubra ao modo dela. Vocês continuam estudando em suas casas, em poucos dias tudo se normaliza. Continuem disciplinados, educados e, sobre tudo honrosos, para que todos sejam recompensados.</span></p><p><span style="color: red;">Sem mais delongasele encerrou o comunicado sendo aplaudido.</span></p><p><span style="color: red;">-E agora Ráusen. –Marcos virou-se e me perguntou.</span></p><p><span style="color: red;">Dei de ombros apenas.</span></p><p><span style="color: red;">Logo que saímos fora, eu vejo Marcos, Cínthia e Jorge conversando próximos ao Corolla prata.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu vou até a sala do diretor falar com ele. Você vai ao encontro dos três no estacionamento. –falei á Amanda.</span></p><p><span style="color: red;">Amanda foi. Eu sigo de encontro ao diretor Osmar.</span></p><p><span style="color: red;">-Bom dia, diretor. –falei ao entrar.</span></p><p><span style="color: red;">-Bom dia, eu precisava mesmo falar com você. Sente-se aqui. –Me apontou a cadeira junto á mesa dele. –Você orientou-me á não chamar a polícia, e agora, eu estou sobre investigação. –falou antes que eu me sentasse.</span></p><p><span style="color: red;">-Mas não fui eu quem fez a denúncia. –falei me sentando.</span></p><p><span style="color: red;">-Então quem teve a ideia de me colocar como diretor conivente ao tráfico de ecstasy na escola?</span></p><p><span style="color: red;">Não sabia o que responder vendo-o tirar alguns objetos pessoais das gavetas e os colocar sobre a mesa.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu só soube agora que o diretor nos deu a notícia, antes da apresentação da Polliana.</span></p><p><span style="color: red;">-Ele não é diretor. É o vice-diretor. –falou pegando a agenda, carteira e a chave do carro. –Estou indo á delegacia. -vejo-o pondo os óculos e saindo olhando ao redor da sala como se as expectativas não fossem boas.</span></p><p><span style="color: red;">-O senhor vai sair ileso dessa, diretor.</span></p><p><span style="color: red;">-Tomara rapaz. –falou com tristeza. –Todos os meus sonhos estão aqui. –confessou segurando a maçaneta.</span></p><p><span style="color: red;">-Aquele frasco de comprimidos é do senhor? –apontei para um frasco de escopolamina sobre a outra mesa.</span></p><p><span style="color: red;">-Nós fazemos doações á alguns alunos.</span></p><p><span style="color: red;">Passei pela porta e percebi um suspiro que ele deu. Sem palavras para reconfortá-lo, apenas toquei o ombro dele tentando passar-lhe apoio moral.</span></p><p><span style="color: red;">Olhei para o estacionamento e vi que Marcos e os demais ainda continuam conversando. Continuo andando, agora um pouco mais apressado. Chegou a hora de eu encarar o Jorge diretamente.</span></p><p><span style="color: red;">-E aí galera. –cumprimentei aos quatro.</span></p><p><span style="color: red;">-Oi Ráusen. –disse Amanda.</span></p><p><span style="color: red;">-Oi Ráusen. –falou Cínthia.</span></p><p><span style="color: red;">-E aí Ráusen. –Jorge foi amigável. –Você tá bom, colega? –perguntou me dando a mão.</span></p><p><span style="color: red;">-Beleza. –falei apertando a mão dele.</span></p><p><span style="color: red;">Marcos abraçou Cínthia por trás e fica nos olhando com cara de pastel. Eu cruzo os braços e espero alguém me dizer alguma coisa.</span></p><p><span style="color: red;">-Ráusen, o Jorge estava nos dizendo que foi ele quem fez a denúncia. –Amanda revelou.</span></p><p><span style="color: red;">Deu-me vontade de socar o nariz dele novamente por ele ter posto o nosso diretor sobre suspeita.</span></p><p><span style="color: red;">-Então você acha que o Osmar tem o rabo preso com os traficantes? –perguntei.</span></p><p><span style="color: red;">-Não. Eu não denunciei o diretor Osmar. Eu liguei dizendo apenas que, a polícia devia fazer uma averiguação nos arredores da escola. Se o diretor foi indiciado, não foi pela denúncia anônima que eu fiz.</span></p><p><span style="color: red;">Eu não sou como o meu pai que conhece um pilantra sem ao menos precisar ouvir a voz dele, mas pelo jeito que o Jorge falou e se expressou levando as mãos á cabeça, deu pra perceber que ele estaria sendo verdadeiro no que disse.</span></p><p><span style="color: red;">-Á quem você contou sobre a denúncia antes de fazê-la? –perguntei.</span></p><p><span style="color: red;">-Só ao Roberto, mas nós conversamos pelo Facebook.</span></p><p><span style="color: red;">Marcos me olhou e arqueou as sobrancelhas. Amanda segurou em meu ombro sem dizer nada. Cínthia abaixou a cabeça e risca o calçamento com o pé direito. Estávamos todos surpresos em saber que Jorge cabelo de seda se preocupava com a venda de drogas na escola.</span></p><p><span style="color: red;">-O Roberto cavanhaque é um cara de confiança? –perguntei.</span></p><p><span style="color: red;">-Ele é meio excêntrico em seus gostos, mas eu não o acho um cara mau caráter, por isso, somos amigos.</span></p><p><span style="color: red;">-Por que excêntrico? –Cínthia quer saber.</span></p><p><span style="color: red;">-Ele fala comigo, ouvindo música erudita e regendo de olhos fechados, como quem sente prazer em dar uma de maestro sem orquestra.</span></p><p><span style="color: red;">-Então ele nem te ouviu dizendo que ia fazer a denúncia. –Amanda deduziu.</span></p><p><span style="color: red;">-Foi o cara do vídeo que me sugeriu contando-me uma história de um velho sábio que salvou uma cidade com a sua sabedoria, mas no final, ninguém se lembrava dele por tê-lo feito ás ocultas. Disse também que ele é o lábaro astronômico da orquestra e eu sou o braço direito dele. Idéia de gente maluca. Sem contar que ele me enviou foi um vídeo pra me contar essa história.</span></p><p><span style="color: red;">Vejo Amanda olhando sutilmente para o Jorge com um olhar sério. </span></p><p><span style="color: red;">-Você e o vice-diretor estiveram na casa dele? –perguntei.</span></p><p><span style="color: red;">-Pensávamos que o cara do vídeo fosse o Roberto, mas não era. O Roberto não usa nem celular. Eu gosto dele, mas o acho um antiquado e ultrapassado.</span></p><p><span style="color: red;">O filho da mãe já estava mudando o rumo da história. Antes de eu aplicar um cruzado de esquerda no queixo desse cara, vou dar á ele a segunda chance para se explicar.</span></p><p><span style="color: red;">-Vem cá... Você não viu a porcaria do vídeo?</span></p><p><span style="color: red;">-Acalme-se Ráusen. –pediu-me Amanda.</span></p><p><span style="color: red;">-O cara do vídeo estava de máscara e vestia feito um cavaleiro medieval. O sujeito é maluco. O que nós fomos á casa dele, negou tudo dizendo que ele não mandou vídeo nenhum. Nem computador ele tem.</span></p><p><span style="color: red;">Eu acho que ele está querendo me deixar nervoso. Respiro. Tá tudo sobre controle.</span></p><p><span style="color: red;">-Então o nosso suspeito gosta de filosofia salomônica e astronomia musical, e ainda se mete á cavaleiro épico. –falei.</span></p><p><span style="color: red;">Enquanto penso noto que Jorge aponta para o próprio peito. Alguém o está chamando de longe.</span></p><p><span style="color: red;">-Depois a gente fala mais, galera, eu tenho que ir. –falou abrindo a porta do Corolla. –Você vai com um dos dois, Amanda. Eu não vou pra casa agora. –entrou no carro, deu partida e saiu rápido.</span></p><p><span style="color: red;">-Que cara mais estranho esse do vídeo. Será que ele quer ser maestro?</span></p><p><span style="color: red;">-Não sei não Cínthia. Está esquisito mesmo. –Amanda falou me abraçando.</span></p><p><span style="color: red;">-O que eu achei mais estranho foi o fato de ele incitar o Jorge á fazer a denúncia justamente hoje que a escola estaria lotada de gente pra assistir a Polliana. –Marcos comentou.</span></p><p><span style="color: red;">Lábaro astronômico. A bandeira que ostenta os astros= Maestro que conduz a orquestra. Braço direito= Violinista que põe ordem na orquestra, mas quando o maestro está no comando, ele sai de cena. –conjecturei em pensamento.</span></p><p><span style="color: red;">-O Jorge foi usado por esse cara, e agora ele será dispensado. –falei.</span></p><p><span style="color: red;">-Como assim, Ráusen. –Amanda quer saber.</span></p><p><span style="color: red;">Marcos e Cínthia compartilham da mesma curiosidade.</span></p><p><span style="color: red;">-Aquele maluco também conhece de música e, ele usou a letra L e a letra A para nos mandar um recado através do Jorge. Talvez seja o irmão do Alfredo.</span></p><p><span style="color: red;">Convido-os á entrarem no meu carro para que eu explique. </span></p><p><span style="color: red;">-Lábaro astronômico. As iniciais das palavras formam a nota LA, significa: Lastro Aferidor. Por ela se afina uma orquestra. -eles ficam sem entender nada.</span></p><p><span style="color: red;">-Quer dizer que o Roberto virtual não é o que pensamos que ele seja?</span></p><p><span style="color: red;">-Eu não posso assegurar nada Amanda, mas acho que não devemos nos preocupar com ele.</span></p><p><span style="color: red;">-Você está querendo dizer que o pilantra não tem nada a ver com o que está acontecendo com os alunos nota dez da escola? –Marcos perguntou meio nervoso.</span></p><p><span style="color: red;">-Pode ser que ele seja o Roberto irmão do Alfredo. –Cínthia deduz.</span></p><p><span style="color: red;">-Eu só sei que nós estamos envolvidos numa trama a qual o principal suspeito é amante da arte musical e ainda não deu as caras. Deve estar compondo a sua partitura.</span></p><p><span style="color: red;">Houve um debate entre nós, mas ao fim decidimos não nos precipitar em acusar alguém que ainda não saiu das sombras. </span></p><p><span>PARA MELHOR ACOMPANHAR MINHAS POSTAGENS DESTE LIVRO, OS NOVOS CAPÍTULOS TERÃO COR</span><span style="color: #04ff00;"> VERDE.</span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;"> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>08</span></p><p><span style="color: #04ff00;"> </span></p><p><span style="color: #04ff00;">EU E MARCOS FOMOS Á LAN HOUSE DO FELIPE, o Nerd que paga pouco pra comer coisa boa. Não deu pra gente conversar com ele porque ele visitava cabine por cabine de cada cliente feminina, e era uma correria danada. Vai ver, ele estava negociando manhas de navegação na internet por uma orgia com algumas das navegantes. Depois que saímos da Lan house, passamos em frente à casa do Roberto. Ele estava lavando o carro com o som ligado, e ouvindo música de beetoven. Não estranhei porque eu já soube que ele é meio esquisito, mas o carro dele é mesmo de impressionar. Um Galaxy preto, dos anos 70. Nos dias atuais, isso é o cúmulo da excentricidade. Meu instinto me fez parar o carro e dar ré para batermos um papo com ele. Eu pensei que a casa dele era de arquitetura moderna, mas me enganei. A mansão tem estilo gótico. Só me falta descobrir que ele se alimenta de sangue, por ser a reencarnação do Drácula. A casa ao lado é idêntica á dele. Amanda me disse que ele pegou a Soraia, a vampira encantadora. –divirjo; eu não acredito que aquela anja tenha chifres, use vestido vermelho fendado e faça amor com o príncipe das trevas. Amor não; ódio. Depois o Marcos vai ter que me contar essa história com mais detalhes. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Quem mora naquela casa fotocópia da do Roberto cavanhaque? –perguntei.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-É o substituto dele. O outro Roberto. Só vive abandonada, mas muito bem zelada.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Então não está abandonada.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Cale a boca. –emudeceu-me e desceu do carro.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Fala, Roberto. –disse Marcos ao descer.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Antes de responder ao cumprimento ele espalmou a mão como quem exigisse silêncio. Terminou a regência fermatando-a e cortou o jato dágua enroscando a ponta da mangueira.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Conhece a nona sinfonia de beetoven? –perguntou á Marcos.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Nem a oitava. –respondeu zangado.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">O sorriso no rosto de Roberto demonstrou que ele nem ligou para a resposta de Marcos. Enquanto ele entra no carro para desligar o som, eu saio do meu e vou de encontro aos dois.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Então, Roberto, como é que é? –perguntei.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Você é o...</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Ráusen Júnior. –Marcos adiantou. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Roberto me olha dos pés á cabeça e faz cara amistosa. Eu posso até estar enganado, mas esse aspirante á maestro não oferece risco ou ameaça á ninguém.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Vocês querem entrar? O sol está um pouco quente.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Não, nós só viemos aqui fazer algumas perguntas á você. –Marcos negou o convite.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Respondo tudo que estiver ao meu alcance. –se dispôs encostando no carro.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Ainda de braços cruzados eu dou uma analisada no personagem louro de cavanhaque e olhar profundo. Realmente, ele parece inofensivo.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Você soube do que aconteceu com o Alfredo? –Marcos quer saber.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-O Jorge me contou e, eu não me senti abalado. O Roberto é meu vizinho e não me disse nada.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Separados pela barreira da incompatibilidade intelectual, talvez. -penso em silêncio.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Você foi substituído por ele no papel de Romeu...</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Olha, Marcos, eu estive na escola assim que eu soube do que houve com ele, porque eu sabia que eu seria o suspeito número um nessa tragédia. Acontece que, eu fui substituído por causa de problemas entre mim e membros da diretoria da escola. Não por causa dele.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Bla, bla, bla, seu calhorda duma figa. – Marcos desdenhou a ponto de avançar na gola da camiseta do Roberto por não acreditar na conversa dele. -Você pensa que nós não sabemos da sua amizade com o vice-diretor Osvaldo? Ele esteve aqui com o Jorge logo depois que o Alfredo sofreu a overdose. –disse gesticulando para o lado da rua, quase berrando.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Espere, Marcos, sejamos civilizados. –falei. –Roberto, tudo que nós queremos é que você não nos esconda nada. Coopere com a gente. –pedi calmamente. A expressão em seu rosto era de medo do estado nervoso do Marcos, mas ao me ouvir pedir cooperação, ele se vê mais aliviado.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Eu fui aprovado nos dois exames que eu fui submetido, música e artes cênicas. Quem me avaliou foi o diretor Osmar... Perdoe-me, mas eu não posso dizer nada mais do que isso.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">A Amanda falou que ele era um zero á esquerda. Continuo só analisando.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Nós podemos te denunciar como suspeito da tentativa de homicídio. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Não se precipite, Marcos. –falei.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-A polícia já esteve aqui, e, eu fui intimado á depor na semana que vem, mas eu garanto á vocês que eu não tenho nada a ver. O Robério... Roberto nunca aparece aqui na casa dele pra gente conversar.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Continuo acreditando nesse cara. Marcos não. Ele esfrega ás mãos na calça, louco de vontade de esmurrar o queixo dele. Olho para o canto do muro alto, e vejo uma câmera nos focando.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Então você vai depor, e qual será o seu álibi? –perguntei.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Vou dizer apenas a verdade.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-E qual é a verdade?</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Ráusen, eu não sou mais amigo do Alfredo e nem do Roberto porque eu sempre fui prejudicado por eles, mas não estive com Alfredo na noite do incidente. Podem acreditar em mim. Pergunte ao Jorge.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">As mãos de Marcos agora são usadas para esbofetear o teto do Galaxy. Roberto sentiu-se alvejado por uma flecha ao ouvir o som opaco da lataria ao ser esmurrada. Eu percebi que cavanhaque não estaria sendo falso ao falar dos dois desafetos. Se ele estivesse querendo nos enganar, ele se passaria por amigo do Alfredo. Marcos perdeu a paciência, mas não o controle. Resolveu me deixar interrogando o Roberto e foi para o meu carro... Quase virou o GT de rodas pra cima com o bater da porta. Põe na conta.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Diga logo algo que possa te livrar da fúria do meu amigo. –o alertei.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Eu vou te contar algo que eu não devia contar á ninguém.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Manda ver. –cruzo os braços e espero a confidência.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Alfredo tem em seu poder os formulários e protocolos que serão preenchidos com os nomes dos melhores da escola. Mas, houve injustiça da parte dos diretores e líderes da instituição. Eu sou um dos injustiçados.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Justificativas próprias não libertam um réu.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-O doutor Rodrigo disse-me, ao procurá-lo, que através das sombras se chegam as... as... ah, me esqueci de como ele falou, mas ao final, ele pediu a minha cooperação, porque tudo ao seu tempo se resolverá. Eu quero muito ao menos fazer parte da turma da escola novamente. --ou esse cara é um maluco inveterado ou é muito bom ator. Ele está usando o meu pai pra se justificar. Vou até mudar de prosa.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-O núcleo educativo tem os melhores diretores. –afirmei, pra não deixar que ele percebesse que a gente desconfia de um dos dois.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Eu também acho... –titubeou. –Os dois são muito competentes. –procurou a mangueira pra disfarçar que mentiu agora ou anteriormente.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Tá ok, eu acredito em você. Agora me diz, você conhece da arte musical?</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-A credito que sim.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-DO e LA dizem-te alguma coisa?</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Inicios de escalas maiores e menores... intervalos de sexta ascendente... não?</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Tudo bem, valeu a sua resposta. Por que a sua casa é igual a do Roberto?</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Deixei-o meio confuso com as duas perguntas, mas ele me fez acreditar que não é ele quem está me mandando às pistas. Talvez seja o próprio Roberto músico. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Se há algo mais que eu possa ajudar, me procure. Mas, por favor, mantenha o Marcos longe de mim.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Marcos fazia gestos obscenos á ele que não percebeu porque o vidro escuro do meu carro não permite que quem esteja dentro seja visto pelo ângulo lateral e, outro motivo foi o fato de que ele estava enxaguando o carro, segurando a mangueira com a mão esquerda e a direita era usada para reger novamente a nona sinfonia que tocava no aparelho de som do seu esquisitomóvel. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Despedi-me e voltei às pressas para o carro, antes que o Marcos mudasse de ideia e viesse arrancar à custa de violência, confissões de crimes que o pobre, aliás, rico Roberto Cavanhaque pode não ter cometido. Todo incompetente é suspeito no sumiço de um ex-colega talentoso. Ainda mais, um cara de rosto comprido, com olhar de viúva em velório e cavanhaque frisado... Duas casas iguais, eu hein! Será qual dos dois plagiou a casa um do outro? </span></p><p><span style="color: #04ff00;">A Amanda não queria que a Cínthia falasse sobre a não hospitalização do Alfredo. Roberto músico, Amanda e Jorge frequentam boates juntos. Tá esquisito esse negócio.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Finja que nós nunca falamos com o cavanhaque. –orientei.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Me deixe em minha casa, depois nos encontramos.</span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;"> <span> </span><span> </span><span> </span>***</span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;">Um pouco mais tarde, Marcos veio com cínthia, ao meu cafôfo, me contar que depois que nos separamos, a Amanda não estava na casa dela quando os dois foram lá. Uma colega de escola disse á eles que a viu saindo já quase cinco horas com o Jorge e um cara de cavanhaque que com certeza era o Roberto Cavanhaque. Amanda estava toda produzida como alguém que ia à uma Boate. Short de couro sintético roxo, blusinha marrom com um laço acima do umbigo e cabelos espevitados a base de gel spray.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Logo que Marcos e Címthia, já quase dez horas da noite, Amanda me ligou pedindo pra eu ir encontrá-la na casa dela. Encontrei-me com ela para analisarmos o tal fluxograma com mais atenção.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Amanda. –falei olhando as folhas. –Ele codificou o fluxograma usando símbolos da notação musical. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Explique.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Na astronomia musical, a clave de sol representa o astro maior, que é: o sol. Da clave de Sol derivam as outras claves. Todos os outros astros estão sob a regência dele. Astros inferiores são representados pelas outras seis claves. Fá na terceira e quarta linhas. Do na primeira, segunda, terceira e quarta. –mostro à ela, primeiro o modo das escalas maiores indicadas por Do maior. -As escalas menores podem significar um poder menor. –falei.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Entendi. –disse. –O símbolo SOL representa o reitor que vai comandar todo o núcleo educacional. E as demais claves expostas ai representam pessoas e cargos. Então você acha que esses modos de escalas representam uma pessoa com maior poder de comando e seus subalternos?</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Se o que está em jogo, realmente for esse ministério, tudo indica que sim. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Amanda se levanta e fica girando pela sala, procurando encontrar sentido que possa dar base a nossa tese.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Não seria apenas uma indicação da hierarquia do poder da instituição Cândido Plates? -ela falou e se sentou novamente ao meu lado e se pôs á folhear o fluxograma. DO e LA podem ser reitor e vice-reitor.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Movimento a cabeça, indicando que pode ser... </span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Deixe-me ver de novo. –pedi. –Você pode estar correta. Talvez não sejam notas em intervalos de terça. São dois modos de escalas. Do é o comandante superior. La é o vice-comandante. Chegamos ao diretor Osmar e o vice Osvaldo. Mas, observa que logo depois da barra divisória, as notas estão em contra posição, e não há definição do que realmente possa ser. Talvez sejam Arpejos, acordes ou tetracordes. Não tem definição. Esse cara é um indeciso. Se o Alfredo é conhecedor de teatro, por que ele usa elementos da música? Esse fluxograma deve pertencer ao Roberto irmão dele. Ele é músico.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Sim, mas e daí? Eles estão juntos.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Não vou entrar em discussão, mas eu acho que ela está me escondendo algo de muita importância.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-É bom ficarmos atentos á essas pistas. –alertei.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Tudo nos levava à crer que o Alfredo foi traído e evidentemente ele desconfiava que pudesse ser vítima de um homicídio, tanto é, que, ele usou o conhecimento musical do irmão dele e cuidou de codificar e fluxogramar o documento contendo os nomes dos futuros secretários das oficinas. Ou ele não tivera tempo de citar os nomes dos selecionados, ou fora impedido de fazê-lo por alguém que tentou matá-lo e adquirir os formulários de seleção. De uma coisa eu tinha quase certeza: Alguém copiou o esboço musical da internet ou do arquivo de um computador.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Depois de ela voar sobre meu pescoço e me beijar... no rosto... "eu senti o cheiro do fixador de penteado", esfregou as mãos, prendeu os cabelos atrás das orelhas e se levantou para me guiar até a cozinha. Preparou um lanche a base de misto quente e suco de laranja para comermos, e, enquanto nos abastecíamos, falamos mais sobre música e artes. Ela quer ser atriz de teatro, mas por interferências de alguém insatisfeito com a vida, ela estava perdendo a esperança. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Não falei nada, mas eu achava que devíamos solucionar primeiro o caso do acidente com o Márcio, irmão do Marcos, que antecedeu o do Alfredo.</span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;"> <span> </span><span> </span><span> </span>***</span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;">Dei uma passadinha na escola. Não teve aulas, mas a galera marcava presença no local. Aproveitei para entrosar com alguns colegas e descobri que eles se reúnem para bater papo á moda antiga, tipo assim; olhos nos olhos, frente á frente, cara á cara. É assim que eles desfrutam á amizade. Alguns grupos de colegas conversavam nas salas de aula, outros nos corredores e até sentados no gramado. Nada de recorrer à internet, todos usam os bônus do celular apenas para mandar um alô ou fazer um convite. A garota mais divertida da turma se chama Lucinha. Ela me contou que é filha de um antigo colega do meu pai. –mas ela não disse meu pai. - e era assim que eles mantinham as amizades, se encontrando para conversar e se divertir numa roda de amigos, ás vezes até ao redor de uma fogueira. Bons tempos aqueles em que ostentação tecnológica era um relógio com calculadora digital. O meu pai ganhou um relógio desses do meu tio Robson.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Falei com outro colega sobre o Roberto cavanhaque, ele me disse que até gostava dele, porque o cara era um pouco tímido, mas muito atencioso e aconselhador. Nas festas da escola ele ficava sempre nas rodas com os amigos, porém, não bebia, não fumava e nem dançava com garota nenhuma. Pode ser que a mudança de comportamento dele tenha acontecido depois que ele iniciou a amizade com o Jorge, porque se não me falha a memória, a Amanda me falou que ele e o irmão dela adoram “bôites”.</span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;"> <span> </span><span> </span><span> </span> 09</span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;">NA NOITE PASSADA EU DEMOREI PEGAR NO SONO, e tenho certeza de que não foi apenas por estar preocupado demais com os rumos da escola. Pra ser sincero, eu estou confuso sentimentalmente. Soraia mexeu com a minha emoção e talvez eu esteja gostando dela. Eu não vou mais querer saber sobre ela através do Marcos, senão, ele vai me dizer que ela veio da terra do nunca, e que ela é irmã do Peter pan. </span></p><p><span style="color: #04ff00;"> Procurei não me apegar à ideia de que Amanda é uma bandida. Ainda resta em mim a esperança de que um dia, Marcos descubra que ele está enganado sobre ela. </span></p><p><span style="color: #04ff00;"> Eu gosto de recorrer ao meu histórico “paquerático” pra rir de mim mesmo e espantar a pieguice. Certo dia eu me deitei no sofá com a cabeça no colo da minha mãe e perguntei á ela: Mãezinha, por que é que eu não dou sorte com as garotas? Ela respondeu: - É porque você é indeciso e não sabe o que quer. Meu pai estava chegando e ouviu a nossa conversa, então ele disse: - Outro fato, é que beleza demais às vezes atrapalha os relacionamentos afetivos. Raspei os cabelos e tomei uma atitude decidida. Chamei a capitã psicóloga do exército para um passeio. Ela disse que nós sairíamos assim que os meus cabelos tivessem crescido. Ela não iria sair para um passeio romântico com um fuzileiro com cara de conscrito mochileiro. Reclamei com o meu pai. Ele falou: - Seja você mesmo filhão. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Esse conselho é mais dado que presente de aniversário. O diferencial é o modo que o meu pai fala. Eu só queria que ele me ensinasse á ser conquistador como ele era na adolescência. Eu acho que não há nada de errado com a minha cabeça, pois, esse acontecimento foi a mais de um ano atrás. Que bom saber que eu não sou amnético... amnético... que porra de palavra é essa? Dicionário Aurélio, me aguarde.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Os minutos que passei no lavajato, eu conversei com o lavador e ele me falou que um irmão dele estudou um semestre na Cândido Plates. O nome dele é Alberto, e ele havia terminado o terceiro ano do segundo grau e não pretendia mais estudar, mas no ano passado ele lavou o carro de certo Rodrigo Ráusen Rivera, diga-se, meu pai. E esse bom homem segurou nos ombros dele e disse: Viver é sonhar, quando acordamos... Morremos. Volte á estudar e realize o seu sonho, e havendo conseguido realizá-lo, busque outro, persiga-o, e continue vivendo. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">O irmão do lavador que também era lavador recebeu do meu pai, um cartão de visitas e ao apresentá-lo na corregedoria da escola no dia seguinte, minha tia Andreza o enviou á um curso de pré-vestibular. Desde o início desse ano ele frequenta uma faculdade. Eu dei o mesmo conselho ao lavador, e uma gorjeta pela guariba. Meus cabelos estão modernamente cortados. Meu carro foi guaribado. Só me resta tomar uma decisão sobre qual das duas eu firmo namoro: Soraia ou Amanda. Se faltar-me coragem para abordá-las... eu fico na minha. Novidade! </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Entrei no carro cheirando á silicone no capricho e vim me encontrar com a minha galera no Shopping.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Amanda contava à nós sobre a falta de talento do Roberto cavanhaque para a arte cênica. Sendo ele cortado do papel de ator principal, ele preferiu trabalhar nos bastidores. Como cenógrafo, não tinha conhecimento técnico para coordenar o ambiente onde as ações seriam dramatizadas. Por ele possuir imaginação pouco fértil, não conseguia atrair o público para assistir aos ensaios e, as poucas pessoas que iam não ficavam satisfeitas com o espaço cênico criado por ele. Como sonoplasta, os sons omitidos pela aparelhagem sob seu comando não condiziam com as emoções e sensações dos atores em cena. Enfim, o cara é um amante da arte, mas não tem tino nem ao menos para atuar atrás das cortinas. O xará dele mora ao lado da casa dele. Podia pegar umas aulas com ele.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Eu ainda não havia comido alimento algum. Descobri que Coca-Cola antes da refeição, abre o apetite. Eu estava com fome e sugeri aos três que a gente fosse à um fast-Food para comermos ao menos uns sanduiches com refrigerante e batatas fritas. Todos concordaram e, eu os guio indo em direção ao. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Enquanto subíamos na escada rolante, Marcos, Cínthia, Amanda e eu nos comportávamos como dois casais de namorados visitando Walt-Disney. Tudo dentro do Shopping era uma atração á parte. Eu sei que cada um de nós já esteve aqui, só que eu, por exemplo, nunca brinquei de carregar uma garota nos braços e nas costas até a mesa da lanchonete, como fiz com Amanda. Será que estamos namorando?</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Na área de alimentação têm muitas opções de sanduicharias e uma porção de gente que estuda na mesma escola que nós.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Eu vou querer pizza e Guaraná. –Amanda escolheu.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Eu também. –disse Cínthia.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-OK... Vocês venceram. –concordei.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Traz uma pizza enorme, dois guaranás e duas Cocas. –Marcos fechou o pedido.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">È bom estar na praça de alimentação de um Shopping porque temos várias opções, tanto na escolha da lanchonete, na variedade do que se quer comer e na enorme probabilidade de ver mulheres bonitas. Não que eu esteja reclamando da minha companhia, afinal de contas, eu ainda não vi uma garota que possa superar Amanda em beleza. Só a Soraia anjo meu.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Marcos só tem olhos para Cínthia, melhor dizendo, olhos e boca. Ele não perde a oportunidade de beijá-la. Vou chamá-lo de: O beijoqueiro, de agora em diante.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Então, Ráusen, como é viver na fazenda? –Cínthia quer saber. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Não me diga que você é fazendeiro. –Amanda se surpreendeu.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Eu vivi na fazenda até aos dezoito anos. O serviço militar me privou da felicidade que é viver na zona rural.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-É verdade que você foi fuzileiro no exército?</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Não cheguei á concluir. Fui até ao nível primário do regimento de infantaria e artilharia. –engambelei. Fui selecionado para a Global Soldiers norte-americana.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Tudo bem, Ráusen. –disse Amanda segurando minha mão. –Fale da Fazenda.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-A fazenda é tudo de bom. Meus pais, meus tios, meus dois primos e uma prima.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Vocês moram todos na mesma casa?</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Não, mas, só o que nos divide são as cercas. Cada família tem a sua propriedade.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Então vocês se viam todos os dias. –Marcos falou.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Os meus primos estudam na cidade de Ceres, e só vão para a fazenda nos finais de semana.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-O seu pai vive da produção de leite, da venda de gado de corte? </span></p><p><span style="color: #04ff00;">-O meu tio Marcelo cuida da parte burocrática. Meu tio Henrickhelson cuida da exportação do gado e da venda do leite. O meu tio João Pedro contrata os funcionários e supervisiona as vendas. -parei de falar porque a garçonete chegou trazendo o nosso pedido.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Você não falou do seu pai. –disse Amanda cortando a pizza. –Essa calabresa deve tá uma delícia. -me serviu o primeiro pedaço. –Agora fale do seu pai.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Ele é sócio dos meus tios. –falei, cortando a queijosa.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Majoritário? –Cínthia perguntou se servindo.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Partes iguais.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Vem cá, vocês são ricos? –Amanda perguntou.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Chega de falar da minha família. Se vocês quiserem conhecer os meus parentes é só me acompanharem até a fazenda. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Eu esperei que Amanda dissesse que iria, mas ela pegou o guardanapo e limpou a boca, depois tomou o refrigerante e voltou a comer. Nós percebemos que ela ficou meio indecisa.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Você não vai com a gente, Amanda? –Cínthia perguntou.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Tudo que está acontecendo está me deixando desmotivada para passeios longos. Desculpem-me, vão vocês.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Calados nós ficamos. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Marcos e Cínthia foram conversar com alguns colegas.</span></p><p><span style="color: #04ff00;"> -Amanda, você não disse á eles quem é o meu pai?</span></p><p><span style="color: #04ff00;"> -Sim, mas eu pedi segredo aos dois. -limpou a boca e calou.</span></p><p><span style="color: #04ff00;"> Vou agir com naturalidade. Tanto faz, se todos sabem ou não.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Muitas pessoas chegavam ocupando as mesas. Todos os fast-Food da praça de alimentação já estão lotados. Alguns colegas de escola nos cumprimentam. Entre eles tem um rapaz que eu o vi conversando com o Jorge hoje de manhã, antes de o Roberto chegar e sair com ele. Ele parece ser boa gente. Óculos de grau parecem ser indicadores de bom caráter. O colega do Jorge usa um com a lente de espessura aproximada de um blindex de porta de banco.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Mastigadas e mastigadas depois, nós terminamos com a pizza. Dessa vez, Marcos foi quem pagou a despesa. Passamos em algumas lojas de relógios, calçados e roupas, mas não compramos nada, apenas olhamos através das vitrinas. </span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;"> <span> </span><span> </span><span> </span>***</span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;">Dentro do carro.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Para onde vamos agora? –Cinthia perguntou.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Vamos embora. Eu tenho que encontrar o Jorge em casa.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Amanda, ele não pode saber que a gente está tentando descobrir quem é o culpado por esses crimes.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Eu acho que o Marcos está certo. –falei acionando o motor.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Gente, isso é loucura, o que estamos fazendo. Nós devemos chamar a polícia.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Á quem vamos denunciar? O seu irmão, o vice-diretor e o Roberto Cavanhaque?</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Não Cínthia...</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Amanda, a polícia só trabalha tendo ao menos o perfil físico e característico de um suspeito. No entanto, de qualquer forma teremos que apontar o seu irmão e os parceiros dele. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Amanda baixa o vidro do carro e fica olhando para fora de braços cruzados. Ela não gostou do que falei. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Ai Ráusen, você fala como se os dois fossem mesmo os criminosos.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Desculpe-me Amanda, mas ele é o principal suspeito por ter vendido energéticos que culminou com o afastamento do diretor Osmar.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">-Tudo bem, vamos embora. Eu vou ter uma conversa com o Jorge.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Não que eu queira ser pessimista, até porque, isso não é um traço do meu perfil, mas se tratando de garotas, eu sou meio pé frio e eu acho que não vai rolar nada entre mim e a Amanda por dois motivos; Numberone: ela não tem tempo pra mim, mesmo quando estamos juntos. -Homem nenhum suporta carência afetiva.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Number two: Eu gosto de mulheres sensíveis: - não que eu seja grosso, mas é que eu adoro um colinho, e a Amanda é do tipo de mulher moderna e atualizada. Ontem ela passou horas no laptop. Normal, seria, se eu não estivesse do lado querendo saber sobre a família dela, e ela dando resposta usando apenas palavras monossilábicas, por que a atenção dela estava na engenhoca tecnológica que daqui um tempo, separará não só amigos e famílias, mas será o divisor da razão e da consciência humana. </span></p><p><span style="color: #04ff00;">Falta o terceiro motivo... Número three: Eu sou rico. Vai se catar.</span></p><p><span style="color: #04ff00;"> -Sim. Não. Talvez. Depende. – era com essas palavras que ela me respondia vidrada na tela do pequeno ladrão de atenções.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Cansei do meu duelo contra o laptop da bela internauta e fui embora mais cedo. O tempo que passei servindo de intruso ao lado de Amanda, eu nem vi a cara do Jorge.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Num dado momento do meu monólogo ignorado pela única que seria a ouvinte, mas que não prestava atenção no que eu dizia, eu perguntei sobre a Soraia. Amanda disse que ela é moderadora das situações na escola. Ou seja, o que, ou quem ela aprova está aprovado, e, o que, ou quem ela desaprova, está desaprovado. Eu sugeri que fizéssemos uma reunião com todos os alunos e os colocasse frente á frente á Soraia. Quem fosse vetado por ela eu o levaria para o vestiário e desceria o sarrafo nele até que ele confessasse que era o picareta destruidor de sonhos. Amanda falou que não funciona assim porque a Soraia não tem o dom da premonição e nem da sensitividade, ela apenas possui beleza física, facial, espiritual e a simplicidade de alma que não á deixa envaidecer e nem se corromper por enganos e mentiras, traduzindo: ela seria incapaz de usar de mentiras para sacanear alguém, mas, também não se deixaria levar por trapaceiros que queira persuadi-la á compactuar com seus esquemas sujos e desonrosos. Além de ser linda, soraia tem moral de sobra.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Á que conclusão eu cheguei: Soraia não me perdoaria se soubesse que eu ando tendo uns encontros com Amanda, tendo como testemunha apenas um Laptop á tira colo. –nesse caso é o colo da Amanda lábios grossinhos e não saboreados. –O selinho que eu dei não conta.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Mas, eu fiquei satisfeito por saber que a Amanda está trabalhando em prol de conseguir recursos para dar assistência á laguns indigentes que vivem em situações sub-humanas nas periferias da cidade. Eu aprendi á me auto-aconselhare não prejulgar uma pessoa apenas por saber que os lugares que ela anda são de certa forma, habitados por algumas pessoas marginalizadas pelo simples fato de elas serem pobres. Também, sempre sou contra a generalização das pessoas sobre uma ideia pré-concebida. Em toda parte existe maus elementos. Por exemplo: Na cadeia tem bandidos. No Planalto central também tem. Nos postos de combustíveis tem gasolina adulterada. Caramba, tenho que encher o tanque outra vez.</span></p><p><span style="color: #04ff00;">Enfim, eu parabenizei a atitude da Amanda.</span></p><p><span style="color: #04ff00;"> </span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;"><br /></span></p><p><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #04ff00;"> </span><span style="color: #2b00fe;"> 10</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;">A MINHA MÃEZINHA ME ELOGIOU PELA milésima vez, dizendo que está muito satisfeita por saber que o filho dela, que foi treinado para entrar em combate contra o seu semelhante, agora está se tornando um soldado que exercita o espírito e se faz porta voz da causa de uma moça de mente aberta, que, faz de uma crítica um ponto de partida de um recomeço. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> Eu não disse á ninguém o que conversei com a Débora e nem o que pedi á minha mãe para pedir ao meu pai pra fazer por ela. Muito menos o que a Rayane havia me dito sobre a desilusão da Amanda por eu ser um Rivera. Eu só não quero ganhar mais sermões via celular.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> Estou na expectativa de conhecer mais três novas vizinhas de quitinete que substituirão as que irão embora. Sentirei saudades da Pollliana, Tatty e Rayane. Mas me alegro por saber que os sonhos delas serão realizados. No final do semestre, Débora será encaminhada á uma faculdade.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Liguei várias vezes no celular do Jorge para falar sobre os energéticos, mas a ligação só caía na caixa de mensagem. Então, fui ao encontro de Amanda e Cínthia paradas próximas ao departamento da polícia civil. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Ráusen, não desça. –disse Amanda entrando no carro. O Jorge foi preso.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">As duas se sentaram no banco traseiro.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Fale logo o que houve. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Cinthia e eu vimos a Soraia dentro da Blazer do vice-diretor. Nós os seguimos e os vimos entrando na delegacia.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Os dois ficaram uns trinta minutos...</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não foram os dois, Cínthia. Foi apenas a Soraia.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Isso mesmo. Quando eles foram embora, eu e Amanda fomos até lá falar com o delegado.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Vocês já falaram com o diretor Osmar? –perguntei.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Ele já havia dado e depoimento na semana passada, mas ele não acusou o ninguém. Hoje, quem veio depor foi a Soraia, e ela, por certo, incriminou o Jorge. –Amanda noticiou.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Então ele não teve direito nem ao menos de um advogado.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-O delegado nos falou que ele não queria falar com ninguém, muito menos com um advogado porque ele sabe que é inocente e não vai dar-se ao trabalho de contratar alguém para defendê-lo de uma acusação infundada. –Cínthia relatou.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Isso prova que ele é inocente. -Amanda assegurou.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Para quem o conhece como você, sim, Amanda, mas para a lei, a dispensa de um advogado complica a situação do acusado.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-O que vamos fazer então, Ráusen? Ele é inocente e nós sabemos disso. – Amanda entrava em desespero. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Eu vou até lá. –falei, saindo do carro.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não, Ráusen, deixe ele preso por alguns dias. Talvez assim fique mais fácil pra gente descobrir se é ele mesmo o vendedor de ecstasy.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Olhei para duas dentro do automóvel e notei que Cínthia também concordava com a ideia da Amanda.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Liguei na delegacia e modulei algumas palavras com o delegado, e ele me participou que foi um anônimo que denunciou o Jorge. A tal Soraia que não é a que é a razão das minhas noites de insônias, foi até a delegacia tentar inocentá-lo. Do jeito que a Amanda fala, ela põe a gente contra as pessoas inocentes. De qualquer forma, o Jorge não vai mais poder frequentar á escola. Só lamento, mas ele vai passar uns dias na cadeia.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> ***</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Deixei Amanda e Cínthia na casa da Amanda, e, sozinho, eu daria continuidade á investigação. Recebi uma mensagem de texto em meu celular dizendo pra eu procurar o Felipe, assim eu descobriria mais um desarranjo, e para entendê-lo, bastaria eu conhecer duas escalas de modos diferentes. Na primeira armadura de clave não havia nenhum acidente. Na segunda grafava dois bemóis. DO maior sem acidentes e DO menor com SI b e MI b. Fácil. DO maior e DO menor. Homônimas. E, onde eu vim parar? Na praça do Sol. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> O fim de tarde deixa o céu com um aspecto de aurora boreal. FoiEu fico olhando as nuvens formando desenhos que me faz regressar ao meu tempo de criança. Braços abertos sobre o encosto do banco da praça, e olhando para cima vejo nuvens se transformando em jacarés, elefantes e até o papel Noel em seu trenó. Ah, como era bom ser criança.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Pessoas vêm chegando á praça para aproveitar o clima do local que está razoavelmente fresco e ventilado. Não fosse o barulho causado pelos roncos dos motores de carros e motos que passam pra lá e pra cá, eu diria que aqui é o lugar perfeito para arejar as ideias. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">De repente, vejo chegando o aracnídeo com uma mochila nas costas, indo ao lanchinho da praça. É ele: Felipe. Pelo jeito, nenhum time o quis mais como parceiro para jogar vôlei.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Ei. –gritei. Ele ouviu. Corro um pouco e o alcanço antes de ele ir ao balcão e pedir algo para comer ou beber. -E aí, beleza?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Beleza o caramba. Eu estava sendo o melhor da quadra, e eles me sacanearam. –respondeu, grilado. –Me vê um suco de laranja. –pediu ao balconista.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-A injustiça sempre irá existir no meio esportivo. –falei. –Vamos nos sentar ali. -apontei para a mesa com duas cadeiras apenas. As outras duas estão ocupadas pelo grupo de seis adolescentes que comem empadinhas e bebem refrigerantes.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -O Glauber me substituiu, mas ele nunca vai jogar igual á mim. –garantiu, se sentando.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Com certeza. –admiti com ironia. Eu não iria dizer que ele é um péssimo jogador, para não deixá-lo mais contrariado. –Mas, e as garotas, o que você me diz da Soraia?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Ela é a garota mais legal da escola. O que fizeram com ela foi injustiça também.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Fiquei mais encucado ainda.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Como ela foi injustiçada?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Então você não sabe? –disse indo ao balcão.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Vejo-o pegando um salgado e o suco e remoo o que ele falou da Soraia. Que ela é realmente bem bonita e legal deu pra eu perceber... ele voltou.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Me fale da Soraia.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Hum. –balbuciou mastigando. –Ela tinha o título de A desejada, mas uma... Um picareta postou coisas indecentes contra ela no site da escola.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> Percebi que ele titubeou ao falar, "uma" e depois "um".</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Eu não fiquei sabendo dessas postagens.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -O diretor Osmar é um homem de respeito, e, quando ele abriu o programa, lá estava as postagens envolvendo Soraia e um ator pornô. Como o diretor sabe que eu entendo um pouquinho de computação, ele me chamou para excluir as fotos antes que chegassem ao conhecimento público. –engoliu o salgado e o suco, limpou a boca. –Foi obra de iniciante que queria apenas sujar o nome dela, e, conseguiu. Numa escola como a nossa, se um aluno ou aluna consegue se destacar em boas qualidades entre os demais, essa pessoa ganha posições privilegiadas na instituição. Com isso, você tem grana, status e influência, mas a Soraia nem faz ideia do que isso significa.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Mas a pessoa que a sacaneou tem ciência de tudo? –perguntei já sabendo a resposta.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Ele só balançou a cabeça confirmando.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Por que ela não processou esse filho da mãe? –perguntei zangado.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Ele dá uma olhada ao redor e se aproxima de mim tirando um laptop da mochila.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Olha só, de onde é a origem. –abriu o computador portátil. Os dedos dele se movimentam rapidamente no pequeno teclado. E...</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Da Amanda? –perguntei bestificado.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Eu não tive a mesma reação que a sua porque eu sei que a Amanda é uma oportunista.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Agora é que minha cabeça entra em rosca infinita de uma vez. Amanda é uma oportunista. Essa revelação não para de martelar em minha cabeça.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Por que a Amanda é uma oportunista?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Ela aproveitou que a Soraia perdeu o título e se autopromoveu em seu próprio Facebook com o figurino de Alice no país das maravilhas, trocando o nome Alice pelo o dela. Amanda no país das maravilhas, mas ela também se ferrou.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Tá ok, eu já entendi. –precipitei levando as mãos á nuca. –A desejada é um título dado á garota que é cotada para ser a miss estudantil?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Sim.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Ela é muito bonita mesmo. Eu pude conferir quando conversei com ela no ginásio.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Felipe arregalou os olhos como se tivesse visto um bicho.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-A garota que você falava com ela na arquibancada é a pura e bela. Eu estava falando da outra que a Amanda destronou.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">De qual Soraia esse homem aranha está falando?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Pura e bela é outra categoria de concurso?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não, não se trata de concurso de beleza. Só uma moça pura pode ter esse título. Aquela garota é muito inocente, pacífica e não faz conta disso, mas ela é a menina de ouro não só da escola, mas de toda á Ordem Rivera. Faça um mal á ela, e você sofrerá as consequências.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">De quem esse Peter Parker tá falando? -pergunto outra vez á mim mesmo.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Qual é o nome daquela que eu falava com ela, não é Soraia?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não sei cara, e também não entendo como você soube o nome dela. Ela não tem nem nome artístico. Sei apenas que ela tem um imenso valor para a ordem Rivera. Um aluno levou suspensão de dois meses por tê-la chamado de deusa da gostosura.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> Caramba, que sufoco!</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -E a Amanda?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Eu só posso te adiantar que ela é uma oportunista. Pergunte aos ex-parceiros dela.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> Outra desinformação do Marcos. A Amanda não é a desejada.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Mas o Roberto e o Alfredo não fazem mais parte do grupo de alunos da escola...</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Todos sabem disso, e eu desconfio que o próximo á substituí-los será o Jorge. O Roberto é gay.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Então ela quer fazer par com o irmão dela...</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Espere, espere. –me interrompeu novamente. -mais uma vez, ele abre o laptop. -Eu entrei no arquivo de matrículas dos alunos da escola que eu mesmo criei, e o Jorge levou a fama e o reconhecimento da diretoria pelo feito. Só que ele fazia apenas o trabalho de matrículas. E olha só o que eu descobri.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Ele me entregou o minicomputador e foi até ao balcão pagar a conta.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Amanda N. Sobral. Jorge Ferreira Gontijo... Alfredo H. Romeu. Ele ainda está matriculado. Estranho, muito estranho. Roberto C. de Camargo. –Ele também continua na lista de matriculado. Então Alfredo e Roberto não foram expulsos.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Por uns trinta segundos eu fiquei imóvel e abobado.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-E então? –perguntou-me ao voltar.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Eles não têm nenhum vínculo de sobrenome.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Mas eles moram juntos. –disse ele guardando o laptop na mochila. –Já tô indo embora. Eu preciso tomar um banho. –jogou a mochila nas costas.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Só mais uma pergunta. –falei, ele parou. –Em que um aluno precisa se destacar para conseguir a indicação?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Música, teatro e beleza, esporte, tecnologia, e, sobre tudo, ter seu nome constado na pré-indicação do supervisor, infelizmente o Alfredo desapareceu do mapa. Por causa da Amanda eu perdi a chance de ser... Ah deixa pra lá. Tô indo.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">foi-se o homem aranha.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> Mentiras. Traições. Falsidades. Ambição. Vingança. Corrupção. O que mais falta para completar a tragédia hamletiana? Estou confuso e não consigo raciocinar direito. Talvez tudo não passe de armação para destruir a boa fama da Amanda. Por outro lado, se tudo isso é verdade, então ela está pondo em prática o seu talento como atriz. Eu sei que ela não vai me responder com clareza se eu a perguntar sobre o que eu soube á respeito dela, e também, se nada disso procede, ela ficará constrangida. Sinto que estou fazendo parte do elenco do drama Hamlet. O Alfredo quer ser teatrólogo, mas o infeliz que nos passa as pistas está parecendo musicólogo. Roberto, Márcio e Alfredo foram excluídos, mas os seus nomes continuam na lista de matriculados. Uma Soraia não se chama Soraia. DO maior. Do menor. Não estou conseguindo nem me concentrar nesse enigma, de tão confuso que estou. Só sei que são escalas homônimas de grafias e modos diferentes.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> <span style="white-space: pre;"> </span> </span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> ***</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> Fui ás pressas me encontrar com Amanda. Ela tinha que me dar algumas explicações. Não superei muitos quarteirões e a encontrei próximo á esquina da rua onde o Roberto cavanhaque mora. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Amanda, entre no carro, eu preciso falar sobre uma pessoa.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Ela me obedeceu e se pôs do meu lado. Ela se veste de modo bem sensual com um vestidinho deixando á mostra suas estonteantes coxas.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Que bom que eu te encontrei. O meu carro travou o alarme e eu já estava indo na casa do Roberto para pedi-lo que me deixasse em casa.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> Pra mim, ela estava voltando da casa dele.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Que papéis são esses em sua mão?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -É um ensaio de uma peça de teatro.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Vamos até ao seu carro, eu posso...</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Não, tudo bem, eu já acionei a central de rastreamento. -deu-me um beijo no rosto, ajeitou os cabelos e se olhou no espelho central do meu possante.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Eu vou direto ao que me interessa.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Você não me contou que o Roberto era o seu melhor amigo e que... ele é gay e que o Jorge não é seu irmão.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Eu sei que eu escondi algumas coisas de você, mas é pelo bem da nossa investigação. –falou de braços cruzado. Eu não sabia que o Roberto é gay.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Eu estava sem palavras diante de tanto cinismo. Ela olhava para o vazio parecendo querer encontrar palavras para encher a minha cabeça de mentiras.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Por que tanta sacanagem? –perguntei, baixando a cabeça ao volante. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Você não estranha o fato de ter tantos nomes homônimos em uma escola? Soraias. Alfredos, Robertos. Pode ser que esse Jorge que não é meu irmão, e seja outro Jorge.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não me venha com mais enganações, por favor, eu estou me sentindo uma marionete em suas mãos. -a decepção estampada em meu rosto deixou claro que eu queria que ela saísse do carro me prometendo nunca mais querer me ver.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Ráusen, deixe de lamúria e me escute. –falou brava. –Você sabia que os nomes dos alunos na escola são trocados? Eu não me Chamo Amanda, a Cínthia não se chama Cínthia, enfim, todos recebem nomes e números de matrícula, para no caso de algum aluno cometer erros que comprometam a instituição, esse indivíduo jamais existiu na lista de chamada dos professores da escola Cândido Plates. Os que se destacam recebem nomes artísticos de acordo á suas artes. Essa ideia foi do diretor Osmar. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Mas isso é crime. Falsidade ideológica, sabe lá no que isso enquadra.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-O seu nome não é apenas Ráusen Júnior, mas faz parte do seu nome de registro. Só que no registro de matrícula...</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Mas isso não explica os homônimos. –falei ainda nervoso.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Me deixe explicar. –ela ajeita os cabelos para trás. –O Alfredo foi matriculado com esse nome, e, ele é muito talentoso, mas se envolveu em escândalo. Se ele dissesse á polícia que ele estudava na Cândido Plates, não teria como provar porque seu nome de registro é outro.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Eu quero saber por que os mesmos nomes em pessoas diferentes. –inquiri um pouco menos bravo.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Porque eles têm inteligência artística. Por isso são matriculados outros alunos com os mesmos nomes de matricula deles, e esses novos matriculados são os indignos de fazerem parte da instituição. Estes são chamados de “profanos de becas”</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Se você sabe disso tudo, com certeza a direção da escola também sabe. E, por que não os expulsam?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Você lembra de quando eu te falei que a instituição não é um sistema exclusivista, sim uma ordem que considera a liberdade de pensamentos e de comportamento de qualquer ser humano? Pois é. O senhor Cândido não concordou com os nomes fantasias, mas o vice-presidente, RR. Rivera disse á ele que através das sombras se chegam ao corpo que as move e á cabeça que os guiam. Está me ouvindo, Ráusen? </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">O meu pai é cheio de enigmas. Apenas concordei movendo a cabeça. Era essa frase que o Roberto cavanhaque tentou e não conseguiu terminá-la. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-A Ordem liderada pelo senhor Cândido Plates, acredita, e, eu também acredito, que o indivíduo tem todo direito de ser e agir como ele bem entender, mas eles devem pagar pelos seus atos errados. Porém, também existe na instituição pessoas honrada que combatem esses profanos, não usando violência física nem de poderes instituídos. E esse embate entre honrados e profanos põe á prova o nível intelectual e cognitivo dos dois...</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Já sei. É um duelo entre o bem e o mal.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não. É entre o intelecto pensador e a imbecilidade robotizada. Nós não temos dogmas religiosos.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Amanda fala e se expressa como uma militante de esquerda, mas no final das contas eu percebo que a superioridade intelectual que ela tem sobre mim, causa-me admiração. Já não sei se estamos investigando impostores, ou caçando neonazistas. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Enquanto olho o movimento das pessoas na rua, procurando não a encarar, eu vejo que a biblioteca no outro lado da rua não tem nenhum estudante pesquisando ou simplesmente lendo a página de um livro e, eu acredito que a Lan house mais próxima está lotada de internautas.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-O que foi, Ráusen? –perguntou, tocando meu cabelo. –É difícil pra você entender o que eu digo. Vou resumir. Os homônimos serão os nomeados e ganharão o patrocínio para suas profissões. Quer que eu explique melhor?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não. Tudo bem. Só precisamos descobrir quem está por trás dessas falcatruas.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Pode confiar que todos esses seres desprezíveis terão o que merecem e nós dois seremos condecorados, rapaz e moça de ouro, como Rodrigo R. Rivera foi nos anos oitenta, quando ele era ainda garoto.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Penso: se aquele garoto, "o meu pai", estivesse nessa investigação, ele não teria gastado nem dez litros de gasolina pra prender esses profanos de becas. E olha que ele trabalhava das 8: 00 ás 17: 00 numa empresa de transportes aéreo.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-A Soraia era a moça de ouro. Por que ela perdeu esse título? –perguntei.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-A Soraia é um caso á parte e ninguém toma esse título dela.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Mas ela perdeu pra você. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Eu não tentaria uma coisa dessas... São as homônimas. A Soraia Pura e bela, é aquela que você a encontrou no ginásio. A outra é a que foi á delegacia com o vice-diretor. Vai ver, uma armou para a outra.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Agora eu entendi a parada. Mas a Soraia minha anja não seria capaz de armar contra ninguém.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Então pode ser que haja uma homônima com o seu o seu nome porque eu soube que você é uma oportunista. –falei ligando o carro. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Você pode estar seguro de que eu também sou uma moça pura, mas jamais ousaria tentar tomar o posto da Soraia pura e bela. Eu não sei nem por onde começar á investigar e descobrir quem está por trás de tudo isso. Se isso continuar á escola vai ser interditada pelo ministério público.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não entendi.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Existe alguém pegando cada vez mais pesado difamando o idealizador do núcleo educacional e a metodologia de ensino da escola.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Fique tranquila. Deixe essa tarefa comigo.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Ela colocou as mãos na nuca e recostou-se ao encosto do banco de couro do GT.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Sobre a minha suspeita de que mais uma Amanda está surgindo nos registros de matriculadas da escola, Amanda disse que já houve outra Amanda na escola, mas ela desapareceu e ninguém sabe o motivo de sua desistência. Eu acredito que o Felipe estava falando era dessa outra Amanda que tentou usurpar o lugar da outra Soraia, a desejada, e que também não tem vínculo de sobrenome com o Jorge. Que confusão.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Falsidade ideológica. Usa-se o nome fantasia de uma pessoa inteligente que já foi aprovada pelo diretor. Depois, o inteligente comete um erro e é expulso da escola. Em seguida matricula-se com o mesmo nome um imbecil e o promove. Só nos resta saber, quem são os impostores... Ahá. Entendi o enigma. DO maior e DO menor são escalas homônimas. De modos diferentes =Naturezas diferentes, armaduras de claves diferentes. Ou seja, mocinhas e piranhas. Inteligentes e imbecilóides. No aspecto moral e intelectual.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>11</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;">ENQUANTO EU MALHAVA NA ÁREA de convivência da república onde moro, o celular tocou, eu atendi e tive que deixar as vizinhas decepcionadas por me verem correndo para o banho e depois sair com roupas que ás impedia de ver meus bíceps o todo o corpo sarado. Reclamaram por ingratidão, por que todos os finais de semana bem cedo, elas me assistem me exercitando. Débora me dá beijinhos no rosto quase todas as vezes que me encontra. Só ela é maior de idade, mas eu gosto tanto dela como amiga, que não tenho coragem de dar uns arrochos nela. A Rayane quase me enforcou ao pular em minhas costas e abarcar meu pescoço. As outras duas, passam a maior parte do tempo estudando português.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> Eu não vejo a hora de pegar a estrada e voltar para a fazenda. Sempre que eu penso em ir lá, eu me recordo das nossas brincadeiras. Foi á época que eu mais me divertida. O meu pai ensinou á mim, aos meus primos e prima e aos filhos e filhas dos nossos agregados, uma brincadeira chamada de Cavalo de Tróia. Funciona assim: A gente reúne um grupo de rapazes e garotas num lugar bacana, no nosso caso, era próximo ao coreto de madeira de uma pracinha que fizemos numa área plana de nossas terras. A gente só brincava em noites de lua cheia por causa da beleza e do clarão da lua. Aí, sentados na grama, todos os homens escreviam num bilhete o nome do presente que ele daria á uma garota do grupo. Os bilhetes eram colocados dentro de um saquinho de pano. Aí, uma garota se levantava e dizia: - Cavalo de Tróia. Essa seria a primeira á ganhar o presente grego. Bom, o presente era um objeto de uso da pessoa. Podia ser uma nota de dinheiro, um relógio, um celular, ou qualquer coisa que ele estivesse usando naquele momento. Então agarota pegava um bilhete de um dos rapazes que ela não sabia quem era. Aí, no bilhete estava escrito qual seria o presente, mas ela não sabia qual dos rapazes estava oferecendo, e, ela tinha o direito de aceitar ou não. Digamos que no bilhete estava escrito que ela receberia um celular, então ela dizia: O grego me oferece um celular de presente. Eu aceito. Aí, o rapaz descobria que o grego era ele. Então, ele se levantava e entregava á Troiana o celular e dizia “Cavalo de Tróia”, eu quero um abraço, um aperto de mão ou qualquer outra prenda, sendo que o melhor sempre era um beijo na boca.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">O legal é que o grego não sabe quem é a garota, antes de ela se revelar dizendo que ela é à troiana. Os rapazes só descobrem quem é o grego, no momento que a troiana diz qual é o presente que ela vai ganhar. Ela não sabe quem o dará, porque no bilhete só está escrito o nome do presente, sem o nome do grego. Mas, o grego e a troiana que se beijaram na boca, tem que sair da brincadeira, pra ninguém mais do grupo ter que beijar ele ou ela. Aí, se os dois quisessem continuar se beijando, que fosse fora da brincadeira.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">O meu primo Rick, levou essa brincadeira para a faculdade onde ele estudava na cidade, dias depois, a nossa fazenda ficava parecendo um campus universitário cheio de gente brincando de cavalo de troia nas noites de lua cheia. Nessa brincadeira, rolou até namoro sério entregregos e troianas. Eu vou fazer essa brincadeira na escola, e darei um jeito de trapacear e descobrir que a anjinha pura e bela será a troiana. Aí, eu ofereço um anel de brilhante a ela, e a pedirei em casamento como prenda. A minha memória está melhorando á cada dia e a esperteza só aumentando. Ôh beleza!</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Dirigi rápido até á escola, porque quem me ligou foi a Amanda dizendo para eu estar lá antes das nove. Meu celular tocou por mais duas vezes enquanto eu dirigia. Não o atendi por estar dirigindo, mas eu imaginei que a urgência dela em me ver tinha á ver com algo relacionado á mim, ela, ao Marcos e a Cínthia. Estacionei rente ao meio fio da calçada da escola. Vi os três conversando. Marcos gesticulava muito e dava tapas no teto do seu Golf.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -O que está acontecendo? –perguntei, sendo puxado por Amanda. Ela está apavorada. Cínthia parecia histérica. Marcos nervoso. -O que foi pessoal?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Ráusen, o diretor Osmar foi afastado da diretoria. –disse Amanda.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -E ele está detido na delegacia. –Cínthia completou.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Alguém armou contra ele e deve ser alguém daqui da escola. –disse Marcos.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Se ele foi indiciado e detido foi por que alguém o acusou. -falei pondo as mãos sobre o teto do automóvel do meu amigo e fiquei á imaginar sobre quem teria sido o responsável por aquela injúria contra o diretor.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Ráusen... O diretor é um homem honesto.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Eu também concordo, Amanda, mas eu quis dizer que ele foi injuriado por alguém.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-O Marcos acha que alguém armou contra ele, e o Ráusen acha que foi esse alguém que o delatou mesmo sem ter provas. –Cínthia captou o nosso raciocínio.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Merda, merda. –Marcos chutou o pneu. - o que vamos fazer? –perguntou quase afundando o capô com um soco.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Pessoal, é o seguinte, para que a polícia prenda ou tenha alguém sobre custódia á partir de uma denúncia, é necessário que o denunciador seja fichado como testemunha ocular e, isso quer dizer que denúncias anônimas não valem. –os pus á par da legalidade.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Então nós podemos ir á corregedoria da polícia civil e exigir que eles nos deem o nome de quem o denunciou.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Amanda, será mais fácil irmos até a delegacia. –propus.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Você poderia ir lá, afinal, você tem boa referência.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Antes de responder que eu iria, pedi para se manterem calmos.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Quando foi que o diretor foi detido? –perguntei á qualquer um.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Hoje, antes das sete. –Marcos respondeu.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Então ele ainda está sendo interrogado. Temos tempos para fazermos umas visitas á algumas pessoas. –garanti. –Vamos encontrar o Alfredo. Eu acho...</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Cínthia e eu já fomos ao hospital. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-A Amanda foi sozinha ao hospital... eu a esperei no prédio onde o Alfredo morava. –Cínthia ratificou. Ela demonstrou ter sido levada á confirmar uma visita não ocorrida até àquela hora. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-O Alfredo não está mais no hospital e nem no apartamento dele. O Roberto irmão dele também sumiu. –Amanda argumentou.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Alfredo nunca esteve em hospital nenhum, se quer saber á verdade.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Quando Cínthia falou, Amanda tentou detê-la. Era uma vez, um segredo de estado. O nosso homem chave desapareceu. Isso é muito estranho. Ele nunca esteve internado. Mais estranho ainda.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Vamos atrás da Soraia. –falei indo ao meu carro.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Apenas nós dois ou as duas também vão? –Marcos quis saber.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Qual de vocês duas sabe dirigir? –Interroguei.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Nós duas. –respondeu Cínthia.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Então tire par ou ímpar e entrem no Golf do Marcos. Eu e ele iremos com o meu. -enquanto eu falava, Marcos já estava abrindo à porta do meu GT. A chave do carro dele estava na ignição e, Cinthia foi quem o dirigiu.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-E esse negócio de o Alfredo não ser encontrado no hospital? </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Esquece. A nossa missão é a Soraia. Eu não tenho intimidade com ela. –falei manobrando pra sair. –Você sabe onde ela possa estar á essa hora.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Vire na próxima á direita.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Qual é a dela?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-A Amanda, o jornalzinho da escola. Ela sempre sabe tudo sobre todos. Ela me falou que ela é a famosa topa tudo. Você conhece aquele Nerd que só namora virtualmente?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-O Bambi do Celta amarelo que nem frequenta mais á escola? Eu tô doido pra saber dessa história, porque eu conversei com ele na praça e penso que ele foi injustiçado. Inclusive, ele foi o colega que me disse as coisas mais interessantes em relação á certos alunos e alunas.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Eu também acho que ele foi muito bem pago para fazer a merda que ele fez. Isso significa ser injustiçado?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Apresente-me a sua versão contra o Peter Parker. –falei.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-O Murilo me contou que a Amanda contou á ele que a Soraia transou com ele só por ele tê-la transformado em Alice no país das maravilhas usando o photo scape. Depois a chantageou ameaçando postar a imagem dos dois fazendo sexo, nas redes sociais. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Rimos um pouco da velhaquice do Nerd aracnideo. Enquanto eu esperava o sinal abrir, Marcos mostrou-me uma locadora de DVD á direita da pista.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Caralho, de bobo ele só tem a voz do Peter Parker. E ela, cedeu?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não. Pelo jeito ela não gostou da pegada dele. No outro dia ele foi suspenso da escola.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Não dá pra imaginar que essa tal Soraia seja assim tão piranha. –falei.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -Qual delas?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> -A anjo meu não se chama Soraia. O ruivito me pôs á par das falsidades ideológicas que rolam na escola.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Estacionei o carro e o esperei ir até a loja. Fiquei dedilhando o volante e observando o movimento na avenida. Entre as pessoas e carros que passavam, eu não via ninguém que me despertasse a atenção. Ao ver uma Blazer preta, pensei que fosse o vice-diretor que á dirigia, mas logo me veio á memória que ele havia seguido em direção oposta. Não devia ser ele.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Perdemos viagem. –disse Marcos ao voltar da locadora. –Vamos até á casa dela. –falou pondo o cinto.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não á encontrou?</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-A funcionária disse que ela acabou de sair com um homem alto, de cabelos claros e de meia idade.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Saímos novamente.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Ela trabalha aí? </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-A Amanda disse que ela trabalha no período da tarde, mas quando eu ia para escola, eu a vi chegando à locadora, e não faz nem quarenta minutos.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-É normal alguém escolher um filme em menos de quarenta minutos. –comentei.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">No sinal de pare no cruzamento, me detive olhando a Blazer novamente, cruzando a avenida.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Alto. Cabelos claros e de meia idade. Acelerei e dobrei á esquerda.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Oh, oh... que pressa é essa? -a cabeça dele quase acertou o painel do carro. Não esperava a minha manobra repentina.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Eu acho que quem á levou foi o Osvaldo, eles estão á nossa frente. Vou segui-los.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Pisa fundo. –ordenou-me, batendo no painel.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Eu não pude seguir o mandado de Marcos porque as ruas estavam bem movimentadas de carros e pedestres e a distância entre nós e eles dois não era muito grande, por isso dirigi apenas de modo á não perdê-los de vista.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Qual á relação entre Soraia e o vice-diretor? –perguntei.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Os dois devem estar transando. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Á essa hora da manhã? –com apenas a mão esquerda no volante, perguntei. Adireita eu usei para empurrar Marcos pelo ombro, fazendo-o se ligar.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Saquei. –disse ele. -A Amanda disse que ela faz qualquer coisa por qualquer coisa. Então o que ela quer em troca por transar com um cara que tem idade para ser o pai dela? - ficou estalando os dedos, indicando que estava tentando se lembrar de algo. -A Amanda falou que no início do ano, o vice-diretor quis realizar o concurso garota nota 10, mas o conselho da escola não achou que seria viável e vetou a ideia dele.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-E isso te diz alguma coisa? Garota nota dez. Soraia, a que faz tudo para se dar bem... -enquanto ele pensava, eu prestava atenção a Blazer dobrando a esquina.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-É isso. –gritou e quase afundou o assoalho. –Se o diretor Osmar está fora do comando, quem assume é o vice...</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-E assim sendo, o Osvaldo pode revogar o veto ao concurso. –falei e estacionei.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Por que você parou? Eles estão distanciando. –reclamou apontando com as duas mãos.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não precisamos mais segui-los porque já sabemos que ele e Soraia estão mancomunados.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Disso nós já sabemos, mas e o nosso diretor? -fez cara de quem estava ficando impaciente com a minha tranquilidade. </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Marcos. –falei, virando-me para ele.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Fala. –grunhiu emburrado.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Nós devemos deixar que o diretor fique fora da diretoria por alguns dias, para sabermos qual vai ser a atitude do Osvaldo ao assumir o cargo...</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Mas ele vai ficar preso feito um criminoso, e nós sabemos que ele não é.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Ele tem formação superior. Talvez ele nem fique preso, e se ficar será em cela especial. Enquanto isso nós desvendaremos a misteriosa quase morte do Alfredo e o desaparecimento do Roberto.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Tá certo. Eu vou ligar para a Cinthia e para... </span></p><p><span style="color: #2b00fe;">-Não conte nada a elas sobre o que nós descobrimos. Vamos falar com o Alfredo. A Amanda diz que ele está bem protegido, outra hora ela diz que ele está no hospital. Está muito estranho.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"></span></p><p><span style="color: #2b00fe;"> </span></p><div><br /></div><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;"></span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Próxima postagem na cor </span><span style="color: #fcff01;">Amarela</span></p><p><span style="color: #2b00fe;">Este blog não salva postagem de um livro completo de uma só vez.</span></p><p><span style="color: #2b00fe;"><br /></span></p><div><br /></div><div><br /></div>O aprendizhttp://www.blogger.com/profile/05427010805464309038noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7443999538246198630.post-77043422355157729722023-02-22T18:17:00.001-05:002023-02-22T18:17:21.478-05:00NOTA DE RESTRIÇA0: O LIVRO O ÚLTIMO RIVERA CONTÉM CENAS IMPRÓPRIAS PARA MENORES DE IDADE.O aprendizhttp://www.blogger.com/profile/05427010805464309038noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7443999538246198630.post-27052200145262526352022-09-26T20:17:00.004-04:002023-01-01T13:46:52.205-05:00O FINDAR DAS ILUSÕES; Leitura pra você se emocionar, sorrir e chorar.<p> </p><p><br /></p><p><span style="font-family: georgia;"> O FI</span><span style="font-family: georgia;">NDAR DAS ILUSÕES</span></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><span style="white-space: pre;"><span> </span></span><span style="font-family: Dancing Script; font-size: medium;">Pai, meu melhor amigo. Sei que, o único. 1930 * 1981</span></p><p><span style="font-family: "Dancing Script"; font-size: large;">Mãe, minha melhor amiga. Sei que, a única. 1942 * 2013.</span></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>Um velho homem estava parado ao centro de uma encruzilhada quando um jovem o abordou e o interrogou: – Á qual desses caminhos eu devo seguir? Então o homem respondeu: – O caminho que escolheres, siga nele sem querer voltar para trás. Mas se tiver que regressar, volte. O jovem lhe fez outra pergunta: – O que o senhor encontrou em um desses caminhos, que o fez voltar? –Obstáculos. – disse o velho. –Encucado o jovem novamente o perguntou: – Por qual deles o senhor seguiu? –Por todos. –respondeu o ancião estradeiro. –E por que o senhor agora se põe parado justamente na encruzilhada dos caminhos?–– Fechando os olhos já embaçados pela poeira do tempo, o velho respondeu: – Para reparar os erros que eu cometi. Mas, eu sinto que não terei mais o tempo necessário.</p><p>Quando nós chegamos á um determinado ponto em nossas vidas, olhamos para trás e vemos o passado em preto e branco, mesmo que as cores estejam lá. –sim, elas estão lá. Mas os nossos olhos embaçados pela poeira da estrada, faz com que tudo pareça um filme em preto e branco. Então, só entendemos que se tivéssemos sido de outra forma, agido de outra maneira, as nossas escolhas poderiam ter sido melhores ou piores, mas, até descobrirmos, as teremos vivido intensamente. Concluímos então, que nossas escolhas, por mais que elas tenham sido boas ou ruins, no presente, no hoje, no agora, tudo que vivemos valeu a pena. </p><p>Todo ser humano em si, em qualquer fase de sua vida, sendo ela breve, mediana ou longa, traz em sua cronologia, conteúdo suficiente para escrever centenas e até milhares de livros com um número expressivo de páginas. Portanto, seria impossível transpor em folhas de papel ou em arquivos de computadores todos os mínimos detalhes de uma trajetória de vida de um ser humano. A partir dessa verdade irrefutável, eu João Batista Ribeiro Oliveira me limitarei apenas em contar de forma escrita alguns fragmentos de minha história.</p><p>Devido á minha racional certeza juntamente com o meu senso prático, eu acredito que não faria sentido levar ao conhecimento dos que leem sobre mim, detalhes irrelevante da minha vida desde o meu nascimento á idade á qual hoje tenho. Porém, trarei á tona alguns acontecimentos vivenciados por mim desde a minha tenra idade, em forma de referências anteriores para respaldo dos meus dias atuais.</p><p>O objetivo destes relatos, não é levar ao leitor á ter pontos de vistas á favor ou contra á minha pessoa, o meu caráter, a minha personalidade, ou das ideias que eu defendo. No entanto, há de ser que, em alguns trechos existam similaridades de fatos, atitudes e concepções entre mim e o leitor.</p><p><br /></p><p>O que vivi foi intenso, de acordo o meu modo de ver, ouvir, entender e agir. E com os meus erros e acertos eu vivi intensamente a minha infância, adolescência e juventude do modo que eu compreendia os meus medos, coragem, insegurança e confiança, verdades e ilusões.</p><p><br /></p><p>A história que se segue trata-se de uma história real, com a narrativa em primeira pessoa, sendo eu o próprio personagem central. Todos os fatos aqui expostos são verídicos e possíveis de comprovações.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span style="font-family: Dancing Script; font-size: large;">O nascimento</span></p><p><br /></p><p>Campinorte. Goiás.</p><p><br /></p><p>Numa quarta feira, exatamente ás 1: 40 da madrugada do dia 13 de setembro de 1972, sobre uma cama de madeira rústica e colchão de capim, Pedro Simeão Ribeiro, procedia com o trabalho de parto de dona Francisca Cardoso Ribeiro, com perícia ginecológica e obstetrícia adquirida sem estudos de tais ciências médicas, e sim por razão de que na década de 70 a maioria das mulheres dava á luz em suas casas, tendo a assistência de uma vizinha parteira, ou o próprio marido. </p><p> Nessa oitava façanha bem sucedida de um médico autodidata e uma parturiente extremamente corajosa, nasceu João Batista Ribeiro Oliveira, o oitavo filho de um casal que ainda traria ao mundo mais quatro rebentos.</p><p>Antes de eu nascer, uma irmãzinha minha havia morrido no seu sétimo dia de vida. Maria Madalena era o nome dela. Não me lembro de tê-la visto nem ao menos em fotografia, mas Aos meus cinco ou seis anos de idade, eu recordo bem de ouvir parentes meus dizendo que ela era uma menininha muito linda. Em relação á beleza dela e sua morte prematura, supersticiosos da época diziam que a pobrezinha fora vítima de “maloiado” – á mais de quarenta anos atrás, era assim que se dizia de um olhar capaz de ceifar a vida de um ser angelical.</p><p>Avançarei até o ano 1978, pois eu acho que antes dos meus seis anos de idade eu não teria nada de muito interessante á escrever, fora o fato de eu ter perdido mais dois irmãozinhos e uma irmãzinha, todos mais novos do que eu num curto período de apenas um ano á um e meio. Rubens abaixo de mim, um ou dois anos e Marta abaixo dele um ano. –com estes eu brinquei e ao perdê-los, chorei.</p><p>Levi, o último irmão meu á morrer, sua vida foi tão curta quanto a escrita do nome dele que nem chegou á ser registrado. Acreditem, eu ouvi o choro dele ao nascer, e escutei o grito de minha mãe dizendo ao meu pai horas depois: –Pedro, acode aqui. O meu “fie” morreu. O meu pai saiu de algum cômodo da casa com uma lamparina na mão, eu o acompanhei indo em direção ao quarto, então, lá estava o meu irmãozinho Levi nos braços de minha mãe, desfalecido, imóvel. –calma Chiquinha, ele não morreu. –disse meu pai á minha mãe chorosa. –João Batista, volta pra sua cama. –ordenou á mim.</p><p>Talvez o meu pai tivesse dito a verdade, e Levi ainda não estivesse morto. Eu não pude ter a certeza, pois o meu pai me mandou voltar para a cama naquela hora da noite, e ordens de um pai, tinham de serem cumpridas imediatamente naqueles tempos. Mas infelizmente, no dia seguinte, a vizinhança estava novamente na sala de nossa humilde casa assistindo á mais um funeral.</p><p>Nos anos 70, crianças morriam vítimas de sarampo, coqueluche, caxumba, rubéola, e até por “sapinha na língua” por falta de assistência médica negligenciada aos pobres, era comum á uma criança nascer, sem a mãe ter se submetido á acompanhamento de profissionais da área médica hospitalar e domiciliar. O processo de pré-natal era algo desconhecido pela maioria das gestantes, ou por todas da classe pobre. Tamanha era a carência de cuidados médicos nos referentes anos em que os meus irmãos morreram, que eu devo dizer que se fossem nos dias atuais, nenhum deles teria morrido.</p><p>A morte extremamente pré–matura de Maria Madalena aos sete dias de vida, foi considerada como causas-mortes a doença do sétimo dia. A culpa ficou nas pessoas que a achavam bela como um anjo.</p><p>Rubens sofria de uma infecção no ouvido, e aquilo o levou á óbito aos quatro anos de idade. Eu acredito que Rubinho, – como ele era chamado, – necessitava apenas de uma drenagem no aparelho auricular. Mas naquele tempo, pobre se virava com azeitinho, mastruz, e outros remedinhos fitoterápicos.</p><p>Marta morreu com três anos de idade, por razões de uma febre muito alta. Os desinformados daquela época achavam que febre era um sintoma oriundo de uma infecção na garganta ou de uma machucadura visível. Marta não apresentava nenhum sintoma dessa categoria. Porém, com certeza, em um exame médico feito atualmente, se constataria que ela havia contraído algum tipo de agente infeccioso patógeno causador da morte dela.</p><p>Levi, pobrezinho, talvez tenha morrido por alguma deficiência interorgânica no período da gestação, ou por insalubridade no ato do parto.</p><p>A religiosidade das pessoas era o que falava mais alto, particularmente no seio de minha família, portanto, a desculpa era: – eles morreram porque Deus quis.</p><p>Consideremos também o grau de pobreza e da situação precária da grande família Ribeiro. Tempos difíceis aqueles, quando o país vivia sob o regime militar, sob o comando de Garrastazul Médici.</p><p>Recordo-me de ouvir um carro de propaganda anunciando num alto-falante as seguintes siglas partidárias: MDB e ARENA. Ás vezes, um monomotor sobrevoava em altura mediana com enormes faixas de propagandas políticas ou comercial. </p><p>Bons tempos aqueles, que, quando eu via um avião, eu deixava tudo, até o prato de comida em qualquer lugar e saía correndo para ver o avião. Eu sonhava em voar, mas, a situação de pobreza extrema da família Ribeiro não nos deixava nem ao menos decolar como o14 Bis.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>A mudança</p><p> </p><p>Em 1978, a já reduzida família Ribeiro empreendeu mudança para a grande Goiânia. Então éramos nove membros, compostos por sete filhos, sendo duas mulheres e cinco homens, meu pai e minha mãe.</p><p>Um caminhão trazia os nossos poucos móveis. Em que condução e condições os meus irmãos, irmãs e minha mãe vieram eu não saberia precisamente dizer, mas posteriormente eu soube que a minha mãe veio com as minhas duas irmãs em outro veículo. Sistematicamente era assim que funcionavam as coisas referentes á cuidados com os filhos. Meninas acompanhavam as mães, meninos recebiam o monitoramento dos pais. Dentro de um Fusca não caberia sete pessoas, incluindo o motorista, e sendo assim, confortavelmente, Joãozinho e Rildo viajavam no banco traseiro do “Vôquis” 1300, ano 76 enquanto Pedro Simeão do lado do prudente motorista Peixoto riscava o asfalto da BR 153, á 70 quilômetros por horas em direção á capital Goiânia.</p><p>A conversa dos dois homens sérios discorria sobre assuntos os quais, eu com meus seis anos de idade e meu irmão Rildo com oito, não saberíamos assimilar bem, por seguir uma regra imposta por meu pai: – criança não deve ficar ouvindo a conversa dos mais velhos. Te atipa menino. –Convenhamos estávamos nos anos 70, e, os pais daquela época falavam com os olhos, os filhos obedeciam ou sentiam o nada carinhoso cinto de couro acariciar seus lombos, ou se preferir e sem preferir, dariam a mão á palmatória. A palmatória... Ôh madeirinha redondinha com um furinho no meio pra doer, pensa!</p><p>No banco de trás, eu e meu irmão Rildo falávamos sobre a realização de nosso sonho de morar na capital. Em nosso imaginário tudo seria diferente e as mudanças seriam para melhor. Eu me lembro como se fosse hoje, quando eu, com toda expetativa positiva de que teríamos uma vida próspera na cidade grande, sugeri ao meu irmão que á partir do dia seguinte nós chamaríamos o nosso pai de papai. Foi quando Rildo entusiasmado emendou: – e a nossa mãe de mamãe.</p><p>–É isso aí! –concordei sapateando no assoalho do fuscão creme.</p><p><br /></p><p>308 quilômetros percorridos, Goiânia despontou esplendorosa aos nossos olhos sonhadores.</p><p>–Nois vai morar nessa cidade cheia de carro e casa? – com o rosto colado ao vidro do automóvel, eu perguntei á meu pai.</p><p>–É mais adiante. – respondeu apontando a reta da BR.</p><p><br /></p><p>Vila Brasília. Avenida São Paulo. Quadra 06. Lote 07.</p><p>Já estava escurecendo quando o Caminhão “fenemê” chegou com a mudança. Não era bem o castelo que eu fantasiei em meu maravilhoso mundo de sonhos, mas se comparando á uma casa de adobe de barro vermelho, produzido á mãos e queimados pelo calor do sol numa minúscula cidade interiorana, aquele barracão gigante de madeira, coberto com telha de amianto, localizado á mais ou menos mil metros da capital, podia por mim, ser chamado de “o palácio real da nobreza Ribeiro” Seria ali a nossa nova morada. Eu já havia dado uma sondada nas acomodações, afinal de contas, fomos os primeiros á chegar quando ainda o sol se aproximava de dar o ar de sua graça aos orientais. O barraco era de tábua bem aplainada e tinha lá seu charme. Sala, cozinha e dois quartos. Eu não podia dar como certo, qual dos cômodos era a cozinha, pois o que diferencia um cômodo do outro são os acessórios peculiares á tais ambiente. E, para eu ser sincero, todos eles estavam vazios. Por dedução, eu arrisquei que o segundo cômodo da direita para a esquerda, que não possuía sequer uma pia para se lavar vasilha, era a cozinha. </p><p>Do lado de dentro de cada cômodo, dava para se contemplar o céu estrelado e a lua exuberante ao chegar à noite. Todo esse vislumbre noturno era possível de se ter por causa da posição das tábuas de trinta centímetros de largura apregoadas no sentido vertical permitindo que sobrassem frestas de um centímetro de distância entre uma e outra tábua. Quatro janelas e uma porta apenas propiciavam melhores anglos de visão para uma vista panorâmica de um matagal na lateral esquerda do terreno, com nossa nova casa ecológica e suspensa á sessenta centímetros do chão, sustentada por estacas de vigotas de Angelim vermelho. Do outro lado da avenida, era possível pressentir que naquele mato tinha coelhos, raposas e onças.</p><p>Percorri pelo quintal e me deparei com uma cisterna quase ao centro do terreiro. A descoberta me revelava que em se tratando de abastecimento de água potável, a engenhoca para a retirada do H2O não diferenciava nenhum pouco da que ficara á 320 quilômetros de distância no norte de Goiás. Eu sabia que em algum ponto ás margens da circunferência daquele poço, o meu pai fincaria ali uma estaca e a ornaria com uma carretilha para que a corda deslizasse sobre ela com um balde pendurado na ponta. Bom, neste aspecto nada mudou. Talvez fosse por eu já ter me familiarizado com sons agudos emitidos por carretilhas e rangeres de cordas esticadas ao máximo, que bem cedo eu aprendi a diagramação das notas do violino.</p><p>Tratei logo de me esconder para não ter que ajudar na empreitada de carregar os nossos, digamos, utensílios domésticos. Debaixo de um pé de amoras havia um tanque de cimento com uma bacia e um batedor. O meu esconderijo estava bem acessível. Eu teria que me tornar invisível á todos, exclusivamente, do meu irmão Rildo. Ele era fera em esconde-esconde. </p><p>Subi no tanque e trepei no pé de amoras. Lá de cima eu via um formigueiro humano carregando os “trêm” para dentro do palacete. Eu não poderia chamar de mobília os objetos que desciam daquele caminhão sucatão. Não tínhamos armário, guarda roupa e nem sofás. Era tudo tão tosco e grosseiro. Bancos, tamboretes, prateleiras, camas, mesa... tudo em madeira talhada á “inchó” O meu pai era um grande artesão.</p><p>Eu não sabia de onde apareceu tanta gente, mas eu tinha certeza de que a maioria daquelas pessoas não saiu da barriga da minha mãe e nem que havia sido o meu pai que deu a primeira tapinha em suas bundas quando eles nasceram. Aquilo foi o primeiro sinal de que a família Ribeiro estava sendo bem-vinda á vizinhança.</p><p>Continuei nas “grimpas” da amoreira. Quando desci, a mudança já estava concluída. Os meus dentes estavam da cor de vinho tinto. As amoras eram docinhas.</p><p>Naquela hora eu procurei o banheiro, e o encontrei próximo á um abacateiro, á uns dezoito metros distante da casa, no lado esquerdo do quintal. Era uma privada feita de adobe também. Francamente, o habitat natural dos Ribeiro teria sempre que contar com muita madeira, e terra manufaturada.</p><p>A Avenida São Paulo, apesar de ser a principal avenida do bairro, apresentava corrosões e fiçuras capazes de me engolir. Eu estava morando na quadra 06. Lote 07. Quatro quadras abaixo, as crateras tinham espaços suficientes para engolirem o caminhão que trouxe a mudança.</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>O tempo foi passando normalmente, e em cada dia superado, uma nova surpresa. Rildo acompanhava o nosso pai em suas andanças pela capital á procura de cadeiras de fios para reformar, e também para vender bonés de couro feitos por ele mesmo. Assim ele conseguia obter o nosso sustento. Meus irmãos mais velhos começaram á trabalhar em obras. As minhas irmãs Airta e Ana Rita faziam faxinas nas casas de pessoas abonadas. Minha mãe cuidava como podia dos afazeres domésticos. O estado emocional dela estava severamente abalado por ela ter perdido quatro filhos em tão pouco tempo.</p><p>Eu ficava em casa, por enquanto.</p><p>O quintal era o meu mundo. O matagal do lado era a extensão do meu universo. Bem cedo descobri o artista musical, por natureza, que eu era, e fiz a minha primeira violinha de quatro cordas, um berimbau e uma flautinha de canudos de mamonas. Surgiria então um infante-multi-instrumentista, não fosse a decisão que eu tomei de transformar o berimbau em arco de flecha, as cordas da viola em amarras de arapuca, e a flautinha em canudinho para bolhas de sabão. Tudo isso em apenas uma semana na luxuosa nova residência. A floresta amazônica do lado do meu quintal me inspirava á brincar de índio e manejar bem o meu arco e flecha, tendo como alvos inúmeros anús, tizius e galinhos-do-campo. E, de vez em quando codornas e inhambus eram trancafiados em minha arapuca para logo mais virarem saborosos petiscos. Bocas para devorá-las eram o que não faltariam.</p><p>As minhas manhãs eram cheias de tarefas a serem cumpridas. A primeira delas era lavar o rosto meio que mais ou menos, para em seguida pegar um pequeno tablete de margarina e passar uma quantia exagerada dela em um pedaço de pão. Eu não perdia tempo pondo café na caneca, despejava da garrafa para o miolo do pão. O pão ficava uma delícia e bem fácil de ser engolido sem a necessidade de ser mastigado. Depois de limpar a boca usando o antebraço, eu estava pronto para a recreação.</p><p>Havia no enorme terreiro, alguns pontos á serem explorados por mim. O tanque de cimento que ficava debaixo do pé de amora, eu não devia escalá-lo mais, porque devido á multifuncionalidade dele eu não esperei levar umas lapadas de cinto do meu pai, pra saber que em lugar que se lava roupa, vasilhas, e se higieniza bucalmente, não seria conveniente que um moleque colocasse os pés dentro dele ou sobre suas bordas. Mas, eu tinha outra opção para me sentir no topo do mundo: o pé de abacate.</p><p>Lá estava ele com dois troncos anexados um ao outro, rente ao muro lateral que separava o nosso lote e o do vizinho do lado. Chegar ao galho mais alto foi tão fácil quanto planejar o que eu iria fazer com as folhas que eu traria presas ao meu calçãozinho quando eu descesse do abacateiro. Bem, a minha ideia era colher as folhas mais novas e transformá-las em dinheiro para as apostas que eu faria contra mim mesmo. Eu me desafiava para uma competição, e a que eu tinha em mente era: vamos ver quem acerta quanto é dois mais dois, cinco mais cinco. Eu tinha apenas seis anos de idade, e já bancava ser o matemático. Por incrível que pareça, nessa idade eu já sabia fazer contas de cabeça. Na noite anterior, uma vizinha veio nos visitar. Minha mãe e dona Rita, – era esse o nome daquela senhora bem vestida e de cabelos lisos, castanhos e, muito bem tratado, – conversavam próximas á cisterna, enquanto minha mãe puxava um balde d’água. Eu estava por ali ao redor, quando escutei minha mãe dizendo que ao todo, ela havia perdido o quarto filho, e agora éramos sete apena. Eu achei meio esquisito aquele negócio de “quarto filho”, pois, o último á morrer fora Levi, e, o nome dele não era “quarto”. E, nenhum dos que estavam vivos se chamava sete apenas. Então eu atalhei o assunto.</p><p>–Mãe, foi o Levi, não o quarto. E os nomes dos meus irmãos é Deir, Airta, Oripe, Ana, Ismael e Rildo.</p><p>Dona Rita e minha mãe riram.</p><p>–João Batista, o Levi foi o quarto puiquê primeiro morreu a Maria Madalena, depois o Rúbim, depois a Marta e depois o Levi.</p><p>–Ah, intindi. Um, dois, três, quatro...</p><p>–É menininho esperto. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11. Menos 4=7. –disse dona Rita.</p><p>Voltei á correr pelo quintal, mas não deixei de pensar nos números.</p><p>Durante o dia eu fiquei encabulado com a informação obtida por eu ter ouvido a conversa da minha mãe e a vizinha. Eu trouxe de volta á vida todos os meus irmãos que havia morrido somente para desenvolver uma estratégia de somatória. Tanto fiquei encafifado, que, antes de dormir eu desafiei o meu irmão Rildo para um duelo aritmético. Ele abriu fora dizendo que estava com sono. Parti para o outro lado da cama e lancei o desafio ao meu irmão Ismael. Ele tinha dez anos. Ao que ele respondeu: – amanhã nois brinca. Vai duimi. </p><p>Diante das recusas, eu parti para o auto-desafio. Foi aí que eu fui apresentado ao meu amigo oculto. E olha que esse meu amigo me acompanharia para sempre. Não era nada sobrenatural ou mística a nossa sintonia, mas acreditem, através de nossos diálogos íntimos, eu fui desenvolvendo o meu intelecto para aprender á ler, escrever e lidar com algumas operações numéricas.</p><p>Desci do pé de abacate, “buíado” de folhinhas de um cruzeiro e me sentei debaixo do pé de amora.</p><p>Eis a disputa:</p><p> – Joãozim, conto é três mais três?</p><p>–Espera aí... eu tem três cruzeiro.–passei três folhinhas para o meu lado direito. –Agora me dá mais três... pronto. Três mais um, quatro. Mais um, cinco, mais um, seis. Seis.</p><p>–Acertou. –Agora é a minha vez. –Joãozim... Joãozim não. Ocê é o Mim, só Mim. </p><p>–Tá bão. Intão vai. </p><p>–Mim, conto é quatro mais quatro?</p><p>–Xeu vê... eu tem quatro cruzeiro... mais quatro... oito. –dessa vez eu nem separei as folhinhas. O meu amigo interno me superou. Mas eu não me dei por vencido. </p><p>Parei para pensar um pouco e aumentei o valor da aposta e o número de folhas.</p><p>–Um, dois, três, quatro, cinco, seis. –passei para o lado esquerdo. –Um, dois, três, quatro, cinco. –para o lado direito. –Pronto. Conto é seis mais cinco, Mim?</p><p>Mim pensou um pouco e chegou á conclusão de que ele e nem eu, não sabia qual era o número depois de dez. levantei-me e recorri á dona Francisca. –mãe, qual é o número depois de dez? –gritei.</p><p>–Onze, meu fie. Puiquê?–ela gritou da cozinha.</p><p>–Nada não. Deus abençoa a sinhora. –agradeci á ela e dei o resultado da soma á Mim. –Onze. Ganhei. Iuhull.</p><p>Com seis anos de idade, eu nunca havia entrado em uma sala de aula, e também não tinha acesso á dinheiro e ninguém que me ensinasse alguma coisa do meio estudantil. Meus irmãos e irmãs á muito já haviam parado com os estudos.</p><p>Até ao final dos anos 70 era bem fácil distinguir a classe social de uma pessoa através do nível educacional dela. Estatisticamente falando, as famílias no nível de pobreza extrema como a nossa, eram indubitavelmente classificadas como á não alfabetizadas, pois naquela época, pobres honestos tinham apenas um meio de sobrevivência, trabalhar braçalmente. Sonhos profissionais eram para os da classe média, ou ricos. </p><p>É lógico que existia um baixo percentual de estudantes pobres na rede pública de ensino, mas com certeza, esses tais não dormiam amontoados em uma cama, não tinham que acender lamparinas para iluminar a casa ao cair da noite, e nem comiam mamão verde cozido á água, óleo e sal para servir de mistura no almoço e janta.</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Com muita expectativa positiva a família Ribeiro chegou ao ano 1979. O meu pai passou á fazer e vender encosto de bancos de automóveis, e era uma novidade até então. A armação era de ferro 5x16 e revestido por fios de plásticos, tipo espaguete, o mesmo material usado nas cadeiras que ele consertava. Alguns clientes motoristas de ônibus da empresa Araguaína já haviam encomendado alguns encostos. Á partir de então, o meu pai daria mais lucro a loja Seringueira, comprando dela mais fios plásticos para cumprir com as demandas. Minhas irmãs Airta e Ana Rita foram efetivadas empregadas domésticas em residências diferentes. Os meus irmãos Edeir e Eurípedis trabalhavam em diárias com pedreiros particulares. Ismael, eu não sabia por onde é que ele andava, mas de vez em quando ele aparecia com um bom pedaço de salame e uma lata de extrato de tomate. Quanto ao Rildo, aos poucos eu ia perdendo a companhia dele. Para evitar que eu o visse apenas ao anoitecer, por razões de ele ir trabalhar com o meu pai e só voltar á noite para casa, eu pedi á meu pai que me levasse também.</p><p>Para mim, foi uma viagem muito divertida, o nosso trajeto até á um setor chamado Crimeia leste. Fomos de ônibus, e era muito legal ficar olhando pela janela aqueles carros diferentes e mais bonitos do que os que a gente via em Campinorte e na própria Vila Brasília. Era interessante ver os passageiros puxando uma cordinha para avisar ao motorista que eles iam descer no próximo ponto.</p><p>Naquele dia, o meu pai foi fazer um orçamento para o concerto de duas cadeiras de balanços, e de um jogo de sofá. As pessoas não eram ricas, mais havia uma Belina na garagem grande daquela casa com grades nas janelas de vidro. A parte interna da casa, nós não chegamos á conhecer, mas o que se via do lado de fora era aquilo que eu poderia chamar de casa bonita de pessoas que tinham condições de vida superiores e muito, á nossa.</p><p>A reforma ficou combinada através de uma conversa entre o meu pai e a dona da casa. O esposo dela havia saído, mas deixara com ela a ordem de fechar negócio com o meu pai. Teríamos que ir ao centro de Goiânia. Íamos á pé, quando o Rildo reclamou que estava cansado, então rumamos para o ponto de ônibus. Perdemos o ônibus daquela hora. Rildo teria que suportar o cansaço. Talvez não tivesse motivo para ele estar cansado. Porém, o tempo se encarregaria de me revelar o porquê de seu cansaço.</p><p>Continuamos andando. No trajeto nós passamos sobre a estrada de ferro. Perguntei ao meu pai pra que era aquele tanto de ferro atravessado sobre britas no chão. Ele respondeu que aquilo era o caminho do progresso, e que era pra gente atravessar depressa, para não corrermos o risco de sermos atropelados pela Maria fumaça. –não entendi. Minutos depois chegamos á uma extensa avenida á qual o meu pai falou que ela se chamava Independência. Logo que caminhamos por ela mais um pouco, Rildo me apontou um monumento com um enorme relógio analógico no cimo. Era ali a estação do trem. Só que o “trem” não estava lá. Dobramos á esquerda da avenida e chegamos á outra um pouco mais movimentada. Estávamos no Setor Central.</p><p>Confesso que fiquei encantado com o centro de Goiânia. Eram muitos os carros, pessoas e alguns edifícios... e inúmeras oportunidades de negócios, principalmente no ramo de roçagem, pois, em plena avenida do setor Central da capital, ainda existia lotes baldios e cheios de mato. Para se brincar de macaquinho era uma boa alternativa. No calçadão entre as duas pistas havia canteiros de arbustos, árvores e pés de cocos. Era mesmo uma pena, que o meu pai não me deixasse subir naquelas árvores, agarrar em uma palha de coqueiro e voar em círculo feito quem pendura numa cadeira de chapéu mexicano em movimento.</p><p>O meu pai fez eu e meu irmão andar feitos desvalidos até chegarmos á loja Seringueira. Tivemos que superar bem uns quinhentos quarteirões para então chegarmos á tal loja. Mas enquanto isso eu seguia observando tudo.</p><p>Já era quase hora do almoço, quando saímos da loja. Nosso destino seria o restaurante da vovó. Pernas pra que te quero.</p><p>Quando chegamos, o meu pai foi até á atendente e conversou alguma coisa com ela. Eu ficava girando pelo salão, olhando pessoas comendo e outras palitando os dentes. As mesas quadradas, forradas com toalhas coloridas estampadas em desenhos de frutas, não aumentaram em nada o meu apetite, pois eu já estava á ponto de comer até as frutas das toalhas.</p><p>Uma senhora simpática nos serviu três “surtidos” Eu nuca tinha visto tanta carne num prato exclusivamente meu, e nem nos dos meus irmãos, irmãs, pai e mãe. A circunferência do prato era semelhante á de uma calota da roda de um Cadilac. Clientes ali notaram o tamanho da minha admiração no momento em que eu exclamei: –nossa, ó os “tamanão” dessas coxa de frango!</p><p>–Cala a boca Joãozim. –disse–me Rildo, dando uma cutucada na minha perna esquerda.</p><p>O ano referido, 79, foi o marco para a minha mudança de atitude. Eu não seria mais aquele molequinho que fazia do terreiro de sua casa o seu parque de diversões. As brincadeiras foram deixadas para depois que eu voltasse do trabalho. Comecei então á ganhar um dinheirinho. O meu pai nos abonava com uns trocadinhos, e vez e outra, eu e Rildo ganhávamos algumas gorjetas das pessoas ás quais nós consertava as suas cadeiras e sofás. Comíamos em pensões pelo centro de Goiânia e sempre trazíamos algum enlatado para servir de mistura para comermos em nossa casa. O ano passava rápido como um raio, e quando foi no mês de outubro, nós consertávamos algumas cadeiras numa casa no setor Campinas, quando a dona da casa chegou á mim e Rildo e nos entregou dois carrinhos de plásticos e nos desejou feliz natal. Em pleno mês de outubro alguém desejou á nós feliz natal.</p><p>Dois ou três meses depois, meu irmão Rildo teve de ser internado no hospital Lúcio Rebelo. Ele estava com pneumonia, mas em estágio não muito grave. Quando ele foi levado para o hospital, eu não o acompanhei, mas três dias depois, eu e o meu pai fomos visitá-lo e, ele voltou conosco. Nesse dia, eu conheceria a CCB do Jardim Bela vista. No domingo seguinte, eu, Rildo e o meu pai fomos para o culto de jovem. A segunda igreja á receber a nossa presença nos cultos seria a do Cruzeiro do Sul. Depois Parque Amazonas, e enfim, Vila Brasília. As promessas de que dias melhores viriam, eram consecutivas á culto. Mas no decorrer do ano 1979, as coisas não mudariam no sentido de pobreza familiar. Mais pobres não ficaríamos, aliás, todos, exceto minha mãe, estávamos ganhando o nosso dinheiro. As minhas moedinhas, eu ás economizava, não para me tornar um menino rico num futuro bem próximo, mas sim para usá-las de modo á melhorar o meu conhecimento em matemática. O meu contato com dinheiro, me fez entender que os números eram algo infinito, e que eu precisava aprender outras frações numéricas. Somas maiores eu já havia aprendido parcialmente. Eu comprava balinhas, paçoquinhas e outras guloseimas, mais para aprender matemática do que por vontade de devorá-las. –mas, eu ás devorava, e como devora. Então, eu pegava uma caixa de fósforos e comprava os palitos. Cada um valeria cinco centavos, que eu os pagaria com as minhas moedas.</p><p>O meu amigo oculto era o vendedor.</p><p>–Eu quero dez palitos.</p><p>–Cinquenta centavos.</p><p>–Toma. –eu entregava á mim mesmo uma moedona de cinquenta centavos.</p><p>Foi com as minhas compras e vendas com o meu amigo oculto, que eu aprendi que os valores vinham representados em números descritivos. E, abaixo dos números havia uma palavra escrita em letras alfabéticas. Perguntei ao meu pai, o que estava escrito ali. Ele me respondeu que era Centavos, e que do outro lado da moeda estava escrito Brasil. Captei as informações, e á partir de então, eu não iria mais perder tempo com matemática porque eu já me achava um grande calculista financeiro. Então eu iria aprender á escrever tudo que eu visse escrito. Depois, eu aprenderia á ler. Virei copiador de letras. Eu reproduzia o que eu via escrito em um lugar, depois eu perguntava ao meu pai o que significava aquelas palavras. Ele me respondia.</p><p>Era incrível, mas, eu conseguia memorizar tudo, e, aonde eu visse palavras com as letras nas mesmas posições, eu conseguia lê-las. E foi assim que comecei á viajar pelo maravilhoso mundo da leitura e da escrita.</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Certo dia em uma residência no Setor Sul, eu estava esperando a volta do meu pai e do meu irmão Rildo. Eles haviam ido comprar fios para terminar de enrolar as cadeiras, pois o estoque de matéria prima tinha se esgotado. Não querendo eu ficar na garagem da casa, fui para calçada. Chegando lá avistei uma árvore, e, numa rápida varredura visual que eu fiz, percebi que o muro rente à calçada era de meia altura. Seria a minha plataforma para eu alçar voo e agarrar no galho alto daquela árvore. O meu amigo oculto me desafiou, - quem de nós dois alcançaria o ponto mais distante do galho. –E, eu aceitei o desafio. </p><p>Na competição entre eu e Mim, Mim estava vencendo. Então, eu cuidei logo de empatar a disputa. O placar ficou de três á três. Satisfeitos, nós, eu e Mim, chegamos à conclusão de que nós seríamos invencíveis.</p><p>Sentei-me ao pé da árvore e fiquei dialogando com Mim. Eu confidenciei á Mim, que eu iria desafiar o meu irmão Rildo. Mim, me dizia pra eu não fazer isso, porque Rildo era nosso irmão. Eu dizia que eu só tinha o Rildo para competir contra ele. Mim me redarguiu dizendo que eu não podia ficar querendo ser melhor do que ninguém. Eu achava que aquele conselho transmitido á mim pelo meu subconsciente fosse porque eu crescia num lar onde pai e mãe eram cristãos e me ensinava á ser simples e humilde. Mas, Mim parecia querer me fazer compreender algo que eu ainda não conseguia entender.</p><p>Coloquei os meus braços sobre os meus joelhos e apoiei a cabeça sobre os antebraços, me pus á escutar a voz latente do Mim falando em meu consciente. –não queira ser melhor que ninguém. -Essa advertência era pronunciada assim: – num quêra sê mió que ninguém. O português do Mim não era em nada diferente do meu. Não era simplesmente uma voz internalizada e pressentida apenas. Mim não tinha uma forma corpórea e nenhum aspecto físico, mas era como se ele estivesse do meu lado, falando comigo e me ouvindo.</p><p>De repente eu fui interrompido por alguém que chegou e disse: – ei menino, vamos brincar de pular no galho.</p><p>Quando ergui a cabeça, eu vi um garoto de aproximadamente nove ou dez anos de idade. Cabelos lisos como seda, e castanhos. A pele dele era alva e muito bem cuidada. Nariz afilado e dentes perfeitos. Vestia uma camiseta cor de abóbora, uma bermuda Jeans e calçava tênis branco de couro com meias brancas. A marca do tênis eu não pude deixar de ler, pois eu já havia copiado aquelas letras á dois dias atrás, quando eu passava próximo á uma loja de calçados e me encantei com o par de tênis. Copiei o nome, e ao mostrar á meu pai, ele disse que eu havia escrito Adidas. Eu percebi logo que aquele menino era rico. Aceitei o convite, e nós fomos brincar como ele sugeriu. Havíamos dado alguns saltos e sempre alcançávamos quase o mesmo ponto daquele galho. Até que em um dado momento eu lancei o desafio ao coleguinha.</p><p>–Vamo vê quem pula mais longe?</p><p>–Vamos. Você pula primeiro.</p><p>E lá fui eu para o salto fatal.</p><p>Quando acordei, eu senti uma dor aguda e ardente sobre a minha sobrancelha. Eu estava sobre a cadeira de um hospital com duas pessoas vestidas de branco ao meu redor. Eram um médico e uma enfermeira. Quem havia me levado ao hospital fora a irmã do riquinho. Pela primeira vez eu andara em um Alfa Romeo. O médico me fez perguntas do tipo: onde você mora, quantos anos você tem e onde estavam os meus pais. Respondi todas elas. Em seguida, a enfermeira pegou um esparadrapo e veio em minha direção. Foi a minha vez de perguntar o que tinha acontecido com o meu olho. O médico me disse que felizmente o meu olho estava em perfeitas condições. Então a enfermeira trouxe um pequeno espelho e colocou na frente do meu rosto. Assustei-me quando vi o resultado da minha natureza desafiadora. Levei um corte profundo de maneira tal á deixar á mostra o osso da borda supraorbital. Oito pontos á cima do meu olho esquerdo eu ganhei de prêmio pela minha teimosia. Imaginei que a minha sobrancelha jamais ficaria completamente coberta de cabelo. </p><p>Eu não havia ficado muito tempo desacordado, pois quando a irmã do garoto me levou de volta para a casa onde eu esperava o regresso do meu pai e do Rildo, os dois ainda não haviam chegado. O garoto me esperava no local. Ele havia tomado um banho e trocado de roupas. Seus cabelos molhados pareciam ter recebido gel fixador e estavam penteados para trás. Os olhos dele transmitiam tristeza e preocupação. O resultado da disputa entre nós dois eu já sabia e sentia o efeito. Toda a minha testa doía muito, mas eu queria saber o que foi que houve. Então ele me contou como foi o final do nosso desafio.</p><p>–Não fui eu quem te empurrou. Você pulou e alcançou a parte mais grossa do galho, mas você não conseguiu segurar com firmeza, e as suas mãos escorregaram, e você bateu com a testa no tronco da árvore.</p><p>–Tem nada não. Outro dia nois brinca de novo. –falei.</p><p>Á partir daquele dia eu não iria mais acompanhar o meu pai e o Rildo no trabalho, enquanto eu não me visse livre dos pontos sobre minha sobrancelha. O castigo que eu recebi do meu pai, seria de certo modo bem aceito por mim, não fosse o fato de eu ter que ficar sem ganhar as gorjetas e presentes dos nossos clientes de consertos de cadeiras e sofás.</p><p><br /></p><p>Eu aproveitava a licença trabalhista e cuidei de escrever o máximo de palavras que eu pudesse. Foi quando um nome feminino surgiu em minha lista. Maurinha era o diminutivo do nome da minha vizinha do outro lado do muro. Eu estava na sala escrevendo a palavra Corcel. Isso porque quando voltávamos para a nossa casa no dia anterior, mesmo com o olho doendo bastante e quase tapado pelo esparadrapo, eu vi exposto na banca de jornal do ponto final de ônibus da vila, uma capa de revista que trazia uma propaganda do Corcel 2. Ano 79. Um rapaz e uma moça bonita apresentavam o lançamento do ano. Eu disse ao Rildo, que aquele carro era bonito, ele me falou que a moça era mais ainda. Mas, eu preferi a beleza do Corcel cor de abóbora, igual à cor da camisa do riquinho que assistiu de camarote o encontro da minha testa com o tronco da árvore.</p><p> Dona Rita, veio visitar a minha mãe novamente. Só que dessa vez ela trouxe a filha caçula. Eu estava na sala sentado no tamborete de três pernas. A quarta perna já havia sido amputada no mês anterior. A folha de papel estava sobre uma cadeira que fazia parte do trio da mesa da cozinha. A quarta cadeira, eu nuca á vi.</p><p>Quando dona Rita chegou e procurou pela minha mãe, dona Francisca ouviu a voz dela e saiu do quarto para recebê-la. As duas foram para a cozinha. Maurinha ficou na porta sem querer entrar.</p><p>Ela me olhava. Aquela olhar que, para mim era mesclado de desencanto, decepção, e talvez tivesse também uma pitada de compaixão pela situação de pobreza do observado.</p><p>Eu a ignorei e continuei escrevendo. </p><p>–Corcel. 2. –falei, depois de escrever.</p><p>Notei que Maurinha escutou a minha fala. Fiquei sem graça e parei com a escrita.</p><p>–Entra, senta. –disse eu á ela, desocupando a cadeira.</p><p>Ela entrou e se sentou. Eu fui ao quarto e guardei a folha debaixo do colchão. E quem disse que eu tinha coragem para ir fazer sala á Maurinha? Ela era, uns dois ou três anos mais velha do que eu, morava numa casa toda murada, com uma Belina na garagem e vitrôs gradeados. Eu descobri esse contraste entre a qualidade de vida dela e a minha quando subi pela terceira vez no pé de abacate para fazer um saque de notinhas verdes.</p><p>Pele clara, cabelos e olhos castanhos. E... tão bonita quanto a boneca Barbie. Outro detalhe, ela estudava. Quer saber mais? Os pais dela eram donos da mercearia da esquina. O preço daquele vestidinho amarelo que ela vestia naquela bendita hora daria para comprar o meu calçãozinho roto, a minha camiseta de malha, meu par de congas, e ainda levaria a minha graninha que eu tinha guardado em uma lata de marmelada entre as molas do colchão da cama da minha mãe e do meu pai. Fiquei no quarto, e... </p><p>...ela entrou no quarto.</p><p>Ô caramba. Já não bastava á ela ter visto a falta de móveis na sala, ainda tinha que ver que eu estava calçando o pé da cama com um pedaço de vigota, porque quando eu tirei a lata de marmela de dentro do colchão para eu conferir os meus trocados, a grade da cama se soltou e arredou o calço do lugar.</p><p>–O que aconteceu com o seu olho?</p><p>–Nada. –falei meio que gemendo por causo do peso da cama.</p><p>–Quer que eu te ajude?</p><p>–Não.</p><p>Houve silêncio, até que eu terminasse o calçamento.</p><p>–Pronto. –falei saindo do quarto.</p><p>O cômodo não era muito grande, mas cabia a cama de casal, duas de campanha, uma caixa de madeira para por as roupas e um guarda roupa de duas portas, sem as portas. Mas, eu passei por entre o guarda-trapos e a Maurinha próxima á porta sem triscar na barra do vestido dela. E, de cara virada eu me sentei no tamborete tripé.</p><p>–Você sabe escrever? –ela me perguntou se sentando na cadeira.</p><p>–Sei. –respondi sem olhar para ela.</p><p>–Cadê a caneta?</p><p>–Tá na cama.</p><p>–Vai buscar ela pra gente escrever um pouco.</p><p>Voltei ao quarto e peguei a caneta e o papel. O papel era um saquinho de embalagem que veio da mercearia do pai dela com cem gramas de açúcar. Eu o abri e o enchi de palavras escritas.</p><p>–Toma. Pega. –entreguei á ela o meu material didático.</p><p>Maurinha puxou para baixo a barra do vestido e cruzou as pernas, para então estender o papel sobre a coxa dela.</p><p>–O que você quer que eu escreva?</p><p>–Sei lá. Seu nome. Ocê que sabe.</p><p>Ela riu.</p><p>–Ocê não. Você.</p><p>Começamos mal a nossa amizade. Ela me corrigiu na cara dura e nem notou a minha vergonha.</p><p>–Eu já sei o que eu vou escrever. –disse, juntando os cabelos e os jogando para a parte frontal do corpo dela. Depois de uns cinco segundos, ela me devolveu o papel, sem a caneta.</p><p>–Escreve o seu agora.</p><p>–O meu o quê?</p><p>–Seu nome. Eu escrevi o meu...</p><p>–Eu não sei escrevê o meu nome ainda.</p><p>–Você não sabe ler?</p><p>–Mais omeno. –falei.</p><p>–Mais ou menos. –ela me corrigiu novamente.</p><p>Grilei.</p><p>–Me dá o meu papel e a minha caneta. Num vô escrevê nada não.</p><p>Ela tentou esconder o meu material atrás das costas dela, mas eu parti pra cima dela, e na minha investida, nossos rostos se tocaram por algumas vezes, o meu machucado doeu. Até que ela cedeu e me devolveu os objetos.</p><p>–Ocê é bobona. –critiquei.</p><p>–E você é... um bobo. Deixou meus braços vermelhos.</p><p>Enquanto ela alisava os braços para se livrar da ardência e dos hematomas deixados pelas minhas mãos. Eu vazei para o matagal, e lá fiquei decorando o nome dela. Mas, ela escreveu com letras minúsculas, e eu só copiava as palavras escritas em maiúscula.</p><p>Guardei com carinho a folha, e já imaginava quem seria a minha intérprete. Airta, a mais escolarizada da família Ribeiro. –sétima série.</p><p>No matagal eu fiquei por alguns minutos catando flores de lobeira para ver se passava a minha vontade de ir falar com ela novamente. Quando eu á vi saindo com a mãe dela, fechei a cara e fiz bico. Então o meu amiguinho oculto me aconselhou. –pede discuipa pra ela Joãozim. Ela é boazinha. Então eu fui até a beira da cerca de arame farpado para gritar:</p><p>–Minina, me discuipa. </p><p>Ela sorriu, acenou tchauzinho e se foi.</p><p>Para um menino de apenas sete anos de idade, o sexo oposto não despertava grandes emoções, e tampouco sentimentos afetivos, ou libidinosos. A inocência infantil prevalecia. No entanto, sentimentos de carinho, gratidão, amizade e outros mais, sempre estarão configurando nossos relacionamentos em qualquer fase de nossa vida. Entre mim e Maurinha no primeiro momento, com certeza houve reciprocidade de sentimentos negativos. Acontece que, ela tinha o seu jeito próprio de lidar com as ofensas advindas de outro alguém. Por outro lado, eu tinha os meus motivos para tê-la ofendido, ainda que não houvesse razão para tal. Eu sabia que ela não era para o meu bico. Esse meu auto-preconceito era devido à diferença de padrão de vida da família dela e da minha. Na realidade eu achava que meninas iguais á ela, eram chatas e exibidas. Mas no fundo do meu coraçãozinho, eu sentia que ela não havia ficado com raiva de mim. Por isso, eu passei á procurar uma oportunidade de me aproximar dela outra vez para começarmos tudo de novo.</p><p>Nos anos que se seguiram, durante o tempo em que fomos vizinhos, Maurinha foi a primeira á encabeçar a página da minha história, a minha primeira coleguinha.</p><p>Com ela, eu aprenderia á falar “você”. “mais ou menos”. Á falar corretamente as palavras, e sobre tudo que, a primeira impressão nem sempre é a que fica. E que, se valorizamos demais uma pessoa, é bom que nos coloquemos á altura dela, assim poderemos dar e também receber o devido valor á ambas as partes.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> <span> </span><span> </span> </span>1980</p><p><br /></p><p>O ano 1980 principiou trazendo muitas surpresas. Algumas delas, já orquestrada em 79. Vamos ás manchetes. Em setembro eu havia completado os meus sete anos de idade. No início de 80 já me sentia com oito, porque eu tinha conseguido contar e fazer algumas somas com resultados á cima de cem.</p><p>Numa noite, eu perguntei ao meu irmão Eurípedes, qual foi o ano que eu nasci. Ele respondeu que fora em 72. Aí eu saí contando até chegar á 80... –Oito, eu tem... eu “tenho” oito anos. Mas faltavam quase nove meses ainda. O meu vocabulário estava sendo treinado também.</p><p>Airta, minha irmã mais velha arrumou um namorado, e o relacionamento dos dois foi ficando sério, sério, sério, até que eles resolveram brincar daquilo, e acionou a cegonha para que ela trouxesse o brinquedinho que os dois haviam encomendado, – seria uma bonequinha fofucha.</p><p>O nome do brincalhão parceiro da minha irmã era Nilson. Rapaz de boa altura, amarelo e de cabelo assim meio que anelado. Sorriso aberto muito espontâneo. Ele era pedreiro de obras, mas com a anunciação da chegada da fofuchinha ele teve que fazer bicos particulares. </p><p>Eu acredito que ele sacou logo que com um bercinho á mais dentro das dependências do nosso barracão de tábua, a Airta teria que dormir debaixo do pé de abacate. E, para não deixar a namorada no relento, ele cuidou de trabalhar até nos finais de semanas.</p><p>Quando Nilson foi apresentado aos demais cunhados e sogros, eu não sei, mas eu estava em casa na noite em que ele chegou com um feixe de traíras e piaus. Não tinha lugar pra eu me sentar na sala. Apesar de que nós já tínhamos um sofá de couro sintético preto, vindo não sei de onde. –é que quando eu saí cedinho com o meu pai e o Rildo, aquele “enguiço” não estava no conjunto de mobília da nossa sala. Eu tinha absoluta certeza de que ás seis e meia da manhã, o tamboretinho perneta e as duas caixas de verduras, eram os únicos assentos que tínhamos ali naquele cômodo. O sofá era para três pessoas, mas, o Ismael, o Rildo e Ana Rita, ocuparam o tamborete e as caixas. Airta sentou-se do lado direito do sofá, Nilson do lado esquerdo. Sobrou o meio do assento para mim. Porém se eu me sentasse naquele ponto, eu iria parar no assoalho de tábua do barracão. Havia um buraco do tamanho da via láctea no centro do assento, entre aspas. Para remendá-lo seria necessário que o meu pai usasse todo o estoque de Napo que ele possuía. –obs. O nome Napo era dado á material de couro sintético para o revestimento de sofás. Mas acreditem, aquilo era um sofá, há uns trinta anos anteriores, mas para a família Ribeiro, ele seria bem mais do que isso. –a nossa necessidade o transformaria em uma confortável cama também.</p><p>Voltando ao cunhado e os peixes. Naquela noite eu quase tive a pele do meu rosto escalpelada. Airta buchudinha, me deu a incumbência de ficar de olho nos peixes sendo fritado numa rabeirinha de fundo raso. A minha ânsia por vê-los crocantes era tanta, que, eu parecia querer ajudar na fritura usando os meus olhos como lança-chamas. Só que estava no início da fritura, mas o óleo já estava superaquecido. E eu lá... com a cara quase dentro da frigideira. De repente, o danado do piau deu uma chilapada dentro da panelinha, e a gordura espirrou no meu rosto.</p><p>Desculpe-me pelo palavrão, mas eu extrapolei todo o bom censo, o vocabulário e a minha educação, para gritar: – Ai pêxe fie dunha puta. Ô Airta, vem oiar esse pêxe disgramado aqui.</p><p>–Quê que foi, Joãozim?</p><p>Corri para a sala passando a camiseta no rosto.</p><p>–Aquele fie dunha égua tá vivo.</p><p>Nilson ria e batia as mãos nas próprias pernas.</p><p>–Vem cá, Joãozim. –disse ele, vindo ao meu encontro.</p><p>Quando eu me aproximei dele, Ismael, Rildo e Ana ficaram batendo cabeças uma nas outras, e quase queimando os seus rostos com a lamparina, para junto com Nilson examinarem meu rosto.</p><p>Olhando meio estrábico para o telhado eu esperava o diagnóstico de algum deles.</p><p>–Ah, foi só um susto. –disse Ismael farfalhando o meu cabelo.</p><p>–Esse minino mata a gente de susto. –disse Ana Rita voltando á se sentar.</p><p>–Os pêxe já tá frito? –Ismael perguntou indo á cozinha.</p><p>Airta voltou da cozinha e anunciou que os peixes ficariam á ponto de me pagarem pela sepecada na cara, á aproximadamente uns três minutos. Em seguida ela se sentou no seu lugar de antes. Nilson sentou novamente no lugar que ele estava.</p><p>Eu estava em pé, revirando os olhos para ter certeza de que eles não ficariam com aspecto de olhos de peixe frito, mas aí, o cunhado me mandou sentar entre os dois.</p><p>Quando eu me sentei, – e pra quê eu me sentei, – fui engolido pelo assento, e a posição que eu fiquei fez parecer que o meu corpo era composto apenas de cabeça, braços, canelas e pés. Minhas coxas vieram parar no meu tórax, e a minha boca solapou no meu joelho direito. Mordi a língua, mas isso não me impediu de lascar os dentes nos peixes e triturar traíra e piau com espinha e tudo mais. Eu comeria aqueles danados, mesmo que eles ainda estivessem com escamas e realmente vivos.</p><p>–Êh, jõaozim, os pêxes num tava vivo não. È purquê eu acabei de limpá eis, e os neivos deis tava mexeno. –disse Nilson.</p><p>Bom, depois da explicação eu descobri que o cunhado seria bem-vindo. Identificamo-nos muito bem com ele. Cara simples, bom pescador e... o vocabulário dele não era diferente da maioria de nós.</p><p>Dias depois, eu ganharia um presente ofertado pela minha irmã Airta. Apesar de ela estar morando com Nilson em outro barracão, ela ia muito á nossa casa. Certo dia, Maurinha havia me dado uma Maria-mole, uma espécie de doce esponjoso. Airta me pediu um pedaço, eu soquei tudo na boca, e disse:</p><p>–Acabô. –e saí correndo para o mato.</p><p>No dia seguinte, eu amanheci com um terçol no olho esquerdo, do tamanho do sol radiante ao meio dia.</p><p> As surpresas continuariam chegando naquele mesmo ano. A maior delas foi que a minha mãe também estava grávida á espera do meu irmão caçula e último.</p><p>Sobre a gravidez de minha mãe, era um pouco difícil de esperar, afinal de contas, não era de se imaginar que o meu pai e ela quisessem trazer mais um filho ao mundo. Não que algum de nós achasse que seria inconcebível uma coisa daquelas. Levando em consideração a religiosidade, a falta de aconselhamento em respeito á ter ou não ter filhos e a falta de acesso á medidas preventivas a concepção indesejada ainda que fossem consensuais e não violassem as leis divinas em relação à vida. Todos esses fatores contribuíam para que os cônjuges naquela época seguissem a filosofia do “onde come um comem dez”.</p><p>Sendo assim, se houve um de nós que não gostou da notícia de que dona Francisca aos trinta e oito anos de idade e de pobreza absoluta estava grávida, eu não sei dizer qual deles seria.</p><p>Em abril de 1980, nascia uma menininha encantadora que seria e é conhecida até hoje, pelo nome de Katiuscia Carvalho Oliveira, filha de Airta e o pescador.</p><p>Em 26 de setembro do mesmo ano, eu João Batista Ribeiro Oliveira me levantei á noite ouvindo o choro de um menino que vinha á esse mundo, sendo tirado por seu próprio pai das entranhas de sua mãe. Ele recebeu o nome de Nelino Simeão Ribeiro. Roubou o meu status de caçula dos irmãos.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Eu descobriria que aprender cortar cabelos, para mim seria a profissão que permitiria dar adeus aos beliscões no pé da orelha e de sobra, ainda ganharia alguns trocados num futuro não muito distante. </p><p> No banquinho tripé debaixo do pé de amoras, com o queixo grudado ao início frontal do pescoço eu estava, enquanto o meu pai derrubava os meus cachinhos, aliás, os cortavam á tesoura em altura de máquina zero. Eu nunca vi tanta habilidade com a tesoura no corte de cabelo e pra deixar a cabeça da gente parecida a um coco da Bahia descascado. Vez em quando, quase sempre, Pedro Simeão dava uma de cabeleireiro e mudava o nosso visual, de cabeludos para Kojak. Geralmente, eu era o primeiro á ser transformado em astro da gargalhada.</p><p>–Ai pai, minha orelha!</p><p>–Fica quieto menino.</p><p>–O senhor tá machucando a minha orelha.</p><p>–Com quem você tá aprendendo falar direito?</p><p>–Com a Maurinha. –respondi com voz prensada, olhando para as amoras maduras esparramadas no chão.</p><p>E tec-tec. Tome tesourada.</p><p>–Eu fui professor em Orizona.</p><p>–É sério pai? –perguntei levantando a cabeça.</p><p>–Abaixa a cabeça.</p><p>Fiquei surpreso, mas manter um diálogo naquela situação era difícil. O meu pai não era um homem ríspido e nem carrasco com os filhos. No entanto, era muito sistemático, e cá entre nós, saber que a gente tem um pai que fora professor, ainda que fosse numa inexpressiva cidade interiorana, era muito surpreendente para um menino de oito anos de idade que estava esforçando ao máximo para aprender á saber o nome de cada letra do alfabeto. Maurinha me dava aulas orais pronunciando frases inteiras, e, era de vez em quando, num dia qualquer que eu não ia para as ruas trabalhar com o meu pai.</p><p>Eu conhecia os sons formados por sílabas, e já formava palavras juntando uma sílaba e outra de palavras diferente. Por exemplo: Eu queria escrever “Bravo”. Então eu sublinhava a silaba Bra de Brasil, e a Vo de você. E muitas outras palavras.</p><p>–Eu quero aprender os nomes das letras...</p><p>–Depois eu te ensino.</p><p>–Sério pai?</p><p>–Eu preciso mentir, menino? Agora, fique quieto.</p><p>*Ebaaa. –pensei feliz, mas não movi um músculo apenas.</p><p>Quando terminou a tosa eu fui á casa da mulher que se tornaria a minha tia e os filhos dela, meus primos. Dona Iovalti era uma baiana de nome estranho, sorriso da Fafá de Belém, dentição perfeito com uma falhinha entre os dois da frente, que seria possível prender um palito de fósforo. Dentes iguais aos dela não correm risco de se formar cáries ou podridão por atritos entre eles. –quem me garantiu isso foi o Sérgio filho mais velho dela. E, ele tinha e ainda tem os dentes emparelhados do mesmo jeito que eram os da mãe dele.</p><p>Leonardo, o segundo marido da tia Ovate, –era assim que á chamávamos –,ele estava com a Telefunk ligada, assistindo um jogo de futebol naquele dia de domingo. Eu cheguei á porta da sala e vi aquele aparelho exibindo um estádio lotado de gente como eu jamais havia visto. Meus olhos percorria a tela ´quando um jogador branco dominou a bola no peito com toda “catiguria” e partiu para o ataque. Eu nem ligava para os outros que pareciam ter um pneu de Scânia em volta da cabeça. O camisa 10 seguia com a bola dominada, eu ficava contorcendo o corpo e dizendo, vai, vai, de repente, o craque foi derrubado. Eu dei uma bicuda no portal da porta. Leonardo me olhou.</p><p>–Cê torce pro Flamengo?</p><p>–Quem é Flamengo?</p><p>–O time de camisa vermelha e...</p><p>–Cadê essas camisas vermelhas?</p><p>A televisão era em preto e branco.</p><p>–O nome desse pereba é Zico.</p><p>Ele era Botafogo, e estava secando os dois times.</p><p>Para mim, Zico era o melhor jogador do Brasil e do mundo. E, eu seria Flamenguista daquela tarde em diante.</p><p>Antes de eu ir embora, tia Ovate preparou um cuscuz e cometeu o erro de oferecê-lo á mim. Ela trouxe uma porção fumegando derretendo a Margarela no prato e meio copo de café. Bom, eu já desfrutava de certa liberdade na casa e já sabia onde ficava o fogão, daí á pouco, tia Ovate teve que molhar mais massa de milho, embrulhá-la no prato, pô–la para cozinhar no banho-maria, e preparar outro cuscuz para o tio Leonardo. –em 1980, cuscuz de pobre era feito assim.</p><p>–Joãozim, cê comeu tudo? –tio Leo perguntou.</p><p>Eu estava ainda mastigando e não pude responder.</p><p>–Deixe o bichinho, tadinho. –tia Ovate o repreendeu.</p><p>Dali eu pulei o muro no fundo da casa dos tios, caí na saroba e fui parar do outro lado da Avenida São Paulo. Fiquei no mato por alguns minutos fazendo planos para quando eu aprendesse os nomes das letras. Não que eu ousasse desacreditar da promessa que meu pai fez, de me ensinar, mas a ansiedade era grande, as expectativas maiores ainda. Acontece que, sinceramente, eu cheguei á entristecer o semblante quando no dado momento em que eu arranquei um cachinho de sangue-de-cristo e contava as bolinhas, eu disse á mim mesmo: – e se ele não me ensinar?</p><p>No caso de o meu pai não cumprir com o combinado. Talvez a Airta, o Edeir ou o Eurípedes, mas infelizmente, eu não sabia se eu podia contar com a ajuda deles. Cogitei a possibilidade de eu ir pedir á Maurinha para me ensinar, porém, no fundo eu queria era ter algo de mim para apresentar á ela e deixa-la impressionada. Não que eu estivesse apaixonado por ela, eu nem sabia o que era isso. A verdade era que a superioridade intelectual que ela possuía em relação á mim, não deixava que á eu quisesse de outra forma que não fosse amizade. </p><p>Fazia parte da minha natureza, querer mostrar o meu valor ás pessoas que eu gostava. Os meus irmãos eram as pessoas que eu mais gostava, mas aos que eu quis fazê-los saber o quanto eu estava evoluindo no campo do conhecimento, eles não me deram moral, e até me entristeceram. Foi numa noite a qual, os meus pais e o meu irmão Eurípedes estavam na igreja. Nós jantávamos juntos na sala. Eu disse aos que estavam na casa, que eu já sabia escrever as palavras, prato, garfo, arroz e outras que eu não me lembro mais. Todos eles duvidaram. Eu fui ao quarto e peguei a folha de papel com as novas palavras escritas. Mostrei á todos. Eles continuaram duvidando e dizendo que alguém havia escrito aquelas palavras. Eu busquei a caneta e pedi á qualquer um deles que ditasse uma palavra pra eu escrever. Um deles disse sapato. Foi muito fácil. Escrevi. Todos se calaram. Inocentemente eu disse assim: Agora vocês... -quando eu disse vocês corretamente, eles ficaram se entreolhando e burilando entre eles, que eu estava ficando bobo querendo conversar igual á rico.</p><p>As reações deles me feriram. Eu ia perguntar assim: Agora, vocês acredita nimim? Imagine só, se eu já dominasse bem o português e dissesse: Agora, vocês acreditam em mim?</p><p>Na opinião deles, se pobre falasse bonito, ele era tido como á um exibido e desprezível. Santa ignorância! </p><p>Mas, o meu português estava melhorando. Simbora Joãozinho!!!</p><p>Saí do mato chutando as frutinhas, completamente deprimido com antecedência. Quando eu cheguei a minha casa, minha mãe estava recolhendo as vasilhas para levá-las ao tanque para lavá-las. Com uma mão ela carregava o bule de café e dois copos. Com a outra ela enxugava os olhos.</p><p>–O quê que foi mãe? A sinhora tá chorando? Me dá, eu lavo pra sinhora.</p><p>Ela me entregou os recipientes e apenas me disse assim: – não fie, né nada não! E foi para o quarto.</p><p>Para a maioria das pessoas daquela época, existia apenas um único diagnóstico neurológico sobre alguém que passava por quadros de perturbações psicológicas ou psiquiátricas. Portanto, achar que a minha mãe estava ficando fraca da cabeça, devido á tantos traumas, não seria exagero de minha parte e nem dos que pensasse o mesmo que eu. Apesar de ainda preparar a nossa alimentação, zelar da casa e lavar as nossas roupas, a minha mãe demonstrava sinais de sofrimentos, angústias, e ia aos poucos se definhando e também falando sozinha pelos cantos. Porém, ela continuamente se punha em orações e... talvez fosse as orações que a mantinha viva.</p><p>–Oh meu fie, cê tava orano cumigo! –ela exclamou á mim ao se levantar tirando o véu, e me vendo massagear os meus joelhos depois de mais uma longa oração.</p><p>-Tava. Agora eu vou lavar as vazias... Vasilhas.</p><p>Cenas iguais àquelas seriam, por mim, flagradas, várias vezes.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Foi em um dia qualquer. Estávamos na quaresma. O dia exato do calendário eu não mais me lembro. Só sei que eu havia subido em um pé de mamão, e ao descer dele eu fui conferir o estrago que eu causei ao deixa-lo cair de uma altura de uns quatro metros. Ele se rachou, mas não se partiu em bandas separadas. Caíra com o talo para baixo. Aquele fruto seria afogado em água, óleo e sal para em seguida, eu e mais alguns da minha nobre família, que apreciavam a iguaria –, assim como eu era forçado por via da falta de algo mais saboroso e nutritivo á comer. –Bom, para todos os efeitos, o mamão apresentou uma “trinca” que partia do talo ao “umbigo” na parte superior dele. Eu peguei aquele mamão, o examinei e disse: – Filho da puta. Por que você rachou? Olhem só, eu estava usando objetos, sendo eles comestíveis ou não, para treinar o meu vocabulário. E estava funcionando. Eu só precisava deixar de ser “grilado”. Pois bem. Após eu constatar que o mamão não estava em perfeitas qualidade de consumo, eu resolvi fazer dele o mesmo que outros já haviam feito e, –eu achei incrível –, uma caveira craniana. Esse elemento assombroso foi criação de alguém muito criativo, mas eu não sei quem inventou aquela parada sinistra. Confira comigo o grau de criatividade em horrores que esse “não-sei-quem inventou”. Para que todos aprendam a maluquice divertida de se aprontar, eu vou explicar de forma bem simples o processo de criação de uma caveira muito sinistra.</p><p>Peguei o mamão verde e cortei-lhe o talo. Abri um buraco naquele ponto e tirei toda a semente de dentro dele. Em seguida, fiz dois olhos, um nariz e uma boca. Beleza, o esqueleto do crânio estava pronto. Agora, eu precisava fazê-la reluzir como a que eu vi reluzindo no canto de uma casa na Rua Minuano próximo á casa da minha tia Ovate na noite passada, quando eu voltava de lá depois de ter assistido o filme do Tarzan, e ficado por ali á espera de qualquer coisa para comer. Comi, enchi, vazei.</p><p>Deixei a caveira detrás do barracão e fui á cozinha procurar uma vela. Só encontrei a lamparina á querosene e a minha mãe balançando o meu irmãozinho Nelino nos braços enquanto ele mamava no peito dela.</p><p>Fucei na prateleira.</p><p>–O quê cocê tá caçano João Batista? –minha mãe perguntou.</p><p>–Nada. Eu vou ali.</p><p>Fui á mercearia do seu Raimundo, pai da Maurinha comprar uma vela com o meu próprio dinheiro. Quase que eu não voltava para terminar a minha assombração. A Maurinha estava vigiando a mercearia, enquanto o pai dela batia o rango.</p><p>Sobre o balcão de madeira tinha uma balança analógica vermelha. Maurinha estava detrás daquelas duas coisas.</p><p>–Maurinha, me dá uma vela. –falei apressado.</p><p>–Oi primeiro, né!</p><p>–É. Oi. Me dá a vela.</p><p>–O que foi?</p><p>–Nada, Maurinha. Eu quero a vela.</p><p>–Eu hem! –disse ela indo para dentro da casa. Da porta ela chamou o pai dela.</p><p>Eu escutei o seu Raimundo dizer que já estava vindo. Fiquei esperando. Maurinha me olhava desconfiada, mas não disse nada.</p><p>–Puiquê cocê num me vende a vela? –perguntei.</p><p>–Não é assim que se fala. –disse ela indo à prateleira.</p><p>Quando eu estava grilado, apressado ou conversando com os meus irmãos, eu nem me importava em falar corretamente.</p><p>–Maurinha, eu tô “cum” pressa.</p><p>–Tá bom. Você quer uma caixa, ou só uma vela?</p><p>–Me dá tudo logo.</p><p>Deixei Maurinha encafifada, e com a minha nota de cinco cruzeiros. Por incrível que pareça, não sobrou troco.</p><p>Voltei á caveira. Meti fogo no pavio da vela, e depois á introduzi dentro do mamão. Estava dia claro naquela hora, por isso não houve aquele efeito arrepiante. Mas, logo mais á noite o mamão iria se transformar em olhos e boca do Motoqueiro fantasma.</p><p>A minha peripécia não seria nada se comparada ás inúmeras oferendas para os espíritos do além que a gente encontrava nas encruzilhadas das ruas da Vila Brasília. Sinceramente, eu nunca vi um bairro onde as pessoas faziam trabalho de macumba. Muitas das vezes, as deidades ficavam sem as velas, os frangos, as farofas e as garrafas de pinga. Adivinhe quem surrupiava os elementos dos banquetes. Não, não era eu que me embriagava e enchia a barriga com os alimentos e bebidas, mas eu confesso que matei muitos percevejos com pingos de velas brancas encontradas nas encruzilhadas da vida. Não era desrespeito, era necessidade mesmo. No meu entendimento, as velas brancas eram para um propósito benigno, por isso, os chupadores de sangue humano não morriam chamuscados com cera quentes, de cores vermelhas, pretas, amarelas e outras mais. Mas, eu conhecia muitos esfomeados que não rezavam nem um cruz-credo no momento em que eles cruzavam com pinga, frango e farofa dedicados aos espíritos. –já era uma macumba, amigo. </p><p>E os danados diziam que estavam fazendo um bem ás pessoas que seriam prejudicadas pelos feitiços. Pelo menos as jantas deles, os atrevidos, teriam misturas de primeira.</p><p>Sem rodeios, a Vila Brasília nos anos 80 era o bairro de maior concentração de macumbeiros em toda Aparecida de Goiânia.</p><p>De volta á caveira carvernosa.</p><p>Quando a noite chegou, eu tive que ir á igreja com o meu pai, Eurípedes e Ismael. Voltamos para casa depois das 21 : 00. Ficaria para a próxima noite. Na hora de dormir eu contei ao Rildo sobre obra de arte do espanto, e sugeri á ele que fosse comigo á algum lugar para que pudéssemos expor a assombração.</p><p>–Não Joãozim, eu tô mal de novo. Nem sei se eu vô trabaiar cum pai amanhã.</p><p>Depois dessas palavras Rildo se encolheu debaixo do cobertor e dormiu. Na manhã seguinte ele ficaria internado pela segunda vez em menos de seis meses. Mas dessa vez eu não o abandonaria.</p><p>Nosso pai nos levou á um hospital para que exames fossem feitos em meu irmão. Eu me recordo que um médico extraiu sangue da veia do braço direito do Rildo. Era uma coleta para análise mais minuciosa, porque a internação já havia sido decretada. Há muito tempo, Rildo já apresentava sinais de fraqueza física, inapetência, tosse e peito chiando. Nós dois dormíamos na mesma cama. Eu percebia, mas não tinha ideia do risco.</p><p>Eu disse que queria ser examinado também, pois eu queria ter motivos para ficar internado com o meu irmão. O médico achou que seria conveniente me examinar também. Então, ele pegou a seringa, limpou a agulha com um papel toalha e em seguida á levou á chama de uma vela. Para mim, aquele procedimento seria normal. Dessa forma a agulha foi esterilizada naquela época, em um hospital da capital do estado de Goiás, no ano 1981.</p><p>O que era, é, e sempre será interessante, é que, em todas as épocas e fases da vida, quando alguém é levado á um hospital com alto risco de morte, sempre se vai ouvir de alguém, que se o doente tivesse chegado com dez ou cinco minutos de atraso seria tarde demais. </p><p>Rildo chegou á tempo. Ele apresentava um quadro de pneumonia em estado bem avançado. Tendo eu ouvido essa reconfortante notícia vinda de não sei de onde ou de quem em minha casa após a internação do meu irmão, eu insisti com o meu pai, que eu iria ficar internado com ele, mesmo não tendo acesso ao diagnóstico médico do meu irmão, e se o tivesse eu não entenderia o porquê da negativa da administração em respeito á me deixar ficar internado com ele naquele hospital na Avenida Anhanguera. O resultado da consulta feita em mim pelo médico do outro centro médico não apresentou nenhuma anormalidade clínica ou patológica. Do diagnóstico laboratorial referente à minha saúde, eu não tive informação, e acredito que nem o meu pai a obteve. –digamos que o sistema era lento naquela época.</p><p>De qualquer forma, eu queria estar do lado do meu irmão na enfermaria. Porém, havia certo rigor em relação á hospedagem de acompanhantes de internados naquele hospital. E essa rigorosidade me impediria de estar com Rildo. Eu chorei enquanto uma enfermeira me dava balinhas, e o médico tentava me convencer de que eu não precisava me preocupar, porque o Rildo ficaria bom logo.</p><p>Seria muito fácil enganar um menino qualquer de oito anos e meio de idade, dizendo á ele que o irmãozinho dele superaria com facilidade á uma bronquite crônica. Acontece que, eu não era um menino “qualquer”. Eu era o pobre Joãozinho que já havia perdido quatro irmãozinhos.</p><p>Insisti, chorei, convenci o médico, e talvez eu tenha sido o primeiro á quebrar as regras daquele hospital. –ok, para uma boa causa, regras foram feitas para serem mudadas.</p><p>No Hospital. No primeiro dia, nós não nos vimos. Rildo estava sendo submetido á drenagens de secreções acumuladas em seus pulmões e outros cuidados médicos. Do segundo dia em diante, nós passamos juntos na enfermaria. Ele tomava muito soro aplicado na veia. Eu o ajudava á ir ao banheiro e á devorar o lanche trazido pela enfermeira. As enfermeiras gostavam de mim porque tinha um menino internado na mesma enfermaria que a nossa com idade igual á minha, acredito eu, e aquele menino devia de ter algum problema mental também. Ele arrancava a agulha do soro do braço dele e saía correndo pelo corredor feito louco. As enfermeiras ficavam contrariadas. Então eu resolvi ajudá-las. Quando ele aprontava as deles, eu corria atrás dele e o trazia de volta para a cama. Eu fiz isso por umas quatro vezes, até que as enfermeiras deram um sossega leão nele, amarrando as mãos e pernas dele. Alguns dias foi o tempo da nossa permanência no hospital. Se eu disser um número exato de tempo, estarei chutando. Porém, quando nós recebemos alta médica e fomos pra a nossa casa, o meu mamão cabeça de caveira, estava murcho e as formigas tinham dado sobre ele. Eu e Rildo tratamos de fazer outra e a expusemos no canto do muro da casa da nossa tia Ovate.</p><p>No mês da quaresma do ano 1981, eu quase sofri o horror de perder á mais um irmão meu.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> <span> </span>*</p><p><br /></p><p>É bom que entenda que, quando nos pomos a escrever a história de nossa vida, sempre deixaremos de mencionar sobre alguns acontecimentos. E estas faltas de relatos sobre determinadas fases e fatos, vai criando lacunas de continuidade no enredo da nossa história. Então, em um breve resumo, eu devo acrescentar que no início do ano 79, o campo de trabalho do meu pai era ali mesmo na vila e em outros bairros nas proximidades, e outros não tão próximos. Nessa época, eu e Rildo já o acompanhava em suas saídas para as vendas de bonés, bolsas e encostos de banco de automóvel. Numa dessas ocasiões, eu e o meu pai fomos negociar com o caseiro do templo Mãos postas. O terreno onde fora construído o templo ficava num ponto onde muitas ruas iniciavam ou terminavam no círculo de propriedade da Ordem Rosa Cruz.</p><p>Com o comodatário daquela instituição filosófica, o meu pai negociava, eu observava aquele prédio que ostentava em seu cimo, o formato de duas mãos unidas. As pontas dos dedos eram cortados e, em minha infantil inocência, e imaginava que o concreto de cimento não havia dado para concluir a construção.</p><p>Mas, o que mais chamou a minha atenção, foi o fato de pela primeira vez eu estar vendo uma televisão ligada. Estávamos eu, meu pai e caseiro, na área daquela casa. A porta da sala estava aberta e me permitia ver que no aparelho televisor uma linda paisagem proporcionada por um mar azul esplêndido. Logo aparecia um avião voando baixo sobre aquele mar, para enfim aterrissar em uma ilha paradisíaca. E na sequência um homem vestido em roupas havaianas gritava: Olha o aviãoooooo.</p><p>Ai se eu pudesse morar naquele lugar! A ilha da fantasia. Era esse o nome do primeiro filme que eu assisti, já com os meus seis anos e alguns meses. Depois daquela primeira vez, eu ia àquela casa, sozinho. O caseiro era gente fina, conversava comigo e me deixava ver televisão. Com o passar dos dias, eu comecei á ouvir conversa de que naquele templo existia um bode preto, e o diabo era o líder da membresia daquela Ordem. Eu só posso garantir que, em minhas idas lá, eu nunca me deparei com um bode e sequer vi ou senti manifestações demoníacas nas dependências daquela instituição ou nas pessoas que eu via por lá. –lendas urbanas, sempre estarão presentes em nossas vidas.</p><p>Espere. Por que regressar dois anos no tempo e trazer á baila um detalhe tão insignificante? Ora, pois, o homem mais importante da história humana, teve sua história contada de forma muito mais lacônica deixando um vazio cronológico de 18 anos de sua história. Quanto ao meu relato anterior, eu o trouxe á tona para contar que foi numa ida minha ás proximidades do templo Mãos Postas, para caçar figurinhas de chicletes com o desenho do Pato Donald e sua trupe, e tampinhas de garrafas premiadas, que eu tive mais uma de minhas conversas com o meu amigo oculto, o Mim. Naquele dia do ano 1981, eu já havia encontrado algumas tampinhas e figurinhas. Então eu ás guardei no bolso da minha camisa de tergal e cogitei ir á casa do caseiro do templo para ver televisão.</p><p>O grande portão era de grades e o enorme quintal era ornado de jardim com roseiras, arbustos e árvores. Ao fundo ficava a casa. Ao chegar ao portão eu notei a porta aberta e a TV ligada. Quando eu levei a mão ao trinco do portão, Mim me falou assim: – e se o pai descobrir que você está vindo aqui para assistir televisão? Eu disse: – nossa, é mesmo! Eu vou embora.</p><p>Eu voltava para casa quando encontrei o meu irmão Rildo que saía da casa da nossa tia Ovate. O chamei. Ele me ouviu, mas continuou andando apressado em direção á nossa casa. Corri e o alcancei.</p><p>Eu tentei mostrar á ele a quantidade de figurinhas e tampinhas que eu havia conseguido naquela hora. Mas ele não estava para conversas sobre o assunto. Então ele me disse que o meu pai havia acabado de ir para o hospital.</p><p>Lacunas em histórias de vidas célebres, são produzidas por omissão proposital, desonestidade intelectual, teológica ou fisolófica e assim se segue os enredos, os caminhos e os descaminhos na composição de nossas histórias de vidas, sendo elas felizes, tristes, abundantes, sofridas.</p><p>Serei bem objetivo e lacônico, tornando este trecho bem compacto e resumido.</p><p>O meu pai foi internado em um hospital, o qual eu nem sei o nome dele. Durante esse período, eu comecei á engraxar sapatos na Avenida Goiás. Num dia de visitas, Rildo, Ismael e eu, fomos vê–lo. Compramos caquis e laranjas descascadas por uma maquina á manivela na banca de um vendedor de frutas próxima ao hospital. Em dado momento eu disse aos meus dois irmãos, que eu iria contar ao meu pai, que eu já estava trabalhando de engraxate.</p><p>Chegamos e ficamos na sala de espera do hospital. O meu pai veio nos receber, sendo assistido por uma enfermeira. Ele estava magro e muito fraco. Ao chegar á ele, nós o abraçamos. Ao desfazer o meu abraço, eu disse á ele que nós íamos levá–lo para casa. Eis as últimas palavras que eu ouvi dele.</p><p>–Não meu filho. Eu estou tão magro, que, um vento pode me levar. Vocês não dariam conta de me segurar.</p><p>O que Pedro Simeão Ribeiro disse soou em tom jocoso aos nossos ouvidos, até rimos. Eu pensei que os meus irmãos mais velhos e fortes, o levaria para nossa casa. Acreditei que sim. Não sei ao certo que dia foi aquela nossa curta conversa. Porém, na sexta feira daquela mesma semana, eu João Batista Ribeiro Oliveira me aproximei do meu pai e acarinhei as mãos dele unidas sobre seu abdômen, dentro de um caixão de madeira envernizada ao centro da sala de um barracão também de madeira aplainada ás margens da Avenida São Paulo. Quadra 06. Lote 07. Na Vila Brasília. Num dia qualquer do mês de agosto de 1981.</p><p>Tudo isso eu vivi. Muitas coisas eu omiti, não por entender que assim seria mais coerente, e que alguns fatos não valiam á pena serem mencionados por não terem nenhum valor para mim, como as enfermidades do meu pai, que eram tantas e, eu nem sequer falava sobre elas. Não! Como uma criança de minha idade poderia imaginar que os órgãos internos vitais de um homem polivalente em atividades profissionais para garantir a sobrevivência de uma grande e pobre família, estavam infectados pela doença transmitida por um pequeno inseto asqueroso. Como eu poderia perceber que um homem extremamente batalhador em plena atividades profissionais, –eram tantas–, estava aos poucos se sucumbindo á doença de Chagas. Como eu poderia imaginar que os flagras que eu dei em minha mãe quando ela chorava, era porque o esposo dela, meu pai, já á encorajava á seguir a vida sem a companhia dele. Como eu poderia saber que, quando eu perguntava a minha mãe o motivo do seu pranto, ela respondia que não era nada, por razões de já ter sido orientada pelo esposo á não contar para os filhos menores, que ele não chegaria vivo ao final daquele ano.</p><p>Eu não era o menino insensível á esse respeito. Eu simplesmente levava a vida difícil brincando no terreiro da minha humilde casa. Subindo em amoreiras, abacateiros e mamoeiros. Brincando de índio, armando arapucas, amarrando uma linguinha no monobloco e o no eixo do carrinho de plástico que eu ganhei de presente de natal de uma senhora, com dois meses de antecedência, só para friccionar as rodas traseiras do brinquedo para vê–lo correndo sozinho feito o do garoto rico que funcionava á controle remoto. Era assim que a pobreza não me afetava e não me deixava reclamar da sorte, e nem de encontrar um jeito carinhoso para agradecer ao meu pai por ele ter me ensinado o abecedário. –á cada lição, eu só dizia Deus te abençoe pai, e ia para o mato com o caderninho e o lápis que ele me deu, comprado na papelaria no centro da cidade quando nós voltávamos de mais um dia de trabalho. –Agora eu vou escrever os nomes dos meus irmãos, da minha mãe, do meu pai, o meu... ah, o meu é fácil...da Maurinha, dos irmãos dela, da tia Ovate, do tio Leonardo e dos filhos deles. Eu vou escrever o nome de todo mundo que eu conheço.</p><p>Era discorrendo como á criança levada da breca, que eu era, que eu não me deixava abater pela falta de atenção quando eu queria dizer aos meus irmãos que agora sim, eu já sabia ler e escrever.</p><p>Foi por ser um menino que sonhava ser alguém na vida, mas não tinha oportunidades, que eu fantasiava o meu mundo e dentro desse infinito espaço imaginário, eu era o Zico, jogava no Flamengo e milhares de pessoas me aplaudiam no estádio Maracanã. –bateu chutou, é gol, golaço de Joãozico, o craque da camisa 10. Corria de braços abertos para receber o abraço do vento. Depois, guardava a bola de meia e ia tomar banho no tanque debaixo do pé de amoras.</p><p>Foi por ser um menino que seguia os passos do meu pai o quanto eu pude, indo ás igrejas, que eu ouvia um pregador dizer que o Senhor Jesus estava na nossa vida, e que chuvas de bênçãos cairiam sobre nossas cabeças. Bastava crer e ser sincero. Eu era puro, o meu pai muito crente. O que faltou então? A sinceridade, ou a fé necessária?</p><p><br /></p><p>Nos dias que se seguiram depois do falecimento do meu pai eu não dei continuidade a minha nova profissão. –engraxate.</p><p>Como já estava prefigurado o estado mental da minha mãe desde antes de nossa chegada á capital, ou talvez antes de passarmos á morar naquele barracão cheio de percevejos e outros insetos malditos. –ah, eu negligenciei á dar essa informação. Pois então saiba que, nós, os Ribeiro, matávamos percevejos entre as costuras dos nossos colchões, á base de pingos de velas e queimadas de lamparinas. Como se não bastasse a falta de acomodações adequadas dentro daquele cortiço, ainda tínhamos que interromper nossos ciclos de sono para ao menos reduzir aquela praga de insetos famintos por sangue fresco.</p><p>Eram tantas as dificuldades que nós enfrentamos naquela época, que ás vezes eu, hoje, com os meus quarenta e alguns anos de idade, esqueço–me de relatá–las.</p><p>Mas, eis uma pergunta: você perderia o seu tampo se preocupando com percevejos, se o que você queria era superar todas as intempéries da vida impostas por uma qualidade de vida, á qual, a única saída era: sacudir a poeira e dar a volta por cima? Convenhamos, no mês seguinte á Agosto, quando eu tive o desgosto de perder o meu pai, o meu cortador de cabelos, o meu professor... o meu porto seguro, eu completaria nove anos de idade e tinha um irmãozinho caçula, com benditos onze meses de idade e que precisava de cuidados e proteção, porque a nossa mãe não podia apenas dar o peito flácido e murcho para ele sugar dela a substância que lhe garantiria a vida, e também banhá-lo em um tanque de cimento deteriorado e quase despencando do cavalete de madeiras já podres debaixo de um pé de amoras.</p><p>Não, eu não podia deixar que a água usada para a higienização do meu irmãozinho Nelino, fosse puxada da cisterna pelas fracas mãos da minha mãe por intermédio de uma corda, uma carretilha e um balde já furado e amassado. Ah meu Deus! Era setembro de 81. Eu completaria nove anos de idade, e por vias do destino perfeitamente aceito por mim, eu tinha que ficar em minha casa em tempo integral, porque a minha mãe não conseguiria dar cabo de todas as tarefas domésticas sem o auxílio de um ajudante para cuidar do bem–estar do pequeno e último rebento da família. Nelino com pouco mais de dez meses extraía cada gota de leite produzido em intervalos de uma á duas horas. Os peitos de minha mãe já descansavam sobre o abdômen dela.</p><p>Puxando o balde dágua eu estava naquela manhã, quando a minha mãe se aproximou com o meu irmãozinho nos braços, dando á ele o peito de mamilo saliente sobre a aréola mamária.</p><p>–João Batista, vai comprar um quilo de “arrois” ali no Raimundo.</p><p>–Tá bom, espera aí. –falei pegando na alça do balde, para então despejar a água em um tambor de 200 litros á beira da cisterna.</p><p>Enxuguei as mãos no meu calçãozinho e fiz bilu, bilu para o Nelino. Ele sorriu e me abriu os braços. Mas, eu não o peguei.</p><p>–Vai logo meu fie. Eu já vô fazê o aimoço.</p><p>–Cadê o dinheiro?</p><p>–Pode í lá, o Raimundo já sabe.</p><p><br /></p><p>Seu Raimundo, pai da Maurinha, foi até ao caixote de arroz á granel, encheu a “cuia”, despejou o arroz dentro do saquinho de papel, me entregou e foi ao balcão pegar a caderneta. Abaixo do nome Pedro, havia anotações especificando os nomes das mercadorias compradas pelo meu falecido pai. Arroz, feijão, açúcar, óleos e outros ingredientes da base alimentar. Devido a minha estupefação diante da dívida deixada pelo meu pai, seu Raimundo me olhou com pena e solidariedade.</p><p>–Tem mais de um quilo aí. –disse ele fechando a caderneta e indo ao caixote de feijão. Ele encheu outro saquinho e me entregou. –Leva o feijão também.</p><p>Saí com os alimentos e com uma dúvida na cabeça: quem pagaria aquela conta?</p><p><br /></p><p>Já era quase meio dia, quando o meu irmão Eurípedes chegou para almoçar. Ele trabalhava em frente á nossa casa do lado da avenida numa fabrica de artefatos de cimentos. Se havia alguém dos Ribeiro que pudesse pagar aquela dívida, seria ele. O terceiro mais velho de nós. O mais responsável e sério em seus negócios. E que também já detinha certo tino para ser o arrimo de família.</p><p>Não conversamos á respeito da conta em aberto na mercearia da esquina, pelo fato de que Eurípedes era um rapaz de pouca conversa e de pouco tempo durante a semana, por razão de ele ter apenas uma hora para o almoço. Outro motivo era que ele almoçava sempre dentro do quarto que outrora pertenceu ao meu pai e a minha mãe. Na ausência eterna do meu pai, Eurípedes ocupou aquele quarto e fez dele a sua residência particular. Respeitamos a autoridade exercida por ele, pois, afinal de contas, ele era o único com moral suficiente para exercê-la.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> CAPÍULO II</p><p><br /></p><p>Logo após a morte do meu pai, e eu me tornar engraxate por questões de sobrevivência, embora eu já houvesse iniciado na profissão após a internação dele. Mas á partir do início do ano 1982, engraxar sapatos no centro da cidade passou á ser para mim e para os meus irmãos a garantia da nossa sobrevivência. Consequentemente, nós ganhávamos gorjetas também para levar as compras de mantimento que as donas de casas faziam no Supermercado Cobal na esquina da Avenida Goiás com a Rua 01, até as suas residências nos edifícios e casas no Setor central.</p><p> Um mundo novo se poria á minha frente. Nas avenidas e ruas da capital, eu descobriria que existiam pessoas em piores condições que a minha, e boa parte delas fazia do calçadão da Avenida Goiás o seu local de trabalho para garantir a sobrevivência honestamente, tal como eu e os meus irmãos. Outros viviam de esmolas, e os mais audaciosos roubavam o que viam pela frente. Estes maus elementos, eram o cheiradores de esmaltes e cola de sapateiros. Estas foram as primeiras drogas alucinógenas das quais eu ouviria falar e presenciar meninos da mesma faixa de idade que eu ás usando.</p><p>Apesar de que, eu e os meus irmãos estivéssemos ganhando muito dinheiro, trabalhando e pedindo ajuda em épocas natalinas nos sinaleiros da cidade e os outros mais velhos trabalhando formalmente, a condição de pobreza no sentido geral continuava. Quando o nosso pai vivia, ele era a coluna mestre e nos mantinham unidos, porque ele era o nosso sustentáculo e nos dava noção de que no âmbito familiar, não importava se éramos pobres, a união tinha que prevalecer. Então vivíamos de certa forma em situações precárias, porém, éramos um pelo outro. Sem o nosso pai, víamos essa estrutura ruindo á cada dia que se passava. Se antes comíamos todos da mesma comida, passamos á comprar as nossas misturas industrializadas separadamente. Ás vezes nós brigávamos um com o outro por causa de pedaço de sardinha, salame, Kituti, e até por um pouco de extrato de tomate. Ficávamos de mau um com o outro, e também havia muita ofensa verbal e agressões físicas. Aos pouco eu fui me tornando um menino rebelde e muito brigão. Eu, Rildo e Ismael, passávamos mais tempo juntos, então por esse motivo, eu desentendia muito com os dois. Mas, com Rildo eu não brigava pelo fato de ele ser sempre muito humilde e de pouca saúde também. Na verdade, a maioria de minhas brigas com moleques no centro de Goiânia acontecia justamente porque eles queriam aproveitar da passividade dele. Quanto ao Ismael, eu sempre dava uns mogangos nele, mas era porque ele tinha pena de bater em mim. Certa vez, numa discussão entre nós dois na cozinha do barracão, por causa de um pedaço de mortadela suína, eu dei um soco no peito dele. Ele foi reclamar á minha mãe. A minha irmã Ana Rita se doeu e mandou que ele me desse uma surra pra eu parar de ser encrenqueiro. Ele ouviu o conselho dela e me deu uns tabefes. Eu o ataquei com um garfo ferindo o braço dele. Nunca mais entramos em confronto físico, mas nós ficamos muito tempo sem se falar.</p><p>O nosso irmão mais velho, tornou-se num viciado em jogos apostados. Baralho, sinuca e tudo quanto era tipo de jogo, desde que fosse valendo dinheiro. Numa manhã de domingo eu fui conferir o meu dinheiro que eu guardava na lata de marmelada dentro do colchão de molas. Não encontrei sequer um centavo. Eu já sabia que era ele o larápio. Fui cobrar dele, levei uns telequetes. Dei-lhe uma bicuda na canela. Ele correu atrás de mim. E vendo que não me pegaria correndo em volta do quintal, ele caçou algum objeto para jogar em mim. –meu Deus, quanta maldade a dele. Eu ficava me movimentando para um lado e outro debaixo do pé de abacates enquanto ele me jogava pedaços de tijolos. Por sorte, nenhum me acertou. Nessa época, eu tinha dez anos de idade.</p><p><br /></p><p>A situação levavam as pessoas á crerem que os três filhos de dona Francisca, fossem virar trombadinhas também. Então tínhamos que seguir os princípios morais deixados á nós pelo nosso pai. Apenas essas qualidades eram o que nos diferenciariam daqueles delinquentes, e outros de pior espécie. De qualquer forma, as ruas sempre ditam as regras de comportamentos em relação á convivência com pessoas de todas as naturezas, personalidades e caráteres diferentes. Eu teria que me adaptar á estas regras. A primeira destas diretrizes que a vida nas ruas me ensinaria, era que eu tinha que me alimentar por ali mesmo. Meu local de trabalho era na quadra do relógio na Avenida Goiás, em frente á um coreto na avenida que circulava a Praça Cívica. Dias depois, eu desceria um pouco mais e ficaria entre a Rua 01 e a 02. Na hora do almoço, eu, meus irmãos e alguns colegas, íamos ganhar sobras de comida dos funcionários da prefeitura, os garis que almoçavam pontualmente ás onze horas no estacionamento da churrascaria Maranata, localizada na bifurcação da Avenida Araguaia e a Rua 07.</p><p>Com o tempo, local para eu ganhar comida foi aumentando gradativamente. Existia um restaurante na Avenida Goiás, que se chamava SEVA, Bastava eu levar uma vasilha, que, as cozinheiras me davam a minha janta, com uma condição, eu teria que ir pegar a comida pelos fundos do restaurante. Ali mesmo na viela eu devorava o rango. Quando eu não levava uma vasilha, a boia vinha num saquinho de plástico. Virava uma gororoba, mas era gostosa assim mesmo.</p><p>Um homem jovem ainda abriu um bar restaurante na contra esquina da Rua 02 com a 08. Ele era chamado de Ceará. O restaurante dele era minúsculo, e no corredor entre o balcão e a parede lateral mal passava uma pessoa de porte físico mediano. As refeições eram servidas á pratos feitos na calçada do estabelecimento. Eu fui um dos primeiros á ganhar comida daquele bom sujeito. Dois anos atrás, em 2014, eu e minha esposa almoçamos no restaurante desse grande empreendedor nordestino, mas paguei em dinheiro pela deliciosa refeição.</p><p>Nas horas dos lanches da manhã e á tarde eu ganhava do seu Jenarinho e seu Osvaldo, donos da lanchonete Só Lanche, na Avenida Goiás em frente ao meu ponto de trabalho. Batia a fome, eu atravessava a avenida e voltava comendo salgado e bebendo leite com café. Vez e outra, eu andava mais um pouco e ia parar na lanchonete Pão de queijo, na Rua 07. Na Rua 08, próximo á Rua 01 eu comia os melhores doces que eu já vi em toda a minha vida. O nome daquela fábrica de guloseimas era Confeitaria Holandesa. </p><p>No supermercado Cobal, de vez em quando eu garantia a mistura para a janta em minha casa. Salsichas, linguições e muxibas de gados, caprichadas. A Cobal foi fechada, e o mesmo local passou á ser uma loja de calçados de um homem chamado Robério dono da loja Star Chic. Eu o conheci quando ele estacionou o automóvel dele em frente á loja, então eu perguntei á ele se ele queria que eu vigiasse o seu Escort XR3 conversível. Ele respondeu que só ia entrar na loja e sair rapidinho. Então eu emendei: – enquanto o senhor compra o tênis, eu fico olhando o seu carro. –Eu sou o dono da loja. –disse ele á mim. </p><p>Robério sofreu alguns revezes em sua trajetória de vida, mas eu torcia por ele. Ele era um cara legal.</p><p>Quando eu queria beber garapa de cana eu ia a uma barraquinha na esquina da Avenida Goiás com a Rua 01. Moe e Coe era o nome da barraca. O nome do dono eu não me recordo mais. </p><p>No Di Loyola lanches na Rua 02 com a Rua 08, eu comia saborosos empadões goianos, e ás vezes Arroz com fritas que era servido em bandejões. Resumindo, de fome eu não morreria. E já estava com o couro liso de tanto comer.</p><p>Eu fui aluno do mestre Garavelo, o fera da capoeira em 84 e 85. Treinávamos no mesmo palco de madeira que foi construído para receber Tancredo Neves que seria, mas não foi o presidente da república em 86. Eu estava lá, na Praça Cívica quando Tancredo, Iris Rezende e outros políticos embalavam o movimento, “Diretas já”. Eu, Mestre Garavelo, contramestre Rayovac e o professor Serginho, fizemos uma apresentação de capoeira no programa televisivo Goiânia Urgente. Sem contar que, eu ia sempre á academia Hugo Nakamura na viela entre a Rua 02 e a 03 no centro de Goiânia para ver pessoas lutando caratê.</p><p>A loja Cardealtur Transporte e Turismo pertencia a outro homem bom que me ajudava bastante, dando–me dinheiro e bilhetes com a assinatura dele para eu lanchar por conta dele na lanchonete Só Lanche. Airton Machado era o nome dele.</p><p>Para apurarmos uma graninha extra nos finais de anos, íamos para os sinaleiros com uma caixa de sapatos embrulhada com papel de presente e com um furinho no meio. Pedíamos que os motoristas colaborassem com o nosso natal. Eu imagino que o cantor Léo Jaime compôs a música Nada mudou, inspirado em mim, meus irmãos e amigos. ♪Crianças pedem nas janelas dos carros, até nas noites de natal.</p><p>O meu cunhado Nilson me levou ao estádio Serra Dourada, para assistirmos o jogo entre Goiás e Goiânia. No caminho ele me falou sobre o Jogador Bill, que ele era bom jogador, mas o Goiás iria ganhar do Goiânia. Eu não me lembro de qual foi o placar daquele jogo. Mas de um lance eu me lembro bem. No meio do campo, um jogador do Goiás deu uma entrada faltosa no jogador Bill. Bill não abandonou a partida, mas eu me lembre de que ele não fez nenhum gol naquele jogo. Passei á torcer pelo Vila nova. A minha vibração deu sorte. Tigrão foi campeão naquele ano em cima do Goiás. Tempos depois eu voltaria ao serra Dourada, apenas para ganhar presentes de natal.</p><p>Trinta anos depois daquele campeonato de 82, eu seria o cabeleireiro que raspava a cabeça do ex-jogador Bill. Em uma ida dele ao meu salão ele me contou que ele já havia jogado em outros times de outros países, mas eu não me lembro de quais eram esses times. Disse-me também, que um filho dele estava na Espanha. Numa outra e última ida dele ao meu salão, ele estava triste e muito abatido porque acabava de vir do hospital onde a esposa dele estava internada por causa de um câncer. Ele temia que ela fosse morrer. Dei uma força á ele usando palavras de ânimo. Porém, aquela seria a última vez que eu raspava o cabelo dele. Ele foi atropelado na BR 153 á menos de um quilômetro da casa dele e morreu na malha asfáltica da BR 153.</p><p><br /></p><p>Vale destacar João Cambão e sua turma da pesada. Todo mundo tinha medo daqueles caras. Eles só aprontavam em turmas, e com mulheres, mutilando partes de seus corpos com ferramentas como alicate. Sozinhos eram caras comuns. Eu conhecia alguns deles pelos nomes e por já ter até conversado com eles. JC teve vida curta e foi assassinado na noite do seu aniversário. Um dos tiros acertou o pescoço dele. Na segunda feira, ele estampava a primeira página do Jornal.</p><p>Numa festa próximo á minha casa, mataram o Pesada á facadas. Ele era um membro da turma do JC. Eu havia acabado de sair de lá. Na semana seguinte, deram um tiro na perna de outro deles, que tinha o apelido de Reba. Almir vazou para São Paulo. Juninho levou um tiro na espinha e ficou paralítico.</p><p>Conheci Nilo Gato. Mãozinha do Parque Real. Depois eu conheceria a turma do Canecão o Daniel Bonnie das Ss do Setor Pedro. Ralf, Ratinho, Juninho. Estes sim eram muito doidos. Mas foram gente fina comigo, quando eu o conheci. Bugão da espada, Frangão, Valdomiro e a patota do Parque Santa Cruz. Os carecas do Parque Amazônia. Ulcimar, Capanga, Calango, Nonô, Sebastian e outros caras perigosos da Vila Mutirão.</p><p>Da minha infância, até a minha pré-adolescência, eu conheci todas essas pessoas, vivi no tempo deles, estive em lugares que eles estavam, conversamos e com alguns deles eu até andei lado á lado. Em minha pré-adolescência eu já me considerava um rapaz de vinte. Minha personalidade ia de formando através de minhas experiências vividas. </p><p><br /></p><p>Nas ruas da cidade, a gente botava moral, ou virava alvo fácil para os maloqueiros. Eu cansei de bater e apanhar daqueles pilantras, mas eu não “afinava” para nenhum deles. </p><p>Numa tarde da sexta feira, eu engraxava nos pares da cidade. Eram já quase seis horas da tarde quando um maloqueiro me agarrou por trás e enquanto ele me enforcava, o outro arrancava o meu dinheiro que estava amarrado pelo cordão do meu short. Quando o que me enforcava me soltou eu segurei na gola da camisa do que me tirou o meu dinheiro, e esmurrei a cara dele até quebrar os dentes da frente da boca dele. O outro correu e foi chamar o resto da patota. Era a turma do Donizete, o Babão. Seis pivetes. Todos eles cheiradores de cola e ladrões. Eu apanhei bastante naquela tarde.</p><p><br /></p><p>Conheci pessoas importantes e ricas. Entre elas, Jaime Câmera, o dono das organizações Jaime Câmera. Ele morava no décimo quinto andar de um edifício na Rua 02. Era um bom homem que dava dinheiro á mim, meus irmãos e á todos que o esperava em frente ao prédio. Um dia, eu subi até ao apartamento dele para engraxar os sapatos dele. O curioso foi que ele me deu um dinheiro e me pediu pra eu ir á banca de jornal e comprasse um jornal O popular para ele. Então eu o perguntei: – Doutor Jaime, porque o senhor quer que eu compre o jornal que o senhor é dono dele?</p><p>–Ele sorriu e me disse: – aproveite e fique com o troco.</p><p>Fui até a banca e comprei o jornal. Levei para ele e desci de lá “buíado” de grana.</p><p>Uma vez por semana, ele ia á pés de onde ele morava até TV Anhanguera no Setor Serrinha. Eu o acompanhava. Uma vez eu sentei do lado dele no banco traseiro do Landau dele. O motorista Maurício ficou uma fera, me olhando pelo espelhinho central durante a viagem até ao prédio da TV Anhanguera. Daquele motorista, ninguém gostava, e muito menos eu. Uma vez, ele rumou o molho de chaves em minha cabeça. Ele queria ser o dono do dinheiro do patrão dele.</p><p>De vez em quando aos domingos, eu acompanhava seu Jaime Câmera até á igreja Católica na Rua 10. Foram muitas as vezes que aquele bom homem, político, empresário e jornalista ajudou a mim e aos meus irmãos. Jaime Câmera Júnior, o filho dele não se importava quando nos via ganhando dinheiro do pai dele, e nem com as minhas andanças do lado dele. Era uma boa pessoa também. </p><p>De vez em quando eu dava uma de apreciador de obras de artes, e ia á Casa Blanca Galeria de Artes na Rua 08, que pertencia á dona Célia esposa do seu Jaime Câmera. Era interessante ver as pessoas paradas diante de uma tela, admirando aquilo que na verdade, eu particularmente não fazia ideia do grau de significância há em uma imagem inanimada pendurada na parede. Mas, lá estava eu com uma mão cofiando o queixo e a outra servindo de apoio para o cotovelo, como quem entendia á fundo de obras de artes, encafifado com a feiura da Monaliza. Eu dizia que aquele ser indefinido era uma mulher-homem com lábios de Giletes e sem sobrancelhas.</p><p>Tempos depois, eu começaria á receber uns trocados para passar tinta Nugget nos tênis brancos e de couro do jogador Cacau do Goiás Esporte Clube. Ele morava no sétimo andar de um edifício do lado do seu Jaime Câmera na Rua 02. Cacau tinha uma moto DT 180 cilindradas. Uma vez, eu perguntei á ele se ele queria que eu engraxasse as rodas da moto dele. Ele disse: – você ficou maluco?</p><p>Aí eu disse: – então me dá um trocado. Ele apalpou os bolsos da calça Jeans e não encontrou nem a carteira. Dessa vez ele passou batido. E eu também.</p><p>Tempos depois, eu vigiava o carro importado de outro jogador do Goiás. Ele era goleiro e se chamava Edson. Um dia ele estacionou o carro em frente á Cardealtur Transporte e Turismo, e entrou naquela empresa de passagens aérea. Eu o conhecia, e por isso eu me encostei-me ao carro dele. O alarme disparou, ele foi conferir e viu que era eu que estava ali. Então, ele desligou o alarme e falou: – Ah, é você. Fique de olho aí. Quando ele regressou, uma nota de um barão saiu do bolso dele e entrou no meu.</p><p>Outro jogador que eu conheci, foi o Gilson Jader. Ele tinha uma CB 400. Uma vez eu estava pedindo colaboração para o meu natal no sinaleiro, e, ele estava parado com sua moto no sinal fechado. Quando eu o abordei para ganhar um gorjeta, ele tentou tirar a carteira, mas o sinal abriu. Ele dobrou a esquina, parou e me chamou.</p><p>Tirou uma grana da carteira, colocou dentro da minha caixinha e me disse: – Feliz natal pra você. –Depois seguiu. Eu não sei quanto foi que ele me deu, pois, a caixinha já estava abarrotada de moedas e notas.</p><p><br /></p><p>O vitiligo deixou minhas sobrancelhas manchadas de branco. Isso me afetou muito eu passei por uma fase de grande deprimência por causa desse fato. Certo dia eu engraxava os sapatos de um rapaz, e ele me disse que eu não iria conseguir me casar porque aquelas manchas iam espalhar pelo meu rosto e me deixar muito feio. Por sorte naquela mesma semana, um casal de irmãos adolescentes que moravam em um edifício na Avenida Goiás com a Rua 02 chegou a mim no calçadão e disse pra eu ir ao prédio ao meio dia daquele dia de sábado em algum mês do ano 1982, para eu pegar com eles uma pomada Viticromin. No horário combinado eu cheguei ao local. Recebi deles o remédio, o usei nas partes afetadas, e antes de a pomadinha acabar, as minhas sobrancelhas já estavam com o mesmo tom e cor de minha pele normal.</p><p>Comecei á praticar pequenos delitos. Um deles era pescar no Bosque dos Buritis. Outro era roubar coco nas residências dos ricos. Tudo por diversão e aventura. Eu cansei de ver objetos de valor nas garagens das casas, mas eu não os roubava, afinal de contas, eu tinha princípios morais cristãos. Mas quem foi que disse que algumas infrações cometidas na minha infância era motivo para eu me tornar um excomungado indigno do perdão de Deus?</p><p><br /></p><p>O governador eleito Iris Rezende, pautou, implantou e concluiu um programa de habitação favorecendo as famílias mais pobres da grande Goiânia. Mil casas populares foram feitas em um único dia. Esse feito o lançou ao rol dos políticos mais notórios do Brasil. E também levaria a família Ribeiro á morar em uma daquelas casas pré–moldadas, mas por opção diante da necessidade a minha mãe cedeu a casa que ela havia ganhado do governador Iris Rezende, á minha irmã Airta, seu esposo Nilson e suas duas filhas Katiuscia e Karise.</p><p>Foi quando eu descobri que a nossa pobreza era ainda pior do que eu imaginava. O barraco de tábua em que nós morávamos não pertencia á nós. O gesto de solidariedade da minha mãe para com a filha mais velha doando a casa á ela, era uma forma de reconhecimento pelo o que um senhor de nome Osvaldo fizera com o meu pai ao ceder á ele o barracão madeiroso em que nós vivíamos na Vila Brasília.</p><p>O comandante Iris Rezende também aderiu ao movimento Diretas já! Em 85 foi construído um enorme palanque de madeira na Praça Cívica para receber a presença de Tancredo Neves e seus aliados. Eu estava lá e os meus olhos contemplavam a figura de um homem muito magro. Em toda a minha vida eu nunca havia visto um cidadão tão magro daquele jeito. Eu ria muito e o comparava com o meu colega caveirinha. Somente depois da eleição presidencial foi que eu fiquei sabendo que o fininho era o vice-presidente Marcos Maciel.</p><p>Depois de o palco ter sido usado pelos políticos, nós engraxates assumimos o controle sobre ele. Foi quando Garavelo, mestre de capoeira, passou á nos ensinar a arte do mestre Zumbi dos palmares em cima daquele palco que era largo, extenso e coberto. Quem visse o mestre Garavelo pela primeira vez imaginaria que ele era lutador de Sumô. Ele era baiano, branco e gordo, mas também era muito ágil no jogo do falcão. Através dele eu conheci os mestres Canarinho, passarinho e Cão. Um destes praticava outra modalidade de luta, mas este também ia assistir a gente treinar e gingar capoeira em grandes rodas que se formavam na Praça Cívica.</p><p>Também tive colegas engraxates que eram “viadinhos”, e gays fregueses de engraxadas. Homossexuais pobres eram chamados de viados. Ricos eram chamados de gays. </p><p>Um indivíduo, o qual eu não pude descobrir qual era a dele, certa vez me assediou me convidando para ir para o banheiro de um bar. Ele me ofereceu dez cruzeiros por cinco minutos de sacanagem. Na verdade eu não entendi se ele queria que eu fosse ser o violador ou o violado. Certo é que eu o mandei ir tomar no órgão excretor dele. Enquanto eu engraxava o sapato dele, ele ainda insistia com a proposta indecente. Até que eu chorei, e na raiva, eu me levantei antes de terminar a empreita de engraxar os sapatos dele e, mandei a quina da minha caixa de graxa na canela dele, e fiz um estardalhaço. Era sexta feira á noite e o bar estava lotado. Aquele filho da mãe passou o maior vexame da vida dele. As pessoas ali me viram chorando e xingando o sem vergonha, de tarado, safado e o escambal. O pilantra foi embora sem pagar a conta, de tão hostilizado verbalmente que ele foi pela turma do boteco.</p><p>Mas certo dia já no período da tarde, um homem bem vistoso e aparentemente á cima de qualquer suspeita, convidou três colegas meus, ambos, mais velhos do que eu, á irem á algum lugar para buscar algumas roupas e calçados usados. Na oportunidade, ele disse pra que eu fosse também. Entramos nós quatro engraxates mais aquele homem dentro de um Fiat 147 que pertencia á ele. O trajeto que fizemos eu não conhecia bem, mas me lembro de que nós passamos pelo estádio Serra dourada e seguimos até á um matagal bem fechado de forma á não permitir que a gente visse dali o estádio de futebol, mas estávamos ali por perto. A densidade demográfica daquela região era um habitante por mil equitares de mato.</p><p>Certo é que aquele homem me mandou ficar dentro do carro parado em local logo á frente de um cruzamento de duas ruas de terra pura e muito mato alto. –se aparecer alguém, você dá uma buzinada. –Ele me recomendou e em seguida entrou no matagal com os meus três amigos. Esperei por mais ou menos meia hora á quarenta minutos. Quando os quatro voltaram eu quis saber onde estavam os sapatos e as roupas. A resposta dada pelo sujeito foi que alguém havia descoberto o esconderijo e surrupiou os objetos. O carro cortou caminho de volta, e nós desembarcamos no mesmo local em que havíamos embarcado no centro. Recebi do homem um dinheiro o qual eu não poderia hoje dar como certa a quantia que á mim ele deu naquele já começo de noite. Os meus três colegas estavam alegres e satisfeitos também, mas eu não entendia o porquê da alegria a satisfação.</p><p>Dias foram passando e aquele mesmo homem estava indo sempre no nosso ponto de trabalho para levar os meus colegas, e eu de contra peso, á lugares diferentes da cidade. Eu era bem inocente e ainda não desconfiava de nada, pois o importante era que ele me desse uma gorjeta pra eu ficar dentro do carro dele e apertar a buzina se aparecesse alguém por ali. Até que um dia, eu e um colega meu, de dezessete anos, estávamos procurando fios de cobre, alumínio ou qualquer outro objeto de valor que pudéssemos achar nos entulhos do prédio interditado por problema de declínio na Avenida Goiás. Foi depois da hora do almoço, porque eu e o meu amigo havíamos ido á churrascaria Maranata para pegar duas marmitex e depois de comermos, voltamos á viela e entramos nos fundos do prédio abandonado. Então aquele mesmo homem chegou com uma ânsia animalesca dizendo naquele momento, que ele era louco pelo meu colega e foi logo baixando a calça dele e a bermuda do meu colega, e me mandou ficar vigiando para os dois não serem flagrados fazendo sexo em plena luz do dia.</p><p>Tinha um Madeirite isolando o acesso das pessoas aos fundos do edifício. Mas, o isolamento já havia sido o rompido, mas ficara o madeirite no mesmo lugar. Eu fiquei entre o madeirite e a parede para dar um sinal, se alguém viesse pelo corredor longo da porta de entrada do prédio e saída pelos fundos. Curioso eu olhava os dois praticando sexo. O “homem” dizia que queria se engravidar do meu amigo. Eu nunca me esqueço daquela pornografia esquisita e da conversa daquele indivíduo dizendo: – ai, eu te amo, vai, vai, eu quero engravidar de um filho seu, faz um filho em mim. Até que em um momento, depois de tanta demora, pois eles começaram com sexo oral. –Eu disse: – anda logo, senão eu vou embora e deixo “cês” dois aí. –Mas os dois, nem me ouviram. Eu não imaginava que aquele sujeito fosse gay e capaz de protagonizar com o meu colega aquela cena tão grotesca na minha frente.</p><p>Dias depois eu conheci um gay assumido que se chamava Maurício. Ele era o homossexual de maior notoriedade em Goiânia. Um dia, ele não me notou atravessando a avenida e quase passou por cima de mim com a sua bicicleta Caloi de dez marchas. Quando ele passava por mim, – sempre pedalando–, me dava tchauzinho movimentando as pontas dos dedos. Costas envergada, bunda empinada e, seguindo em frente. Oh bichinha que gostava de pedalar! Eu nunca o vi parado em um lugar e nem agarrado á outro homem. Ele era um travesti loiro e gente fina.</p><p>Negro Ná, – esse era hétero –, e era um grande camarada. Éramos “chegados” também. De vez em quando a gente trocava umas ideias na feira hippie que era realizada na Praça Cívica aos domingos. Ele me chamava de maninho.</p><p>Somente nos anos noventa foi que eu descobriria que ele era o astro maior do carnaval de Goiânia. O cara era rodeado de mulheres bonitas, e até já distribuía autógrafo para os fãs, nós dois conversamos por algumas vezes sentados no degrau do monumento Três raças em frente ao Palácio das esmeraldas, sede do governador, e eu não fazia ideia do grau de importância do grã-persona. Tem cabimento uma coisa dessas? Bom, eu era criança ainda.</p><p>Roberto, campeão de Motocross nos anos 80, me deixava almoçar na cozinha da loja de moto do Pai dele. O nome da loja era Mil Yamaha, e ficava situada na Rua 02 no centro. Ao lado da Rodart papelaria. Eu e Mirone o meu amigo de todas as horas, lustramos as centenas de troféus dele em um depósito de outra loja em Campinas.</p><p>Por falar em Mirone Francisco Fonseca, ele foi trabalhar na Poligráfica na Vila Brasília entre os anos 83 á 84 se não me falha a memória. Éramos tão amigos que, eu levava o almoço para ele no trabalho dele. Ele era branco e bom de briga. Quanto a mim, resta dizer que nós dois, éramos como irmãos. –jamais brigamos um contra o outro... porém, damos e recebemos muitas bordoadas pelos bairros de Goiânia e Aparecida.</p><p> Embora eu estivesse em condições de menino de rua junto com os demais colegas de profissão, eu não dormia na rua. Portanto, eu havia adentrado á um mundo que teria que ser por mim desbravado. Como o único homem o qual me poderia disciplinar já havia morrido, a minha conduta á partir dali seria baseada na noção que eu tinha de que cada cabeça é seu próprio guia.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> *</p><p><br /></p><p>Falar de uma época, – especificamente anos 80–, e não mencionar Michael Jackson seria o mesmo que um velho escritor austríaco escrevesse um livro de memórias dos anos 30 e 40 e não relatasse sobre a segunda guerra mundial com destaque para Adolf Hitler. Desde 83, Michael havia mudado o gênero musical dançante individualmente, de discoteca para pop music. Em Goiânia e arredores só se via rapazes vestidos semelhantes á ele. Foi uma verdadeira revolução no vestuário e no comportamento da juventude e até de muitos homens já maduros. Tudo que eu disser sobre Michael Jackson será simplesmente dispensável, pois aquele “neguinho” dos anos 80 dispensava comentário.</p><p>Eu era fã do Michael Jackson, por isso eu não fui ao Serra dourada para ver o show do Grupo Menudo, mas eu estive no meio da “meninada” em frente ao Umuarama hotel esperando para ver os Porto–riquenhos. O único que teve consideração com as fãs, – não comigo, que estava ali por acaso, –foi o Rick. Ele foi á janela do segundo andar e deu um tchauzinho Xôxo. –aquele tchauzinho me revelava coisas que futuramente seriam descoberta. Se eu não me engano, isso aconteceu em 85 num dia de sábado.</p><p>Mas, eu tenho algo particular á relatar sobre a onda Michael. Em 83 ou 84 eu, meus dois irmãos, Rildo e Ismael, mais alguns amigos e milhares de outros fãs fomos assistir á um concurso de dança no ginásio Rio vermelho em Goiânia. Era a época do Breack dance. Aquela dança que a galera dançava se quebrando, fazendo cobrinha no piso e espalmando as mãos em uma vitrine imaginária. Mas, quem ganhou o concurso naquela noite? Banana, o sósia do Michael Jackson. O cara arrasou dançando Billy Jean com direito á moonwalk e rodadinhas, parando nas pontas dos dedos dos pés.</p><p>Uma semana depois daquele show, eu estava em uma festa na casa dos irmãos metralhas. Fui inventar de fazer o moonwalk. Na segunda arrastada de pé, o esquerdo travou em uma saliência no piso e, eu me desequilibrei e saí tropeçando no pessoal que formava a roda. Eu nunca passei tanta vergonha como a daquela tentativa frustrada de bancar o MJ. –vazei daquela festa. Mas, Michael Jackson continuaria sendo para mim, o maior de todos os artistas da música, dança e ícone de uma geração. As únicas danças que eu sabia dançar era música lenta e xote do manhoso. Já era o suficiente para eu me dar bem com algumas garotas. O Funk eu aprenderia posteriormente.</p><p>Em 84 eu conheci Cláudia. –como esquecer aquela garota? Tudo aconteceu quando eu cheguei á festa na casa do “Boquinha” –ele tinha a boca puxada para o lado direito e os olhos espremidos. Parecia estar sempre rindo, mas pronto para moer na porrada, qualquer um que ousasse zombar dele. Fã número um de Bruce Lee e bom de briga tanto quanto o rei das artes marciais.</p><p>Pois bem, Cláudia dançava com um garoto. Quando eu á olhei ela me olhou e sorriu meio cúmplice com a mão sobre o ombro do moleque e com o queixo dela sobre a mão dela. Saí da casa e fui até á um carro parado na rua. Conferi o meu visual. Cabelos batidos caindo na testa e com as laterais em corte curto. O Biotômico e a emulsão de Scott deixaram–me bem nutrido e saradinho. Doze anos, um metro e cinquenta. O meu tórax com a região peitoral bem definida fazia que caísse bem em mim a camisa gola–polo azul que eu usava naquela noite.</p><p>Ajeitei a calça Jeans na cintura, apertei o cadarço do tênis Campeão botinha branco, esfreguei as mãos e disse á mim mesmo: – é hoje.</p><p>Voltei para a sala. Meu coração batia á mil por hora. A música que ela dançava era Let it be, do John Lennon. Parecia não acabar mais. Até que, Endless love começou á tocar. Foi o prazo de ela soltar o moleque... Eu a convidei para dançar.</p><p>Dançamos três músicas seguidas sem trocar uma palavra. Paramos porque “boquinha” quis ouvir o som de um helicóptero e colocou Pink Floyd para rodar. –The Wall. A partir daquela noite eu sentiria o meu coração palpitar todas as vezes que eu chegava á uma festa onde Cláudia estava. Foi paixão infantil, mas que duraria por um longo tempo. Nosso relacionamento era quase mudo. Nunca trocamos uma palavra á mais do que, – qual é o seu nome, onde você mora e quantos anos você tem, onde você estuda. –ela estudava, eu dizia que havia parado de estudar. –mentiroso, o menino!</p><p>Mas eu estudava os meus personagens de histórias em quadrinhos. Nessa época eu já sonhava ser um escritor. Oseias era o dono de uma banca de revistas no ponto final da Vila Brasília. Na banca dele eu comprava muitos gibis. Certo dia ele me perguntou se eu estudava, respondi que não. Então ele me disse assim: – você engraxou os sapatos do homem que pode te ajudar. –Eu não dei muita atenção á conversa dele porque eu queria era ler os gibis que eu havia acabado de comprar dele.</p><p>Mas por Cláudia, eu decidi que iria estudar e procurei ajuda com um bom homem de nome professor Alcides. Eu já o conhecia e já havia engraxado os sapatos dele na Panificadora Mineira que pertencia á outro bom sujeito, Saulo era o nome deste. Eu queria estudar no colégio Alfredo Nasser, mas devido ao fato de que eu estaria iniciando, o professor Alcides me encaminhou para o colégio Ernesto Camargo da Fonseca, abaixo do Templo Mãos postas. Coincidência ou não, Professor Alcides deu um jeito de encontrar uma vaga para mim no mesmo colégio que Cláudia estudava. Consegui me matricular no Colégio Ernesto Camargo da Fonseca. Professor Alcides era o homem o qual Oseias teria me falado sobre dias atrás. Anos depois eu descobriria que Alcides era o dono do Colégio Alfredo Nasser que viria á ser a Faculdade Unifan.</p><p>Cláudia estava na segunda série, eu comecei no Pré. Por uns dois meses, eu frequentei a escola, deixando professoras surpresas com a minha capacidade para a leitura e escrita. Logo as aulas seriam interrompidas. Muitas pessoas de outros estados do Brasil estavam vindo para o estado de Goiás tendo como destino específico á grande Goiânia e com a chegada massiva destes imigrantes aumentou de modo expressivo o número de alunos matriculados na rede pública estadual e municipal de ensino. E o Baixo número de escolas existente em Goiânia e na grande Goiânia ocasionou uma superlotação nas salas de aulas. O baixo efetivo do corpo docente fez com que a secretaria de educação fizesse uma reformulação da carga horária dos professores. E assim á verba extra que os professores recebiam do governo como forma de abono salarial, com o aumento das horas aulas passou se a ser uma espécie de complemento do piso salarial da categoria. Com isso os professores se sentiam lesados por ter seus salários defasados. –decorei bem a fala do sindicalista. –Eu também entoava junto com os manifestantes pela á Avenida Goiás até á Praça Cívica: O povo unido jamais será vencido. Caminhando e cantando, e seguindo a canção... e por aí vai. Quando acabou a greve, eu não quis regressar á escola. Uma aluna levou a professora até á minha casa para ela pedir a minha mãe que me convencesse á voltar á estudar, com a promessa de que ela me passaria para o segundo ano direto. Beleza. Aceitei a proposta. Eu tinha a oportunidade de estudar junto com a Cláudia amor meu. A professora cumpriu o que ela havia me prometido. No ano seguinte, 85, eu estudava na segunda série. Acontece que, a Cláudia também passou de ano indo para a terceira série. Eu fiquei bolado. Nas horas dos recreios, Cláudia me apontava para as amigas dela, mas nunca se aproximava de mim. Eu ficava sobremaneira contrariado, pensando que ela estivesse tirando uma com a minha cara. Certo dia, um aluno da minha sala me disse que ele havia ficado sabendo que eu gostava dela. Mas, que, ela não gostava de mim. Dias depois, eu parei de estudar, mas foi por causa da greve dos professores. Parece mentira, mas era verdade. Houve novos protestos. Sindicâncias foram feitas, e foi indo, foi indo, até que a greve acabou e... a minha paixão por Cláudia também se foi. Será? Apesar de tudo ou de nada, eu posso dizer que Cláudia foi o meu primeiro amor. E, eu sentia que ela só esperava uma iniciativa da minha parte. Com nenhum outro menino ela dançava mais do que uma música. Apenas comigo ela se deixava levar na onda dos rostinhos colados, até que a música pop de Michael Jackson, Holling Stone, Queen e outras agitadas, nos faziam se separar. Nunca nos beijamos, nem saímos de mãos dadas ao término de uma dança. De qualquer forma, era coisa de pele, classe social e afeição ao primeiro olhar. Cláudia, a moreninha de beleza brejeira, simplória, mas que figurava no mesmo nível de pobreza que eu, embora, ela morasse em um barracão de alvenaria com vitrôs basculantes. –eu ainda era mais pobre que ela.</p><p>O problema era que eu não conseguia dizer algo para conquistar um brôto. –meninas eram chamadas de brôtos nos anos 80. O fato de eu ser engraxate me deixava com complexo de inferioridade em relação á todas as pessoas. A experiência malograda que eu tive com Cláudia, ainda que nada ficasse esclarecido sobre o que o meu ex–colega de escola havia me dito sobre ela não gostar de mim. Mesmo assim, eu tinha medo de tentar conquistar uma garota.</p><p>Resolvi que teria de mudar de profissão, e fui procurar trabalho de jardineiro nas mansões do Setor Sul, Marista e Bueno.</p><p>Certo dia eu cruzava a Avenida T–10 com outra avenida á qual eu não sei se é a T–1 ou a T–4, pois uma é continuação da outra. Quando no meio do cruzamento eu ouvi o meu amigo Mim me dizendo: – volte para a calçada. –Eu não teimei e voltei. Fiquei em pé sobre o meio fio e esperei por alguns segundos. De repente, Mim me fez uma pergunta: se você arrumar emprego agora, você agradece á Deus na igreja? Eu respondi de pronto, que agradeceria. Tinha uma panificadora na esquina das avenidas. Quando eu olhei para o balcão, uma mulher e um homem falavam de entre eles, e era sobre o flagra que eles me deram ao me ouvir falando sozinho. Fui até á eles e perguntei se os dois não sabiam de alguém que precisasse de um jardineiro. Antes de me darem a resposta, a mulher me perguntou com quem era que eu estava conversando na beira da pista. Eu disse que era com ninguém.</p><p>–Eu hem! Você parece maluco. –disse o homem. Passou a flanela no balcão e saiu.</p><p>A mulher, apenas meneou a cabeça e foi ajeitar alguns doces na vitrina. Eu voltou para a calçada e fiquei sem saber para onde eu iria. Quando olhei para a minha direita, eu vi um sobrado. O sobrado distava á uns dez metros da grade de ferros torcidos. Para chegar á porta de entrada do biplex, uma passarela de degraus de um por um metro de largura e comprimento, com superfície de cerâmica em acabamento rústico, acessava as pessoas até á varanda onde ficava a porta de entrada. À mansão não possuía hall de entrada, apenas á entrada, para sobrar mais espaço suficiente para acomodar os dois carros e mais um micro–ônibus atravessado. Caso o proprietário quisesse adquirir um. As janelas da parte de cima no sobrado eram de esquadrias e alumínio na parte externa e blindex do lado interno. Uma porta com largura de um metro e vinte padronizando com o mesmo material das janelas, dava acesso á uma sacada descoberta para receber á luz do sol dá manhã. Entre o sobrado e o muro lateral do lado direito de quem chega á residência, Sobrava um espaço de uns oito metros de largura por uns quinze de comprimento, indo do portão de entrada até ao portão de acesso ao fundo do quintal. Diante de todo esse luxo residencial estava eu, desejando que os proprietários me contratassem para trabalhar ali. Com fé apertei a campainha. –vai dar certo. –disse Mim á mim. Quem atendeu o interfone foi a própria dona da casa. Eu disse á ela que eu procurava emprego de jardineiro. Ela desligou o interfone e veio me atender no portão, me mandando entrar. Combinamos os afazeres e o preço pelo meu trabalho. Convém–me relatar que, eu trabalhei naquela mansão, cuidando do jardim, dos cachorros Agus e Kelly, levando varanda, garagem, aspirando os carpetes dos quartos no segundo piso, asseando as suítes e limpando a piscina por um salário razoável. Se havia algo que eu precisava experimentar e conhecer até a minha pré–adolescência, era o convívio direto com pessoas ricas e bondosas. Nair Almeida Avelar com seu esposo Mário Lúcio Avelar, seus filhos Mario Lúcio, Carlos Alberto, Paulo Henrique e Flávio, me tratavam como á um membro da família Avelar. Durante o tempo em que eu convivi com essas pessoas ricas, eu adquiri experiência de vida que moldaria o meu caráter moral, e também o meus pontos de vista em relação á pessoas de diferentes classes sociais. Algumas situações envolvendo á mim e os filhos do casal Almeida Avelar ficaram vividamente marcadas em minha memória.</p><p>Certa manhã eu higienizava o carpete do quarto do Paulo Henrique e encontrei um pacotinho com pólvora debaixo da cama confortável e espaçosa que ele dormia. Quando ele chegou, eu o perguntei para o que servia aquela pólvora. Ele me respondeu que ele fabricava bombas para explosões. Eu tinha intimidade com ele e, por isso demonstrei duvidar da resposta dele. Então ele me contou um segredo e pediu para que eu não saísse espalhando aos membros da família dele e nem á ninguém. Paulo Henrique Aguiar, universitário, aos dezessete anos de idade, me contou que ele havia detonado uma bomba no banheiro do vestiário da faculdade que ele, nela estudava. Ele me chamava para ouvir música do grupo Scorpions na sala de áudio e vídeo da mansão dele e traduzia as letras em tempo simultâneo, falava inglês fluentemente e encarava isso com naturalidade. Eu achava que eu pudesse impressionar as pessoas e fazer elas me admirarem, falando um português básico do básico do básico popular, e quando recebia críticas dos meus mais próximos.</p><p>O sonho de Mário Lúcio Avelar Filho era ser advogado atuante no meio político nacional. Em 85 ele já fazia faculdade de direito. Era fã de Tancredo Neves e chorou a morte dele, sem querer tomar o café da manhã do dia seguinte. Eu tentei consolá-lo depois de eu ter engolido o meu pedaço de pão, do lado dele na mesa. –chora não Mário Lucio, meu pai também morreu quando eu tinha oito anos. Lembro–me de que ele então me respondeu: – as pessoas boas morrem, e as más vão ficando. E enxugou os olhos.</p><p>Carlos Alberto Aguiar. Um rapaz de dezenove Anos, calado e de aspecto triste. Vivia trancado em seu quarto, deitado na cama olhando para o teto. –Carlos Alberto, por que você é tão quieto e calado desse jeito? –eu o perguntei. –Ah, Joãozinho, a vida é assim. A gente é o que tem que ser. Não adianta tentar mudar. –ele respondeu e fechou os olhos, ainda mais entristecido.</p><p>Com Flávio, o filho caçula do casal Almeida Aguiar, eu brincava de vôlei e outras brincadeira nas minhas horas vagas. Um dia ele me chamou para brincar de vôlei com as suas amigas ricas. Brincamos naquele dia e em outros dias. Em outra ocasião eu recusei o convite, porque na última vez, uma das moças mais adulta, branca de cor uniforme, me escolheu para ser o parceiro dela e de sua amiga. –o Joãozinho é da minha equipe. Passa para cá neguinho bom de vôlei. –e me puxou pelo braço.</p><p>Mas, como diz o ditado: nada dura para sempre. Em 1986 eu tive parar de trabalhar para essa família por razão da nossa mudança para um bairro mais distante do Setor Bueno. Até hoje eu agradeço á Deus por ele ter me preparado aquele emprego e quero um dia poder reencontrar aquelas pessoas tão maravilhosas. Inclusive a empregada Joseilda.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>CAPÍTULO III</p><p><br /></p><p><br /></p><p>À partir do ano 86 ocorreriam mudanças consideráveis em minha vida. Meu irmão Eurípedes havia comprado um lote em um setor mais próximo do centro de Aparecida de Goiânia e bem mais distante do centro da capital. Ele e eu começamos á construir uma casa neste terreno. Trabalhei de servente de pedreiro para ele até o fim da construção. Em agosto do corrente ano, mudamos para a nova residência. Então, Eurípedes, minha mãe, Nelino e eu morávamos em uma casa de alvenaria com chuveiro elétrico, geladeira, enfim, confortável e esteticamente mais agradável aos olhos. O que não me agradava era o setor no modo geral. Poucos moradores, muito mato e ruas que mais se pareciam “trieiros” de roças. Tudo que eu queria era voltar para a Vila Brasília. Lá estavam os meus amigos, minha tia Ovate, seus filhos que eram como irmãos para mim. –inclusive, o mais velho dele, o Sérgio fez um filho na minha irmã Ana. Luís Carlos é o nome do meu sobrinho. Mas, Sérgio assumiu a paternidade e o amor que ele tinha por Ana Rita e ajuntou os trapos com ela. (Amasiaram–se.)</p><p>Sob a tutela do Eurípedes, eu devia ficar em casa para ajudar a minha mãe á cuidar dos afazeres domésticos e do Nelino que tinha apenas seis anos de idade.</p><p>Com o passar do tempo eu fui conseguindo me adaptar. Conheci as minhas primeiras amigas, Aninha, Ângela e Kelly. Elas eram crentes da mesma igreja da minha mãe e Eurípedes. Na casa delas eram realizados cultos aos domingos ás quatorze horas, nos quais eu passei á frequentar. Então, estreitei mais a amizade com a parentela delas, que era formada por seus avós, tios e primas. Pessoas maravilhosas.</p><p>Dias depois, eu conheceria Reinaldo cabeça, e Eduardo secão. Ambos, irmãos biológicos de pai e mãe. Romualdo era o irmão mais velho dos dois, mas filho apenas da mesma mãe.</p><p>O tempo que eu passava em casa, só não era monótono porque eu inventava um monte de brincadeiras de adultos para brincar com o cabeça, o secão e o Nelino. Uma delas era produzir filmes de pancadaria. –eu era o artista, o produtor e o contra regra da sequência. Nelino era o meu coadjuvante. Cabeção e secão eram os bandidos, e consequentemente os nossos sacos de pancadas. Os dois queriam figurar como os mocinhos dos filmes, mas somente eu tinha gabarito para o tal papel.</p><p>Cá entre nós. Eu tinha ou não motivos de sobra para ser o ator bom de briga de uma porcaria de um curta, mais muito curta metragem de um filmeco de ação produzido apenas para que eu pudesse sair do marasmo de um setorzinho com pouco mais de algumas dezenas de moradores?</p><p>Até que os dois irmãos resolveram mudar o Gênero cinematográfico e arrumaram duas amiguinhas para contracenarem com eles. Então, eu operava a garrafa–câmera e filmava os quatro em cenas de abraços e selinhos na boca. –ora, ora, como eu já disse, eu era um garoto de quase quatorze anos de idade, com ideias evoluídas, e não iria dar uma de pedófilo para contracenar com menininhas de dez, doze anos. Parei com a profissão de cinegrafista.</p><p>Passei á ir vender lanches em uma firma com a dona Neuza mãe dos dois atores mirins e, para frente feito capô de Fuscas.</p><p>A saúde da minha mãe começou á ter melhoras. Ela ia ganhando peso á cada dia, e, isso me alegrava muito. Sofremos muito na Vila Brasília. Muitas coisas eu preferi não mencionar, mas tudo que passamos servir–me há de complemento para o compêndio da minha história.</p><p>Na medida em que os dias foram passando naquele meu novo endereço no decorrente ano, eu ainda trazia comigo a insatisfação por ter me mudado para um lugar onde o progresso á meu ver andava montado á carroça puxada por uma mula manca e empacadora. A diferença entre Vila Brasília e Setor Expansul era exorbitante em todos os sentidos. Digo em todos os sentidos, para não ter que discorrer sobre tamanha discrepância em relação aos dois bairros. Se na vila eu tinha meia quadra de matagal para as minhas brincadeiras de criança até o ano 81, no Expansul em 86 eu tinha e teria uma Savana africana pra eu fazer safaris por muitos anos vindouros.</p><p>O próprio Setor Central da cidade Aparecida usava de elementos da agropecuária para ornar a Praça da Matriz. A praça parecia um presépio com carros de bois e outros objetos do meio rural. A avenida paralela á BR 153 tinha em sua extensão algumas engrenagens de máquinas agrícolas como monumentos de enfeites paisagísticos. Oh lugarzinho mais ou menos, sô!</p><p>Como eu sentia falta da panificadora Mineira no ponto final da Vila Brasília. O supermercado Rubão. A banca de revistas do Oseias. Das feiras aos domingos de manhã na Avenida São Paulo.</p><p>Para mim, ter morado na Vila Brasília, e vir parar no Expansul, significava o mesmo que ter me mudado de Nova York para um vilarejo qualquer da Etiópia. Eu me sentia o rei das cocadas pretas, brancas e marrons. Embora eu não deixasse transparecer tal grau de orgulho. Acontece que, a Vila Brasília era sem dúvida, um dos melhores, talvez o melhor bairro de Aparecida. Tal era, que, nas placas de endereços das propriedades residenciais e comerciais, comumente se lia: Rua tal. Quadra tal. Vila Brasília. Município de Aparecida de Goiânia. Descrição esta, que revelava a intenção clara do órgão administrativo municipal em deixar bem explícito á todos que a “vilinha” pertencia á Aparecida, e Goiânia não á tascaria de seus domínios. Possibilidades de incluir tal bairro na área distrital da capital já tramitavam no gabinete do governo estadual.</p><p>Tratei logo, de fazer um estilingue. Fui á caça e descobri uma represinha no baixão do bairro há três quadras á sudeste da minha nova moradia. Alguns barrigudinhos já estavam com suas peles cinzentas de tanto mergulhar na água esbranquiçada. Tinha uma mata ao fundo. Adentrei nela e me deparei com micos e macacos. Os nossos primos faziam para mim um desfile de boas vindas. Foi muito legal aquele meu safari.</p><p>Eu só não vi onças e outros da classe dos felinos, mas quando eu saía da mata eu encontrei outro caçador que se aventurava por ali, ele me garantiu que já tinha ouvido rumores sobre a presença de onça por ali. O nome era Ubiratan. Ele seria o meu primeiro colega mais velho do que eu neste setor. Tempos depois eu descobriria que havia na mata, jacarés, sucuris, bandeiras e uma trinca de outros animais que eu só os via no Zoológico. Embrenhando mais, mata á dentro, encontramos cheirinho, outro caçador. Ficamos amigos também.</p><p>Abreviarei esta fase compactuando o texto. Enquanto durou a minha época de caças, eu, cheirinho e um xará meu, que tinha o apelido de Bilô, encontramos dois ninhos de periquitos em pés de buritis com seis ovos em cada um dos coqueiros. Depositamos seis de um ninho no outro ninho. Vingaram nove buguelinhos. Uma semana depois, os levamos para nossas casas. Eu fiquei com três, Cheirinho com quatro, Bilô abilolado com dois, – ele era mesmo debilóide. Tomava remédios controlados para não se descontrolar. Com toda a minha sinceridade, ele se parecia com o Jim Carrey do filme Debby e Loide. –podem acreditar.</p><p>Tratei dos meus periquitinhos com papinhas até eles ficarem adultos. Dei nomes aos três. Pepe, Peri e Pequito. Tempo depois, pequito morreu dentro da gaiola. Peri teve a mesma sina. A morte do Pepe foi um dia marcante para mim. Eu não consigo me esquecer daquele dia. Nelino soltou o coitadinho e, não o encontrou para trancá–lo na gaiola novamente. Então, eu e ele procuramos o pobrezinho por todo o quintal e não o encontrávamos. Quando eu olhei dentro de um tubo de cimento que era o coletor de água da chuva e do ladrão da caixa–d’água, lá estava o bichinho morto. Morreu afogado o coitadinho. Culpei Nelino pela tragédia da morte do meu periquitinho. Tentei dar nele um puxão de orelha, ele foi correndo para a barra da saia da minha mãe. Fui atrás dele e consegui dar um cascudinho na cabeça dele. Ele fez um drama danado. Minha mãe pegou o que tinha mais próximo dela, – passou a mão num pedaço de fio de energia, – e por impulso, ela me deu uma lapada nas costas.</p><p>Confesso que, não foi a lapada, nem tampouco a morte do periquitinho que me doeu. Ah meu Deus! Eu não tinha lembrança de ter levado uma surra, ou que fosse uma simples lapada de fio desferida pela minha mãe. O que eu disse á ela naquela hora permanece nítido e latente em minha memória...</p><p>–Mãe, a senhora nunca mais vai me bater. –falei num rompante que a deixou profundamente estarrecida.</p><p>Então minha mãe exclamou:</p><p>–Oh meu fie!...–e foi para o quarto. Nelino a acompanhou.</p><p>Através do vitrô eu a vi se ajoelhar aos pés da cama. Ela ia orar.</p><p>Eu não sabia o que dizer e nem o que pensar naquele momento. Eu sei que fui muito áspero em minha expressão. Só em pensar que eu falei com aquela autoridade toda, deixando minha mãe naquele estado de alma, me machucou muito. Da forma com a qual eu falei, soou como a uma ameaça de revide da minha parte, no caso de ela querer me bater novamente. Eu sabia que foi isso que ela pensou. Na verdade eu nem sabia qual seria a minha reação se acaso ela me batesse em outra ocasião.</p><p>Arrependido por ter sido tão ríspido com ela, eu me sentei na tampa da cisterna. Levantei logo em seguida desconsolado e fui para debaixo de um pé de gameleira no final da rua onde nós morávamos. Tudo que eu queria era poder voltar á cinco minutos atrás para eu ter engolido aquelas palavras antes de tê–las dito á minha mãe.</p><p>Ela estava feliz. Naquele dia nós havíamos ido á um curtume do outro lado da BR 153 para buscar sebo de gado para fazer mais sabão. Desde que mudamos para o Expansul, ela transformou–se em uma mulher disposta, vigorosa e cheia de disposição para a vida. Como prova dessa mudança, ela não ficava mais chorando pelos cantos como antes. Fez amizade com as mulheres senhoras na vizinhança. Fazia pastéis, bolos e roscas para nós comermos. Cantava hinos de louvores á Deus e fazia compras na feira do centro de Aparecida. Eu sabia que eu a fiz chorar naquele momento.</p><p>Peguei um pedaço de graveto e fiquei riscando o chão debaixo da gameleira. O tempo parecia ter parado naquela hora. Se eu fosse revelar o que em silêncio eu ouvi do meu fiel amigo íntimo, alguém poderia pensar que eu sou um grande contador de “estória” Minutos depois eu voltei para casa.</p><p>Minha mãe estava na área, próxima ao tanque de lavar roupas, desocupando a caixa de papelão na qual ela guardava os sabões de bola já prontos. Então eu me aproximei dela. –Mãe, se a senhora cortar esses sabões, eu vou vender eles e trazer o dinheiro pra senhora. –Eu temia que antes da resposta, ela fosse me dar uma bronca, mas, mãe é mãe. –Eu tava “pensano” nisso memo meu fie. Mas será que vende?</p><p>–Não sei. Eu vou tentar.</p><p>Com pouco tempo eu seria apelidado de Joãozinho do sabão. E, pode acreditar, a minha mãe nunca mais me bateu.</p><p>O dinheiro que eu arrecadava com a venda do sabão, era o suficiente para a minha mãe dar nas coletas da igreja, ajudar o meu irmão Eurípedes com as compras de alimento, agradar as pessoas com presentinhos, e de sobra me dar uma grana pra eu gastar na única mercearia que existia no setor Expansul. Domingos era o nome do proprietário dela.</p><p><br /></p><p>O meu irmão Eurípedes determinou, desde que nós mudamos para o Expansul, que eu não devia mais ir para o centro de Goiânia, por razão de eu ter que ficar assistindo e ajudando a minha mãe na criação do Nelino e também para, no caso de uma emergência, eu estar ali por perto. Ele temia que a minha mãe fosse ter uma recaída. -mas que nada, ela estava sadia feito um coco. E a nova dona Francisca recebia tantas visitas em nossa casa, que, realmente, eu não sei se eu seria tão utilizado para uma possível situação emergencial em relação á saúde dela. As amigas da minha mãe eram pessoas excelentíssimas. Sabe aquele tipo de vizinha que vai á casa da gente levando um agrado, e que não preocupava com a hora de voltar para casa? Pois bem. Dona Neusa, dona Maria do seu Martins, irmã Maria do irmão Sebastião e uma porção de outras vizinhas eram dessas tais. Nessa época, a situação financeira da minha mãe, já era o suficiente para uma troca de agrado. Também tinha o estoque de sabão que se esgotava á cada visita recebida. Na opinião das agraciadas com o espumante, o sabão de bola da dona Francisca era de muito boa qualidade. Continuávamos sendo pobres, mas a matriarca da família Ribeiro sempre soube ser caridosa. Ela dividia o pouco que possuía, com a igreja e com pessoas necessitadas e até com as que não necessitavam tanto assim. –Mãe, a senhora tá vendendo mais sabão do que eu.</p><p>–Não João Batista. É que eu gosto de dar um agradim para quem vem aqui “im casa”. Ela era analfabeta, simples e muito humilde, mas, muito bondosa com as pessoas.</p><p>Em setembro de 1987 eu anunciei á minha mãe e ao meu irmão Eurípedes, que eu iria voltar á engraxar sapatos, porque eu precisava ganhar mais dinheiro para eu poder comprar as minhas coisas. As vendas de sabão iam mais ou menos. O Nelino firmou parceria com Cabeção e Secão. A filha de uma vizinha não saía lá de casa e já havia me deixado um bilhetinho com versos romântico. O nome dela era, -digamos, Edna. E, numa certa manhã, ela passou em minha casa antes de ir para a escola. Eu havia acabado de escovar os dentes quando ela me entregou uma rosa Bem–me–quer, e me tascou um beijo no rosto. –tchau! Eu vou para a escola. –foi o que ela me disse antes de girar em um pé só e sair em disparada feminina. – aquela corridinha engraçada de cabeça baixa e uma paradinha para ajeitar a mochila nas costas, aproveitando a deixa, para dar mais uma olhadinha e um tchauzinho ao pretendido namorado. Eu tinha ainda quatorze anos. Ela tinha onze. Bonitinha, e bem encorpada. – não era gordinha, mas tinha uma leve tendência á aumentar o manequim. Pele clara. Cabelos castanhos escuros e longos, sempre amarrados em um molho só. Edna se revelou uma garotinha muito pra frente logo assim que nos conhecemos. Ela ia ao meu quarto, mexia nos meus gibis e ficava querendo saber se eu namorava uma das netas da irmã Maria.</p><p>–Qual delas?</p><p>–A Kelly.</p><p>–Não, menina. As três são minhas amigas. E, elas são crentes.</p><p>Ela tentava esticar a conversar com papinhos bobos, perguntando o que eu achava das três e dela também. Mas o interesse maior dela era saber sobre a Kelly, porque Kelly era uma garota muito recatada, porém, muito simpática com as pessoas de modo geral. Sobretudo, porque devido a minha frequência na casa dela nos cultos de domingo, a gente tinha certo grau de afinidade muito respeitoso e sem nenhum interesse afetivo. Sem contar que os avós dela me tratavam como á um filho.</p><p>Para evitar prolongar a conversa com Edna á respeito de Kelly, eu disse á ela que eu havia trabalhado para uma família no Setor Bueno, a qual tinha uma cachorra que se chamava Kelly. No domingo seguinte eu fui ao culto. Kelly me chamou para fora ao terminar a celebração. Então ela me perguntou se eu havia dito que o nome dela era nome que se dava á cadelas.</p><p>–Quem te disse isso Kelly?</p><p>–Nossa, Joãozinho, eu não esperava isso de você.</p><p>–Quem te disse isso?</p><p>–Não. Deixa pra lá. Você virá ao culto domingo que vem?</p><p>–Não sei não.</p><p>Eu já sabia quem foi que aprontou aquela lambança.</p><p>De qualquer forma, foi bom ter acontecido o que aconteceu. Continuei indo aos cultos e descobri que a tal Edna sabia mudar a frase e a expressão da fala para causar um contratempo entre amigos. Como eu já sabia que ela tinha a natureza impulsiva, tratei de cortar a amizade com ela. Não iria dar certo. Eu nunca tinha sequer dado um beijo numa garota. Sinceramente, eu realmente não tinha estímulo para me aventurar em um romance com garota nenhuma. Mas até quando isso duraria?</p><p>Rildo e Ismael, meus irmãos, nos visitavam de vez em quando, sendo acompanhados por mulheres bonitas que usavam calças de couros e jaquetões. Cabeção me contou que o Romualdo irmão dele, “garrava” as garotas mais gatas do mundo. (garrava” era assim que se falava quando um cara conquistava uma garota)</p><p>Ismael, Rildo e Romualdo. Cada qual em âmbito social diferente, mas ambos aproveitando a vida da melhor maneira possível. E eu? Qual era o meu âmbito social? O mesmo que os deles. Mas quais as minhas experiências com as duas garotas Maurinha e Cláudia? A minha frustração com Cláudia ainda fustigava o meu sentimento. Sentimentos ímpares e bem compreendidos por mim que crescia analisando esse tema da vida e encontrando mecanismos psicológicos para poder me precaver e não me deixar ser fisgado por outra paixão mal resolvida.</p><p>Maurinha foi, para mim, a garotinha mais adorável em minha vida, mas o que eu nutria por ela se resumia apenas em consideração, gratidão e complexo de inferioridade por ela ter me tratado com tanta atenção e dolo. Dolo sim, pois, eu sentia que ela tinha apenas dó de mim.</p><p>Garotas de todas as eras e décadas encabeçam a lista das melhores coisas da vida. Para mim naquele tempo, elas encabeçavam aquilo que eu queria que tivesse sido uma página virada na minha história.</p><p>*Agora eu vou escrever o nome da Maurinha.</p><p>*Joãozinho, você gosta da Cláudia, mas ela não gosta de você.</p><p>São retrospectos de uma infância e puberdade de um garoto que ainda tinha muito que aprender sobre a vida.</p><p><br /></p><p><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>O meu décimo quinto aniversário foi inesquecível. Anteriormente, eu apenas ficava mais velho, mas naquele 13/09/87 eu fui surpreendido. Meu irmão Eurípedes resolveu se livrar da velha cama dele, e fez uma de tijolos fixos no quarto. Foi muito engenhoso. Era dia doze de setembro. Eu tive que ceder a minha cama para ele dormir mais confortavelmente, afinal de contas, o trabalho dele era árduo e cansativo numa fábrica de artefatos de cimento. Eu dormi em um colchão estendido no meio da sala. Na manhã seguinte, quando acordei, havia um pedaço de bolo de trigo coberto com glacê branco. A minha mãe fazia bolos simples, não de aniversário. Deduzi então que dona Francisca ou Eurípedes havia se lembrado da minha saída da puberdade e iniciado a adolescência. Aquele gesto simples me deixou muito feliz.</p><p>O que ficou marcado também, não só em mim, mas na população goianiense, foi acidente com o césio 137. Por sorte minha, eu não tinha voltado ás ruas do centro para engraxar sapatos. O material foi achado no dia 13, dia do meu aniversário, fora rompido alguns dias depois, causando a contaminação nos arredores onde eu retornaria à engraxar sapatos. Poderia eu ter sido contaminado também, porque eu também catava cobres e alumínios em entulhos de obras pela capital. Engraxate honesto como eu era, juntava até esterco de animal para vender. Eu diria que eu era como a esponja de aço da Bombril “1001 utilidades”.</p><p>Em 87 Goiânia começava á colher os louros de uma boa administração e já estava em constante desenvolvimento nos setores públicos e privados. Mas o acidente com o material radiativo levou alguns investidores á desistirem de seus negócios na capital. O receio dos empresários e grandes grupos econômicos causou efeito negativo na economia de todo o estado, principalmente na região da grande Goiânia. O acidente com o Césio 137 fez com que o estado perdesse muitos investidores do ramo empresarial e industrial, e, por esse motivo, deixou-se de arrecadar impostos, e houve muitas perdas em todos os setores da economia estadual e municipais. Foi repercussão mundial quase que semelhante á Chernobyl. Algumas pessoas morreram. Outras foram contaminadas e morreriam posteriormente por terem sido vítimas daquele material radiativo.</p><p>Devido à tragédia de tamanha proporção com o césio, eu continuei no Expansul fazendo amizades com velhos, rapazes, meninos e meninas e vendendo sabão. Quando cheguei á adolescência eu já tinha uma visão de mundo completamente diferente dos garotos da minha época. Constatei essa diferença assim que fiz amizade com alguns deles. A maioria dos garotos não saía do campinho de futebol, e foi nesse local que conheci uma boa parte dos meus novos amigos. Muitos deles eram ótimos jogadores. Com exclusividade para o Binha e Wallas. . Depois do futebol a gente se sentava no meio do campo e ficava conversando sobre nós. Eu era o que mais tinha algo á contar, afinal, eu era novato entre eles. Há muito tempo eu já vinha driblando as dificuldades da vida. Mas, eu preferia ouvi-los.</p><p>O que eles conheciam de aventura era ir á represa do Deraldo, o fazendeiro da região, e na cachoeira do Cepaigo, Complexo prisional estadual. Eu já havia navegado em mar aberto, - lê-se centro de Goiânia. – remado contra as turbulências daquelas águas, as intempéries da vida, para não me tornar um náufrago. Eles invadiam propriedades alheias para pegar a bola que lá ia parar. Eu subia em viga aérea rente á sacada do palácio do governador para dar saltos mortais dando dois giros até tocar o gramado. O gramado do centro administrativo estadual era o meu tatame para eu realizar as minhas peripécias acrobáticas. Eu não temia que os policiais me prendessem. Japão da vadiagem era meu conhecido. Eu escovava as botas de cano médio desse policial, e a pochete que ele trazia sempre recheado com uma arma. Os homens do quinto DP da polícia Civil eram meus fregueses de engraxadas, me pagavam em dinheiro e ainda me davam marmitex de comida, lacradas.</p><p>Alguns fatores comunitários contribuíram para que eu pudesse me relacionar bem com os meus novos amigos. O setor não oferecia riscos de violência até então. Por esse motivo, depois das minhas vendas de sabão que aconteciam no período da manhã, nós ficávamos o dia inteiro rondando pelo bairro, e de tardezinha a gente jogava bola. As conversas e discussões infantis deles me revelaram que eu era nervoso e brigador apenas com moleques metidos á donos das ruas da capital. Com os meus novos amigos, eu não encontrava motivos nem razões para brigar ou ao menos discutir. Alguns deles diziam que folheavam revistas pornográficas. Outros não comentavam. Eu lia Tex, homem aranha e demais gibis da Marvel. Eu tinha coleção destes gibis, e lia também muita literatura fictícia e outras não.</p><p>Eu convivi com gente rica, e outras muito pobres. Bons e maus elementos. Então, eu sabia lidar com pessoas de todas as classes sociais. Enquanto eles ainda iam a festas infantis em casas de famílias no bairro, eu já havia vivido os embalos de sábado á noite na Vila Brasília e em outros bairros barras pesadas em Goiânia. </p><p>A maioria daqueles garotos dançava quadrilha em festas juninas, eu dançava funk com o grupo Geração 2000. O maior grupo de funk de Goiânia. Na verdade eu não era um membro desse grupo, mas o meu irmão Rildo o era. Os demais membros, Celsinho, André, Horley, Rildão, Tipopa e Júnior, eram todos meus primos de consideração. Aprendi dançar funk assistindo os ensaios deles na Vila Brasília para duelarem com os Cãs de Rua do Breack liderado por Lagartixa, ou bobão se preferir. Funk mania, Dragões do funk, explosão funk e outros mais.</p><p>Mas eu não dizia tudo isso aos meus novos amigos. Com aquela galerinha eu aprendia que, quanto mais a gente adquire experiência de vida, se não soubermos administrá-las bem, mais nos tornamos amargos e arrogantes. Eu tinha ciência disso e precisava trazer de volta á minha vida a minha infância perdida.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> *</p><p><br /></p><p>1988 seria o início de uma nova fase em minha vida. Neste ano eu completaria dezesseis anos de idade, e com isso, mudanças radicais aconteceriam comigo.</p><p>Eu dançava funk, sozinho e sem música tocando, Mas com a boca eu improvisava as batidas de um funk do Zapp na área da nossa casa. Eurípedes me flagrou ao chegar do trabalho naquele fim de tarde. Eu fiquei meio que na expectativa de uma possível bronca. Sentei–me na mureta da área e esperei que ele guardasse a bicicleta no cômodo lateral. Meus calcanhares socavam a parede da mureta, na medida em que o meu coração ia se estabilizando em batidas normais. Eu queria dizer á ele, que eu iria á uma festa na casa do Zé pretinho, pai do Wallas. Eu não estava com medo, mas um pouco ressabiado. Então ele se desocupou e veio se sentar em uma das nossas duas cadeiras de fio. Ficou em silêncio por alguns segundos e depois perguntou onde estava a nossa mãe e o Nelino. Eu respondi que eles haviam ido á casa da dona Maria, mãe dos meus amigos cheirinho e bonitinho. Então emendei:</p><p>–Eurípedes, eu quero ir á uma festa na casa de um amigo meu, depois de amanhã.</p><p>Foi aí que ele expôs a questão. Resumidamente ele me falou que eu podia ir aonde eu quisesse, mas a hora de eu voltar seria até ás nove da noite. Se passasse deste horário, eu não entraria para dormir dentro de casa. Me deu alguns conselhos referente ao perigo de eu voltar á viver como eu e meus outros irmãos vivíamos na Vila Brasília, e ao final respaldou: – tome cuidado com as coisas do mundo.</p><p>Este meu irmão, em toda a sua vida, havia ido á uma única festa, ficando por lá, meros dez minutos e prometeu nunca mais ir à outra. Ele ainda era rapazote na época.</p><p>A única bebida alcoólica que ele ingeria era o vinho da ceia.</p><p>Porém, tudo que eu conseguia dissociar entre o certo e o errado perante os olhos de Deus, era não matar, não roubar, ser honesto e respeitar pai e mãe. No meu caso, eu teria que respeitar a minha mãe e o meu irmão que estava na qualidade de meu pai. Foi pensando nesta questão, relativa ao meu á ele e no que nós vivíamos juntos que eu entendi as diferença entre respeitar alguém e temer alguém. Eurípedes era o provedor do lar. O irmão que providenciava as minhas e as nossas provisões diárias. Eu o respeitava. Mas não seria apenas por este motivo, que eu iria compreender a diferença entre respeito e temor. Em algum estágio da minha vida, eu comecei á refletir sobre o significado dos temas mais relevantes na vida do ser humano. Então eu descobri que, eu respeitava o meu irmão, eu sempre o queria por perto de mim. E mesmo que na ausência dele eu fazia arte, dizia palavras grosseiras e me comportava de modo indecente, quando ele se apresentava naquele exato momento em qualquer lugar, eu mudava o meu comportamento, media as palavras e também me sossegava no devido lugar. Quanto ao meu irmão mais velho, eu não queria estar perto dele em ocasião alguma.</p><p>No sábado seguinte, eu fui àquela festa. Tinha muita gente ali, mas não rolou funk. O forte era forró sem briga. As músicas românticas eu não dançava porque eu não conhecia bem as garotas que não eram tantas assim. E mesmo que eu ás conhecesse, eu não teria coragem de abordá–las para uma dança. Wallas e seus amigos, até que tentaram me incentivar á dançar as músicas pops e românticas de Cindi Lauper, mas eu preferi ficar na minha, de braços cruzados e com o pé direito na parede da sala pista de dança. As horas iam passando e as pessoas raleando. Eu não tinha aonde dormir. Apossei–me de uma cadeira de metal daquelas de bar e abeirei a mesa onde Zé pretinho e seus parceiros jogavam truco debaixo de um grande pé de manga. Experiente com o repertório musical que era usado no quase final de uma festa, eu percebi que a música sertaneja do Milionário e José rico tocando naquela hora da madrugada, era o anúncio de que eu teria passado a noite quase toda em claro sem dançar, mas, alguns novos colegas eu havia conquistado. Aproximadamente quatro horas da manhã, eu deixei o baile e fui para minha casa. Encolhi–me no canto da área e esperei o dia amanhecer. As madrugadas são sempre frias, mas nos anos 80, elas eram piores ainda. Quando minha mãe se levantou de manhãzinha, eu entrei para o quarto e dormi na cama. Sentindo que eu estava livre para voar e descobrir novos horizontes, eu ficava sobrevoando sobre um horizonte e outro; igreja e festas.</p><p>Minha mãe, conselheira e desejosa de que eu um dia, finalmente, obedecesse ao chamado de Deus, esperou que eu acordasse já com o sol alto naquele dia, para então ela me dar conselhos. Eu pedi á ela que não se preocupasse comigo, pois, as pessoas do bairro eram tranquilas. Enfim, dei minhas explicações. Ela reservou uma coberta de retalhos que ela havia feito á alguns dias. Era pra eu não dormir descoberto no piso da área. Eu me lembro de ouvir ela me dizer pra eu tomar cuidado. E que ela estava me entregando nas mãos de Deus.</p><p>Minha mãe e o meu irmão Eurípedes, não exigiram que eu deixasse de ir ás festas e que eu fosse crente. Os dois foram bem democráticos sobre esta questão. Sem forçar a barra comigo, nós seguíamos levando a vida, cada um ao seu modo. Eles, bem crentes e devotos. Eu, simpatizante e admirador do sistema doutrinário da Congregação Cristã no Brasil. Porém, no decorrer da semana eu fui me envolvendo cada vez mais com a juventude do bairro. Novos moradores vinham chegando, e entre estes, alguns conhecidos meus, da Vila Brasília. Aos poucos eu me identificando com o Expansul.</p><p>Dando uma volta pelas cercanias do setor, eu avistei Romualdo e seus três amigos dançando debaixo de um pé de manga no quintal da casa dele. Era bem espaçoso, arejado e sombreado o local. Eu estava no quintal da minha casa, quando os vi. Romualdo era o cara que tinha o título de maior conquistador das redondezas.</p><p>Ele e seus parceiros ensaiavam um passe de funk com o toca–fitas portátil rodando You get me hot do Jimmy Bo Horne.</p><p>A coreografia dos quatro parceiros do grupo era um pouco diferente do que eu dançava. O funk deles era mais acrobático e frenético. O que eu aprendi com o grupo Geração 2000 era mais aquele estilo de jogo de pernas, passos e braços em movimentos compassados, charmosos e com mudanças de lugares, bem coordenadas entre os parceiros do grupo.</p><p>No sábado á noite eu cuidei de guardar na área a minha coberta de retalhos e passar a minha gola–polo branca e a minha calça Jeans que era uma calça de barra comum, mas eu tinha a intenção de apertá–la um pouco mais. Calcei meu Docsaid, orei o pai nosso. Eu estava ansioso durante o dia inteiro, mas não podia me esquecer de orar. Ao terminar, me lembrei de um relógio que eu tinha, mas nunca o tinha usado. Peguei–o dentro gaveta do guarda–roupa, seminovo que o Eurípedes havia posto no quarto onde eu dormia em uma cama de solteiro, e minha mãe com o Nelino em uma de casal. Coloquei o relógio no pulso e saí.</p><p>Chegou a hora, eu estava indo ao Clube Recreativo de Aparecida. Fui com Bonito e cheirinho. Romualdo havia ido para outro clube que eu não me lembro se era o Carneiros ou o Sargento. Bonito se apartou de mim e do cheirinho e foi para a casa de show A tarantela.</p><p>Ainda era cedo. Eu tinha saído de casa ás oito horas da noite. Eu me lembro bem dessa hora, porque o cheirinho me perguntou se eu havia adiantado a minha caixa dágua em uma hora. Ele era brincalhão. O meu relógio era um daqueles que tinha uma calculadora e não entrava água. Eu o ganhei da minha irmã Airta quando a gente ainda morava na Vila Brasília.</p><p>Quando passávamos pelo cemitério, eram oito e quatorze.</p><p>–Não é hoje não. –falei.</p><p>–E sim. Depois da meia noite.</p><p>–Agora que são oito e pouco mocorongo.</p><p>–Tá cedo ainda. Vamos para a praça. –ele sugeriu.</p><p>Passamos primeiro pelo clube. O DJ ainda testava a aparelhagem. Enquanto ele dizia: som. 1. 2. Testando som. Nós seguíamos rumo a Praça da Matriz. A expectativa era grande. Mas, um detalhe me chamou a atenção. As pessoas ali não usavam roupas iguais a minha. Eu reparava os rapazes e garotas, eu notava que quase todos eles usavam calças Bags e camisetas, outros vestiam camisões por fora da calça. As garotas vestiam calças bem a cima dos seus umbigos, e minissaias de cinturas altas. Tênis de canos curtos estavam em alta entre a maioria. Eu estava me sentindo um “prego”.</p><p>O vestuário das pessoas do centro da cidade Aparecida, que recebia gente de todas as regiões e setores do município nas noites de sábado, á meu ver era visivelmente diferente do que eu esperava. Eu havia saído de uma região onde a moda era Calças boca de funil para os homens mais adultos, e calças Hollywood para as mulheres mais atiradas. Fora o fato de que, até em meados dos anos 80, muitos homens usavam calças bocas de sino, camisas sociais coladas ao tronco e desabotoadas. Blusões de couro, e também o estilo Michael Jackson. Por eu ter ido somente á festas realizadas nas casas em diversos setores de Goiânia até o ano 1986, eu tinha uma perspectiva de que o meu visual estava de acordo com o da maioria do pessoal que eu iria encontrar no clube de festas. Para eu ser sincero, a calça e a Y. S. L. e a camisa gola–polo que eu estava usando naquela hora, foram presentes que eu recebi da dona Nair Almeida Avelar, minha ex–patroa em 85 e 86. O sapato eu o comprei na Bobb-socker no centro.</p><p>Eu me sentia ultrapassado em relação aos adolescentes da região central da cidade. Mas eu teria que me adaptar á esse novo meio social de comportamentos, modismo e modos de curtir ás noites de sábados.</p><p>Cheirinho era tão tímido quanto ele só, e não me apresentou garota e amigo nenhum ali na praça. Ficamos no coreto da praça, vendo o movimento nos bares e centenas de meninas bonitas que desfilavam por ali. Tudo ali era muito diferente do Setor Expansul também. Eu estava no lugar onde todas as tribos se encontravam:</p><p>Funkeiros. Heavy–metals. Colegiais. Estereótipos de burgueses. Se haviam ricos, eram os homens com chapelões e botas que engoliam as barras de suas calças Jeans. Nesse aspecto, nada me surpreendia, pois eu coabitei com uma família que ficou rica de modo “sobrenatural” e ficou pobre em pouco tempo. Trabalhei para outras famílias que eram ricas de berços e continuavam sendo de forma honesta. Da pobreza, eu não havia fugido dela, ainda. Mas, o nível já era outro.</p><p>Todas as características que identificavam os grupos de uma juventude transviada ou não, se apresentavam aos meus olhos curiosos e o meu estado analítico enquanto eu permanecia na praça, esperando a hora para ir ao clube.</p><p>Eu e cheirinho, passávamos do lado da igreja da Matriz, quando um rapazinho com cabelos negros e lisos como de índio, nos abordou com um jeito alegre e muito legal de ser. Era o Cetinha. –Vambora para o clube. Já começou. Eu já tomei todas, e garrei altos brotos, por aqui. Vamos lá, cheirinho. E aí chegado. –ele nem me conhecia. Pegou em minha mão e completou. –de onde você é? Eu disse á ele que eu morava no Expansul. Ele falou que morava no Jardim Eldorado que fazia divisa com o meu. Em direção ao clube de festas, nós seguimos. Cetinha ia de um lado á outro cumprimentando transeuntes, homens e mulheres que passava por nós. Até que ele sem saber, faria o meu rosto corar de vergonha. –Tá vendo essa gostosa ali? Era uma menina baixinha com minissaia colada ás pernas bem torneadas. Cabelos claros e cacheados das raízes ás pontas, rosto redondo e lábios bem vermelhos de batom.–Cidinha, vem aqui. –ele a chamou. Ela veio. –Esse aqui é o meu chegado, Joãozinho.</p><p>Cidinha pegou em minha mão e me deu três beijos no rosto. Depois, Cetinha deu uma tapa na bunda dela e falou: – Vai embora daqui mulher feia. –ele mentiu. Ela não era feia. Tinha um jeito rebelde de ser, mas era muito sensual e atraente. Cheirinho já a conhecia, e antes de ela ir, deu beijos no rosto dele também.</p><p>Naquela altura da noite que, já havia me proposto situação de constrangimento de estilos de vestimenta e vergonha por ter ganhado três beijos no rosto, eu queria mesmo era estar na pista de dança.</p><p>Chegamos. Compramos os ingressos e entramos. Eu não sei o quanto foi que eu paguei para entrar. Lembro–me apenas, de ter ficado ansioso na fila para enfim chegar a minha vez de entregar uma nota de dinheiro para o bilheteiro e pegar o ingresso. Estávamos no plano Cruzado, novo sistema monetário, então eu não posso assegurar com certeza qual a nota que passei ao bilheteiro e nem quanto foi que ele me devolveu. O cheirinho ficou conversando com alguém do lado de fora, era um rapaz claro e magro. Quanto ao Cetinha, ele me falou que logo ele estaria lá dentro também. Quando eu estrei, foi fantástico aquela entrada. Ver o globo girando sobre a pista, as luzes multicoloridas, também negras e piscas–piscas. Toda aquela pirotecnia eletrônica dentro de um espaço dezenas de vezes, maior do que as salas das casas onde aconteciam as festas nas periferias da cidade, para mim era espetáculo á parte. Quando o DJ começou a festa, eu não sei. Mas tocava justamente a música funk More Bounce to the ounce do Zapp para me dar as boas vindas. Lembrei–me dos ensaios que eu assistia, do Grupo Geração 2000. Muita gente estava ali dentro, mais estavam chegando e chegaria á cada minuto. O nome e slogan da equipe de som eram: Made in Brasil era. O som do ano 2000.</p><p>Recordo–me de naquele momento de total satisfação, eu ter ido rumo á pista no nível rebaixado do piso para dar os meus primeiros passos sobre o primeiro degrau. Eu movimentava os meus pés para os lados, batendo–os um no outro sem sair do lugar. Movimentando pernas, corpo e braços de maneira compassada e batendo palmas leves e em pulsações ritmadas com as batidas do funk americano. De olhos fechados, só para sentir a emoção e me preparar para uma performance solo entre muitos ali que dançavam e também os que apenas assistiam.</p><p>De repente, Cetinha chegou quase que pulando na minha frente, com um rapaz negro. Então, ele me apresentou ao Vanderley, o B.A. Parei de me movimentar para pegar na mão daquele rapaz. Eu estava sendo apresentado á um dos caras mais conhecido e respeitado pelos frequentadores do Clube e de outro lugares.</p><p>Num dado momento formou–se uma roda no centro da pista. Os feras do funk em Aparecida estavam reservando aquele espaço para suas apresentações. Eu não me sentia preparado ainda para estar entre eles. Permaneci onde eu estava. B.A se foi para a roda. Cetinha ficou do meu lado por alguns segundos. Mas, ele tinha o jeito só dele, de ser simplesmente, Cetinha, o colega que me colocaria nas situações mais embaraçosas, e ao mesmo tempo, prazerosa de se relacionar com novos amigos e garotas naquela noite.</p><p>Chegou a hora da música romântica. Sentei–me em uma cadeira na lateral do espaço. Tinham muitas mesas com cadeiras espalhadas nas partes laterais do clube. As largas passarelas de um lado e outro separavam a pista de dança das áreas de consumo de bebidas. Cetinha foi dar uma volta pelo salão. Quando voltou, trouxe a irmã da Cidinha. As duas eram completamente diferentes uma da outra. Ela tinha os cabelos lisos e escuros, não negros, castanhos talvez. Tinha maior altura e um jeito mais recatado e vestia jeans e camiseta branca. –Oi! Prazer. –eu disse, me levantando e quase caindo sobre a mesa. –João... Joãozinho. –Oi! Luciene. –Três beijinhos, e o meu coração disparou dentro do meu peito. Cetinha e Luciene saíram para dançar. Deu para notar que eles não eram namorados, porque o par dançou apenas uma música. Eu os observei, sentado no mesmo lugar. Continuei por ali olhando tudo ao meu redor. Casais que dançavam. Meninos que corriam entre as pessoas, esbarrando nelas sem parar para pedir desculpas.</p><p>Muitas garotas bonitas e outras nem tanto. Em minha mente, ficava a impressão de que eu só precisava ter coragem de convidar uma das meninas para dançar comigo. Mas, eu estava me desprendendo aos poucos. Confesso que com Luciene eu não fiquei envergonhado como da outra inusitada apresentação com a irmã dela. Eu sentia que aos poucos eu ia me ambientando e, isso já era um bom sinal.</p><p>Não dancei sequer uma música romântica naquela noite, mas, o funk que eu apresentei na última roda no final daquela festa inesquecível foi o suficiente para eu ter o meu espaço entre os melhores, ser requisitado e desafiado pelos melhores funkeiros que ali dançavam. Eram eles: B.A. Chiqueba. Clóvis e Marquinhos, por enquanto. Conheci outras garotas, por intermédio dessas pessoas naquela mesma noite. De madrugada eu voltei para a minha casa com o B.A que era vizinho do Cetinha no Jardim Eldorado, e que também veio com a gente formando um trio. Cheirinho e bonito eu não sei por onde andavam, e quando foi que eles foram embora. Nas nossas conversas pelo caminho de volta, eu descobri que B.A era mais reservado e desconfiado, mas um grande cara e dançarino. Cetinha era um tremendo fantasiador da vida. Mas que, sobretudo, era alegre e muito feliz. Ele bebia um copo de cerveja ganhado de alguém, e dizia que havia bebido todas, a noite inteira. Andava abraçado com uma garota e garantia que tinha dado uns amassos nela. Ambos se tornaram meus amigos.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>SONHOS PERDIDOS </p><p><br /></p><p>Ainda no ano 1988, muitas coisas aconteceriam comigo, e, eu teria que encarar e enfrentar o que a vida me apresentava com a minha pouca experiência adquirida em algumas áreas da vida. De qualquer forma, para mim, com poucos meses á cima dos quinze anos, eu teria que aprender á usar o que eu aprendi em situações anteriores, para com o meu modo de ser, agir e pensar, tomar uma atitude em relação aos últimos acontecimentos de até então.</p><p>Então, acreditando na nossa habilidade com a bola nos pés, resolvi acreditar no meu talento com a bola. Cabeção, e bonitinho, me acompanhou até á sede de treinamentos do Goiânia esporte clube. Era dia de treino para a categoria juvenil.</p><p>Quando pegamos o ônibus que passava de hora em na BR 153, eu fazia os meus planos para serem realizados assim que eu passasse naquele teste. Eu queria ser jogador de futebol para poder ter boa condição financeira, proporcionar uma vida melhor á toda a minha família e também ter notoriedade e fama.</p><p>Quando chegamos ao centro de treinamento no Jardim Olímpico, Severino, o treinador escalou as equipes juvenis. Bonito e Reinaldo cabeça começaram jogando. Eu fiquei fora da partida. Pensei que havia dado viagem perdida, mas esperei sentado no gramado próximo á linha lateral. Aconteceu que, um dos jogadores discutiu com o treinador Severino, tirou a camisa e a jogou na grama. Quando ele abandonou o campo, Severino me chamou e passou–me outra camisa de treino. Vinte minutos mais ou menos de jogo, eu já tinha feito alguns lançamentos e participado bem nas jogadas. Quando na linha que divide o centro do campo, eu tentei tirar a bola do domínio de um adversário. Ele me passou a bola entre as pernas. Aquela finta me deixou completamente desanimado e querendo sair do jogo, mas continuei Fiquei tentando me sair melhor, mas sem esperança de ser selecionado. Em minha concepção, Severino me substituiria á qualquer momento. Mas em um dado momento, eu dominei a bola á uns dez metros fora da grande área e chutei. O goleiro defendeu, mas Severino gritou: é isso garoto. Apenas isso. Reanimado continuei até o fim do treino. Houve muitos gols, tantos que, a gente nem consegue contar. Era treino, e o placar do jogo não importava naquela partida.</p><p>Cabeção era bem novinho e não enquadrava na faixa de idade daquela categoria de base. Quanto ao bonitinho, eu o chamei para irmos saber da avaliação do treinador sobre o nosso desempenho, porque ele chamou os outros que já eram jogadores do clube, para conversar no vestiário, talvez. Eu e bonito, ficamos á ver navios, até o momento em que Severino olhou para trás e fez um gesto de quem estava chamando á nós três.</p><p>–Vamos lá bonitinho.</p><p>–Não, eu não vou não. Eu acho que fomos dispensados.</p><p>Eu fui sozinho. Quando me aproximei do treinador Severino, ele me disse para eu voltar aos treinos nas quartas feiras no mesmo horário.</p><p>Seria a realização dos meus sonhos. Mesmo que eu não estivesse jogando do lado do Zico no maracanã, ou com os jogadores do Vila Nova, os meus dois times preferidos, desde a minha tenra idade.</p><p>Na volta, dentro do ônibus eu pensava calado, com o lado direito da cabeça colado no vidro, sonhando de olhos abertos: Quando a Maurinha souber que eu virei um jogador profissional, ela vai me admirar. Solon, Maurício, Elmo, Bizuca, todos os jogadores do time AZ, do cruzeiro, águia e vasquinho vão saber que eu consegui. (estes eram os jogadores e times de várzeas que eu os conheci vendo–os jogar no campo dos correios e demais campos na Vila Brasília) Todos, times fortes e jogadores muito bons.</p><p>No decorrer daquela semana para chegar á outra, eu continuava jogando nas tardes de todos os dias. Porém, o seu Vicente me convidou para jogar no time que ele havia formado para disputar o campeonato juvenil municipal. No domingo de manhã naquela mesma semana, jogávamos no campo do adversário no Setor Tangará. Eu já havia marcado dois gols, e o meu time vencia a partida por três á dois. Em um lance, dominei a bola na diagonal e passei pelo primeiro marcador com uma meia–lua. O segundo, eu consegui passar a bola entre as pernas dele, com apenas um toque sutil. Eu devia ter tocado a bola para um parceiro, mas não dava. Eu já me aproximava da grande área e não tinha mais nenhum marcador. Então o goleiro abandonou a área e veio me atropelando. Tentei me esquivar perdendo o domínio da bola e saindo de lado, mas mesmo assim, ele pendeu o corpo para o meu lado e jogou em cima de mim. O impacto foi forte, pois todo o peso dele veio de encontro a minha perna direita esticada no chão. Ele caiu sobre o meu joelho direito. A dor foi intensa. Seu Vicente veio com éter e jogou no local da dor. Aliviou, mas eu saí carregado pelos meus amigos. Eu só voltaria á jogar futebol, no mês seguinte em Dezembro. Não engessei a pernas, mas usei faixa por muitos dias. Quando eu voltei á jogar, para poder me certificar de que eu estava em condições de voltar á Vila Olímpica, mesmo tendo passado da fase da peneirada, eu passei á ter deslocamento naquele joelho, quando eu chutava forte, e também evitava disputas arriscadas com o adversário. Mas, eu queria ir ao treino na Vila Olímpica. Por isso, eu continuei fazendo daquele campeonato, o meu preparatório. Num outro domingo de manhã, uma bola sobrou para mim e o adversário. Eu tentei dominá–la, mas ele chutou a bola no momento em que ela tocou em meu pé direito. O meu pé deu meio giro e, o joelho sentiu o impacto. Novamente, eu saí do campo me apoiando nos ombros dos amigos. Mais alguns dias fora dos campos. O sonho acabou.</p><p><br /></p><p>Aparecida de Goiânia era considerada, quase que na totalidade, uma cidade–dormitório para os seus moradores. Apesar de sua localização bem próxima á capital e de ser o segundo município mais populoso do estado de Goiás, ficando atrás apenas de Goiânia em números de habitantes. Mas ainda, apesar de sua privilegiada proximidade com a capital, faltava á cidade, muitos recursos no ramo da infraestrutura, benfeitorias públicas e empregos á população aparecidense. Por estas e outras deficiências, as pessoas recorriam á capital para trabalhar e também adquirir bens de consumo, assistência médica e suprir outras necessidades. Mas o que mais fazia jus á este título era o fato de que as pessoas da maioria dos bairros de Aparecida de Goiânia tinham que trabalhar na capital e só regressava á noite para as suas casas. Por isso, o título de cidade–dormitório caiu bem ao município inteiro. O Setor Expansul em toda a sua extensão territorial possuía todas as características de um povoado encravado nos confins de um município interiorano. Arame farpado delimitava os terrenos dos proprietários de lotes e de áreas arrendadas para o plantio de arroz, milho, mandioca e até de batata–doce. Carroças era o meio de transporte mais usado na região. Gado solto pelas ruas, que pertencia ao fazendeiro Luís Leite. Este homem distribuía leite de graça para os moradores do setor. A sede da fazenda dele ficava á duzentos metros da minha casa.</p><p>No Expansul, muita gente se virava por ali mesmo. Havia alguns carroceiros que faziam fretes e também vendiam leite nas casas das famílias. Porém, algumas empresas começaram á serem construídas por ali no Expansul. Dentre elas eu destaco a Agromen sementes. Eu trabalhei de servente na construção dela em 87 e posteriormente eu fui o separador de sementes de pastagens e grãos cereais para plantio. Tempos depois a Agromen viraria Gelre sementes e grãos. E por fim, Leilões Brasil. Arrisquei trabalhar na construção do Laboratório Equiplex, mas foi só por meio dia de trabalho. Ao leste do Expansul despontava um promissor distrito industrial, o Daiag, nas proximidades do complexo prisional Odenir Guimarães, o Cepaigo. Nas primeiras indústrias á serem construídas e se estabelecer por lá, eu ajudei á construir. Algumas indústrias e firmas não funcionam mais, outras permanecem até os dias de hoje. Quando me faltava vaga nas construções, eu continuava ganhando o meu dinheiro honestamente em outras modalidades de trabalho informal.</p><p>Se havia algo desonesto que eu pratiquei, foram as vezes que eu e meus amigos engraxates, invadíamos os quintais das residências das pessoas ricas em Goiânia para subir nos pés de coco e subtrair alguns. Mas com toda honestidade de caráter eu afirmo, era por aventura e diversão. Alguns moradores, até nos surpreendia em no ato, mas sabia que não éramos ladrões de bens maiores, pois se fôssemos eles já teriam organizado uma força tarefa para nos levar á prisão. Éramos o terror dos pés de cocos do Setor Marista, Bueno, Oeste e Setor Sul. Os meus pais eram religiosos, e o meu pai enquanto viveu sempre foi um homem honesto e trabalhador. Embora ele já tivesse falecido, eu levava comigo o legado deixado por ele: ser honesto e trabalhador sempre.</p><p>Com essas recomendações ainda latejando em minha cabeça, teve vezes que eu recusava á ir roubar coco, mas mesmo sendo um menino que tentava ao máximo viver em dignidade em meio á tanta pobreza e ofertas para o crime, eu sentia que praticar uma aventura que não daria para causar dano algum àquelas pessoas tão ricas dos setores nobres de Goiânia, não deixaria o meu pai triste comigo, lá no céu, sabendo que nós vivíamos em um mundo e tempo em que meninos engraxates eram sempre vistos como á trombadinhas e maloqueiros. Eu não era ladrão. Considerava-me um aventureiro, apenas um aventureiro.</p><p>O meu dinheiro estava acabando por eu já ter gastado o que ainda me restava das vendas de sabão e de um lote que eu capinei para um senhor chamado Paulinho do caminhão que moraria futuramente na quadra aos fundos da minha casa. Ele foi um bom sujeito e me pagou um preço muito á cima do que eu ia cobrar dele. A quantia em Cruzados havia sido o suficiente para eu dividir com o bonitinho o pagamento pela empreita. Juntos, éramos parceiros para o que der e vier se fossem honesto e honroso. Dias antes, nós já havíamos construído uma privada no quintal de um homem meio surdo que tinha o apelido de seu Doca. A casinha privada foi erguida com adobe e massa de barro vermelho. Talvez tivéssemos sido os únicos construtores á erguer um monumento com o topo pendido para o nascente do sol o meio para o poente e a base no ponto central. </p><p>Seu Doca nos pagou satisfeito por aquela obra de arte em arquitetura que devia ser analisada pela Nasa e incluída no Guinness Book como sendo a mais original construção predial a qual cada adobe assentado seguia seu próprio alinhamento, esquadro e base de prumo. Considerando também que, a abertura de entrada e saída daquela privada era uma representação de todas as formas geométricas. </p><p>Para alguém entrar naquela casinha privada seria necessário que ele contorcesse todo o corpo.</p><p> Capinamos eiras de em um milharal na chácara do seu João, pai do Bilô. Cavamos fossa fecal para um novo morador do nosso bairro. Eu sempre dava um jeito de me virar, trabalhando honestamente. Desde que eu perdi o meu pai, todo dinheiro que eu adquiria era trabalhando ou ganhando de pessoas boas pelas ruas do centro e setores nobres da capital.</p><p>Pensando em o que fazer para arrumar um emprego fixo, pois, eu precisava de um ordenado que pudesse garantir as compras das coisas que eu queria possuir. Eu precisava de roupas novas e diferentes, calçados e outros objetos usados por qualquer adolescente daquela época. Eu senti que necessitava apenas de uma entrada contínua e constante de dinheiro.</p><p>Naquele dia eu fui á em presa Cardealtur Transporte e Turismo Ltda. Falei com o doutor Airton Machado, bom homem empresário e dono daquela empresa, junto com dona Selma.</p><p>Doutor Airton acompanhou a minha infância pobre no centro de Goiânia. Ele soube o quanto eu fiquei contrariado quando eu, meus irmãos Rildo e Ismael e os nossos amigos, fomos usados por políticos que diziam que iam melhorar a nossa condição de pequenos engraxates, escórias da sociedade. Aqueles mesmos políticos usavam a nossa imagem. Nós engraxates, queríamos que “eles” os políticos, legalizasse a nossa profissão, pois foi isso que todos prometiam. Fomos até filmados para as companhas deles, e, no final da exploração, eles apenas instalaram algumas caixas de fibra fixadas no calçadão da Avenida Goiás. Aquelas porcarias vermelhas foram motivos para nós engraxates do mesmo ponto, brigarmos feitos á inimigos, porque, uns queriam bancá-las dali, outros só não o fazia e nem deixava fazer por medo da polícia. Nós fomos ludibriados por eles. Todos os itens estampavam os slogam propagandeiro. Deram á nós uns jalecos, uma caixa de graxa de madeira de segunda linha, que, em uma das minhas brigas com os maloqueiros no calçadão, a caixa não aguentou nem a primeira fase da briga. Nesse dia eu tive que correr. Eles vieram tomar a minha marmitex que eu havia ganhado dos varredores de rua, e, eu comia sentado na bendita cadeira de fibra no calçadão da Goiás em frente à empresa Cardealtur Transporte e Turismo.</p><p>Depois de eu ter levado e dado muitas caixadas e levado muitas bicudas, eu fui parar dentro da empresa do doutor Airton. As funcionárias, em suas mesas se levantaram assustadas, mas eu fui direto á mesa dele e expliquei o porquê da briga e invasão. Não dá para esquecer fatos assim. Naquela hora, Doutor Airton, me contratou para distribuir panfletos, apenas no sinaleiro da Rua 02 com a Avenida Goiás, próximo á empresa, para eu não voltar á ser vítima daqueles maloqueiros. Passou também á me dar dinheiro para eu almoçar onde eu quisesse.</p><p>Três anos depois, eu o incomodava novamente. Pedi emprego ao bom ex-patrão. Contratado eu fui naquela mesma hora. Por três dias eu distribuí panfletos. Depois passei á colar adesivos com os endereços e nomes dos clientes, nos impressos informativos e destinos turísticos da empresa. Dias depois ele me colocou como seu contínuo imediato. O meu trabalho era ir á mesas das atendentes e aos demais funcionários para buscar e levar documentos para as assinaturas do patrão e alguns cafezinhos. Todos os dias ele me entregava um pedaço de papel com a assinatura dele. A rubrica era tão fácil de fazer, que, eu á imitaria facilmente.</p><p>Fabiano, o office-boy, morava na Vila Adélia. Fiquei surpreso, porque eu o conheci no campo de futebol do meu bairro. Mas o que mais me surpreenderia dias depois na empresa, era a presença de uma pessoa do sexo masculino que, eu o conhecia bem. Aquele “homem” que protagonizou as cenas mais imorais e pervertidas que eu já havia presenciado até então, desde os meus nove anos de idade. Quando eu o vi ali pela primeira vez na empresa, ele me olhou com expressão no rosto, de quem queria me dizer: – segredo, hem! Dias depois, eu o vi no bebedouro, perguntando á uma funcionária se eu estava trabalhando naquela empresa. Fiquei preocupado.</p><p>Numa manhã de segunda feira, eu tive que ir com o doutor Airton á uma empresa que fazia a distribuição dos impressos promocionais. Dentro do Diplomata, ou Comodoro, dele, eu só me lembro de que o automóvel era novo e muito confortável, mas eu me confundo em relação ao nome, eles eram tão parecidos. Mas, do que ele falou dentro do carro, eu não me esqueço de nenhuma só palavra.</p><p>Ele me perguntou se eu tinha os meus documentos pessoais, eu respondi que tinha apenas o registro de nascimento. Ele disse que era pra eu, na terça feira, pegar o dinheiro com ele, para que eu tirasse fotografias e providenciasse os meus documentos, porque ele ia arrumar a minha vida.</p><p>Depois da fala, ele não disse mais nada. Eu fiquei todo satisfeito por saber que as coisas iam começar á engrenar em minha vida.</p><p>Eu era um menor de idade que iria ter emprego registrado. No dia seguinte ele me deu o dinheiro, eu tirei as fotos ¾ em um lambe–lambe na calçada do ministério do trabalho, na avenida que circula a Praça Cívica. Dali mesmo, eu seguiria até o ministério do trabalho. Era meio demorado todo aquele processo de documentação trabalhista. Eu teria que tirar carteira de saúde, e, nem identidade eu tinha ainda, mas tudo se resolveria em poucos dias. Quando eu dei início á este processo, doutor Airton me orientou á estudar. Feliz, eu e a minha mãe fomos ao colégio Estadual Olímpio Alves e conseguimos a matrícula. A professora era a faz–tudo naquele colégio. Eu não precisei de currículo e nem de histórico escolar para me matricular na terceira série, com a professora que dava aulas para alunos da primeira, segunda, terceira e quarta série, tudo em uma sala de aulas, apenas. O nome dela era Maria do Socorro. Os dias passavam, eu trabalhando cheio de expectativas. As noites chegavam, eu ia para a escola. Agora sim. Tudo estava indo bem.</p><p>Numa tarde de sexta feira de uma semana daquele bendito ano, antes de a minha documentação, enfim, ficar pronta. O funcionário Célio, jovem negro e de boa estatura, do departamento financeiro, me entregou um envelope alaranjado, com dois cheques de valores altos, e me mandou ir á Belcar veículos na Avenida independência para pagar duas prestações de uma D-20 e do mesmo veículo, o qual, dentro dele, Doutor Airton Machado havia feito à promessa de mudar a minha vida. O patrão meu chefe direto não estava na empresa. Aquela era a função do office-boy Fabiano que não estava lá para cumprir a missão. Quando eu peguei o envelope, Célio disse pra eu levar os comprovantes para a minha casa, porque na volta, a loja já estaria fechada. Assim foi peito. No sábado de manhã, eu levaria os carnês e comprovantes de pagamentos.</p><p>Peguei o ônibus e fui para a casa da minha irmã Ana Rita na Vila Legionária, próximo ao Jardim da luz em Goiânia. Eu aproveitei que naquela sexta feira não teria aulas, e fui dormir na casa desta minha irmã porque ficava mais perto do centro e tinha muitos ônibus em vários horário para o centro. Eu não trabalhava no sábado, e mesmo assim, eu faria sim, aquele favor ao Célio, em lugar do dever que era do Fabiano. No sábado ás dez e pouco da manhã, eu fui á empresa. Doutor Airton Machado, Selma a patroa e Célio estavam na empresa. Entreguei o envelope ao Célio e fiquei com aquele ar de felicidade por ter sido útil em uma função que não era minha. Célio foi para o escritório e por lá ficou. Aproveitei que, eu já estava ali, e falei com o meu patrão sobre a documentação que em breve estaria pronta. De repente, Célio veia até á mim e me perguntou sobre o comprovante de pagamento dos veículos. Eu disse que estavam dentro do envelope, pois, eu não mexi em nada. Em seguida, a patroa chegou até á nós, querendo saber o que havia acontecido. O patrão ficou caldo, ele não era de muita conversa. Célio me perguntou se eu não tinha deixado os documentos em minha casa, dentro do ônibus ou em algum outro lugar. Eu respondi que não, já um pouco tenso. Então, ele me pediu pra que eu o levasse á minha casa. Eu me pus pronto, mas o avisei de que eu havia dormido na casa da minha irmã. Dona Selma começou á me sotaquear dizendo que não se devia entregar tal importância em cheques á um menino que não tinha responsabilidades. Doutor Airton se levantou e sugeriu que Célio e eu, fôssemos até á casa, porque talvez eu tivesse esquecido lá os comprovantes.</p><p>Montei na garupa da moto do Célio, e fomos. Fui por ir, pois eu tinha absoluta certeza de que eu não havia mexido naquele envelope. Não encontramos nada lá. Quando chegamos á empresa novamente, Selma estava completamente nervosa e muito iracunda. O que aquela mulher me falava naquela hora, feria–me profundamente. Ela agia como se eu tivesse roubado os cheques, e não apenas esquecido os comprovantes. Sem ao menos tentar ouvir ou pensar em uma explicação para aquele mal entendido. Ela jogava os meus sonhos, a minha moral e toda a consideração e respeito que eu tinha por ela, por ela ser a esposa de um homem gentil e generoso quanto o doutor Airton Machado. Ela seguia histérica e muito insensível em seu trato referente á mim que, estava ali tentando rebuscar na memória, se eu havia deixado o envelope no banco do ônibus, ou se a vizinha da minha irmã, que estava lá na sala conversando comigo, em algum minuto, mexera no envelope. Não. Eu tinha plena certeza de que, se faltava algum documento naquele envelope, ele não fora devolvido pelo funcionário da Belcar veículos junto com os demais.</p><p>Doutor Airton me olhava e balançava a cabeça, como quem se lamentava por eu estar ouvindo tantas indiretas. Célio pedia pra que eu tentasse me lembrar de algum detalhe que pudesse nos dar uma dica do que tinha acontecido. Então, eu pedi á ele que ele mesmo fosse á Belcar e procurasse saber. Ele estava já saindo, mas o patrão mandou que ele ligasse lá antes. Célio foi ao escritório, e, dona Selma encerrou as ofensas dirigidas á mim, com uma recomendação: – eu quero isso tudo resolvido antes do meio dia. Eu não sabia o que dizer, e nem mesmo o que eu pensava diante de tanta grosseria. Só esperava que Célio voltasse logo do escritório com uma boa notícia. Então, logo ele reapareceu dizendo que estava tudo resumido, porque os comprovantes tinham ficado na Belcar, mas que, alguém fosse buscá–los na segunda feira, pois a loja estaria fechando ao meio dia. Doutor Ailton, arqueou as sobrancelhas e deu um sorriso com os lábios cerrados, porém reconfortante para mim.</p><p>Eu respirava aliviado ainda, por finalmente, tudo ter ficado esclarecido. Até comentei com o meu patrão e o contador Célio, que eu sabia que nada havia sido extraviado por mim, porque do modo que eu peguei o envelope da mão dele, eu o entreguei á atendente que ficava em uma das mesas no saguão da loja. O atendente, depois de abrir o envelope e constatar do que se tratavam aqueles papéis e cheques, os direcionou ao caixa da empresa. E das mãos daquele segundo funcionário, eu recebi o envelope, o enfiei dentro da minha camisa e fui embora da loja. Enfim, eu dei todas as explicações cabíveis e honestas á respeito do meu procedimento com o envelope e tudo que estivesse dentro dele. Falávamos ainda, quando dona Selma reapareceu. Eu deixei que Célio reportasse á ela o equívoco, uma vez que ela dava como certo que eu era tudo aquilo que ela julgou que eu fosse.</p><p>Pensei que Selma fosse me pedir desculpas, mas não. Decididamente, ela disse que não queria mais me ver dentro daquela empresa. Entendi que tudo havia terminado para mim naquela hora. De todas as pessoas ricas que eu tive algum contato com elas, nenhuma mulher, ou que fosse um homem, me desabonou tanto quanto Selma naquela manhã de sábado. Doutor Airton Machado era um homem muito observador e não era de muita conversa. Na segunda feira, eu voltaria á empresa, para receber pelos meus dias trabalhados.</p><p>Muitas coisas passavam pela minha cabeça. Às vezes eu me culpava por na noite anterior, eu ter sentido atração sexual pela mulher que esteve sozinha comigo na casa da minha irmã Ana que havia ido para igreja naquela noite. Então eu determinei que não fosse por aquilo ter acontecido, pois foi a mulher me provocava por malícia e experiência, mas eu não cheguei á tocar nela. Teria sido então porque eu me masturbei pensando nela no banheiro na hora do banho? Essa culpa me veio porque naquele período em que eu trabalhava ali, eu ia aos cultos com maior frequência aos domingos. Eu tinha dito á Ângela, prima da Kelly, que eu ia dar o número de telefone da empresa para ela ligar pra falar comigo se ela quisesse. Tínhamos nos tornado grandes amigos naqueles dias. Teve pessoas que diziam que eu gostava dela. Eu gostava sim dela, mas a forma que eu gostava de moças crentes, era diferente.</p><p>Em um dado momento, eu pensei que o culpado fora o pervertido que se assustou quando soube que eu estava trabalhando na empresa que ele frequentava bastante ali. Será que ele pensou que eu iria dizer aos outros, que ele me dava dinheiro, para eu ficar de vigília nos lugares que ele fazia sexo com os meus colegas engraxates, todos maiores do que eu. De maneira nenhuma, isso fez com que eu odiasse os homossexuais, pois eu já tinha maturidade suficiente para saber que não se deve julgar toda uma classe de pessoas, levando em conta apenas a opinião negativa á respeito de uma delas. Mas, eu confesso que na segunda feira, eu fiquei no calçadão da Goiás por uma hora e alguns minutos esperando aquele cara pra eu ter uma conversa com ele. Mas eu não o vi naquele dia.</p><p>Ser mandado embora daquela empresa foi para mim, mais do que ter perdido o sonho de jogar futebol. Eu não era um craque. Tinha bom domínio de bola, habilidade básica e marcava muitos gols nas peladas de campão e nos torneios pelos bairros de Aparecida. Rubinha sim era o craque com quatorze anos de idade. Esquerdinha aos vinte e poucos anos, era o maior e melhor jogador que eu conheci em toda a minha vida. Estes dois teriam futuro. Por outro lado, a profissão de jogador de futebol, era á meu ver, uma forma de ganhar um dinheiro á mais e ser um pouco mais reconhecido. Eram tempos difíceis aqueles. Para um garoto que não sonhava com profissões acadêmicas, por não ter estudo e ser pobre, talvez, ser jogador viria bem á calhar. Mas num resumo, eu não me deixei abater por ter perdido a chance de voltar ao treino da Vila Olímpica. Encarei com naturalidade, e aproveitava para dizer aos amigos, que o treinador Severino me mandou voltar para um segundo teste.</p><p>No entanto, ao perder aquele emprego eu decidi que não iria mais ir ao centro de Goiânia por um longo tempo. Naquele mesmo ano eu começaria á trabalhar de servente de obras, e de inúmeras outras profissões. Comecei á cortar cabelos dos meus irmãos e amigos. Em troca de gorjetas. Eu já tinha o dom. Cuidava da casa e do quintal da Dona Ana e Sandra. Carpia lotes e furava fossas e cisternas. Por uns dias, eu ainda venderia o sabão que a minha mãe fabricava. Eu já sabia me virar, mas sentia que aos poucos eu ia me tornando uma pessoa que já não acreditava mais nas outras e nem na vida. Ia me tornando nostálgico e com um grande desejo que tudo fosse diferente.</p><p>–Rildo, na capital a gente vai chamar o nosso pai de papai...</p><p>–... E a nossa mãe de mamãe.</p><p>–É isso aí.</p><p>Eu só queria entender o motivo de tudo aquilo que eu ouvi de Selma. Os comprovantes foram encontrados. Eu estava indo bem, ascendendo-me com muita rapidez, indo de entregador de panfletos á contínuo imediato do patrão.</p><p><br /></p><p>Pensei em toda a trajetória da minha vida e da minha família, e concluí que nós nunca sairíamos daquele estado de pobreza absoluta. –resultado: – os meus interlocutores eram os personagens de histórias em quadrinhos e literaturas que eu nem as entendia.</p><p>Certo dia, depois de uma pelada no campão, Fabiano, o garoto que trabalhava na mesma empresa que eu trabalhei e, – havia sido humilhado pela patroa, – resolveu ir comigo ao luxuoso barraco. Lá falamos sobre as nossas demissões. E o que conversamos á respeito daquela situação refletiria de forma positiva em minha vida naqueles dias. Enquanto conversávamos Fabiano me contou que ele havia sido mandado embora pelo fato de que ele morava no Setor Expansul. No momento da fala dele eu não entendi qual era a ideia que ele queria me passar. Então eu o perguntei á respeito do Expansul. Ele respondeu que era porque o nosso Setor ficava próximo ao Cepaigo, o complexo prisional. Ou seja, se moradores do Setor Expansul fossem preencher fichas de empregos, eles teriam que dar outros endereços de residências. E, o meu colega Fabiano também seria efetivado naquela empresa, mas quando alguém do departamento de pessoal da Cardealtur soube que ele era vizinho dos presidiários em Aparecida, tratou logo de dispensá-lo. Eu quis que ele me explicasse o fato de ele ter conseguido trabalhar na empresa por alguns meses, sendo que ele morava nas mediações do Expansul que era visto com maus olhos pelos empregadores. Ele explicou que quando ele começou á trabalhar naquela empresa, ele disse ao empregador que ele morava na Vila Adélia. Era verdade. Vila Adélia é um conjunto de casas construídas no território do setor Expansul para os funcionários da Nacional Expresso, uma grande empresa de transportes rodoviários. Porém, quando Fabiano entregou os seus documentos pessoais para que ele fosse fichado na empresa, sabe-se lá quem foi que rastreou a localização do endereço dele. –Resultado: rua para ele também. Essa foi a explicação que ele me deu. Então, eu deduzi o seguinte: o seu Airton me empregou porque ele pensava que eu morava na Vila Brasília ainda. Não. Mesmo sabendo que eu morava no Expansul, ele não me mandaria embora... foi aquela orgulhosa da dona Selma. No frigir dos meus grilos em formas de perguntas sem respostas, eu deixei aquilo de lado e já não estava nem aí para a Cardealtur Transporte e Turismo Ltda.</p><p>(Acredite. Até hoje, certas empresas de Goiânia não contratam quem mora nos setores próximos ao Cepaigo)</p><p><br /></p><p> O preconceito contra os moradores do Setor Expansul, vinha também dos moradores da Vila Adélia, o pequeno conjunto de casas, com lotes reduzidos e proprietários com um enorme orgulho depreciativo contra os expansulenses. Não seria exagero da minha parte, dizer que os nossos vizinhos agregados. –o conjunto fora construído em área territorial pertencente ao Expansul –, nos tratavam com desdenho, e comportavam com altivez em relação á nós, como se nós do Expansul fôssemos seres de uma casta inferior.</p><p>Alguns contrastes corroboravam para que houvesse entre os moradores da Vila Adélia e do Expansul, uma espécie de apartheid social entre pessoas tão próximas umas das outras. São eles: Barracos inacabados e habitados por moradores no Expansul. Casas convencionais, padronizadas e cercadas por muros de placas de cimentos, na Vila Adélia. A vila também possuía duas mercearias. Uma do seu Joaquim, outra do seu Roxo, e dois bares, enquanto no Expansul, o único comércio existente era a bodega do Domingos. –o agito acontecia nesse bar.</p><p>A vila Adélia contava com um time de futebol que já disputava os campeonatos municipais, e, sugestivamente, o nome da equipe era Vila Adélia. As equipes de futebol de Expansul podiam muito bem ser chamadas de Arranca-toco e Quebra-canela, desorganizadas e levavam o esporte como passa tempo nos fins de semanas.</p><p>Daí, a razão de tanta desigualdade entre os moradores de um e de outro bairro. Mas, um senhorzinho que fora meu vizinho na Vila Brasília, já havia chegado ao Expansul com a sua família, para dar início á uma nova era para o bairro. Vicente Torquato. Este senhor foi o meu primeiro técnico de futebol juvenil. E, se transformaria também no que eu posso chamar de: o desbravador, que mudaria para melhor o nosso bairro e também tiraria dos moradores a dissaborosa situação de dependentes da vilinha. Vicente Torquato tornou-se presidente de bairro, – digo presidente de bairro, porque, nem associação de moradores existia antes de ele assumir o pleito. Vicente Torquato era um homem que serviu o exército brasileiro, garantia á todos que ele era um expedicionário de guerra e que também tinha certa influência no Planalto Central. De vez em quando ele sacava o revólver e atirava pra cima para estabelecer a ordem no ambiente quando a galera se inflamava. O velhinho era, e ainda é um carismático nato. Sob o comando dele foram construídos o Centro comunitário com a verba vindo direto de Brasília. Uma igreja Católica com recursos de uma instituição religiosa lá da Alemanha, eh, da Alemanha. Eu trabalhei como voluntário, de graça nessas duas construções. Veja a influência do homem! Máquinas vieram fazer um campo de futebol digno de receber no dia da inauguração, o time de futebol feminino profissional de um clube esportivo de Goiânia. A equipe feminina veio para jogar contra as meninas do Expansul, porém, a habilidade das nossas garotas com a bola não era compatível com a da equipe visitante. Um time masculino de rapazes foi formado para enfrentá-las. Obs. A goleira não quis assumir a sua posição no gol. Como eu já tinha ali, naquele momento, trocado umas ideias e ganhado o autógrafo da camisa dez que se chamava Raquel... sim, eu, substituí a goleira e joguei contra o time do meu setor. 3 a 1 para elas. O gol único que eu levei foi por causa de um escanteio cobrado, o qual a bola foi cair nos pés do Tiboi e, ele mandou um petardo da entrada da grande área e quando eu pulei na direção da bola, o ponta direita já havia buscado ela no fundo do gol para levá-la ao meio de campo.</p><p>No final da partida foi aquela festa. O Expansul em peso estava em volta do campo, o centro comunitário, e arredor do que nós chamávamos de local de convivência comunitária, – não tínhamos uma praça, ainda. Aquelas mulheres jogavam demais. Raquel, a craque da camisa dez fez dois gols, o outro, eu não me recordo do nome da jogadora que o marcou. Mas, eu não me esqueço de que a Raquel me falou que a maioria das jogadoras da equipe dela, morava no Setor Pedro Ludovico. Foi um dia de festa naquela inauguração do campão que, então contava com traves de ferro tubular. Á noite a festa continuou no Centro comunitário. E, eu lá.</p><p>Vicente Torquato promovia torneios nos finais de meses, com diversas modalidades de competições. Eu ganhei um troféu de primeiro lugar na maratona, a qual o percurso iniciava no campão, seguindo até a Vila Adélia e terminava no mesmo campão no centro do Setor Expansul. Rubinha, o craque de bola ficou em segundo lugar. Valdijan em terceiro, ambos, ganharam medalhas.</p><p>Também, eram distribuídos pães e leite para os moradores. Leninha Torquato comandava esta boa ação. Vicente promovia mutirões de roçagem no bairro, envolvia a comunidade em seus projetos comunitários. Na gestão dele passou á ter uma associação de moradores, descente. Ele conseguiu todos os objetos de uma cozinha industrial e máquinas de costuras para que as mulheres fizessem curso de corte e costura. Torquato era mesmo um grande líder, polêmico, mas muito atuante e arrojado. Conhecia muita gente importante no meio político, militar e grandes empresários também.</p><p>Um dia, em uma de minhas muitas conversa com ele, ele me contou que ele foi o cozinheiro do ex-presidente Juscelino Kubitschek. E, que o prato preferido do ex-chefe de estado era galinha caipira ao molho com polenta.</p><p>–Seu Vicente, o senhor conheceu o doutor Jaime Câmera? –eu perguntei.</p><p>–Ahá, ali era um nordestino inteligente e honesto. O dentista que pôs pivôs nos dentes dele era meu amigo. E fui eu que ensinei á ele mastigar amendoins pra ele acostumar rápido com os dentes. </p><p>Eu nem sabia que o bom homem era nordestino. Quanto á mastigação de amendoins, eu só me lembro de que o doutor Jaime Câmera vivia mastigando alguma coisa, mas se era mesmo amendoins eu não podia garantir. Seus dentes eram perfeitos, mas se eram artificiais eu não fazia a mínima ideia. De qualquer forma, Vicente Torquato foi aquele que fez com que a história do Expansul pudesse ser dividida em antes e depois dele.</p><p>Com ele na presidência do nosso bairro o entretenimento era garantido todos os meses. Tinha Gincanas com corrida de sacos. Salto em distância, e até troféu para o sujeito mais feio e á garota mais bonita do Setor Expansul. Eu quis concorrer no quesito feiura, mas a Leninha Torquato não deixou eu me inscrever. –Joãozinho, deixe de ser bobo. Você não é feio. Só precisa parar de ser atentado. – disse-me ela na ocasião. Eu virei fã número 01 da Leninha por causa desta confissão e orientação. Na verdade eu dava muito trabalho á ela. Eu á questionava muito, mas era tudo numa boa. Fazia parte da minha natureza curiosa sobre tudo que eu via de interessante numa pessoa. E, ela era muito interessante e agradável. Em noites de festas no centro comunitário, Leninha e eu arrasávamos no forró, lambada e bolero. A minha desenvoltura para danças era um ponto forte para atrair a atenção de mulheres mais velhas e meninas novas, mas até então, o negócio entre mim, as mulheres e as garotas ficava apenas em toques de dança. Eu era tão inseguro e medroso, que, uma vez um colega meu me disse que uma garota do grupo de quadrilha de festa junina estava afim de mim. O nome dela era Élida. Morena cor de canela, cabelos cacheados á Bobs, uma gatinha de quinze anos. Eu fui embora pra minha casa antes de começar os ensaios. Em minha casa eu ensaiei algumas falas para dizer á menina. -Aí, você está á fim de mim, eu também estou á fim de você. Que tal nós dois irmos trocar umas ideias lá na beira da fogueira? - Antes de eu mesmo me dar a resposta, embrulhei dos pés á cabeça. –que nada, eu vou é dormir! </p><p>O galo cantou na manhã seguinte e... eu ainda acordado pensando na moreninha e conversando com ela, mentalmente.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Na medida em que o Setor Expansul ia se desenvolvendo com a chegada de novas famílias e locais de entretenimentos e comerciais, eu também seguia desenvolvendo o meu lado comunitário, e com isso, me afeiçoando cada vez mais com os moradores e tendo participação direta no progresso do bairro. Como voluntário não remunerado eu trabalhava na construção da igreja católica e do centro comunitário. Devido o meu bom relacionamento com os pedreiros e serventes dessas construções, consegui com a ajuda do pedreiro Joaquim, uma vaga para trabalhar de servente na construção de um novo conjunto de casas que estava sendo construído no território do Expansul. Este conjunto viria á se chamar Jardim Ana rosa. Eu trabalhei neste conjunto na fase de reboco e cobertura. Pereira foi o meu mestre de obras na fase de reboco. Ele era um encarregado muito supimpa. Eu me recordo de um trágico acidente que aconteceu com ele e que quase o levou á morte. Numa manhã de domingo, ele passou com sua motocicleta por uma estrada, ao voltar á noite pelo mesmo caminho, alguém havia esticado um fio de arame de um lado á outro da estrada. Pereira quase teve a cabeça decapitada naquela noite. Não morreu porque ele dirigia devagar, mas, sofreu um profundo corte na garganta. Dias depois, ele apareceu no canteiro de obras e nos contou o acontecido com muita dificuldade para falar.</p><p>Com o meu amigo Joaquim, outra fatalidade aconteceu. Ele caiu do andaime quando ele rebocava o alto da parede da igreja católica. Houve fratura em sua bacia, e, o impossibilitou de exercer a profissão de pedreiro. Nós moradores, fazíamos cestas de alimentos para doar á ele e sua família. Eu o ajudava com o pouco que eu podia, mas era de modo anônimo, dando um litro de óleo, ás vezes um quilo de feijão e outras mercadorias que completava a cesta básica que entregue á ele por um morador do bairro. Para eu poder ajudar mais eu quis procurar o doutor Jaime Câmera e expor á ele a necessidade sabendo que ele iria ajudar o meu amigo. Mas, foi quando tardiamente eu fiquei sabendo que o doutor Jaime Câmera havia falecido. Eu fiquei muito triste. Não que eu quisesse ter ido ao velório ou no cemitério que ele foi enterrado, até por que, a minha presença não significaria nada á família dele, e também porque talvez eu não fosse aceito no meio de pessoas tão importantes presentes no velório. Na verdade, eu nem soube onde foi a cerimônia fúnebre e nem qual era o cemitério que ele foi enterrado. Com certeza, o falecimento daquele bom homem foi noticiado em rede nacional pelos telejornais, revistas e rádios na época, mas infelizmente, eu não ouvia rádio, não assistia á televisão e nem ia á bancas de revistas, por razão de eu não ter acesso á esses meios de comunicação no isolado Setor Expansul. Nunca possuímos televisor e nem rádio em minha casa. Na Vila Brasília eu ia na casa da minha tia Ovate para ver televisão e ouvir músicas no aparelho de som dela, mas, no Expansul eu não frequentava a casa de ninguém, ainda, até então.</p><p>O meu irmão Rildo, que ainda morava na Vila Brasília, foi quem me deu a triste notícia. Então, eu apenas elevei o meu pensamento á Deus em favor do bom político, grande empresário e excelente ser humano Jaime Câmera.</p><p>Continuei sendo solidário com o meu amigo Joaquim até o momento em que ele conseguiu a assistência da igreja católica. Tempos depois, ele se mudou do Expansul.</p><p>A minha condição de vida era muito desfavorável porque apesar da minha pouca idade, eu sentia que a minha existência era para algum propósito, mas eu era impossibilitado de agir de acordo com esse propósito que, eu imaginava que fosse fazer algo de bom á todas as pessoas. Eu vivi a minha infância em meio á muita pobreza, e isso despertava em mim um desejo de ser alguém bem sucedido na vida, para eu poder ajudar os menos favorecidos. Talvez, todas as pessoas no mundo, em alguma fase de sua vida, já tenha tido este sentimento altruísta. Portanto, não seria apenas eu, quem desejava poder ajudar os outros. Mas, pelo menos, eu estava sempre tentando colaborar de um modo ou de outro. Hora, trabalhando de graça para quem não podia pagar. Carpia o lote, ia á mercearia comprar mercadorias para uma velhinha solitária que se chamava dona Abadia. Ajudava á construir barracos para as pessoas que não podiam pagar pela construção. Trabalhei na construção de duas igrejas evangélicas, sem nada cobrar pela mão de obra. Ajudei á levantar também o rancho paroquial da igreja católica. E ainda ensinava á dois meninos meus vizinhos de bairro, á começarem ler e escrever. Eles eram ainda mais pobres do que eu, e nunca haviam frequentado uma escola aos seus dez e onze anos de idade. Moravam com a mãe deles em uma barraca de lona e não tinham pai. Mas algumas pessoas diziam que o pai deles era um extramuros do Cepaigo. –criminoso que tinha a liberdade de sair às ruas durante o dia e voltar ao presídio na hora de dormir. </p><p>Eu nunca vi este suposto pai deles. Faltava-lhes o que comer, e as suas roupas eram verdadeiros trapos.</p><p>Um dia, a dona Abadia me deu um frango como agrado por eu á ajuda-la quando ela precisava de mim. Eu não tinha nenhuma intenção de cuidar daquele frango, porque eu não cuidei direito nem dos meus periquitinhos. Ao chegar a minha casa, pedi a minha mãe que o matasse e fizesse dele, inteiro, um molho bem caprichado. Enquanto o frango era preparado, fui á mercearia do Roxo e comprei um quilo de farinha e um refrigerante Baré Tutti-fruti. Eu me lembro de que o seu Roxo me perguntou rindo: – Você é baiano? –Goiano dos pés rachados. –respondi, falei obrigado, saí da mercearia e passei pela rua onde a dona Laura e os seus dois filhos moravam. Eles estavam lá. Segui para a minha casa. Minutos depois, o frango estava pronto. Pedi á minha mãe que tirasse os pedaços que ela quisesse para ela e o Nelino comerem no almoço e para o meu irmão Eurípedes comer na janta. </p><p>–Cê num vai cumê não meu fie? </p><p>–Agora não mãe. </p><p>Peguei a panela com mais ou menos um quilo e meio de frango no capricho, e junto com a farinha e o refrigerante fui visitar a mãe e os dois filhos necessitados. Quando lá cheguei, eles roíam milhos que haviam sido cozidos em uma panela de alumínio, amassada e posta sobre as labaredas de um fogareiro que queimava serragem de madeira no terreiro. A barraca de lona preta tinha um cômodo apenas. </p><p>Ah meu Deus, quanta pobreza! Os únicos pratos que vi eram de plástico cor-de-rosa. Quando eu entreguei á mulher a panela com o frango, o refrigerante e a farinha, os três foram colocar as espigas de milho em algum lugar dentro daquele cômodo e voltaram para fora. Os meninos estavam felizes e ansiosos para comer e beber logo o que eu havia trazido á eles. Laura ficou toda sem graça, mas conseguiu me dizer Deus te abençoe. Em seguida, ela desocupou a minha panela despejando o frango na mesma panela dela, a qual foi usada para cozinhar o milho. Eu tive que esperar a devolução do casco do refrigerante, por isso, eu fiquei ali no terreiro enquanto os meninos comiam e bebiam lá dentro. Laura ficou em pé na abertura da barraca que não tinha porta, somente um pedaço de tecido marrom fora colocado em lugar de porta. Ela nem me olhava, e, eu também evitava qualquer tipo de olhar em direção á ela, e não dirigimos palavras alguma, um ao outro. Minutos depois o menino mais velho veio me entregar a garrafa. –Brigado. –disse-me o menino, e correu para dentro da barraca novamente.</p><p>Devido à absoluta pobreza desta e de outras famílias, ainda maior do que a minha, eu tinha que considerar que a minha situação não era tão calamitosa á ponto de me deixar inconformado. Ora, eu morava em uma casa confortável para os padrões residenciais da periferia de Aparecida de Goiânia. Comia carnes e verduras todos os dias, e tinha minha mãe, e o meu irmão que era mesmo como um pai para mim. Essa singela, porém digna qualidade de vida já era o suficiente pra eu fazer um paralelo entre o meu estado de pobreza e os das demais pessoas que viviam em miseráveis condições de vida. Nestas minhas comparações eu ia aos poucos me sentindo cada vez mais conformado de que eu não devia me preocupar em possuir bens materiais para que realmente eu pudesse me valorizar como ser humano. Não que eu me alegrasse e me sentisse melhor convivendo com pessoas mais pobres do que eu. Era como se eu sentisse que havia encontrado o verdadeiro propósito para a minha existência. Mesmo não tendo eu condições financeiras para ajudar as pessoas, eu poderia ser útil á quem precisasse de mim. Com o passar do tempo, eu me tornei amigo de Laura e dos filhos dela. Foi quando eu os iniciei na leitura e na escrita. </p><p>O terreno onde eles moravam não pertencia á eles. Eles o invadiram e moraram ali por nove meses. Depois eles se mudaram para o Setor Colina Azul. No início deste setor, muitas barracas de lonas havia lá.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> <span> </span></span>NA ESCOLA, O PRIMEIRO BEIJO</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Eu não estudava no colégio de maior referencia nas, –digamos redondezas de Aparecida –, até porque, naquela época, o colégio Olímpio Alves era de ensino fundamental da primeira á quarta série. Havendo o aluno concluído a quarta série, ele teria que atravessar a rodovia BR 153 para estudar no colégio Machado de Assis, – este sim, era o mais requisitado na época, e os alunos deste colégio se sentiam os bambambãs das cercanias. A segunda opção seria o colégio Dom Pedro I. Ambos, no centro da cidade Aparecida. Por esta razão, Olímpio Alves era a terceira via.</p><p>Intimamente, eu preferia estudar no Colégio Alfredo Nasser na Vila Brasília. Aquele sim era o meu ícone de educação e me servia de parâmetro para comparar níveis de ensino e organização estudantil em relação á todas as instituições educacionais. Eu sabia que milhares de pessoas compartilhavam desta mesma opinião. Certa noite, eu perguntei á um aluno: </p><p>–Você sabe onde fica o Colégio Alfredo Nasser? </p><p>–Caramba, você estudava lá? –ele perguntou surpreso. </p><p>–Não, nunca. Mas conheço o professor Alcides, e já trabalhei pra ele. -É claro que eu não revelei á ele que eu apenas engraxei os sapatos do pioneiro em educação, mas foi o suficiente para ele entender que eu era um camaradinha bem socializado. –á despeito da pobreza.</p><p>Em 88 já havia quatro salas de aula No Colégio Olímpio Alves, mas apenas uma funcionava com a professora Maria do Socorro dando aula ás quatro turmas na mesma sala e no mesmo horário noturno. Em 89 as quatro salas já recebiam os alunos de séries diferentes e em salas diferentes também. Houve um progresso notório no sistema de educação de um ano para o outro no final da década de 80.</p><p>E porque não falar que eu também estava progredindo no ponto de vista pessoal. Não que eu tivesse descoberto a fórmula da felicidade constante. Não. Mas, de repente, tudo para mim, em questões estudantis, valiam a pena. Durante o dia eu só pensava em ir á escola porque já estava envolvido com tudo que dizia respeito á comportamentos dos alunos, merendeiras, professores e diretoria. Enfim, eu estava interagindo com todos, usando a minha inteligência em geografia para dar cola ao colega do lado. A minha ignorância e indisposição para as matérias de frações matemáticas, as quais eu achava que não eram necessárias para mim, porque somar dividir, subtrair e multiplicar já era o suficiente para lidar com os números. Somas em chaves, prova dos noves, sobe um 1 e desce 2... e um monte de representações matemáticas que só me deixavam encafifado. Nestas lições, eu era quem pedia explicações ao colega do lado. </p><p>–Sei lá. Eu também não sei pra quê tudo isso. –respondia-me um colega de pescoço grande e cabelos batidos cobrindo as orelhas. Carlos era o nome daquele magricela legal. Era o meu melhor amigo de escola. Nos recreios a gente respondia os questionários manuscritos das garotas, ás quais achavam que o melhor filme era Lagoa azul. A maioria queria namorar um dos integrantes do grupo Menudo, ou Fábio Júnior. Até os plásticos das balinhas Nilva e Gells, – falava-se Gelis, – que eram usados para enfeitar os aspirais dos cadernos, fazia sentido, e, eu estava ali convivendo e vivendo do meu modo. Sendo tímido em certas situações e pra frente em outras. Sentindo-me igual e diferente de todos ao mesmo tempo, mas fracionando, somando e multiplicando as minhas experiências vividas.</p><p>Desde o momento em que eu entrava na sala de aula com o meu caderno único, tudo valia a pena para mim. O arrastar da carteira para posicioná-la próxima á mesa da professora Iraci, que era uma professora tão bela, que, eu dizia á mim mesmo: – que professora mais gata do mundo! Iraci era morena clara de cabelos longos e sempre presos em um molho só, jogado ás costa. Olhos castanhos escuros, rosto bonito e um corpo que de acordo a minha opinião sobre perfeição, era perfeito. Mas não era a beleza dela que me fazia me sentar perto da mesa dela. A professora Iraci gostava da minha caligrafia e do nível do meu conhecimento em português e gramática, – escrita, porque pronunciado era relativamente igual aos de todo aquele bando de adolescentes bagunceiros. –Então Iraci me pedia pra eu ir á lousa e copiar a matéria, enquanto que, sentada á sua mesa ela descansava as pernas, braços e mãos.</p><p>–Tá bom João, pode se sentar... então vocês entenderam? A conjugação do verbo Ser... “entendemos professora!” </p><p>Será?</p><p>Após receber os elogios da professora e as reclamações de alguns colegas de classe por eu não dar tempo á eles para descansarem seus neurônios enquanto Iraci descansava suas articulações, eu ia seguindo a minha vida de estudante colegial, compenetrado nos estudos, ás vezes relapso também. Porém, eu estava aprendendo á me relacionar em um meio social o qual, todas as grandes pessoas admiráveis e respeitáveis passaram por ele: A escola.</p><p>Eu era um bom aluno e conseguia boas notas porque eu dividia o meu tempo entre trabalho para ganhar dinheiro, voluntário ajudando as pessoas e com as minhas leituras de gibis e literatura. Quando eu comecei á ler histórias em quadrinhos, gostava mais dos personagens da Walt-Disney. Ria muito com o azar do Pato Donald e desejava que o Gastão se desse mal em certas situações, mas ele só se dava bem. Do tio Patinhas eu tinha raiva da pãoduragem dele. Logo que eu ia crescendo, passei á ler Heróis Marvel e X-mem. Com gosto especial pelas histórias do Homem aranha e Wolverine. Com isso eu ia desenvolvendo a minha leitura e a minha escrita. E também já questionava sobre o drama vivido pelo Peter Parker em alguns aspectos da vida dele. Trabalho, amor e família. Fantasticamente eu me punha no lugar do aracnídeo. Com Wolverine eu absorvia a coragem e nervosismo dele. Achava eu que ele era o herói mais louco dos gibis.</p><p>Beyonder foi a minha coleção preferida. Eu não perdia um número daqueles gibis. Era muito bacana ver todos os vilões e heróis da Marvel em um mesmo planeta, lutando entre eles e ao fim ter que unir forças para vencer Galactus, o maior dos vilões. No final da missão Vigia, o deus do universo Marvel teve que interferir na história para ajudar os heróis á derrotar Galactus. –era mais ou menos assim.</p><p>Depois eu passei á ler Conan e Tex. O interesse por leituras de ficções variadas foi interrompido pela aquisição dos meus livros didáticos. Eu não os levava para o colégio, mas os lia muito em casa. Era forma de compensação de aprendizado porque eu não tinha a perspectiva de seguir estudando até me formar. E sabia que a maioria dos meus colegas de classe e de toda a escola, também não tinha o sonho de se formar educacionalmente. Com eles eu ia interagindo e aprendendo sobre relações humanas práticas e de convívio direto com pessoas do meu nível de pobreza.</p><p>Fui bom em redação também. Realmente, o meu hábito de ler muito e escrever os meus próprios pensamentos era a razão de eu sobressair bem em relação á alguns alunos. Mas, sempre tem aquela aluna ou aluno mais inteligente da turma em termos de matérias de conteúdo escolar. –não era eu. Era o Plínio Danoninho o do lado dos homens. Ele era um negrinho todo delicado e reclamão. –Ai gente, que droga. Pare de conversar perto de mim, eu tô de saco cheio. –dizia ele pegando a carteira com todo cuidado para ir se sentar bem próximo ao quadro. Ele era meio afeminado, mas era sério e muito aplicado nos estudos. </p><p>A nota dez da classe era a menina Geovana. Ela quase não aproveitava os quinze minutos de recreio e nem interagia com a turma. Muito parecida com a Nika Costa e cheia de não-me-toque. – Grandes personalidades também têm seus defeitos.</p><p>Um dos meus defeitos era a timidez com as meninas. Dançar funk me ajudava á estar mais em contato com garotas nas festas aonde eu ia. E já havia começado á dançar músicas românticas com algumas delas, até fui considerado “mole demais” por não ter chegado junto em uma garota que me deu mole. Quando eu voltava da festa, sozinho ficava á imaginar o que eu diria ou faria para conquistar a minha primeira moleca.</p><p>E então aconteceu.</p><p>Era hora do recreio quando os alunos e alunas se encontravam fora das salas de aulas. Eu estava debaixo da cobertura no centro do pátio. Meu colega Carlos Pescoço me chamou para conversar sobre garotas. A conversa girou em torno de quantas meninas bonitas estudavam na terceira série. Apontamos algumas delas e falamos sobre elas. Até que em um dado momento, pescoço me perguntou se eu não iria chegar junto em uma colega que se chamava Marta. Eu respondi que não, porque ela não me dava moral. Ele me chamou de prego e disse que ela não tirava os olhos de mim na sala de aula. Aquilo atiçou meu instinto e me fez recordar da olhada diferente que eu havia percebido ela dar em minha direção. Foi meio que atravessado porque ela falava com a colega do lado, e eu notei que ela falava de mim para a amiga no momento em que eu arrastava a carteira para ir me sentar próximo á mesa da professora. Num dado momento, enquanto eu e Pescoço continuávamos conversando, chegou outros colegas puxando conversa. Eu só pensava em como abordar Marta, pois a experiência que eu tinha sobre garotas fora adquirida em silêncio e muita espera. Mas, naquela hora eu percebi que espera e silêncio não iria me dar respostas que eu só ás conseguiria se procurasse usar as palavras certas ou erradas. E á partir desta reflexão eu criei e usei a minha coragem para chegar em minha primeira garota que era a minha colega de sala. </p><p>De uma coisa eu tinha certeza: eu não deixaria que a nossa relação se transformasse em amizade para então tomar a iniciativa de começar um lance com ela. Ao me aproximar dela para uma conversa, seria tudo ou nada. Se ela me quisesse eu entenderia que quem me achava insignificante era somente eu. A minha pobreza, a minha cor, os meus cabelos encaracolados, não seriam tão relevantes assim. Mas, se eu queria uma resposta, teria que ter coragem.</p><p>Como tudo era incerto... Arrisquei.</p><p>Marta estava chegando com algumas amigas á nossa roda de amigos. Pensei que teria de deixar para a noite seguinte. Eu não iria conversar com ela na presença de todos ali. Carlos pescoço deu uma força tremenda ao chamar os demais para ir ao banheiro. Eles foram. Ficamos apenas eu, duas colegas e Marta.</p><p>As duas meninas falavam de tudo uma para outra, e de vez em quando me incluía na conversa. Eu apenas respondia: É. Ahã. Marta me encarava quando eu falava. Meu coração disparava, eu não sabia o que fazer ou dizer. Marta não dizia nada, apenas me olhava nos olhos. Minhas mãos frias suavam. Eu olhava no meu relógio calculador e contava os minutos restantes pra findar o recreio. Até que num impulso incomum chamei-a para conversar no canto da sala do lado de fora.</p><p>Ela escovou os claros cabelos Chanel com os seus próprios dedos. Juro que pensei: tá no papo. Saí na frente, ela me acompanhou. Encostei-me á parede e Marta se pôs em minha frente com seus braços cruzados. Usei uma estratégia á qual eu não sei de onde surgiu. Perguntei á ela se ela sabia que um aluno estava á fim dela. Ela disse que não e nem fazia ideia de quem seria. Afirmei que eu conhecia um “alguém” que estava querendo namorar ela. Mas eu não ia dizer o nome dele. Marta insistiu que eu dissesse o nome do tal “alguém”. Pedi pra que ela adivinhasse então. Ela pensou um pouco e chutou alguns nomes dos nossos colegas de classe. Foram bem uns cinco nomes que ela arriscou. Eu negava dizendo que não era um daqueles. Ela arriscou outra vez dizendo os nomes de todos os que estudavam na mesma série que nós. Só não disse o meu, mas eu sentia que ela já sabia, pois dei a deixa para que ela soubesse. Foi uma esperteza que eu adquiri no momento. Se não funcionasse eu me sentiria tranquilo... Não. Eu não sairia tranquilo se ela me dissesse que sabia que era eu o garoto que queria paquerá-la, mas ela não me queria. Porém, o comportamento dela me deixava confiante. Ela segurava em meus braços e insistia para eu dizer logo, de quem se tratava. Chacoalhado por ela eu continuava me negando. Até que, ela me perguntou:</p><p>–É você que tá a fim de mim?</p><p>–Não sei. E se fosse? –repliquei.</p><p>–Eu topo.</p><p>E... nos beijamos.</p><p>Foi uma emoção única. Enquanto durava o beijo, eu pensava no ontem.</p><p>Talvez os adolescentes mais afoitos e atirados daquela época, beijasse uma garota pensando no que viria depois do beijo. Uns amassos, um picote, – era assim que dizia, – ou quem sabe uma transa? Mas quanto á mim, enquanto beijávamos, eu pensava em todo o meu passado. </p><p>O beijo terminou, eu á apertei em meu corpo. Marta se atracou em meu pescoço e repouso a cabeça em meu ombro esquerdo. Suspirou num gemido ao sentir meus braços imprensando o corpo dela ao meu. Então ela me perguntou o que foi que eu estava querendo fazer ao apertá-la daquele jeito. Eu não a respondi. Apenas olhei para o céu ás costas dela e disse em pensamento: valeu Marta, valeu! Tinha gratidão em minha voz silenciosa.</p><p>No final das aulas eu deixava Marta no portão da casa dela, dava mais uns beijos e ia embora vibrando para a minha casa. Mas ficou em mim a pergunta: – será que ela gostou? A resposta veio numa noite. Estávamos em um grupo de quatro alunos. Sendo eu, Carlos pescoço e Marta. Como precisávamos de outro parceiro para fazer uma dissertação escrita sobre escravidão, pescoço convidou Plínio Danoninho para reforçar a nossa tese. Valeria cinco pontos. Plínio aceitou á fazer parte do nosso quarteto, e assim fomos para o canto da sala. Antes de começarmos á discutir sobre o que exporíamos sobre escravidão, Marta me entregou um bilhetinho, mas eu não li naquela hora porque tínhamos que elaborar a nossa dissertação.</p><p>Plínio quis usar a temática da lei áurea. Até começamos por aí, mas acontece que eu já tinha lido no livro Antologia de vidas Célebres que eu tinha o encontrado no prédio interditado na Avenida Goiás. O livro falava muito sobre os egípcios e das nações que eles dominavam. Por isso eu sugeri que a nossa redação fosse mais ou menos assim:</p><p>Os primeiros registros que se tem sobre escravidão no mundo, diz que á escravidão teve inicio no Egito antigo, e eu acredito que todos nós sabemos que a cor da pele dos Egípcios é escura. Os egípcios quando escravizavam os povos, não era por causa da cor de pele daquele povo, se fosse por isso eles não escravizariam seus concidadãos. O motivo sempre foi porque quando os dominadores conquistavam determinada nação, eles faziam dos habitantes daquela cidade dominada, seus escravos. E não importava a cor, mas sim á posição social e poder aquisitivo de cada um. Muitas das vezes, nem mesmo a boa posição social dos dominados servia para livrá-los da escravidão. </p><p>É importante frisar que até mesmo alguns governantes daquelas cidades dominadas, viriam á se tornar escravos. E não se levava em consideração a cor da pele, se era branco, negro, mulato, índio, ruivo, enfim, se o indivíduo não era da linhagem faraônica, não pertencia á grande corte dos maiorais ou eram pobres material e intelectualmente, estes sim, seriam escravizados. Todos, sem exceção de cor, eram sujeitos á escravidão...</p><p>O texto seria muito grande, mas nós reduzimos porque não queríamos perder a hora do recreio. Plínio foi o primeiro á nos garantir que nós ganharíamos a nota máxima. Acertou em cheio. A professora Iraci achou muito interessante e chamou um de nós para ir á frente e apresentar o nosso trabalho oralmente para todos ouvirem. Plínio, Marta e Carlos pescoço queriam que fosse eu, mas eu suava feito tampa de panela, com vergonha. Ficou com o Plínio a tarefa. O negrinho levava jeito para discursos.</p><p>Na hora do recreio, depois de termos trocado alguns beijos, Marta me perguntou sobre o bilhete que ela me entregou. “I love you” Era comum á garotas, usar o inglês para se declarar á garotos. Mas a gente não levava a tradução á sério.</p><p>De qualquer forma, eu devo admitir que aquele primeiro beijo fosse o que mais marcou a minha vida.</p><p>Estávamos no ano de 1989, e era década da curtição e agarração para a juventude. Namoro sério e casamento não estavam em voga. Os garotos e as garotas queriam mesmo era se divertir e beijar na boca. Sexo era ato que se consumava apenas depois do casamento ou do amigamento, – como era chamada a união informal de um homem e uma mulher, – mas com idade adulta.</p><p>Se um adolescente fosse pedir aos pais de uma garota a mão dela em casamento, era comum receber uma resposta mais ou menos assim: “Toma juízo menino, você nem saiu das fraudas ainda”. Por isso, os garotos eram velhacos quando o assunto era relacionamento sério, as garotas evitavam ao máximo expô-los á esta situação, e por conveniência elas e eles embarcavam na onda do beijinho, beijinho, tchau, tchau. </p><p>Mas eu parecia estar querendo quebrar essa onda. Joãozinho, Joãozinho, faça tudo que você puder enquanto você é jovem, porque no final você vai achar que foi pouco. </p><p>Naquele ano eu passei para a quinta série, mas desisti de estudar. Se eu seria um profissional acadêmico, eu não cogitava sobre esta questão, mas no colégio Olímpico Alves iniciei na arte da conquista que, para mim não foi ensinada por um tutor formado, nem por um colega conquistador, tampouco, eu á encararia como á uma arte, sim, apenas uma consequência da vida pelo simples fato de eu ser eu mesmo: medroso, corajoso, desprezível, aceitável, bonitinho, feinho. </p><p>Eu era tudo isso em toda a minha vida e sabia que continuaria sendo enquanto eu vivesse, mas aquele garoto que tinha coragem e valentia para brigar, bater e apanhar nas ruas da cidade começaria á aprender administrar seus defeitos e qualidades.</p><p>Não que eu pensasse que tudo na vida se resumia em garotas, mas realmente houve grande mudança na minha maneira de pensar á meu respeito. Sempre fui e continuaria sendo muito observador em relação á comportamentos, personalidade e caráter das pessoas, fosse elas homens ou mulheres. Meninos e meninas. Confesso que este meu espírito analítico permitia que eu não levasse muitos foras em minhas abordagens ás meninas para uma paquera. No entanto, em estava sempre atrás da maioria dos meus amigos e parceiros do grupo Nova geração. Eles eram corajosos e arriscavam conquistar garotas á primeira vista, enquanto que eu esperava a oportunidade, a ocasião e o momento oportuno para então me aproximar de uma delas e tentar levar um lance mais íntimo. Eu sabia que o meu comportamento em relação á garotas, não era por eu ser experiente no assunto paqueras. Era por eu ter medo de ser dispensado por elas. </p><p>Um dia arrisquei ser corajoso com a irmã de um amigo meu. Ele tinha cinco irmãs, – ainda tem–, e uma delas era bem bonita e se dava muito bem comigo. Numa noite quando voltávamos de uma festa, ela e eu viemos abraçados, então eu disse á ela que eu estava afim dela. Ela me disse que gostava muito de mim, mas era como se eu fosse um irmão dela. Fiquei decepcionado, mas continuamos sendo amigos.</p><p>Ás vezes, quando acabava a festa, eu e alguns amigos levávamos as meninas ás casas delas, e, uma delas, gostava de vir abraçada comigo para me contar sobre a paixão dela por um amigo meu. Eu era o confidente dela á ponto de algumas pessoas acharem que a gente vivia se garrando, mas era pura amizade e companheirismo, porém, se eu não tivesse levado o fora da irmã do meu outro amigo, eu tentaria alguma coisa á mais com aquela amiga também. Mas só o fato de eu andar abraçado com algumas garotas já elevava a minha moral com as outras, porque de vez em quando uma gatinha vinha me perguntar se eu estava curtindo com a fulana, – curtindo. Era assim que se falava –, com essa ou com aquelas. Aí, eu aproveitava a chance de “curtir” com a curiosa. </p><p><br /></p><p>Eu já me sentia um poeta solitário, vivia criando metáforas e inventando história á respeito do sexo oposto. Não consigo me recordar de todos os textos que eu escrevia pensando nas garotas que me faziam tremer as pernas, o resto do corpo e sentir o coração bater á mil por hora. Mas, nos meus dezesseis anos de idade, em uma de minhas divagações sobre mulheres de todas as idades eu escrevi mais ou menos assim: “Garotas, jovens e mulheres maduras”. São elas que nos levam á loucura numa perda total de juízo, nos transformando em animais irracionais destemidos. Somos domados por elas que nos tornam feras inofensivas e incapazes de feri-las para não deixá-las escaparem de nossas garras.</p><p>Desde os primórdios do tempo, quando o ser humano ainda se comportava como animais selvagens, com suas bordunas eles batiam num ponto da cabeça da fêmea, mas com cuidado para não tirar-lhe a vida. Se outro tentasse lhe tirar à presa, a borduna seria usada como arma de defesa desferida com forte violência para proteger não somente á si, mas o a sua melhor caça, seu troféu, sua fêmea; a mulher.</p><p>Para nós homens, sabemos que dinheiro, carros, fama, não teria valor e nem necessidade alguma se não existisse a mulher. Tudo gira em torno delas, e, o que fazemos ou deixamos de fazer tem que encontrar respaldo no fator mulher.</p><p>O nosso primeiro medo não é ser despedido do emprego, não ter fama e nem dinheiro, sim, de não ser correspondido na tentativa de obter sucesso com uma garota, jovem ou mulher madura. Quando se perde um emprego, seja ele bom ou ruim, a gente procura outro e ao encontrá-lo fica tudo resolvido. Se não somos celebridades nos contentamos em sermos pessoas comuns tocando a nossa vida. Se perdermos dinheiro, com o tempo a gente sai do aperto. Enfim, sempre damos um jeito de entender que no que depender unicamente de nós para termos êxito em nossos negócios e não conseguimos ter, com um pouquinho só de jogo de cintura tudo será compreendido e resolvido. Quanto á mulher, você sabe que sempre existirá um cara mais pobre, incompetente, anônimo e mais feio do que você, mas que, ele tem uma garota, jovem ou mulher madura. Então acabamos percebendo que o nosso maior desafio e ascensão ao sucesso é sem sombra de dúvida, ter uma resposta positiva em uma primeira tentativa de conquistar uma garota, jovem, mulher madura ou até mesmo uma velha com dentaduras. Que assim o diga quem já superou todas as faixas de idades da vida, mas ainda sabe que elas, as mulheres, são as responsáveis pelos nossos sucessos ou fracassos no ponto de vista de realização pessoal.</p><p>Tudo que eu escrevia fazia referência ás minhas perdas, medos e desejo de conseguir logo uma garota. Eu vivia ensaiando o primeiro beijo. Lembro-me de que eu unia o dedo polegar ao indicador. -com a ponta do polegar chegando ao meio do indicador faz-se salientar um nervinho macio abaixo do indicador e rente ao polegar. Eu ficava beijando esse nervinho até quase desbotar a cor da pele nesse local.</p><p>Eu sabia que se eu recebesse um não da primeira garota, eu estaria liquidado para sempre. Em contra partida, se ela me aceitasse todas as minhas frustrações, insucessos e medos teriam sido superados. Nem todos pensam assim, eu sei, mas eu pensava mais ou menos assim naquela noite na escola.</p><p>A partir do primeiro beijo que foi o único antes do sino anunciar o final do recreio eu entendi que a maioria das pessoas que eram insatisfeitas com o seu porte físico, gordo ou magro de mais, negro ou albino, ou que tenha qualquer tipo de preconceito contra si mesmo, é simplesmente pelo fato de julgar sem tentar buscar saber a opinião dos outros sobre ele.</p><p>Numa noite clara de lua cheia, eu fiquei olhando para a lua no céu, e refletindo:</p><p>Por que Paulo Henrique Aguiar e seus irmãos eram as pessoas que eu admirava? Porque seus pais eram ricos e seus quatro filhos tinham perspectivas de vidas cheias de sucesso. Mas como eu enxergava esta realidade era o que influenciava á minha autoestima: – abaixo do nível mínimo de orgulho próprio.</p><p>*Os amigos do Paulo Henrique, os professores e diretoria também souberam que ele explodiu o banheiro da faculdade. Porém, ele não passou sequer um minuto dando explicações á ninguém, porque ele era rico. –foi assim que eu encarei aquela situação. E se eu tivesse simplesmente suposto que Paulo Henrique era um riquinho rebelde, esperto e inteligente?</p><p>Mário Lúcio Avelar Filho me disse na mesa do café da manhã, que as pessoas boas morrem. O que eu pensei naquele momento: – os meus irmãozinhos e o meu pai eram bons, o meu irmão mais velho judia de mim. –será que não daria para eu parar de ser tão egoísta e analisar o que ele havia dito, em outra esfera que não fosse o meu próprio umbigo? –resultado: cheguei aos meus dezesseis anos querendo que o meu irmão mais velho sumisse do mapa, não que ele morresse, mas desaparecesse da nossa casa, do nosso bairro e de minha vida enfim.</p><p>A amiga do Flávio Avelar me chamou de neguinho bom de volei. –Merda, não daria pra eu ter entendido que aquela garota bonita e rica ao me escolher como parceiro estava demonstrando que o fato de eu ser negro, não tinha influência alguma em um possível relacionamento de amizade entre duas pessoas de classe e cores de peles diferentes?</p><p>Eu fui um menino que julgou serem arrogantes e dignos de desprezo, todos os integrantes de um grupo musical no auge da carreira, apenas pelo simples fato de ter visto somente o mais novo do grupo dando tchauzinho da janela do Umuarama Hotel para um bando de garotas que ansiosas que aguardavam a aparição dos cinco integrantes do grupo. Quanta ignorância. Eu passava ali por acaso naquela hora. Talvez, o grupo inteiro já havia repetido o mesmo aceno para as fãs, todos eles já tivessem distribuído autógrafos. –estou me referindo ao grupo Menudo. Nesta situação, quem seria o arrogante e desprezível? Os famosos que tinham o compromisso de se prepararem para o show e fazer bem feito o que eles eram pagos para fazer, ou eu, que, com a minha falta de consideração e compreensão com a pessoa que eu mais achava humilde e necessitado de proteção por causa de sua saúde debilitada, eu o desprezei e não queria mais andar com ele, porque naquele mesmo dia eu encontrei maconha no bolso do blusão camuflado dele e não aceitei a explicação que ele me deu: – Não joãozim, eu não sou maloqueiro maconheiro não. Eu só uso isso porque eu sou doente, e uns amigos meus me disseram que isso é bom pra mim. –Mentira. Eles também fumam essa porra. –foi o que eu asperamente falei ao meu próprio irmão.</p><p>Que fosse mentira, que fosse verdade; quem era eu pra julgar e abandonar uma pessoa tão frágil e humilde quanto aquela? Então eu passei a não andar em grupo, porque eu supunha que amigos traziam más influências.</p><p>Algumas pessoas do meu meio social achavam que em alguns casos eu estava coberto de razão, afinal de contas, concordâncias em pontos de vistas entre as pessoas, sempre irão existir quando se discutem sobre estas questões. – e era isso que alimentava o meu ego. Outros poderiam discordar e achar que eu era um menino sistemático demais. –isso também inflava o meu ego, porque o meu pai era assim. Mas, em o que é que toda a minha ética, meu orgulho e minha ótica sobre fatos e temas da vida. estava me transformando? Em um adolescente que julgava a vida, o mundo e as pessoas considerando apenas as suas próprias perguntas e respostas produzidas em seu consciente em função dos seus medos e ecos de um passado tão recente ainda. –este ignorante era eu antes do primeiro beijo.</p><p>Eu queria ir ter com o homossexual da empresa para ter uma conversa com ele sobre a minha dispensa do trabalho. Mas eu tive medo de que ele me dissesse que ele não tinha nada á ver com aquilo, e que eu fui mandado embora porque a patroa não gostava de mim, porque eu era negro, ou que na verdade fora o seu Airton Machado que armou toda aquela cena para ele não ter que me cumprir a promessa que ele me fez. Eu não me enturmava com os meus amigos, porque eu não confiava em amizade de ninguém, porque o meu contra–mestre e o meu professor de capoeira me deram razão para isso. Serginho era mal com os alunos de capoeira. Rayovac era bonzinho com todos dós. Em uma primeira discussão entre os dois, nós descobrimos por intermédio do próprio Serginho, que, era Rayovac quem o mandava pegar pesado com a gente. Para mim, ambos eram falsos.</p><p>Eu havia parado de ser competitivo porque em um torneio de saltos eu fiquei em quarto lugar, quando na competição tinham apenas quatro correntes.</p><p>Eu achava que os ecos da minha consciência era o próprio Deus. E se eu o desobedecesse, eu estaria cometendo um grande erro. Meu Deus, eu era um menino que vivia a vida de acordo o que eu dizia á Mim. E que achava que as pessoas também tinham de mim a mesma impressão que eu tinha de mim mesmo. Até aos meus dezesseis anos de idade eu era um menino que me encontrava no personagem Marcos e seu cãozinho Amerigo. –hoje eu nem me lembro mais do que se tratava as história desses dois personagens, mas só sei que elas eram muito tristes. Quando criança, eu até chorava assistindo aquelas historinhas na casa da minha tia Ovate. </p><p>Eu era um garoto com dezesseis anos de idade e ainda trazia traumas adquiridos em uma infância, que fizera de mim, um adolescente que achava que para se ter valor pessoal, tinha que ser rico. Porque Paulo Henrique Aguiar e seus três irmãos filhos de Nair Almeida Aguiar e Mário Lúcio Avelar, eram os meus ídolos, porque eram ricos e gentes boas. Eu era um adolescente que só se masturbou com quinze anos e alguns meses, porque achava que era pecado ter atração sexual por uma mulher, e que eu não seria aceito para uma paquera com uma garota, porque um coleguinha de classe disse á mim que a menina que eu gostava não gostava de mim. E também por achar que toda menina que me tratava com carinho e atenção, na verdade sentia era pena mim.</p><p>A partir do primeiro beijo teria eu vencido os meus medos? Não. Admito que não. Mim seguia produzindo ecos em minha consciência. Os meus medos e coragem continuaria me seguindo por onde eu andava. Minhas opiniões sobre os temas da vida foram mudadas e algumas delas permaneceriam. Mas o que importava era que eu chegaria á algum lugar.</p><p> “Olha o aviãooo”. </p><p>-Joãozinho, quanto é seis mais cinco? </p><p>-Ô mãe, qual é o número depois de dez? </p><p>-Onze meu fie. </p><p>–Onze. Ganhei.</p><p>Ah! Eu tinha apenas dezesseis anos e já sentia a nostalgia de uma infância tão recente. Ela fora cruel, amarga, mas tambem havia sido doce, mágica. </p><p><br /></p><p> Ao me envolver com as meninas eu teria que arrumar trabalho fixo para ganhar dinheiro para garantir a situação. Emprego de carteira assinada era um pouco difícil de encontrar. O Expansul estava se desenvolvendo em ritmo lento ainda, mas eu seguia capinando lotes e trabalhando nas construções das casas dos novos moradores que chegavam por ali. </p><p>Fui trabalhar de empregado na casa de uma baiana sem marido, engraçada, muito honesta e mãe de Sandra, uma moça de dezessete anos de idade. Mãe e filha me proporcionaram momentos hilários e também muito dignos de nota. Dona Ana era branca, com cabelos lisos e ralos. Mãe e filha não tinham nada á ver uma com a outra, fora o fato de seres muito amigas. Sandra era morena, magra e de cabelos longos e lisos das raízes até próximo ás pontas que formavam ondas voltadas para cima. Ela confiava em mim á ponto de até me pedir para bater a clara do ovo quando ela ia preparar um bolo em dias de sua regra feminina mensal. Ela dizia que quando se estava naqueles dias, mulheres não deviam chupar limão, comer peixe e uma porção de outras coisas. Sandra não me tratava como á um “empregadinho” Tinha-me como amigo confidente. E ás vezes como á um menino inteligente, idiota, bonitinho e feinho, em situações variadas. Éramos confidentes um do outro. Ela e eu não trocávamos beijos na boca, ou qualquer outro carinho de conotação amorosa. Mas ela havia me passado alguma noção, como: o que eu devia dizer e fazer de modo bem simples para uma garota numa situação de simples paquera. Depois eu complicava tudo com os meus anseios e receios. Quando tive coragem de falar com Marta, eu recordei de algumas dicas que Sandra me passou. –mas eu não ás usei. A engabelação improvisada veio bem á calhar.</p><p>Na noite anterior ao meu início nas paqueras, eu lavava as louças usadas na janta que ela preparou e, nós, ela a mãe dela e eu comemos, e levei á pia para lavá-las. Ela fez um monte de comentários sobre como eu lavei as vasilhas, – mal lavadas, – mas rindo feito uma tonta. Então, recomeçou á lavar algumas daquelas vasilhas, dizendo que quando eu me casasse, a mulher ia ter que se matar na cozinha, mesmo estando em resguardo. –prende o meu cabelo aqui, ô menino ruim de serviço. Depois que eu apertei a liga nos cabelos dela, ela me falou que eu tinha que arrumar um emprego de homem, porque garotas não gostavam de garotos que não tinham dinheiro, e muito menos de uma “bichinha” que trabalhava de empregada. – e deu aquela risada marota. Talvez, ela já soubesse que eu não havia arrumado uma garota. Aí eu emendei: Dá moral pra mim pra você ver quem é a “bichinha”. –eu tô falando sério. –ela ratificou. Sandra conversava muita abobrinha, e não daria pra eu me lembrar de tantas asneiras que ela dizia, mas o que ela falou naquela hora, mexeu comigo. Quando eu enfim, dei o primeiro beijo na Marta no colégio, Sandra foi a primeira á saber do milagre.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>NOVA GERAÇÃO FUNK</p><p><br /></p><p>Eu e o meu primo Manoel, fomos morar em um barracão que o meu irmão Eurípedes construiu em um lote dele no mesmo setor, em outra avenida. A minha liberdade absoluta estava garantida. Porém, a pobreza tornou–se ainda maior. Vivendo com a minha mãe na casa do meu irmão Eurípedes, eu tomava banho em um banheiro com chuveiro elétrico. Tinha geladeira e ferro elétrico para passar as minhas roupas. Água encanada, enfim, uma casa trilhões de vezes mais confortável e receptiva para eu receber as visitas de algumas garotas. No meu novo esconderijo, só havia uma beliche de dois leitos, um fogão á gás, um velho guarda–roupas e bancos feitos de madeira lascada á facão. Improvisei um fogão de lenha para esquentar numa lata a água do banho. De qualquer forma, eu estava satisfeito. Felicidade, era o meu nome.</p><p>O funk não era algo aprendido em escolas de danças, pois o funk contagiava as pessoas. Era como um vírus que impregnou nas veias das pessoas de uma época, a qual, os dançadores conseguiam se diferenciar um dos outros e também se identificar á eles por intermédio do seu modo de dançar funk em todos os seus variados estilos. No movimento funk, individual ou em grupos não existia a diferença entre negros e brancos, pobres e ricos, bonitos ou feios. Todos eram simplesmente, ou, extraordinariamente, funkeiros.</p><p>Se eu dissesse que fui eu que ensinei os meus parceiros á dançarem funk, estaria sendo mentiroso. Mas fui eu quem uniu aquela galerinha dispersa que nem vivia em grupo e era cada um na sua. Nós nos encontrávamos no campo de futebol e ás vezes, íamos á represas juntos. Naquele dia, eu e Fabiano conversávamos sobre funk. Não tínhamos um aparelho de som, mas ele dançou do jeito dele. Desengonçado, com as pernas duras feitas tacos de golfe. Eu mostrei á ele o meu estilo. </p><p>–Nossa! Com quem você aprendeu dançar assim? </p><p>–Geração 2000. –respondi.</p><p>Ele não conhecia aquele grupo. Pondera! O moleque não ia á festas ainda. Mas já fumava cigarros. Ficamos por ali conversando. Até que, Cristiano, o irmão gêmeo dele chegou trazendo dois cigarros, e discutindo com o Fabiano. Eu preparei o café. Nós três nos sentamos no piso de cimento rústico da pequena área do barracão de dois cômodos que eu morava. A rusga entre eles terminou quando começamos á passar o cigarro de um para o outro. Naquele dia eu comecei á fumar Porém, devo dizer que não houve nada de muito estranho naquilo. Muitos garotos já fumavam naquela época. Só não me esqueço da tontura nas primeiras tragadas e do fato de que a minha mãe não poderia saber.</p><p>Fabiano saiu. Eu pensei que ele não voltaria, mas de repente ele voltou com o Erick Luciano, o Pituta. Em seguida chegou o Carneirinho. E o Sandrinho. A fama do moleque da Vila Brasília já corria pelo Expansul. Falei sobre o funk, e, todos mostraram o que sabia. Dias depois eu montei o meu grupo de funk.</p><p>Edivan. Pituta, Carneirinho, Sandrinho, Cristiano, Fabiano e Wébton gato, Valdijan, – este não dançava, – me considerável como líder do grupo, mas eu não me comportava e nem me considerava como á um líder, porque as minhas experiências vividas me ensinou á me portar com simplicidade e humildade de espírito.</p><p>Pituta escolheu o nome para o grupo. Seria Boys de rua. “Garotos de rua”. (You e Boys são as primeiras palavras em inglês que qualquer um analfabeto aprende á traduzir). Todos vibraram e aceitaram o nome. Eu pensava: – esses boyzinhos não sabem o que é ser garoto de rua. Mas eu não queria ser o único á ir contra a sugestão do nome, feita por Pituta.</p><p>Numa noite de domingo, alguns do nosso grupo, voltávamos de um Rock in rua que acontecera no Pingo d´água Chopp. Os endiabrados resolveram pegar jabuticaba em um terreno colado com á dita choperia. Eu só observava do meio fio da rua. Não era um roubo, pois tinha muita gente ali, inclusive o dono. Depois das jabuticabas, fomos embora. Ao chegarmos de frente ao cemitério, Pituta xingou uns caras que estavam dentro de uma Brasília, chamando-os de bundas-moles, para então dar o recado: –aqui é o grupo boys de Ruas, seus otários. Os caras deram meia volta e vieram com tudo em nossa direção. Ficamos eu e Carneirinho para trás porque não íamos correr, pois, não mexemos com ninguém. –John, aqueles caras vão pegar a gente. –disse Carneirinho. (eu era o Boy John) – vamos correr porra. –falei.</p><p>Vazamos atrás dos outros. Atravessamos a BR com mais de mil por hora. Os caras fizeram o retorno e vieram em nossa captura. Separamo-nos. Cada um por si. Deus por todos. Aquela noite foi louca. Não dá pra descrevê-la corretamente. Quando nos reunimos novamente, em frente à casa de Cristiano e Fabiano, estávamos todos sãos e salvos. Cada um de nós comentou o ocorrido e como fizemos para nos livrarmos dos perseguidores. Foi naquela noite que eu dei a minha opinião sobre o nome do nosso grupo.</p><p>–Pituta, você fez uma coisa errada.</p><p>–Por quê?</p><p>–Aqueles caras não conheciam a gente, mas quando nós comprarmos as camisas e pôr nelas o nome do nosso grupo, eles vão saber quem somos.</p><p>Gato enfezado disse: –Você é burro demais, seu otário. Pra que você disse que nós somos os Boys de Rua? –E agora Joãozinho?</p><p>–Que tal Nova geração Funk? –sugeri.</p><p>Os meus parceiros: – Iuhhull é isso aí. Vai ficar massa esse nome nas nossas camisas. Edivan empolgado perguntou: –que dia que a gente vai comprar o nosso uniforme? Vai ser branco ou preto?</p><p>Nossos uniformes de início eram camisetas brancas de mangas curtas. O segundo eram camisetas pretas de mangas longas. Nas partes traseiras e nas mangas das camisas foram escrito o nome Nova Geração. Na frente sobre o peito escrevemos o nossos codinomes. Boy Jonh. Pit boy. Cat boy. Sander Boy. Boy Red, e outros que eu não me lembro mais.</p><p>Nosso grupo progredia á cada apresentação pela cidade.</p><p>Depois daquela noite de fuga espetacular seríamos reconhecidos por sermos os garotos mais novos á dançar em grupo em toda Aparecida de Goiânia.</p><p>O grupo Nova Geração passou á ter certa notoriedade, ainda que nós não fôssemos os melhores e nem os mais famosos entre os demais. Ratos de praia, comandado por Romualdo era bem mais reconhecido na região central e arredores de Aparecida. Explosão funk também era um dos grupos que já deixavam as suas marcas registradas na era do funk de grupo. O nosso diferencial era o estilo e as idades dos integrantes. Eu era o mais velho com dezessete anos. Os outros iam de quatorze á dezesseis. Éramos menores de idade, e por esse motivo chamávamos á atenção dos festeiros por onde quer que a gente fosse. Sobretudo, das garotas.</p><p>Havia um elo entre nós e o grupo Geração 2000 que era a o grupo mais respeitado da grande Goiânia. Mas eles frequentavam os clubes Carneiros, Sargento, Cruzeiro, Social feminino e outros grandes clubes de festas em Goiânia.</p><p>Os integrantes do grupo Geração 2000 eram os meus amigos de infância, meu irmão Rildo e meu primo Júnior, e esse fato permitia que eu aprendesse alguns spicks com eles e importá-los para as nossas mixagens para a composição de nossos passes de dança. Nossos treinos e ensaios antes de uma apresentação e outra, aconteciam na casa do nosso parceiro Pituta, o mais envolvido com o funk arte. De todos os membros do nosso grupo, Pituta era o que levava a dança como sendo uma arte que deveria ser levada á serio. Era ele quem corria atrás de eventos culturais para as nossas apresentações e também nos inscrevia em concursos de funk. –a nossa melhor posição foi o terceiro lugar em um concurso realizado no Clube recreativo, o clubão. Devido á disposição e influência do Pituta, nós íamos fazer a abertura do Cine teatro Mário Melo no centro de Aparecida. Ensaiamos bastante, mas no dia marcado, alguns do nosso grupo deram pra trás, e então tivemos que desistir. Pituta ficou uma fera.</p><p>No começo ensaiávamos sozinhos no salão do bar do padrasto dele na Vila Adélia. Depois de muitas apresentações apenas no clube recreativo, algumas garotas se juntavam á nós para assistir os ensaios. Com isso surgiu o Grupo Gatas Eletrônicas. Mas, elas não dançavam o funk de origem e competitivo, mas faziam alguns passinhos em grupo, o que era bem legal, pois, Nova Geração e Gatas Eletrônicas, colocavam quase todos os clubeiros e clubeiras á dançarem juntos numa mesma coreografia de movimentos fáceis e repetitivos. Era bem bacana.</p><p>Alguns garotos da Cidade livre queriam entrar para o nosso grupo, mas era inviável por razões de deslocamento para os ensaios, e também porque alguns moradores daquele bairro e do Expansul não se davam bem. Brigas entre eles eram frequentes. Era o que chamávamos de Rechas, ou seja, rixas. Dias depois surgiria o grupo Top Golden Funk, também formado por meninos da nossa faixa de idade.</p><p>O funk era o cartão de apresentação de qualquer adolescente ou jovem daquela época, e era também o divisor entre os ditos “pregos e os caras pras cabeças” Funkeiros conseguiam agradar as garotas, apesar de serem chamados de malas também.</p><p>Numa noite de sábado, eu e os meus parceiros fomos fazer uma apresentação no bairro Jardim dos Buritis. Era em um colégio na ocasião. Pituta foi quem combinou com o DJ a nossa apresentação naquele local.</p><p>Quando chegamos ali uniformizados com as nossas camisetas pretas de mangas longas, algumas meninas vieram se apresentar á nós e ficamos trocando ideias sobre elas e o nosso grupo. Quando o DJ anunciou o nome Nova Geração e nos convidou á irmos para a pista, uma grande roda se formou e nos pomos no centro dela e começamos á dançar. As garotas gritavam o nome Nova Geração e batiam palmas. O comportamento delas fez com que alguns caras ali não gostassem de nos ver sendo ovacionados por elas. De repente, o meu parceiro carneirinho errou o passe, mas continuamos. Eu me posicionava na frente do grupo e não percebi o que foi que houve para o desequilíbrio dele. –vaia masculina comeu. Logo em seguida surgiu um cara com uma garrafa de cerveja e ficou atrapalhando a gente dançar. Como ele insistiu, eu dei–lhe um empurrão tão cabuloso que ele abriu uma brecha na roda. Pronto, a confusão estava armada. Fomos parar no meio do gramado do colégio. O cerco se formou. As meninas pediam para os marmanjos não baterem em nós. O DJ parou com a música e ameaçava acabar com a festa caso a briga continuasse. A multidão nos encantoou próximo ao alambrado e ameaçava trucidar á nós, que, éramos oito torando agulhas, mas prontos para apanhar e também dar uns sopapos. Meninos menores pegavam pedras, paus e tudo que viam pela frente para participarem da briga. Os maiores de idade queria que brigássemos no mano á mano um com o outro. De qualquer forma, estávamos perdidos. Aquela história de mano á mano não ia rolar, mas deu a oportunidade para o gato mostrar suas garras e instinto vingativo.</p><p>Wébton gato, o Cat–boy era o mais nervoso e de mais atitude em uma briga.</p><p>Então ele começou á discursar: – É o seguinte, nós viemos aqui para dançar. A gente não queria briga, mas se vocês querem bater na gente, então nos matam de uma vez, porque senão, eu mato vocês de um por um. –E, ele falou um monte de coisas.</p><p>Eu permanecia de braços cruzados e esperando o resultado das ameaças que ele fazia. De repente, o cara que eu o tirei da roda com um empurrão, surgiu com uma garrafa quebrada na mão erguida para cima. –morri. Pensei. –Por sorte, o indivíduo estava tão embriagado que ao invés de acirrar ainda mais o linchamento, ele fez foi ameaçar todo mundo que quisesse acabar com a festa. Eu não sabia quem era aquele sujeito, mas, ele salvou a nossa pele. Fomos salvos pelo gongo, ou melhor, os goles á mais que o bom samaritano bebeu naquela festa.</p><p>Quando alcançamos a rua, corremos feitos loucos para a BR 153 acreditando que os caras não iam deixar barato. Atravessamos a rodovia e íamos embora correndo á pés, mas um caminhoneiro que dirigia uma carreta de transporte de gado nos deu carona. Voltamos para as nossas casas, fedendo á esterco, mas inteiros, sãos e salvos.</p><p>O interessante é que quando garoto, a gente leva a vida na aventura, e sabíamos que mais brigas viriam depois. –e quantas mais vieram! Mas enquanto isso, Nova Geração ia seguindo a onda funk e nos tornávamos cada vez mais unidos e comprometidos em deixar a nossa marca em todo lugar que a gente ia para curtir a nossa adolescência rebelde no bom sentido da palavra. O que eu aprontava nas ruas, a minha mãe não ficava sabendo. Em casa eu ainda era o Joãozinho que á ajudava nos afazeres domésticos e cuidava do maninho caçula.</p><p>Pensava eu que os meus parceiros eram todos garotos que tinham uma boa relação familiar, mas com o tempo eu fui percebendo que alguns deles eram filhos de mães separadas de seus pais, enfrentavam uma vida familiar difícil e também cheia de traumas. Observando o comportamento de cada um deles, eu fui me tornando o conselheiro do grupo, enfatizando sempre o bom convívio com seus parentes e o mais sublime de todos os conselhos extraídos da escritura sagrada: honrai pai e mãe.</p><p>E assim, eles me respeitavam bastante e me consideravam de igual modo como eu os considerava. Amizade verdadeira, companheirismo e união. Fui descobrindo em mim, um adolescente que sonhava tornar melhor a vida das pessoas e sendo o confidente daqueles que se tornavam meus amigos. Por este motivo, entre ensaios e apresentações de dança, eu conseguia fazer com que nós ajuntássemos forças para cuidar do quintal da casa de um e outro e outras tarefas braçais.</p><p>Quando um do grupo não tinha dinheiro para a compra do ingresso na portaria do clube, a gente fazia a famosa vaquinha e garantia a presença dele na festa. Quando ninguém tinha grana, eu desenhava o carimbo de entrada nos pulsos de cada um deles e no meu. De qualquer jeito a gente dava um jeito para entrar no clubão para dançar o nosso funk e paquerar algumas gatinhas também.</p><p>Francamente, sem modéstia, eram garotas á rodo. Oh fase boa!</p><p><br /></p><p>Mais garotas e mulheres, cigarros e bebidas, brigas e fugas espetaculares.</p><p>Á partir de 1990 o nosso grupo começaria a se desarranjar. Nova Geração Funk duraria até 1994. Aos poucos fomos dispersando e passamos á dançar, de modo individual, embora ainda continuássemos sendo amigos.</p><p>Eric Luciano o Pituta foi acidentado ao tentar fazer o retorno na BR 153 montado em sua bicicleta. Alguns dias se passaram e, ele pôde então receber visitas na enfermaria do hospital Santa Helena. Eu, Carneirinho e Edivan, fomos visita-lo. O acidente não o matou, mas machucou bastante a cabeça, rosto e infelizmente, a perna direita dele teve que ser amputada pouco abaixo do joelho. Tempos depois ele foi para o hospital Sara Kubitschek em Brasília. Após muita fisioterapia, Pituta recebeu uma perna mecânica. Mesmo sem a perna direita, ele arriscava uns passos de funk, mas o Hip-hop o roubou de nós. Anos depois ele criou o grupo musical Conexão suburbana. Compunha, cantava e lançou Cds com as suas música. Hoje ele compõe, canta e lança no mercado, Cds de Rap evangélico. È formado em letras e é também um grande pregador evangélico.</p><p>Edivan é funcionário da prefeitura municipal de Aparecida de Goiânia. Casou-se com Núbia e tem duas filhas e uma netinha.</p><p>Alberto o Carneirinho é casado, pai de família, mecânico de automóveis e dono de uma oficina e uma loja de peças automotivas.</p><p>Sandrinho atualmente é escriturário trabalhando no mesmo emprego á mais de vinte anos.</p><p>Cristiano é costureiro e tem sua loja de roupas. Vive com a sua esposa.</p><p>Fabiano... eu não sei por onde ele anda, mas peço á Deus que o abençoe como fizera com o seu irmão Cristiano.</p><p>Gato casou-se com uma japonesa e foi para o Japão, mas atualmente o casal mora em Atlanta nos Estados unidos.</p><p>Valdijan morreu ao bater sua moto na traseira de um caminhão na Praça da Matriz de Aparecida. </p><p>Eu sei que nós não fomos o melhor grupo de Funk da nossa cidade, mas com certeza, nos bailes da vida e nas memórias dos clubeiros e clubeiras do final dos anos 80 e meados dos anos 90 ainda restam as lembranças dos meninos mais novos da época, que dançavam um funk charmoso e cativante. </p><p>Eu, o Joãozinho, o Boy Jonh, devido as minhas machucaduras jogando bola, ressurgiu o vitiligo em minhas pernas nas regiões das canelas, mas não me afetou em nada. Eu já era feliz com a vida e comigo mesmo desde o primeiro beijo aos dezesseis anos de idade.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Se havia algo que eu não esperava que fosse acontecer comigo de forma tão inusitada, era a perda da minha virgindade sexual. Eu passava por uma fase excelente em se tratando de paqueras e passatempos com direito á reprises, porém, sexo com uma garota ou mulher que fosse, eu ainda não tinha experimentado. </p><p>Adolescentes de todas as épocas vivem um modo de vida extremamente aventureiro. È como se para estes não houvesse o amanhã. Eu, particularmente achava que o melhor da vida era conquistar o máximo possível, de garotas. “Conquistar” A arte da conquista era por mim estudada de forma imaginária. Quando eu interessava sexualmente por uma garota, eu criava um cenário, ocasião e ensaiava as palavras certas para dizer á ela. Acontece que, eu mesmo respondia por ela. Geralmente o desfecho do meu diálogo solitário com a minha ausente interlocutora, terminava me deixando com a perspectiva de levar um fora dela numa situação real de abordagem para o Coito. Toda essa negatividade me fazia evitar demonstrar á minha pretendida, que eu estava interessado em fazer “coisas com ela. Se ela estivesse na mesma roda de amigos que eu estava, eu não dirigia a palavra á ela, e também, quando ela falava alguma coisa, eu fingia não prestar atenção no que ela dizia. -aquele que tenta te ignorar é o que mais te nota. Irônico.</p><p>Aos poucos eu fui me descobrindo e saquei que na verdade a minha negatividade diante das garotas, transmitia á elas certa acessibilidade e liberdade para que elas pudessem se insinuar para mim com toda a segurança e certeza de que eu era uma presa fácil. Realmente, eu não deixava garota nenhuma passar batido. No entanto, eu ainda era virgem, com quase dezenove anos de idade.</p><p>Foi quando aconteceu A primeira vez de um rapaz.</p><p>Certa noite de sábado, eu e mais dois amigos fomos ao Setor Jardim Cristal. Nosso destino seria o centro comunitário onde estava acontecendo uma festa. Quando nós chegamos á esquina próxima ao local do evento festivo, uma galerinha formada por quatro rapazes e uma garota, estava por ali bebendo Drear com Coca-Cola.</p><p>Eu conhecia todos os rapazes. Foi quando um deles ao me vê me chamou pelo meu nome e me intimou á chegar junto na roda dos biriteiros.</p><p> Demos toques de mãos, estalados e girados. Imediatamente o rapaz mais inteirado da patota nos apresentou á única garota que estava entre eles. Três beijinhos no rosto de cada um dos meus dois amigos, e, ao chegar a minha vez, ela falou assim: então você é o Joãozinho... Prazer. Eu sou a “Fulana”. -e olhou direto nos meus olhos para em seguida dar um beijo em cada lado do meu rosto e um selinho nos meus lábios. </p><p>Fiquei surpreso com a atitude dela e por ela demonstrar admiração ao saber que eu era o Joãozinho.</p><p>Rapidinho eu fiquei á par da causa e efeito. Aquele meu colega que me chamou para fazer parte da galera, quando ele me viu disse á ela que eu tinha um grupo de Funk que se chamava Nova Geração, e que ele era chegado pra caramba do líder do tal grupo. –eu era o cara em evidência na conversa entre os dois.</p><p>Ficamos conversando, clareados pela luz do poste elétrico na esquina da rua.</p><p>Á princípio, eu não dei muita atenção á Fulana. Enquanto nós, a turma toda, conversávamos, eu fazia de conta que ela nem estava por ali. Mas ela era muito excitante, e bem atualizada em termos de moda. Calçava um par de Tênis Redley na cor Vinho, vestia uma saia curta de lycra preta e bem justa. Por duas vezes ela me pediu para eu segurar a o copo para que ela descesse a barra da saia que teimava em subir e deixar á mostras suas coxas cobertas por pelinhos descoloridos. Uma camisa roxa completamente feminina completava o figurino. Pele não loira nem branca. Eu diria morena clara. Cabelos lisos, escuros e de tamanho médio num corte repicado nas pontas, e uma longa franja frontal jogada para o lado esquerdo da cabeça. Calculei que ela tivesse vinte anos.</p><p>Enquanto eu á reparava, ia ganhando tempo esquentando a goela e turbinando as ideias com a bebida do copo dela, que agora dividíamos. Já estava rolando um clima entre mim e ela.</p><p>Caminhamos rumo á festa, eu e ela, lado á lado. Os demais seguiram na nossa frente. Ela já se mostrava sob o efeito da bebida de alto teor alcóolico misturada com refrigerante, e levava o copo descartável quase cheio da mesma. Não estava trôpega e nem tropeçando em seus próprios pés, mas a voz dela revelava que ela já havia bebido além da conta, para uma garota. Quando chegamos á entrada do local da festa. Ela não quis entrar naquele momento e me pediu pra que eu fosse com ela para detrás da parede do salão. Ela me puxou pela mão, me levando para o canto do paredão. Paramos ali. Ela colou o corpo dela ao meu. </p><p>Não houve troca de ideias, nem sequer a pergunta de praxe partindo de mim á ela: -aí, você tá a fim de curtir comigo essa noite? No mínimo era essa a pergunta feita por um rapaz á uma garota em uma abordagem de paquera naquela época.</p><p>Suavemente o rosto dela foi deslizando no meu pescoço. Em seguida foi migrando para a minha orelha. Eu sentia o respirar e a umidez dos lábios dela. E aquele cheiro de álcool. As mãos de Fulana trafegavam pelos meus cabelos e pescoço. Abarquei com as minhas mãos a cintura dela. Eu não estava bêbado por ter ingerido um pouco de bebida. Ela, apesar de estar um pouco grogue, estava me deixando aceso com os preliminares. </p><p>Escorei-me á parede e, de repente ela atracou-se ao meu pescoço, com ímpeto ela beijou a minha boca. Freneticamente ela me beijava, eu me surpreendi com a desenvoltura dela me beijando com ânsia e fazendo massagens manuais no órgão determinador de minha masculinidade. A tara dela me deixou aturdido. Eu experimentava pela primeira vez o que a maioria dos rapazes como eu, talvez não sentisse: prazer e Frustração ao mesmo tempo. Não sei se era por causa da quantidade de bebida que ela ingeriu, ou se ela possuía apetite desordenado por sexo. Diante de tantas dúvidas da minha parte em relação ao comportamento dela, eu me sentia inseguro, mas a minha libido não deu lugar á frigidez naquela hora. No entanto, eu fiquei paralisado enquanto ela parecia querer praticar alpinismo em meu corpo. As coxas dela se revezavam ralando em minha s pernas. Ela estava sedenta de sexo. Eu estava faminto, mas muito ressabiado.</p><p>Homens têm a mania de querer estar no comando de tudo, e, quando algo acontece daquela maneira, a gente tende a achar que está sendo fácil demais. O meu desejo de fazer sexo com ela naquele exato momento, era grande, mas eu não queria que fosse sobre um chão coberto por brita e nem escorado á uma parede com chapisco grosso.</p><p>Percebendo a minha recusa, ela me puxou para o portão de saída dos fundos. Atravessamos a rua e chegamos á uma quitinete de dois cômodos. Era o local onde ela morava sozinha. Havia ali no primeiro cômodo, um sofá, fogão, geladeira e um armário. Sentei-me no sofá. Ela tirou toda a roupa, e ficou só de tanguinha preta. Começou á fazer uma cena de sedução infalível. Sensualmente, ela tocava as alças da calcinha, prefigurando um streeptiesy.</p><p>Estatizado no sofá com a mão tateando meus próprios lábios, eu a observava exibindo só para mim ali na sua sala/cozinha. Meu corpo pedia o corpo dela sobre ou sob o meu ali mesmo no sofá. Quem sabe nós fizéssemos sexo a noite inteira. Era impossível resistir à tentação vendo a sedutora garota com os cabelos soltos caindo sobre seus seios, e a boca de lábios carnudos úmidos, molhando os dedos de uma mão, enquanto a outra ia deslizando na barriga dela em minha frente, seminua e com uma ânsia louca de ser toda minha naquela noite. Eu estava inebriado de tesão, mas também muito espantado. Falava-se muito sobre AIDS naqueles dias. E, eu não tinha sequer uma camisinha.</p><p> Fulana puxou-me em direção ao quarto. Fui me entregando aos poucos á ela que tirou toda a minha roupa me jogou sobre a cama. Deitado nu, com as mãos cruzadas á nuca, eu contemplava um estonteante corpo que escalava o meu corpo, molhando-me do rosto ao umbigo, degustando todo o meu abdômen. Evitou chegar ao ponto diferenciador entre o meu sexo masculino e o feminino dela.</p><p>De joelhos, tendo o meu tronco entre as pernas dela, ela massageava o meu tórax. Em seguida, seus peitos fartos se revezavam em minha boca fazendo-me saborear seus mamilos petrificados com sabor de óleo corporal. Minhas mãos deslizavam ás costas dela, que agora beijava a minha boca com voracidade.</p><p>Ao terminar o beijo, ela levou a mão em meu “falo” erigido. Ouvia gemidos no momento em que os lábios genitais dela tocou o meu mastro.</p><p>Ela aprontou um escândalo ao ser penetrada e continuava balbuciando frases sórdidas, pressionando meu tórax com as mãos ao sentir inteiro o meu membro dentro dela. Eu permanecia calado. Enquanto isso eu seguia acariciando com jeito os seios dela. Ela se contorcia toda.</p><p>Por uma fração curta de tempo, eu a observei e vi que ela fechou os olhos, e mordeu o lábio inferior grasnando feito uma fera. Subitamente, ela desabou sobre mim, sufocando-me com seus cabelos cobrindo o meu rosto. Movimentava como se estivesse troteando no lombo de um garanhão, e então, gozou rápido e intensamente.</p><p>Depois de beijar a minha boca por alguns segundos, ela juntou os cabelos num molho só e os jogou ás costas dela. Disse que queria mais. E perguntou se eu queria mais também. Não respondi. Simplesmente a coloquei de joelho sobre a cama, e me posicionei ás costas dela. Ela encostou sua parte traseira em minha dianteira e levou as mãos aos meus cabelos. Eu deslizei as minhas em toda a zona frontal do corpo dela. Ela dizia que aquela noite era só nossa, e que eu fizesse o que eu quisesse com ela, e como eu quisesse. Apoiou as mãos na cabeceira espelhada da cama, e se preparou para ser possuída em posição canina. Segurei no quadril dela e comecei á penetrá-la. No início ela gemeu prazerosamente. Ao meio, eu vi através do espelho, que ela fechou os olhos e espremeu os lábios. Ao fim da penetração, ela dava urros roçando o rosto de um lado e outro no lençol marrom, se movimentando pra frente e pra trás num ritmo acelerado.</p><p>Vai e vêm frenéticos, gemidos lancinantes, gritos roucos. E o segundo orgasmo dela aconteceu de modo á fazê-la espalhar-se sobre a cama.</p><p>Não houve tempo para uma pausa. Levantamo-nos, e de pés sobre o piso do quarto, nós nos abraçamos, nos beijamos e nos pomos prontos para mais uma sessão. Naquela posição, eu a fiz abrir o compasso das pernas, pondo um pé dela sobre a cama, e o outro no piso. Ela se equilibrou me abraçando sobre os meus ombros. E assim, de corpo colado de frente um ao outro, eu introduzi a minha régua cilíndrica de carne e nervo rígido, dentro da marcação central do compasso dela.</p><p>Eu subia e descia lento me sustentando nas pontas dos pés. Ela me mordia como louca, enquanto eu esquadrejava sua entranha. Falava coisas desconexas, tipo, pra eu chamá-la por nome diferente do dela. Eu permanecia mudo. O que passava em minha cabeça era meio confuso, devido ao estardalhaço que ela aprontava. Mas no fundo eu estava me sentindo o “Cara”</p><p>Ouvi quando ela respirou profundo olhando para o teto depois de alcançar o ápice do prazer pela terceira vez. Naquele momento eu senti uma explosão ejaculatória. Ela pressentiu que eu estava chegando lá pela primeira vez com ela, -mas não fazia ideia que era pela primeira vez na vida com uma parceira real. </p><p>Foi como se o céu tivesse desabado, o chão se abrido. Sei lá, foi bom pra mais de metro. Mas eu ainda permanecia encafifado.</p><p> Quando terminamos, ela se deitou exausta e saciada. Eu me vesti e me sentei na cama. Ela se sentou atrás de mim, me abraçou e perguntou se eu havia gostado.</p><p> -Claro que eu gostei. Vamos pra festa.</p><p>Passamos á noite juntos. Hora dentro do salão dançando músicas românicas. Hora sentados na calçada alta de um bar desativado. Cinco horas da manhã, eu fui embora sozinho, á pés.</p><p> Viciei naquela fogosa. Por mais quatro vezes tivemos relações sexuais. Alguns meses depois ela se mudou para o Setor Finsocial em Goiânia. Aí, não nos encontramos mais.</p><p><br /></p><p>Para a minha decepção, numa noite, depois que eu e alguns amigos e amigas, resolvemos ir embora de uma festa de formatura realizada no Tangará Praia Clube, nós, -éramos dez pessoas, sendo cinco garotos e cinco garotas. -bem, dois e duas da turma enquadravam perfeitamente na onda Juventude transviada. Maconha, cocaína e qualquer outro tipo de entorpecentes, para eles e elas, eram bem-vindos. Eu e os demais, ficávamos apenas com as biritas. Bebíamos Presidente com Guaraná Antarctica, fumávamos cigarros, e pelas ruas cantávamos Rock dos grupos Titãs, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e outros. </p><p>Acontece que, houve entre nós o consenso de irmos ara a casa de um dos nossos colegas. Chegando á casa dele, encontramos mais bebidas quentes, uma televisão e um vídeo Casset. Então nos sentamos no piso da sala, e, ele, o dona da casa, colocou uma fita de filme pornográfico para a gente assistir. Foi a primeira vez que eu assistia á um filme pornô. </p><p>Na primeira cena a atriz se masturbava em várias posições com um pênis de silicone e encenava ter alcançado inúmeros orgasmos escandalosos. De repente entrou em cena um homem com uma máscara do Zorro e começou a transar com a vagabunda. E a performance dela com o sujeito era a mesma. A mulher fingia possuir uma fonte inesgotável de esperma renovável.</p><p>Enquanto todos os expectadores na sala faziam algazarras assistindo aquilo, eu recordava da minha primeira parceira de sexo. Foi constrangedor para mim, imaginar que talvez a “Fulana” também estivera fazendo simulações de orgasmos nas vezes que eu e ela fizemos sexo.</p><p>Quando acabou o filme ainda tinha muita bebida e cigarros. Bebemos, fumamos muito e houve também muita sacanagem, cada qual com a sua qual. Mas ninguém foi flagrado fazendo sexo. Só sei que depois daquele filme, eu passei á achar que a Fulana que me desvirginou, era uma profissional do sexo. E que eu, eu era o Cara, porcaria nenhuma.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> *</p><p><br /></p><p>A adolescência passa tão rápido quanto um beija-flor que migra de uma flor para outra em um mesmo jardim á procura do néctar puro e vitalizador. Tal como um pequeno Beija–flor eu sobrevoei, não sobre jardins floridos, mas fiz dos pântanos o meu canteiro, de modo fantasioso, transformando os espinhos em pétalas de rosas e as pragas em lírios do campo. As dificuldades da vida não me impediram de ser um adolescente de bom caráter moral. A minha pobreza não me privou de curtir a vida de modo intenso e prazeroso.</p><p>Quando percebi, já havia me tornado um jovem maior de idade. Dezenove anos e muitos meses, foi quando eu me dei conta de que eu não havia cumprido o meu dever com a pátria amada idolatrada, salve, salve.</p><p>Tudo que eu mais queria era não servir ao exército, tal é que, eu me alistei depois dos dezenove anos de idade. Com muita relutância eu compareci á junta de serviço militar antes de completar meus vinte anos. A apresentação seria no parque de exposição agropecuária. Levantei–me cinco horas da manhã, tomei o ônibus e fui. Cheguei ao local aproximadamente seis horas daquela manhã do dia 26–08–1992. Alguns minutos ali, do lado de fora do parque eu imaginava milhões de mentiras para contar aos oficiais. Uma das mentiras seria: Eu sou arrimo de família. – puah, eu não tinha nem um passarinho para dar alpistes á ele. –A minha namorada está grávida de um filho meu. –bla, bla, bla, bla, bla, bla.</p><p>Enquanto eu traçava uma estratégia para não servir a pátria, um soldadinho metido á general abriu o portão. Esfreguei as mãos e me preparei para entrar. –Você está atrasado. Volte amanhã ás cinco horas.</p><p>Eu pensei em mandar aquele reco ir tomar naquele lugar, mas deixei quieto e voltei pra minha casa. Era impossível que eu chegasse ali ás cinco da manhã, tendo que usar o transporte coletivo. Onze horas da noite eu entrei no ônibus e fui para o local novamente. Eu iria passar a noite ali para não perder o horário. Cheguei á meia noite e alguns minutos. Fiquei sentado escorado ao portão. A madrugada foi chegando e o clima esfriando, eu precisava esquentar o esqueleto. Quando eu intentei deixar o lugar para ir procurar por alguma coisa que eu pudesse por fogo nela para me aquecer, um carro da polícia militar me apareceu. A sirene deu um giro e um grito. Dois policiais desceram da viatura. Eu ergui as mãos antes de receber a ordem de: – mãos na cabeça meliante. –Os dois, desceram com as armas em punhos. A rua estava deserta. O giroflex desligado. –tô frito.</p><p>Um dos policiais descansou os braços sobre o teto da viatura, mas com a arma na mão. Observei e me tranquilizei, pois a arma não estava apontada em minha direção. O outro se aproximou de mim colocando o revólver no coldre. Minhas mãos permaneciam na nuca. O que se aproximou de mim me perguntou se eu tinha fogo. Deduzi que ele estava querendo me testar para depois me desacatar me chamando de maconheiro ou qualquer outro tipo de mau elemento. Respondi que não tinha fogo. Em seguida, ele me perguntou o que eu fazia ali àquela hora da noite, e que eu podia baixar as mãos. –Eu vim para me apresentar ao exército. –coração batendo compassadamente. Eu já havia perdido o medo.</p><p>Não houve mais perguntas. Confesso que os dois homens da lei foram boas praças.</p><p>Quando eles foram embora, eu dei início a minha busca por algo para que eu pudesse queimar para me aquecer. Na calçada havia caixas de papelão e pequenos pedaços de madeiras de caixas de verduras e outros bagulhos. Faltava–me aquilo que o policial perguntou se eu o tinha. Fogo. Conferi a carteira e notei que a minha grana dava pra eu comprar fósforos e até isqueiro. Eram já quase duas horas da madrugada. Saí pelas ruas á procura de um bar aberto. Cheguei á Avenida independência e avistei a bodega com as portas abertas e com mesas ainda do lado de fora. Duas mulheres e um rapaz ocupavam as cadeiras e a mesa. Passei por eles esfregando as mãos e fui ter com o dono do bar. Não deixei de reparar que as duas mulheres tinha aparências de damas da noite com maquiagens fortes e cabelos com Glitter. O carnaval já havia passado, mas resquícios dele ficaram nas cabeleiras volumosas e negras das morenas. As roupas delas eram iguais às usadas por motoqueiras dos anos 70, com jaquetinhas de couro e botas de canos longos. Presumi também que elas fossem criadoras de gado para exposição no Parque agropecuário. Na verdade, eu não era bom em reconhecer personalidades através de suas preferências por vestuários.</p><p>O rapaz parecia um colegial filhinho de papai. Usava tênis, calça Jeans e um blusão de frio. Contraste absoluto. O branquinho parecia estar tentando convencer ás mulheres, de que ele não era o que elas podiam estar imaginando que ele era: um prego. Sim, um prego. Eu notei quando ele pegou o cigarro de uma das duas acompanhantes e deu uma tragada daquelas que a fumaça é lançada de volta ao ar antes que o fumante á deixe chegar aos pulmões. Em seguida veio á tosse.</p><p>Cheguei ao balcão e pedi ao atendente bocejante, que me vendesse uma caixa de fósforos. Negociação feita. Peguei o caminho de volta. Quando eu dobrei á esquina, ouvi alguém gritar. – ô maluco espere aí, – Olhei para trás, lá vinha o rapaz correndo ao meu encontro. Pensei que eu devia correr dele, pois, o blusão que ele usava podia esconder uma arma. Mas o jeito de ele correr me pareceu um pouco desajeitado. Sinceramente, eu determinei que aquele indivíduo fosse prego até no jeito de ele correr. Ele pendeu a cabeça para o lado esquerdo e dobrou os braços com as mãos fechadas sobre os peitos. A cena me fez recordar de quando eu brincava de pega-pega com o meu irmãozinho Nelino no terreiro da nossa moradia na Vila Brasília. –Vou pegar o nenenzinho, vou pegar, vou pegar. E nós corríamos em volta do pé de amoras.</p><p>O branquelo se aproximou ofegante.</p><p>–Aí, põe um pra nós aí.</p><p>–Põe um pra nós o quê?</p><p>–Um brau. Eu sei que você vai fumar um.</p><p>O filho da mãe pensava que eu fumava maconha.</p><p>–Eu não uso isso...</p><p>Ante que eu terminasse de falar, ele apalpou os bolsos da minha calça. Eu dei-lhe um soco duplo com os dois punhos nos peitos dele, fazendo-o andar de costas por uns dois metros. Ele ameaçou me furar com uma faca, mas eu não vi a faca. Corri assim mesmo, em direção ás madeiras que seriam queimadas para me aquecer naquela madrugada. Ele veio com tudo atrás de mim.</p><p>Achei um rodo sem o cabo entre as madeiras e papelão. Apossei-me do rodo numa rapidez estupenda. Parti para cima do meu perseguidor. Quando eu levantei o rodo para amassar o crânio do sujeito, ele cruzou os braços sobre a cabeça e me pediu para não machucá-lo. –não, não. Eu tava brincando com você.</p><p>Foi por um tris que eu não o deixei troncho de uma orelha.</p><p>E, a madrugada estava apenas começando.</p><p>Desacreditando de que poderia ser mesmo uma brincadeira sem graça que ele me aprontara, eu falei para ele sair de perto de mim. Mas ele tirou o blusão, o sacodiu, e levantou a camisa para me mostrar que ele não portava arma alguma. Permaneci ressabiado, porém, ciente de que no mano á mano a situação me favorecia. O branquelo tinha o porte físico de um Sul africano desnutrido, embora, a fisionomia dele fosse de um adolescente da classe média.</p><p>Quando ele me viu ajuntando os pedaços de madeiras, ele se tocou que eu havia comprado a caixa de fósforos para acender um fogaréu que naquela temperatura fria da madrugada seria muito útil para mim e também para ele. Então ele se ofereceu á me ajudar. Rapidinho as labaredas já estavam lambendo os nossos rostos.</p><p>Ficamos por ali ao redor da fogueira, ele de um lado, eu do outro. Precavido, eu ainda o ameacei pela última vez. –se você entrar numas comigo novamente, eu te jogo no meio desse fogo. Fica na sua. –ah, deixa de ser bobo. –foi o que ele disse abanando a fumaça do rosto dele.</p><p>Ficamos calados á princípios. Eu o analisava e fui percebendo que ele não era um mau elemento. De vez em quando ele puxava assunto perguntando o meu nome, onde eu morava, e até quis saber se eu já havia feito programas com prostitutas. Não menti em nenhuma das respostas. Basta-me revelar que eu nunca paguei á uma mulher para receber dela caprichos sexuais.</p><p>Continuamos ali conversando, rindo dos acontecimentos anteriores á aquele momento, acontecidos em nossas vidas. Marcelo era o nome dele. Ele me contou que ele começou á fumar maconha por causa de uma garota que ele á namorou. Ela era simpatizante da filosofia Hippie, e fumava brau, mais que o Raul Seixas. Frequentemente os dois subiam o pé da serra (Lugar alto onde fica a TV Anhanguera e uma torre de transmissão de rádio semelhante à Torre de Pizza, só que, aprumada, no Setor Serrinha) Lá no alto da serra, eles fumavam maconha, e aloprados, os dois ficavam por lá até ao escurecer. Depois, eles desciam e fumavam mais maconha em terra plana. Foi uma louca paixão, mas não rolava muito sexo entre os dois. Acontece que, certa tarde de domingo ele foi á casa da maluca, ela não estava. Ele escalou a serra, mas não á encontrou por lá. Desceu morro á baixo e foi á casa onde moravam dois hippies. O cheiro de suor e fumaça de marijuana se fazia sentir do portão da residência onde ele flagrou sua querida namorada maconheira, outra garota e os dois hippies, todos pelados ouvindo e dançando No woman no cry, de Bob Marley.</p><p>Aos poucos eu fui interagindo melhor com o recém-conhecido. Contei á ele sobre as decepções que eu sofri em relação á maconha. Julguei rudemente e feri a pessoa que eu tanto amava, ao saber que ela era usuária da erva. O fim do meu grupo de Funk, por razão de alguns dos membros terem viciados em drogas. Quando eu tive que me mudar para o barracão com o meu primo Manoel, eu não entendia ainda por qual motivo foi que o meu irmão Eurípedes decidiu que eu me mudasse da boa morada em que eu vivia com a minha mãe, o Nelino e ele, o próprio Eurípedes. Mas, Meses depois, eu soube que ele encontrara um patuá de maconha no canto externo da minha ex-casa. Meu irmão nunca insinuou que fora eu quem estava usando ou traficando drogas, mas talvez, ele pudesse, na ocasião, ter a desconfiança de que eu pelo menos sabia de quem era aquele pacote de erva danada. Na verdade, eu sabia á quem pertencia o bagulho. Mas eu não o deduraria, mesmo que a culpa caísse sobre mim. Eu já o tinha deixado triste comigo por causa do vício dele na época da nossa infantilidade.</p><p>Ao ouvir a minha indignação contra o uso de qualquer entorpecente, o meu agora companheiro de fogueira, tirou um isqueiro do bolso da calça e o entregou á mim. –pode ficar com esse isqueiro. Daqui pra frente eu nunca mais fumo maconha e nem cigarros. –foi o que ele me prometeu.</p><p>O teste para confirmar a decisão que ele tomou naquele momento viria alguns minutos depois.</p><p>Aos poucos o fogo ia se esvaindo. Quando olhei no meu relógio-calculador já eram três horas da manhã e alguns minutos. Nisso, nos chegam mais dois alistados. Eram irmãos retardatários, não gêmeos. Fortes e de peles amorenadas. Faladores e fumadores de maconha também. Chegaram fumando um canudo com espessura e tamanho de um talo de folha de mamona que não tinha mais para onde crescer. Seria mais fácil eu dizer que o baseado tinha o volume de quatro cigarros longos enrolados em uma folha de caderno de matérias escolares. Um deles segurava no ombro do outro, assim de lado e dizia: - dá uma gonda aí. Tá pegando fogo. (Gonda é uma lambida de língua dada em volta da folha para não deixar que a brasa vire chama acesa e consuma a maconha antes do tempo) depois da salivada as tragadas eram revezadas por um e o outro. Tipo toma lá da cá. Passa a bola. Agora é a minha vez. -sabe como é o papo dos maconheiros.</p><p>Eu e Marcelo os observávamos, eles em pé, nós dois agachados ao redor das brasas.</p><p>Até que um deles nos ofereceu uns pegas. – vai uns beques aí chegados?</p><p>Meneamos as cabeças indicando que não queríamos perder a sobriedade naquela madrugada fria, que ainda tinha muito para acontecer.</p><p>Notei que o Marcelo ficara um pouco tenso. Seus olhos fixaram nos dois que queimavam o bagulho. Imaginei que ele fosse voltar atrás á promessa que ele fizera de não mais fumar maconha, mas, ele me olhou e moveu a cabeça indicando que o papo foi reto, ele não fumaria mais.</p><p>Continuávamos agachados. Os dois recém-chegados, enfim, apagaram o pavio e imitaram as nossas posições em volta do braseiro.</p><p>–Pô véi, é louco demais. Já imaginou se a gente morasse dentro do sol? Eu queria ser o Tocha humana. Eu ia por fogo na Itália inteira. Os cara botaram fogo só em Roma. Eu incendiaria até o Polo norte e...</p><p>–Ih, cê tá viajando vacilão. Tá lombrando feio, esse otário. Não pode pitar um, que começa dar uma de astronauta. E tome gargalhada dos dois irmãos.</p><p>Eu e Marcelo ríamos mais comedidos, afinal de contas, Marcelo já havia embarcado muitas vezes naquelas viagens loucas. Eu, embora não houvesse ainda experimentado o efeito da erva, já tinha convivido com usuários de maconha e de drogas mais pesadas. Portanto, aquilo para mim era fichinha. Mas eu teria que alertá-los sobre a possível visita dos policiais, que horas antes haviam me abordado. Os pus á par da questão. Os dois se levantaram juntos e parecia que procuravam um lugar para se esconderem. Eu os aconselhei á irem catar mais madeira, papel e borracha. Ninguém entendeu a minha sugestão, mas, eu expliquei á eles, que a madrugada ainda esfriaria mais e mais, e, os dois precisavam se livrar do cheiro da maconha. O cheiro de borracha e de madeira poderia disfarçar a maromba da erva.</p><p>Rapidinho eu os vi dobrando a esquina. Como relâmpagos eles voltaram trazendo espuma que eles arrancaram de um sofá velho.</p><p>Fumaça, quando inalada, ela segue o curso até ao pulmão, isso é óbvio. Porém, quando criança, na Vila Brasília eu era doador de sangue á percevejos que dividiam comigo um pedaço de espuma que eu a considerava um colchão. Quando mudamos para o Setor Expansul, eu tive a honra de aniquilar com mais um milhão de chupa-sangue, pondo fogo na bendita espuma. Na ocasião eu descobri que a fumaça da espuma sendo queimada, não segue as mesmas vias até chegar ao pulmão. Ela faz um desvio e vai direto para o cérebro da gente. Chega doer toda a massa cefálica. É horrível a ardência que a fumaça da espuma causa. É como cheirar amônia acidentalmente. –isso também aconteceu comigo em 1985. Pois bem, eu peguei as espumas das mãos dos irmãos maconheiros e as fiz inflamar em chamas. Quando a fumaça subiu eu mandei que os dois dessem umas cafungadas para camuflarem o cheiro de Tijuana. Cafungadas triplas em dupla foram dadas. Mãos nas cabeças pressionando os crânios, e dá-lhes palavrões. Se as maconhas que eles fumaram naquela noite os deixaram ligados, a fumaça da espuma causou-lhes confusões e apagões mentais. Enquanto os dois amaldiçoavam a fumaça assassina, eu e Marcelo ríamos feito crianças no circo.</p><p>Depois do sufoco, os irmãos ficaram agachados como á mim e o Marcelo.</p><p>–Ô bicho, cê queria matar a gente? Cê tá é louco com uma ### dessas.</p><p>–Pior Agnaldo. Esse bicho é mais maluco do que nós dois juntos.</p><p>Então eu descobri que um se chamava Agnaldo. Era o mais forte dos dois. O nome do outro era Adeilson.</p><p>Se tem uma algo que me deixa encabulado, é a facilidade que a gente tem de fazer com que alguém sob efeito de maconha, mude o rumo da conversa. É incrível a capacidade que eles têm para discorrer sobre qualquer assunto, e ao mesmo tempo perderem o foco dos mesmos e dos demais subsequentes. Eu usei essa tática para fazê-los não me cobrarem pelo meu senso ardiloso. Comecei á falar sobre a guerra no Kuwait e sobre a minha aversão á servir o exército. Essa manobra os levou imaginariamente ao Golfo Pérsico. Agnaldo foi o primeiro á se manifestar, dizendo que ele queria servir e ser mandado para lá. No dizer dele, ele mataria os inimigos e arrancaria uma orelha de cada um, como troféu. Marcelo o perguntou de qual lado ele lutaria. Ele respondeu que estaria do lado dos alemães...</p><p>–Burro, filho duma égua. Nós não estamos falando da segunda guerra mundial não. Golfo Pérsico. Ano passado, filho duma puta. –Adeilson xingava o próprio irmão.</p><p>–Vai tomar no### filho de rapariga.</p><p>Tapas e socos comiam. Marcelo e eu ríamos até quase virarmos aos avessos.</p><p>Os policiais não retornaram. Os dois irmãos voltaram á fumar mais maconha. Marcelo não fumou e continuou me garantindo que nunca mais ele fumaria.</p><p>Falamos de quase tudo naquela madrugada. Menos de coisas sérias. Quando o portão foi aberto já éramos mais de vinte alistados que se apresentaria ao serviço militar. Quando fomos passar pelos exames já passava das oito horas da manhã. Nós quatro não nos separamos durante todo o tempo que permanecemos ali. Passamos pela conferência de peso e altura e também, condicionamento físico. Eu aleguei que o meu joelho direito não estava em perfeitas condições, até comecei á andar de modo á fazer com que os avaliadores acreditassem que eu era causa perdida. Funcionou. Fui dispensado. Aliás, todos naquela manhã foram dispensados. Com uma notificação: quinze dias depois tínhamos que comparecer ao terminal rodoviário de Goiânia para jurarmos bandeira. Eu nunca tinha ouvido falar desse procedimento e achei que aquela história de juramento de bandeira fosse uma forma de futuro recrutamento emergencial.</p><p>Quinze dias depois, lá estava eu com mais uma centena de dispensados, com o sol torrando as nucas por umas duas horas espera, até que os oficiais chegassem para a cerimônia de juramento. Após os posicionamentos deles em nossa frente, foram mais umas duas horas de blá, blá, blá., sermões vindo da parte deles, e obediência, disciplina, bravura e honra ao nosso Brasil varonil, da nossa parte em forma de jura militar. Ainda hoje eu não sei se todos que são dispensados do serviço militar precisam jurar bandeira, mas em 1992 eu jurei defender a minha pátria, colocando-me, ainda que contra a minha vontade, á disposição para se houvesse necessidade, apossar-me de um fuzil e mandar bala em... qualquer direção que não tivesse um alvo humano na linha de tiro. Não que eu fosse um covarde, mas o que eu nunca desejei fazer na vida, é ter que matar alguém por motivos idiotas feitos os de uma guerra. Eu sempre acho que ao invés de soldados se matarem em defesa de seus países, quem deveria trocar tiros são os dois presidentes rivais. Guerras acontecem por razão do egoísmo, ganância e desumanidade desses chefes de estados que querem afirmar as suas prepotências e poder de controle sobre essa ou aquela situação.</p><p>Bem menino ainda, eu já tinha uma solução para o fim da guerra entre Irã e Iraque. E era bem simples. Jogassem os dois ditadores numa rinha de galo. O que tivesse a espora mais afiada e ligeira liquidava com o adversário e ponto final. Se possível, o resultado fosse os dois brigões impossibilitados de respirarem, inspirarem, influenciarem, enfim, disputando um lugar melhor no inferno, enquanto que os civis e militares de ambos os países vivessem em paz. Com a guerra no Golfo Pérsico, a solução seria a mesma. Se acaso, Saddam tivesse sobrevivido ao confronto sugerido por mim anteriormente, George Bush faria o favor de em seu último ato heroico exterminar com o bigodudo, e em seguida ir á lona também. Quantas vidas teriam sido preservadas!</p><p>Pra resumir, em se tratando de guerras, eu sou admirador de Mahatma Gandhi.</p><p> Eu posso dizer que, quando eu tinha a expectativa de me tornar um soldado de combate á inimigos, me tornei um enviado de missões diplomáticas á três pessoas que tinham seus conflitos, seus vícios, suas coragens, seus medos.</p><p> O que me restou daquela madrugada foram as cinzas da fogueira que aqueceu á mim e á mais três desconhecidos que se tornaram meus companheiros por algumas horas, mas que realmente valeria a pena se tivéssemos nos encontrado mais vezes e nos tornássemos amigos inseparáveis como fomos colegas horas antes e durante a nossa apresentação ao serviço militar.</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Ferida que não se cicatriza. Dor que não sara. Lembranças que me marcam e causam emoções. Emoções que me leva á guardar ressentimento enquanto eu esteja vivendo. </p><p>Minha mãe e meus irmãos, com exceção de minhas duas irmãs casadas e de meu irmão Eurípedes, já moravam no mesmo barracão em que eu também morava. Dois dos meus irmãos, pelos menos dormiam com frequência debaixo do teto que nossa mãe, meu irmão Edeir, o caçulinha Nelino e eu vivíamos debaixo dele. O modo de vida dos dois mais velhos que eu, era completamente diferente do meu. Eles frequentavam os Clubes de festas mais inflamados da capital. Carneiros clube. Sargentos. Cruzeiro do Sul. Clube social feminino e outros mais. Consequentemente, esse modus vivendis escolhido por eles, os transformaram em Caras da pesada. Eu levava vida de modo badalado, porém, na legalidade, não deixando de curtir o lado bom de viver. </p><p>Em um dia qualquer do mês outubro de 1992. Estávamos eu e meu amigo Carneirinho no barraco onde eu morava. Minha mãe e os meus irmãos não estavam lá naquela hora.</p><p>Eu havia coado um café para mim e meu amigo. Enquanto bebíamos e falávamos sobre a nossa ida logo mais á noite no clube recreativo, eu o animava dizendo que o dinheiro para os nossos ingressos eu já o tinha, porque havia recebido uma boa grana á uns quinze dias atrás, por ter trabalho de vigilante por uma semana em uma mansão no Setor Sul. Falamos das garotas que teria vindo á minha casa para que nós ensaiássemos uns passinhos de funk. -cê é foda Boy Jonh. Elas não te acharam aqui e foi em minha casa, pensando que você estava lá. Tinha duas meninas que a gente ainda não conhecia ainda. –Carneirinho lamentando a minha ausência.</p><p>Eu disse á ele, que no clube a gente chegaria junto nas meninas. Éramos tão confiantes em nosso potencial, e talvez tivéssemos boa sorte naquela noite, se justamente no momento em que eu estava indo pôr os copos na pia da cozinha, dois policiais da polícia civil não nos tivessem surpreendido chegando de arrombo á área do barracão, com as armas nas mãos e perguntando quem era o João. Assustado eu disse que era eu. Um policial me mandou entrar em meu barraco, com as mãos para cima. Eu não estava entendendo nada do que estava acontecendo e nem mesmo do que havia ocorrido para que eles viessem me capturar. </p><p>Um deles me vigiava na cozinha, o outro entrou no quarto e procurou algo que eu imaginava o que seria. Deduzi então, que eles estavam á procura de droga. Lembrei-me das únicas pessoas que poderiam ter guardado drogas ali em minha casa. Mas uma vez eu pagaria por um erro que eu não o havia cometido. </p><p>Saindo do quarto sem nada ter encontrado, o policial ordenou que eu os seguisse até ao Gol quadrado descaracterizado de viatura. Obedeci ao comando e fui com esperança de que eles me liberassem. Mas não foi assim que aconteceu. </p><p>Antes de entrar no carro, eu pedi ao Carneirinho que contasse aos meus irmãos, que eu estava sendo levado por uns policiais. Carneirinho saiu correndo á mil por hora. Ele era menor de idade ainda. Talvez por isso os policiais o deixou ir embora.</p><p>No banco traseiro do veículo eu perguntei aos policiais, o que estava acontecendo, porque eu não fiz nada de errado.</p><p>O motorista disse que eu iria contar tudo, ou então, eles me afogariam no córrego Santo Antônio. Tudo que eu podia dizer á ele, era que eles estavam prendendo a pessoa errada. O medo me deixava sem argumento, porém, a minha inocência me dava plena confiança de que eu não sofreria tortura e muito menos ficaria preso. </p><p>O veículo alcançou a BR 153, e rumou no sentido Goiânia. Chegando em Furnas, (companhia elétrica) dobrou á direita abandonando a rodovia federal. Então passávamos pelo Conjunto Mabel. Até ali havia pessoas nas ruas e muitas residências. Algumas quadras depois, só havia mato e uma estrada cascalhada. Fiquei apavorado. Eu seria mesmo afogado.</p><p>Notei que o carro dobrou á esquerda. Isso não me tranquilizou, porque o Córrego Santo Antônio segue seu curso em circulo e descamba por bairros de Aparecida. Eu poderia dizer que todos os caminhos em terras aparecidenses, levam á algum ponto do Córrego Santo Antônio. E podia afirmar naquela hora, que, aqueles policiais estavam me levando para a sessão afogamento em águas Santantonense.</p><p>O motorista maneirou a carreira para descer no terreno cheio de pedra até chegar á casa. Foi um alívio quando eu vi uma casa no meio do cerrado. Senti vontade de abrir a porta e sair correndo. Mas, a minha esperança de sair ileso daquela situação, foi renovada no momento em que um dos policiais desceu do carro e foi á cerca da propriedade. Chamou por alguém. Um rapaz apareceu para recebê-lo. Depois de um pouco de conversa, o policial voltou para o Gol. Ao entrar e bater a porto do veículo, ele avisou ao motorista, que dirigisse até á delegacia.</p><p>Respirei um pouco mais tranquilo.</p><p>Quando alcançamos novamente a BR 153, seguimos em sentido Centro de Aparecida. Nesse ínterim, o policial do lado do motorista me disse que eu tive sorte. Não entendi. Então ele me faliu sobre Eldine, e me incentivou á processar o pai dela.</p><p>Nessa hora, o policial motorista olhou para o parceiro dele e disse assim.: -não dá em nada. O homem é rico.</p><p>Eu quis saber do que se tratava toda aquela conversa, mas, o policial que dirigia falou pra eu pôr as mãos para o céu e esquecesse aquela sequência. Me lembro muito de quando numa gíria formal entre os dois, o motorista falou assim: -Fica na sua, faz de conta que não rolou parada nenhuma, e vê se não bate língua sobre essa sequência entre nós.</p><p>Me deixaram em frente ao meu barraco e foram embora. Não fui ao clube. Fiquei em minha casa naquela noite imaginando o que teria acontecido com Eldine, e, que culpa eu teria, se com ela houvesse acontecido algo ruim. </p><p>Eram tempos difíceis aqueles e, eu não escolhia trabalho, desde que fosse honesto, me punha pronto á executar a tarefa.</p><p>Mais ou menos vinte dias antes, numa segunda-feira, eu procurava trabalho de jardineiro no Setor Sul, bairro nobre da capital. Toquei a campainha de uma residência á qual eu podia ver apenas o segundo andar, devido à altura exagerada do muro revestido com pedra ardósia, o portão todo fechado, e a distância entre o sobrado e a entrada da propriedade.</p><p>Esperei que alguém viesse me atender no portão. Mas, uma voz feminina no interfone me perguntou quem era. Eu respondi que estava á procura de serviço. A mulher me pediu pra que eu esperasse pela chegada do patrão que havia ido ao colégio buscar a filha dele, mas já estava voltando naquela hora. </p><p>Sentei-me no meio fio e esperei confiante de que o dono da mansão me contrataria para fazer qualquer coisa na propriedade dele. Alguns minutos depois, próximo á hora do almoço, ele chegou trazendo com ele, dentro do carro, a filha dele. Pensei que ela fosse uma adolescente, mas não, a menina era bem novinha. Enquanto o portão eletrônico se abria a menina pôs o queixo sobre o vidro do carro e ficou me olhando sentado no meio fio. De repente, ela saiu do carro e me disse oi, e foi correndo para dentro. Logo que o pai dela adentrou com o carro, ela voltou sem a mochila e veio até á mim. –você vai trabalhar aqui? –eu respondi que não sabia ainda, e que ia depender do pai dela. Novamente ela voltou para ir ao encontro do pai dela, e regressou á mim segurando a mão dele. </p><p>Combinado ficou de eu prestar serviço para o homem, de vigilante da sua residência. Eu teria que dormir lá. Ao lado do portão tinha uma guarita onde eu passaria as noites.</p><p>A menina Eldine tinha doze anos de idade. O pai era um homem muito ocupado e vivia sempre viajando, por isso ele me convocou para montar guarda em sua residência. Naquele mesmo dia ele viajou não sei pra onde, fazer o quê, também não sei. A empregada dormia na casa.</p><p>Na segunda noite, Eldine começou á vir para a guarita onde eu dormia, trazendo uma garrafa de café e biscoitos, então ela se sentava em minha cama e eu ia para uma poltrona que ficava abaixo da janela. Ela me dizia que me trazia café e biscoitos para me manter acordado porque ela não conseguiria dormir sabendo que eu pudesse estar dormindo na guarita. Eu terminava de fumar um cigarro, coisa quase rara que eu fazia, ela pediu pra eu me sentar ao seu lado na cama, eu me sentei, ela colocou a cabeça em minhas pernas e me pediu pra eu ficar deslizando a mão nos cabelos dela, louros e lisos como seda. E assim ela me falou sobre sua dificuldade em fazer amigos na escola ou em qualquer outro lugar. Eu achava que as pessoas tinham medo do pai dela. Por isso ela vivia sempre muito sozinha. Eldine era meiga, pura, singela e muito amável. Eu á ouvi falar da vida dela e tudo mais que ela queria me contar e contava antes de pegar no sono com a cabeça sobre as minhas pernas.</p><p>Quando ela pegou no sono, eu á peguei nos braços e a levei dormindo até a porta da mansão. A empregada á conduziu para dentro da casa.</p><p> Depois da primeira noite, ela ia todas ás noites á cantina, mas ficava me pedindo pra cantar com ela aquelas musiquinhas infantis, seguidas de bate-palmas, e disparolava á conversar. </p><p>Na quinta feira daquela semana, de manhã eu conversei com a empregada sobre o que Eldine estava indo fazer na guarita. E disse á ela que a gente só conversava, e que a maior parte do tempo eu passava ouvindo a menina falar sobre ela. A empregada me disse que a pequena era uma gracinha e gostava muito das pessoas, e que eu podia ficar despreocupado.</p><p> Eldine pediu o meu endereço por escrito, para ela me mandar cartinhas. Para mim, era pura demonstração de amizade e muita simplicidade da parte dela.</p><p> Na sexta-feira o pai dela me despediu do posto de guarda da propriedade. A empregada foi quem me pagou pelos dias trabalhados e me deu o ultimato de dispensa. </p><p> Uns quatro dias depois, Eu recebi uma cartinha enviado por Eldine. Eu nem acreditava que ela fosse me escrever um dia.</p><p> Na carta, ela dizia que o pai dela havia posto outro guarda na guarita, mas ela nunca iria levar café e biscoitos para ele. Achei estranho o fato de ele ter me dispensado e contratado outro logo em seguida. </p><p>Quase no final da carta, ela escreveu que numa noite a empregada a flagrou ela fumando cigarro escondida no quarto dela, e contou para o pai dela, e ele me culpou por isso. Eu me senti profundamente culpado por ela ter começado á fumar, mas ela confessava na carta, que foi ela que afanou um dos meus cigarros numa noite sem que eu percebesse. Então eu entendi que esse foi o motivo que o fez me mandar embora. </p><p> Num período de mais ou menos quinze dias após eu ter sido mandado embora, ela me mandou três cartinhas. Não falavam de amor, ou de qualquer outra forma de sentimento afetivo que ela sentisse por mim. Eu entendia que ela gostava de mim como o único amigo dela, para ouvi-la contar sobre o dia á dia dela. Eu não me esqueço de uma vez, que ela me escreveu dizendo que a empregada estava ficando muito boba. Quando ela ia se arrumar para ir para o colégio, a empregada dizia para ela, que era pra ela ir com o cabelo preso para não pegar piolho. –eu ria pensando: não sei se filhos de ricos pegam piolhos. Eu nunca escrevi uma carta para ela, pois nem cheguei á gravar o endereço da mansão onde ela morava. E, depois que os policiais foram á minha casa, eu só conseguia acreditar que foi por causa da amizade dela com um rapaz pobre como eu, que fez com que o pai dela desconfiasse de alguma coisa entre nós, mas eu não conseguia entender que coisa seria essa. Também cogitei a possibilidade de eu ter impregnado nela o cheiro de cigarro. Houve vezes de eu ter acabado de fumar no momento que ela chegava para conversar comigo. Então, nessa época, atenuou-se mais em mim o complexo de inferioridade.</p><p>Não voltei á casa de Eldine para saber o que foi que fiz. Talvez fosse melhor, que tivesse ido lá. Somente assim eu não teria carregado dentro de mim essa tristeza que me acompanhará para o resto da minha vida. </p><p>Ela me escrevia. Os policiais vieram á minha casa. Tudo indicava que o pai dela sabia onde eu morava. Concluí que, se o pai dela quisesse fazer algo comigo, ou se retratar pelo o erro que ele cometeu ao me acusar de algo, ele viria ao meu encontro. Eu nunca toquei em Eldine com malícia ou má intenção, tanto é que, enquanto ela estava na guarita, eu mantinha a porta e a pequena janela, abertas.</p><p>O fato era: eu levava a vida assim, com medo de saber o porquê de as pessoas me prejudicarem sem eu ter dado motivos para isso. Suportava calado, querendo ir tirar satisfações, mas temia ouvir ofensas piores, que me fizessem perder o controle da situação. No fundo eu acreditava que um dia tais pessoas viessem ter comigo para me pedir desculpas. E assim, eu prosseguia a minha jornada nessa vida, deixando que o tempo cicatrizasse todas as minhas feridas e me aliviasse a dor por eu ser uma pessoa tão castigada pela incompreensão de outras. </p><p> No âmago de minha alma, eu quero que ela, o pai dela, e até mesmo a empregada, um dia tenham eles pensado em mim com o mesmo respeito que eu tive por aquela garotinha.</p><p>Eldine ficará marcada em minha memória, como sendo a menininha que eu a considerei como uma criancinha rica infeliz que necessitava de um amigo.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>--------------------------------------------------------------------------</p><p><br /></p><p>-Você é gay.</p><p>-Não, não sou.</p><p>-É gay sim...</p><p>-Eu já falei que não sou...</p><p><br /></p><p>Eu estava me arrumando para sair. Era sexta-feira, a ferveção, para mim, começava justamente nesse dia da semana. Cetinha veio ao meu encontro no meu barraco, todo esbaforido e com aquele jeito de sempre: alegre e muito conversador. Já chegou dizendo que ele tinha conhecido algumas mulheres novas no pedaço. Quando eu o perguntei de quem se tratava, ele me intimou á ir rápido com ele ao bar do Domingos. </p><p>Saí apertando o cinto na cintura. Cetinha estava eufórico e muito animado. Presumi que ele havia conhecido as misses universas, pela empolgação dele naquela hora no começo da noite. –elas são gatas demais. Os otários que estão alugando elas, não conseguiram nada. –dizia ele enquanto seguíamos velozes na avenida.</p><p>Quando nos aproximamos do bar, logo vi alguns coroas jogando Sinuca e outros tagarelando em suas mesas debaixo da cobertura de telha de amianto, na calçada. Até então, eu não vi mulher nenhuma naquela bodega.</p><p>Fomos para outra margem da rua e ficamos observando o movimento. De repente eu vi uma figura estranha que saiu de um canto qualquer do bar. Ela vestia calça jeans desbotada e uma camiseta num tom cinza. Seus cabelos de tamanho médio estavam molhados, deixando marcas de água na camisa ás costas dela. Eu a vi de perfil e de costas, mesmo assim calculei que aquilo não era uma mulher, sim uma bichona. E era daquelas que vão ao banheiro de cinco em cinco minutos para ajeitar as bolas dentro da calça. Quando ele inclinou ao balcão para falar com a atendente, eu percebi que aquele gay tinha o físico de um praticante de natação. Ombros largos, panturrilhas grossas. E nenhum sinal de cintura se veria naquele corpo, não fosse o cinto de lona apertado ao máximo. Comentei com o Cetinha sobre aquela coisa.</p><p>Ele me disse que se “ela” fosse um gay, ele não estava nem aí, e o faria de sorvete assim mesmo. Para o Cetinha, aquela pessoa era uma mulher das mais fiçurante que ele já havia visto perdida no Expansul. Aí então ele me contou que ele estava naquele bar desde ás cinco horas da tarde, bebendo umas e de repente as duas belezuras desceram do ônibus e chegaram até a mesa dele e o perguntou se era ali o setor Pontal Sul. Ele disse que não era e ás convidou para se sentarem com ele, mas, fulano e ciclano, que ali estavam enchendo as caras também, foram para a mesa dele e começou á falar merdas. As belas perdidas deram um jeito de sair fora indo ao banheiro. Então Cetinha foi ao meu encontro.</p><p>Continuamos do outro lado da avenida. Eu de braços cruzados, vendo os coroas, - á maior parte deles, casados, - mexendo com o sorvetinho do Cetinha. Cetinha por sua vez, ficava feito um mané, gesticulando muito, coçando a cabeça e as vezes segurava em meus ombros para me sacudir insistindo que nós fôssemos logo abordar as mulheres. Ele dizia que eram duas mulheres. Eu tinha visto apenas uma e tinha as minhas dúvidas. Porém, olha só o que eu vi saindo do bar e chamando a amiga para embora. </p><p>-Vamos Yorrana, a gente tem que ir. –ela implorava com vós puramente feminina.</p><p>-Espera, Maria Clara, agorinha a gente vai. Eu quero comprar um cigarro. –falou com voz achicletada, tirando de vez a dúvida do Cetinha. Era gay. E voltou ao balcão. </p><p>Ah, mas a amiga dela parecia-se com uma estudante do horário noturno, que havia matado aula para perambular pelos Guetos de Aparecida, e foi parar justamente no meu bairro, na minha área de domínio, na avenida onde eu morava, especificamente no bar onde eu comprava fiado até a atendente. –mas eu já estava devendo muito ao dono do botequim. -Ela usava uma saia bege rodada e camiseta branca. A protuberância no busto dela não deixava dúvida, era uma garota, mulher, seja lá o que fosse, era do sexo feminino. Em toda a minha vida eu já havia visto homossexuais que tinham trocado seus verdadeiros nomes, por Jordana, Roberta Close, Lorrana, e agora, Yorrana, mas, pelo nome Maria Clara, eu jamais vi. Determinei que Maria Clara era 100% feminina de cabelos longos naturalmente castanhos.</p><p>-Cetinha, cê tem cigarro aí? –perguntei ao desorientado.</p><p>-Tenho, tá aqui. Pra quê?</p><p>-A “mulher” que você tá á fim dela, quer fumar...</p><p>-Oi, oi, - ele gritou. –Eu tenho cigarro aqui ó.</p><p>No trajeto que o sorvetão do Cetinha fez nas dependências do bar, levou uma passada de mão na bunda, uma cheirada no cangote, e quando alcançou a pista, um dos jogadores de Sinuca foi até á porta e disse: -vem em mim, gostosa da disgrama. -e sacudiu as bolas dentro da calça dele.</p><p>Eu não conseguia entender tamanho assédio á um fresco, que, mesmo que eu não tivesse o benefício da visão, eu perceberia que aquela Coca era Fanta.</p><p>A primeira á chegar até á mim e Cetinha, foi a belezinha real. Eu notei que ela estava assustada e com medo dos ânimos dos beberrões. Se ela havia ido ao banheiro, foi para retocar o batom.</p><p>-O que foi, você tá com medo? –perguntei.</p><p>-Ah não, eu quero ir embora daqui, mas aquela doida não pode ver homem. –quase chorando.</p><p>A noite estava de temperatura normal, mas ela parecia estar sentindo um frio tremendo. Esfregava os braços e ombros. Eu achava que ela estava temendo ser estuprada naquele bar. A fragilidade dela me deixou mais convencido de que ela era mesmo uma donzela perdida entre feras famintas.</p><p>Olhei para o Cetinha e indiquei á ele, que se virasse com a Yorrana. Eu ia trocar umas ideias com a medrosinha. </p><p>Quando Yorrana chegou, foi logo enfiando a mão no bolso da camisa do Cetinha, sacando a carteira de cigarros dele e falando: -Nossaaa, esses homens daqui são uns grossos. Parece que quer me comer viva... – e deu aquela risada escandalosa, para depois pedir o isqueiro.</p><p>Cetinha teve a honra de produzir a chama e levá-la á ponta do cigarro “dela”</p><p>Quando eu o vi olhando para o sorvete, com os olhos vidrados naquele rostão quadrado de pele plastificada, com sobrancelhas feitas á lápis, eu segurei o riso. Mas, depois que o cigarro foi aceso, Yorrana deu um giro 380 graus em um só pé, e então disse: - uau, você é bom de fogo, hem gato! Cetinha disse: he, he, quando eu tô frio, eu sou igual brasa. –nessa hora eu tentei segurar mais o riso, meus tímpanos quase estouraram, então gargalhei sem querer, segurando em minha nuca e olhando para o céu. Maria Clara também riu. Cetinha grudou na cintura da Yorrana e a impediu de me dar o Feedback.</p><p>Depois que nos recompomos, Cetinha sugeriu que nós fôssemos para o bar novamente. Yorrana consentiu prontamente. Maria Clara fez algumas objeções. Se aqueles homens viesse ás incomodar, ela chamaria a polícia. Eu esperava pela decisão que seria tomada. Porém, Cetinha ás avisou que, o bar ficaria mais perigoso depois das oito horas da noite, com a chegada dos extra-muros do Cepaigo. </p><p>-O que significa extra-muros do Cepaigo. –Maria Clara quis saber.</p><p>-São os presidiários que podem sair ás ruas e só voltam ao presídio para dormir. –respondi.</p><p>Até a Yorrana bambeou as pernas musculosas.</p><p>Cetinha mentiu. Oito horas da noite, era a hora que eles estariam se apresentando no presídio para dormir. Eu saquei a manobra dele. A história de irmos beber no bar era conversa fiada. Na verdade, ele não teria coragem de dar uns malhos no baitola na frente de todos os nossos conhecidos que ali bebiam também. Cetinha queria era sair do local. Voltar para o bar não seria a alternativa correta. Eu temia o jeito saliente da Yorrana. O comportamento espalhafatoso dela ia dar em confusão com a turma no boteco. Passou pela minha cabeça, que o Cetinha também estava sem grana. Pelo sim, pelo não, o melhor á ser feito seria darmos o fora dali. </p><p>Para mim, a ocasião era perfeita. Elas, amedrontadas. Eu tinha apenas um dinheiro suficiente para um cigarro picado e duas balinhas de troco. Só faltava eu criar uma expectativa de um suposto assalto, ou algo pior que pudesse acontecer com as duas ali.</p><p>Então eu daria a grande sacada.</p><p>-É o seguinte, vocês duas não são daqui, e pelo que eu soube estão perdidas nesse bairro perigoso. O penúltimo ônibus que passa por aqui passou ás seis e meia. O último só passará ás onze e meia. Eu e o meu amigo vamos levar vocês ao ponto de ônibus na BR 153. Aí vocês vão embora para não correrem o risco de serem...</p><p>-Ai credo. Vamos embora logo. –Maria Clara, puxando-me pela mão.</p><p>Yorrana foi bem receptiva com o Cetinha, e os dois vieram atrás de mim e Ana Clara. Cetinha matava Yorrana de tanto rir lá atrás. Eu e Ana Clara falávamos sobre a “amiga” dela. Até que resolvemos esperar pelos dois. Quando eles nos alcançaram, Yorrana e Cetinha se beijaram na boca em nossa frente.</p><p>Ana Clara encarava aquilo com muita naturalidade. Eu recordava da cena que presenciei na minha infância, entre o meu colega engraxate e o homossexual no prédio abandonado na Avenida Goiás. Não chegou á me parecer tão grotesco, mas Ana Clara percebeu que eu fiquei de certo modo incomodado. Então, ela me convidou á seguir em frente. Seguimos. Os dois continuaram se beijando.</p><p>De repente, Yorrana veio correndo e atravessou em nossa frente e disse:</p><p>-E vocês dois, vão ficar só na conversa?</p><p>Esperei que Maria Clara respondesse alguma coisa, mas, ela apenas me olhou, arqueou as sobrancelhas e cerrou os lábios. </p><p>Tá no papo. Pensei. Mas, não tive iniciativa ou resposta alguma. Continuamos andando.</p><p>Cetinha passou correndo por nós quando chegávamos já ao conjunto Vila Adélia. Muita gente estava zanzando por ali. Em meio á tantos senhores, senhores, garotas e rapazes que ali havia, dava para imaginar, o que Cetinha não queria que as pessoas vissem. Quando chegamos á BR ele já nos esperava na margem da rodovia. Novamente ele abraçou Yorrana, e os dois seguiram á nossa frente.</p><p>Maria Clara, andando lentamente corria os dedos em seus cabelos esparramados sobre o seio direito dela. Eu seguia andando do lado esquerdo dela. Ela parecia estar oferecendo o pescoço dela pra eu tateá-los com os meus lábios e mordiscar a orelha dela. Caramba! Eu não sabia o que fazer ou dizer...</p><p>Até que, vimos o Cetinha correndo em direção ao ponto de ônibus que distava á uns cem metros ainda. Yorrana corria atrás dele, exigindo que ele devolvesse alguma coisa que ele tomou “dela”. Nessa hora, Maria Clara me perguntou o que eu achava dos dois. Eu sabia que ela se referia ao agarra-agarra entre eles, mas eu não iria comentar o que eu achava á respeito do lance dos dois. Na verdade, eu conhecia muitos homossexuais assumidos e outros não. Mas confesso que em relação á aos travestis, esses que se transformam em quase mulher, eu achava que eles são artistas não reconhecidos como tais. Ás vezes, desrespeitados e agredidos físicos e moralmente, mas que atuam de forma voluntária nos palcos da vida. </p><p>Eu não estava nem um pouco preocupado em dar a minha opinião sobre o meu amigo e o amigo dela, e saquei que ela só queria quebrar o silêncio entre mim e ela. Então eu seria sagaz e oportunista.</p><p>-O Cetinha está com a Yorrana porque eu falei pra ele que eu fiquei á fim de você no momento que eu te vi... –esperei a reação dela. Francamente, naquela fase da minha vida, eu já havia paquerado inúmeras garotas, mas á cada nova abordagem, era como se eu me sentisse um iniciante mais ou menos sincero e 100% inseguro. Eu fiquei mesmo gamado nela no momento que eu a vi no bar. Não disse ao Cetinha, como o que eu disse á ela, até porque, aquilo foi uma escolha que eu fiz, devido eu ser hétero com H maiúsculo. Ter dito á Maria Clara, que eu fiquei gamado nela á primeira vista, causou em mim aquela velha e estranha sensação de ter dado bola fora. Malícia eu tinha para perceber as insinuações positivas de uma garota direcionadas á mim, Mas, eu sempre enfrentava uma espécie de expectativa negativa depois de uma iniciativa tomada. E, Maria Clara continuava enfiando os dedos em seus cabelos. </p><p>De repente, ela parou e ficou me olhando, e eu, parei e enfiei as mãos nos bolsos da minha Calça Jeans.</p><p>Os lábios dela pareciam duas fatias de maçãs argentinas, daquelas mais graúdas, cobertas com caramelo de mação do amor. A língua dela cuidava de deixá-los úmidos enquanto ela me encarava com aquele ar de quem espera por um beijo antes da embarcação chegar e levá-la embora. </p><p>Só um imbecil filho da mãe não colaria o corpo dele ao dela para os dois unirem suas bocas e se saborearem em um beijo frenético ou suave. Se existia um imbecil desses nos anos 90, podem apostar que ele não seria o único. </p><p>Eu á convidei á seguir comigo para o ponto. De braços cruzados, ela me acompanhava silenciosa, e com certeza, pensando que ela estava diante de um babaca que á atiçou e á deixou á ver navios no acostamento da BR 153. O meu coração naquela hora já estava batendo de modo compassado. Estava tudo sobre controle. Maria Clara demonstrou que estava interessada em mim. Só faltava a gente chegar ao ponto onde pelo menos tinha uma coluna de concreto que sustentava a cobertura do ponto de ônibus, feita de zinco. Seria escorado á coluna, que eu á atracaria pela cintura e daria um trato nela. E, ali mesmo, eu descobriria algo perturbador.</p><p>Como eu havia planejado, me escorei na coluna de concreto do ponto de ônibus. Maria Clara veio ficar perto de mim, de braços cruzado alisando os ombros dela.</p><p>Ela olhava para a extensão de rodovia, talvez a espera de ver a aparição do ônibus que surgiria do lado de lá das duas pistas, para então fazer o retorno e parar no ponto onde nós estávamos.</p><p>Vendo ele de perfil, esfregando os próprios braços, eu sentia que ela queria ser surpreendida por qualquer fala minha, ou atitude. Tipo assim: - se você estiver sentindo frio, eu posso te esquentar. Ou podia ser que ela quisesse que eu fosse mais impulsivo e á abraçasse sem nada dizer. Analisar comportamentos e expressões faciais das garotas era o meu forte. Para mim, gestos e expressões revelam muito sobre as pessoas. Confesso que ao vê-la me encarando e passando a língua nos lábios dela, minutos antes, me deixou temeroso justamente por eu ter entendido que o jeito dela me olhar e o uso que ela fez da língua, foi malicioso e sedutor demais. Outro detalhe, ela andava com um travesti!!!</p><p>Cetinha e Yorrana passavam o tempo trocando tapas, rindo e se abraçando, e ás vezes correndo um atrás do outro na encosta da BR.</p><p>Como forma de me preparar para chegar junto nela, eu dei uma abaixada para afeitar as barras da minha calça. Olhei-a de lado, de baixo para cima e constatei que as nádegas delas tinham as formas de dois tobogãs emparelhados. E aquilo era natural, porque o uso de silicone para modelar bumbum, ainda não era tão comum naquela época. –anos 90. Aparecida de Goiânia. Goiás. Brasil... não se esqueço disso.</p><p>Fiquei contemplando aquela obra de arte em anatomia humana por alguns segundos... -Dane-se, ela é uma garota, e bem fiçurante. –me levantei e ajeitei, agora, a gola da minha camisa. Ela se virou para mim.</p><p>-Que horas o ônibus passa? –ela me perguntou, chegando um pouco mais perto de mim.</p><p>-Esquece o ônibus. –falei, levando a mão no ombro dela e puxando-a de encontro á mim. </p><p>Sem esboçar nenhuma reação de fuga ela colou a parte frontal do corpo dela ao meu. Antes do primeiro beijo nós trocamos afagos manuais moderados. Ou seja, eu deslizava as mãos nas costas dela. Ela deslizava as delas tórax, sobre á minha camisa. Coladinhas de rostos e cheirinhos nos cangotes. Até que, os cabelos dela causaram uma coceirinha no meu rosto, e eu procurei me livrar do desconforto dando bicotinhas a partir da testa até chegar ao queixo dela. Essa parte preparatória era o meu jeito de demonstrar para as garotas que eu não era um afobado. Mas, no fundo, era o meu medo de me tornar apenas mais um “tempinho perdido” para elas. Eu necessitava de ser bem avaliado.</p><p>Dias antes àquele encontro, eu havia estado com uma mulher em uma festa no clube recreativo. Foi num sábado á noite. Ao deixar ela na casa dela, ficou marcado de a gente se ver no domingo á noite. No horário marcado eu fui á casa dela. Ela não estava. Fiquei esperando por ela, com o meu amigo Cristiano que morava em frente á casa dela na Vila Adélia. Sentamo-nos em um banquinho na calçado, bebendo cervejas e falando sobre o nosso grupo de funk. Foi quando um carro parou de frente ao portão da casa dela. Então nós á vimos descer do carro pela a porta traseira. Ela nos viu, mas não disse nada. Em seguida, um rapaz também desceu e a abraçou por trás. Ao final do desembarque, dois homens e duas mulheres, sendo ela uma delas, entraram na casa. Em mim ficou a certeza de que eu não á agradei. Nunca mais a procurei. </p><p>Outro fator que me fazia agir assim, era simplesmente o fato de eu valorizar demais as garotas e mulheres. Não que eu me sentisse o mais feio dos mortais, mas sim por saber que “elas” para nós homens, sempre será a nossa maior conquista. –há quem queira discordar do que eu digo, mas no ponto de vista de realizações pessoais, pelo menos para mim, que não tinha grandes perspectivas da vida, uma garota ou mulher, significava aquilo que me fazia me sentir alguém realizado e feliz. </p><p>Maria Clara se deixava levar por minhas carícias suaves e comedidas. Então notei que os olhos dela estavam fechados, e sua boca ansiava por ser beijada.</p><p>O beijo aconteceu de modo tranquilo. Sem volúpia, apenas degustativo e demorado. Mas esse prelúdio suavizado ganharia uma articulação mais expressiva, energizada. O culpado dessa mudança comportamental, foi porque ela, depois do beijo, ficou de costas para mim, e os tobogãs anatômicos dela ficaram ralando no meu... –deixa pra lá, Dali para frente, as minhas mãos ficaram bobinhas e serelepes. Ela foi permissiva e sem frescura.</p><p>O que vem ao caso aqui não é a nossa performance no quesito agarra-agarra, mas sim, o que foi que descobri ao ser um pouquinho mais, digamos, “Caliente”.</p><p> Usarei uma linguagem diferente para contar esse trecho de minha aventura com MC, porque fui informado por alguns amigos de longa data, que suas esposas, filhos e filhas estão acompanhando as minhas postagens. Eu espero que os leitores mais antenados, entenam as minhas figuras de linguagens a partir deste ponto à seguir. </p><p>Bom, com a minha montanha russa estava sendo imprensada pelos tobogãs da Maria Clara, eu resolvi dar uma volta pelo parque e fui abrindo caminho com as minhas mãos que adentraram a tenda coberta de tecido. Ela permitiu sem nenhuma objeção. </p><p>Minhas mãos ficaram por ali, dando voltas nas mediações á frente dos tobogãs dela, até que eu encontrei o caminho que levaria á gruta que guardava o mais valioso ponto de atração. (a fonte dos desejos)</p><p>Quando as minhas mãos estavam à porta da entrada da mina do tesouro, Maria Clara me dissuadiu da investida, forçando-as para baixo, e ficando de frente para mim, segurava as minhas mãos rentes as minhas pernas.</p><p>Maria Clara manteve o corpo dela pressionando o meu contra a coluna de concreto. Eu já estava á ponto de Homem aranha. –sabe como é... –Precavida, ela segurou firmes as minhas mãos e ás uniu na região da vértebra lombar dela. –espertinho, deixe essas mãos quietas aí.</p><p> A recomendação dela me fez desconsiderar a ideia que eu me divertia num parque aquático. Agora, ela seria um sítio arqueológico, e, eu, um arqueólogo procurando objetos valiosos. </p><p> Minhas mãos voltaram para debaixo da tenda pela entrada dos fundos, e ficaram por ali tateando cuidadosamente o terreno onduloso que outrora era um tobogã. Suavemente encontrei as alcovas laterais frontais. Meus dedos deslizaram sobre um tecido que cobria o meu achado. Pareceu-me, ter encontrado a tampa almofadada de um Baú do tesouro escondido. Era bem macio o entrave que impedia que eu penetrasse a cavidade da mina encontrada. Tudo bem, eu não passaria dali. A Função das minhas mãos seria apenas deslizar sobre o tecido, como se estivesse retirando poeira de um objeto precioso. </p><p> Demorou pouquíssimos segundos, a minha alegria. –Ah não! Vamos parar com isso. - dessa vez, ela se afastou de mim, abruptamente.</p><p> -Foi mal. Você é lacre inviolável? </p><p> Ela não me respondeu de imediato, e demonstrou estar mais assustada do que decepcionada. </p><p> De qualquer forma, eu saquei que ela não era.</p><p>Sem lamúria ou qualquer outro indicativo de decepção em relação á mim, ela simplesmente disse: - se eu soubesse que os ônibus demoram tanto para passar nesse setor, eu não teria vindo parar aqui. –e ficou olhando para os carros que passavam na rodovia. </p><p> Pensei em insistir. Porém, ocorreu-me, que Maria Clara fosse uma área geográfica já explorada, mas, com aquele aviso: (não ultrapasse. Terreno temporariamente inapropriado para procedimento topográfico) -sabe como é... eu estava de barraca armada, mas talvez, ela estivesse naqueles dias que não se pode deixar que ninguém finque estaca em certa demarcação dela. Ou seja, aquela superfície de relevo fofinho que eu encontrei, podia ser a tapagem de um Gêiser, e ao rompê-la com as minhas mãos, elas sairiam molhadas de líquido vermelho. –entendeu? </p><p>Só de pensar, fiquei enojado. </p><p> Fui até á ela, a abracei por trás novamente e pedi desculpa outra vez. Ela virou-se ficando de frente á mim e segurando nos meus antebraços. Não havia tristeza no olhar dela, nem raiva em sua expressão facial. Era eu que estava ali, sentindo aquela estranha sensação de ter sido grosseiro por ter sido afoito, e patético por querer desfazer a má impressão que eu causei.</p><p> -Você está de “paquete... catchup?” - perguntei curioso.</p><p> Maria Clara me confessou que ela era uma “hermafrodita”. Não usou essa palavra, falou ao modo dela, dando explicações sobre a anormalidade sexual dela, e que ela faria uma cirurgia para se tornar unicamente mulher. E também, que, ela não sentia atração por mulher, e que o órgão masculino dela era bem pequeno e inativo, sexualmente falando.</p><p> A vida real não é como um romance literário, no qual o personagem principal é um mocinho educado e bem intencionado, ou um cafajeste malfeitor. Tive vontade de aprontar um esculacho, deixá-la ali e ir-me embora. Mas a minha personalidade forte, e natureza explosiva, já haviam dado lugar á um novo modo de ser, viver, lidar com as pessoas e comigo mesmo desde o meu primeiro êxito com Marta na escola.</p><p> </p><p> Cetinha e Yorrana ficaram escorados ao alambrado da Cerealista Agromen, localizada ás margens da Rodovia, poucos metros afastados do ponto. Imaginei que Maria Clara chamaria Yorrana para ficar perto dela, mas não a chamou. A partir daquele momento, próximo um do outro, nós esperamos o ônibus chegar. Quando ele apontou no outro lado da rodovia, nós nos abraçamos pela última vez. </p><p> Maria Clara, á meu ver, era 100% mulher. Se havia algo que pudesse revelar á alguém que ela era meio á meio, estava escondido á frente dos tobogãs, dentro de uma tenda de cor bege, coberto por um tecido que acobertava a tampa almofadada de um Baú do tesouro, um sarcófago com o cetro do Faraó, que seja. E daí? Foi surpreendente, chocante, constrangedor, mas, sobretudo, marcante.</p><p> Quanto ao meu amigo Gilson Cetinha, ele era o tipo de cara que qualquer um gostava dele ao primeiro encontro. Era alto astral e não levava nada à sério. Sempre alegre e de bem com a vida. Se alguém dissesse algo surpreendente, como por exemplo: eu vi uma galinha que bota três ovos de uma vez. Ele dizia que ele tinha uma galinha que botava meia dúzia até ao meio dia e mais seis ovos do meio dia para tarde. Cetinha era incrível e sabia fazer a gente esquecer os problemas, com suas conversas improváveis. </p><p>Nossa amizade durou até o ano 2011, foi quando ele faleceu. Eu só soube dias depois. A causa da morte dele não me foi esclarecida. Eu soube apenas que ele passou mal e morreu antes de ser levado ao hospital. </p><p> Cetinha fora aquele cara feliz que eu tive a oportunidade de conhecê-lo e me tornar amigo dele. Enquanto viveu fantasiou de palhaço o tempo e sorriu para a vida. </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>O FINDAR DAS ILUSÕES</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>Funk, Festas, cigarros, bebidas, garotas, mulheres, brigas, noites em claro, dias perdidos. Medos superados, mágoas esquecidas. Idas e vindas da vida, sonhos perdidos, ilusões vividas. Ah! Se tudo que eu vivi dos dezesseis anos de idade até aos vinte e quatro e meio não foi o suficiente para me fazer feliz, então foi tudo ilusão, porém uma ilusão boa de viver.</p><p>Gostei e fui gostado por algumas garotas, jovens, e mulheres maduras. Desprezei e fui desprezado também. </p><p>Não me envolvi com drogas, roubos ou qualquer outra tipo de modalidade criminosa. Não conheço cadeia nem por visitar alguém em celas. Fumei cigarros e bebi bebidas alcóolicas. Nunca me relacionei com gays, mas aprendi á respeitá-los, porque eles também têm seus medos e coragens. </p><p>Então eu cheguei ao ano 1997. E no 22/03/ daquele mesmo ano eu fui á minha última noitada no Sesi de Aparecida. Não dancei música alguma, não briguei. Bebi uma lata de cerveja e fumei alguns cigarros.</p><p>Naquela noite, ao voltar da minha última noitada, enquanto eu fumava o último cigarro recordando o meu passado eu cheguei á conclusão de que foram os meus medos que me levaram até ali. Eram ecos de um passado, mas, no passado era tudo preto no branco: Sim ou não. Verdades, mentiras. E, mesmo que eu dissesse que valeu, eu teria que me perguntar: –e quando as cores estavam lá, Claras, confusas, nítidas, embaçadas, eu ás distinguia claramente? Nãooo! Eu não iria mais buscar respostas. Dei o último trago no cigarro, joguei a guimba fora, entrei para o quarto, dobrei os joelhos em oração eu me entreguei á Deus. Na manhã de domingo em diante eu viraria a página da minha história.</p><p>No dia 20/04/1997 eu fui batizado. Então me tornei um evangélico.</p><p>No dia 30/12/1998 eu me casei. No dia 20/12/1999 minha filha Quélita Elizane nasceu. A minha filha Rayane nasceu em 02 de dezembro de 93. Fará 23 anos este ano. Mas ela só veio me conhecer e me chamar de pai em 2009. A partir de então, ela passou á vir passar férias com a minha família em nossa casa. Ano passado ela não veio. Eu nunca á procurei, por achar que a mãe dela já teria se casado com outro homem, e eu não queria estragar a vida conjugal dela e seu esposo.</p><p>Em 2012 eu me tornei professor de música instrumental em minha congregação, mas, Deus sabe porque é que eu não continuo sendo aquilo que eu não pedi para ser. Só entendo que o que Deus dá ninguém tira. Ele me deu o dom da música. Quanto ao cargo ministerial, eu já disse, eu não pedi para tê-lo. Quanto ao meu afastamento das aulas de música, eu continuo esperando na providência de Deus.</p><p>Hoje, com humildade e sinceridade eu posso afirmar que sou um homem que superou a pobreza material. Tenho as minhas propriedades adquiridas com trabalho e honestidade. Sou pai e tenho uma netinha filha do meu enteado. Ele e a esposa dele asseguram que eu sou o avô da menininha que eu á amo muito e á considero como neta.</p><p>Minha mãe querida! Eu posso afirmar que ela nunca mais me bateu depois do dia que eu disse á ela que ela nunca mais me bateria. Não fui um filho exemplar, mas ela nunca soube que eu brigava nas ruas, nunca fumei, nunca bebi na presença dela, e nem dancei tipo nenhum de música perto dela. A minha mãe querida morreu em 10/05/2013. Uma parte de mim e da minha fé religiosa foi embora com a morte dela, mas eu sei que Deus reservou um lugar no céu para ela.</p><p> Hoje eu posso dizer que sobrevivi numa época em que tudo levava á crer que os filhos de Pedro e Francisca não chegariam ao século 21... Mas aqui estamos.</p><p> Eu me casei aos 26 anos de idade. Tenho uma filha linda, inteligente, musicista. E uma esposa preciosa. Levamos uma vida confortável, com algumas propriedades materiais que nos garantem conforto e bem estar.</p><p> Sobre Deus eu posso dizer que ele esteve, está e estará sempre comigo. Quando eu era menino, ele também o era. Quando eu aprendia á falar e caminhar, ele aprendia comigo. Mesmo na pobreza, na vida dura, nos momentos de tristeza e alegria ele estava comigo. Todo tempo ele esteve, está e estará ao meu lado, á minha frente, em minha retaguarda, unido á mim, fazendo o que de bom eu fiz e faço, sendo o que melhor eu fui e agora sou. Ele sempre esteve prevenindo–me, e me livrando de situações perigosas, corrigindo–me por meus erros sem punir–me com penitências cruéis, ou ameaçar–me com o castigo eterno. Eu sei que ele é o Deus que se manifesta á mim de modo pessoal e compreensível. Ele nunca me abandonará.</p><p>Desde que ela morreu eu passei á escrever livros de ficção, como fuga para o vazio que se fez dentro de mim e só parei para escrever estes fragmentos da minha história de vida.</p><p>O meu primeiro livro leva o título Os caras bacanas. Nele eu mesclei a minha história real com ficção, dando um contexto feliz á minha relação com a ex–patroa Selma dona da Cardealtur Transporte e Turismo. Entreguei o original nas mãos de um editor, pensando que ele faria um bom trabalho de edição, mas ele só quis o meu dinheiro e fez uma porcaria com o meu trabalho.</p><p>O meu segundo livro, Sonhos roubados teve uma edição melhorzinha e foi repassado para a distribuidora Leart livros. Enquanto isso, eu vou postando os outros livros que eu escrevi. </p><p>Ironicamente, eu, um semianalfabeto sonha em ser um grande escritor. Mas o maior dos meus sonhos é poder construir uma escola para levar educação escolar gratuita ás pessoas menos favorecidas. Os meus livros Sonhos roubados, A marca e Ameaça terrorista, dizem muito sobre as minhas aspirações em relação a minha visão de mundo, da humanidade em geral e da pessoa que eu pretendo e procuro ser.</p><p>Termino aqui esta postagem, mas, a minha história continuará até quando Deus quiser.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p>O aprendizhttp://www.blogger.com/profile/05427010805464309038noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7443999538246198630.post-32060245837119089972022-09-18T18:22:00.015-04:002024-01-07T18:18:00.395-05:00 Dom Juan da periferia. Completo do inicio ao fim. Essa paródia política fará você se divertir à cada página.<p> </p><p><br /></p><p> </p><p><br /></p><p>O ser humano cria seus conceitos, e ao discutir sobre eles, geram seus preconceitos. Em um mundo moderno, onde valores morais são padronizados por conservadores e refutados pelos liberais, surge então: Ser ou não Ser –Eis a questão. </p><p>Neste meu novo trabalho eu quero tratar deste impasse com imparcialidade e bom humor. Sendo eu autêntico desde o momento em que os meus pais planejavam me trazer ao mundo, eu posso assegurar que serei original na contextualização de minhas ideias que serão expostas ao público masculino, feminina e “masfenino” - é que eu acredito numa terceira via cromossômica. –Assim sendo, meus personagens serão cômicos para abordar este assunto tão sério, porém, o enredo desta minha nova literatura poderá ser engraçado e sarcástico, mas de teor esclarecedor e elucidativo para as infindáveis discussões sobre Ditadura e Democracia, a causa homossexualidade e a heterossexualidade.</p><p> Com narrativa na primeira pessoa, DJ, o Don Juan das mulheres, o malandro das ruas e o rapaz mais engraçado de todos os tempos, se envolve em situações ás quais somente ele consegue se sobressair. Acontece que ele se vê numa situação embaraçosa e muito delicada, quando as namoradas de seus três melhores amigos, pedem a ajuda dele para encontrar seus namorados desaparecidos. Com seu tino investigativo apurado, em poucos minutos ele descobre o paradeiro dos desaparecidos, mas, coisas surpreendentes ele descobre também, em respeito á seus amigos, as garotas e aos pais dos envolvidos neste drama. </p><p>DJ se compromete á dar um desfecho á estas discussões. Para isto, DJ se coloca entre a cruz e a espada por razões de amizade, família e, sobretudo, humanismo.</p><p>Embarque nesta paródia política e divirta-se com o hilariante DJ. </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> </p><p> *</p><p><br /></p><p>Sabe quando você está naquele estado de espírito de quem se sente sozinho, mesmo estando no meio da multidão? Então, esse é o meu caso. Eu já saí por aí tentando me distrair. Andei pela cidade procurando um point pra eu ficar por ali e levantar o meu astral. Encontrei uma choperia, e por lá fiquei sozinho numa mesa para quatro pessoas. Entre um copo e outro de Chopp, eu até fui flertado por algumas garotas e mulheres bonitas, mas o meu único gesto era um arquear de sobrancelhas para elas e entornadas de copos em minha boca. –sem chance, hoje não vai rolar. Era o que eu fazia transparecer para encerrar os flertes.</p><p>De volta á minha casa, eu procurei uma estação de rádio que tivesse uma programação musical ao estilo “Jovem Pânico”, mas eu só consegui sintonizar programação política. Ok, eu voltei cedo para casa. O meu baixo astral me forçou á isso. Em Atrasilia, só se fala de traição entre esquerda e direita. Militares x Burocratas. Elitistas x os da minha classe: - ralé. </p><p>-</p><p>Conversa de políticos dá um sono na gente... - bocejando e...<span><span> </span></span></p><p><span><span><br /></span></span></p><p><span><span>... </span></span>Ano 1985</p><p><br /></p><p>Enquanto eu preparo o rango, vou fazendo uma análise do sistema político da nossa danação. Ontem eu estive no ministério da justiça e me pus á par de como funciona tudo por aqui... Alho, cebolinha. O arroz vai ficar uma delícia. Um bifinho, saladinha. Beleza! As vasilhas estão todas limpas. É isso aí. Mãos á massa... O que era mesmo que estava pensando? Ah! Me Lembrei. O regime militar do nosso país é bem fácil de ser reconhecido por mim, como sendo anarquista, porque está promovendo uma verdadeira baderna em minha cabeça. Eu não sou um extremista radical e nem pretendo ser, ainda mais se tratando de uma causa contra a ordem nacional do meu Atrasil. Mas, eu acho que o regime autocrático enquadraria melhor no sistema de poder Atrasileiro, - eu, somente eu, seria o todo poderoso mediocrático, até ascender-me á autocrático. Eu não sei pra que tantos militares exercendo o altoritarismo para eleger o presidente e seus assecras para ocuparem seus respectivos cargos até o término longínquo de seus mandatos. A ditadura militar sombreia novas eleições de tempo em tempo para a perpetuação do generalismo. -tudo na suposta legitimidade do poder. Aí, um general Pinochet da vida, quer dar um jeito de dar cabo ao golpe de estado, a coisa muda de seis para meia dúzia. Se tiver êxito, o golpe, o autoritarismo poderá ser exercido pelo Nasismoro, - se eu não o impedir, em nome do povo Atrasileiro. O filho da mãe será um ditador totalitarista. Ele influênciará á população com suas ideologias nocivas á vida da população. </p><p>Acredito, eu, que, os animais domésticos que ele os usou em suas experiências, foram apenas cobaias de testes para a confirmação dos efeitos mortíferos de sua gestão maligna. O próximo passo será um genocídio humano. Por que o Adolfo Nasismoro quer chegar ao poder? Para regulamentar a vida das pessoas com suas ideologias inaceitáveis para uma sociedade, livre, igualitária e fraterna. </p><p>Pensando bem, eu vou entrar na política e serei o líder de uma revolução. Convocarei assembleias, montarei um partido, e nomearei alguns comparsas do bem, e, juntos tomaremos o poder. Os meus partidários já são: Jaime, Vinícius, Murilinho, Julinho e Soraia. Deixe-me ver quais mais... Anamara, que será á agente-chefe do meu gabinete. –ela tem forte tedência á ser anarquista, mas também é influente pra caramba! A nossa primeira missão será resgatar os direitos do cidadão e das cidadezinhas. Depois lançaremos no cárcere o genocida Nasismoro. Se o meu pelotão não der conta da missão, eu solicito a presença de alguns soldados parceiros meus da divisão do exército, e infalivelmente resolveremos a situação. Talvez eu convoque os meus parceiros do clube das Mobiletes, eles também são os meus melhores amigos. </p><p>Falei de tantos poderes que me lembrei de uma música. “Histórias mal contadas, mudadas, absurdas”. Tempo em que a nossa música tinha essência, e mandava o cacete nos pilantras do sistema. Realmente essa história está mal contada. Farei com que aquele pilantra escreva reto em linhas de novelos. Como meu inseparável parceiro para os combates corpo á corpo, eu convocarei o meu truta, Maloca. Nos treinamentos de campo, sempre atuávamos juntos. </p><p> -Agora eu tenho que mandar água no arroz, senão eu terei de comê-lo frito apenas. –o arroz chiou e a fumaça subiu. A fumaça vai penetrar dentro das narinas do meu vizinho Fumaça. Um pouco do cheiro irá impregnar nos cabelos dele, de pichaim, aí, pronto, eu terei que emprestar o meu banheiro para ele tomar, também.</p><p> -Falando sozinho DJ?</p><p> -Oi Anamara! Eu tava aqui brigando com as panelas. Entre e sente-se aqui. –arredando a cadeira pra vizinha se sentar.</p><p>-Umm - puxou o ar. –O cheiro está ótimo. - prendeu os cabelos com uma mão e se aproxima do fogão. </p><p>-Alho e cebola. Esse é o meu segredo. –contei pegando o pano de prato. Não sei pra quê. Nem molhei as mãos.</p><p>-DJ - disse ela de olhos bem abertos, se aproximando mais de mim. – O presidente da Repúdia, mandou que eu comparecesse no gabinete dele. –completou me abraçando.</p><p>Eu escorri a mão em seus cabelos lisos e em suas costas e sinto o quanto Anamara está feliz. </p><p>-Obrigada DJ. Eu sei que foi você quem deu uma força. Eu queria muito, entrevistar á ela.</p><p>Não fui eu. –pensei.</p><p>-Agora, senta e me conte como foi.</p><p>-Antes, me deixe te falar uma coisa. </p><p>-Vá falando que eu vou preparando a salada. Você vai almoçar comigo. –decretei. –Com certeza nós teremos outro inconvidado.</p><p>-Aceito com o maior prazer. Mas, me escuta. Eu vi o Muralha e contei á ele a oportunidade que eu recebi do presidente. Ele quase chorou de alegria, ainda mais quando eu falei que foi você que me indicou. Opresidente Grão Figorredo não tem boas relções com o pessoal da imprensa. </p><p> Senti uma beliscada de anzol no coração quando ouvi sobre o sobre a atitude do Muralha. fui ao fogão para disfarçar. A nossa reunião realizada ontem foi satisfatória, embora, ainda não tenhamos chegado á consolidação de uma parceria entre os interesses de Jamesan Américo. As propostas dele não foram claras o suficiente, para me convencer de que sua ideologia faria bem á danação atrasileira. Américo falou muito da tal Democracia. Eu achei que seria a namorada dele, mas não era. Ele quer que eu seja o expoente de um sistema político para o Atrasil, mas para isso eu teria que orquestrar uma revolução em terras Dospiniquins. Prometi pensar á respeito, mas para falar a verdade, a única coisa que eu sei liderar são os campeonatos de corridas de Mobiletes. Eu não me lembro de ter mencionado o nome Anamara G. Lobo na reunião.</p><p>-Aí, o Barreira me falou que ele também está muito feliz também.</p><p>Agora o anzol fisgou de vez o meu coração.</p><p> -Tudo bem. –me sentei. –Você sabe algo á respeito do que estão desaparecidos?...</p><p> -Eles estão em um lugar no interior de Toiás, por serem ameaças á população. Você tem que falar é com a Edileusa. Ela tem conhecimento do perfil de cada um. </p><p>-Não sei como encontrar essa Edileusa. Depois eu darei um jeito de me encontrar com as namoradas deles. –desliguei a chama do fogão. -Vamos almoçar. Pode se servir primeiro.</p><p>-Eu não espero que me chame duas vezes. –levantou-se, pegou o prato e garfo. </p><p>Servindo-se, Anamara não percebeu que eu recebia outro convidado. Se bem que, eu não preciso convidar o Fumaça para uma refeição. Parado na porta, ele aguarda a vez dele. </p><p>-Entra neguinho. Chega junto.</p><p>-Valeu DJ, você é meu chegado. Hoje eu vim cerrar a boia, porque o negócio tá brabo. –pegou o prato. Bom de rima e de apetite.</p><p>-E ontem, anteontem...</p><p>-Foi ainda pior. Mas o cheiro da sua comida, cada vez fica melhor. -Dá licença, Anamara, a fome que eu sinto não sara.</p><p>O Pico da neblina foi reproduzido no prato dele.</p><p>-Valeu DJ. Tõ indo nessa. As suas panelas ainda sobrou comida á beça. </p><p>-Eu pensei amo você, ao prepará-la.</p><p>Saiu levando o prato. Mais um que não será lavado por mim.</p><p>Anamara o observou saindo com o prato cheio de comida. Percebi que ela entristeceu-se. Ao sentar-se, Anamara se põe a comer, calada. </p><p>-O que foi, Anamara? – me sentando perguntei.</p><p>-Um colega meu, da imprensa, estava redigindo uma crônica que alertava ao governo á respeito do descaso com os pobres. Eles são minora nas escolas e no mercado de trabalho.</p><p>-Baseado em estatística, ou ele também tem um vizinho Fila-boia?</p><p>-São números Cruzeiros. O fumaça é mais um dos desempregados, por não ter escolaridade suficiente. Nem o ensino fundamental ele tem.</p><p> Mais um motivo pra eu entrar na política e fazer uma verdadeira revolução social. Os pobres terão diplomas acadêmicos ao concluírem o Mobral. Serão contratados para gerentes e executivos de multinacionais, apenas por comprovarem que venderam picolé nas ruas, ou que já carpiram lotes. </p><p>-Complicado. –balbuciei, depois de engolir. -Não existe nenhum projeto social voltado para a causa pobretão analfabeto?</p><p>-O governo faz vista grossa. Dados levantados pelo ministério da educação indicam que a principal causa do analfabetismo é a pobreza. </p><p>-A solução seria excluir os brancos e Incluir os negros na rede pública de educação?</p><p>-Não DJ. O correto seria erradicar a pobreza extrema. Existem brancos e negros muito pobres. Dar privilégios á negros seria expô-los á condições de raça inferior. Isto é nocivo á sociedade Fragileira.</p><p>-Unh, unh – mastigando – Nisso, eu concordo com você. Na verdade, os negros sempre foram desprezados, não por serem os piores, sim, porque no passado eles surpreendiam os brancos, com suas qualidades. Uns antepassados da Fumaça eram hábeis no cultivo da mandioca e conheciam de toda a técnica para tratar a terra e fazê-la produzir bem. Quando eles desembarcaram aqui no Atrasil, chegaram com pompa e boa reputação, mas, uns brancos enciumados e despeitados, os ultrajaram e os fizeram escravos...</p><p>-DJ, como você soube disso? –soltou os talhares e cruzou os braços. </p><p>-Foi o Fumaça que me contou essa história, mas eu pensei que ele queria apenas que eu dividisse com ele a mandioca que eu havia fritado para eu a comer na janta. </p><p>-AH, não, DJ. –riu. –Me deixe comer sossegada... dividir a mandioca.</p><p>Ela ficou ciscando a comida com as pontas do garfo. Está achando ruim a comida, ou querendo me dar uma má notícia.</p><p>-O Vinícius está morando na panificadora. –disse, procurando um guardanapo para limpar a boca.</p><p>-Limpo com a toalha da mesa. Eu não tenho aqui em casa essa regalia que você procura.</p><p>Usou as pontinhas dos dedos para limpar não sei o quê nos lábios.</p><p>-Sobre a mudança do Vinícius para a panificadora, eu acho que é para ele não chegar atrasado ao trabalho. –deduzi.</p><p>-Não, não é por isso. È que os pais dele não aceitam o fato de ele ser... você sabe.</p><p>-Fora de casa e morando na panificadora é que ele vai queimar rosca com vontade.</p><p>-JD, você não leva nada á sério mesmo hein!</p><p>-Come aí mulher, e deixe de ser dramática.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p> </p><p>Tem gente que pensa que eu sou mais bobo do que pareço ser. O indivíduo me ofereceu um preço que não dava nem pra comprar a placa de endereço da casa que a minha vozinha deixou pra mim. -tadinha que Deus á tenha no céu, porque aqui na terra, ela tinha apenas a mim de parente. Mas para mostrar que os bobos também ficam inteligentes quando o assunto é dinheiro, eu fiz á contra proposta e a ofereci por um preço que daria pra comprar a quadra inteira de casas. O mão de vaca pulou igual bode, mas me ofereceu o equivalente que dá pra pagar a minha casa e a do vizinho. Quando eu fechei o negócio pra não haver mais redução do preço do imóvel, o comprador disse que ia levantar á grana e entraria em contato comigo. Dei á ele o telefone da casa do Jaime Américo, só pra dizer que eu não estava muito preocupado com dinheiro. Eu não tenho telefone em minha casa, e se tivesse, lá não tem umas quatro empregadas pra atender ao telefone e dizer: residência do Desembargador Américo. Com quem deseja falar? Só de ouvir essa anunciação, o camarada vai pensar assim: Puta merda! Eu vou fechar logo o negócio por que o dono da casa é rico e não tá nem aí se não vendê-la á mim. Aí ele vai dizer assim: fala para o seu patrão que venha buscar o dinheiro. Eu vou ficar com a casa. A empregada não vai saber do que esse cara tá falando, mas eu vou ficar sabendo, porque eu disse ao Jaime, que se alguém ligar na casa dele falando sobre a compra de um imóvel, me avise por que o vendedor de herança sou eu. Eu não vou mudar da minha vila, pra essa vila aqui de jeito nenhum. Eu fiquei sabendo que tem uns camaradas aqui por nomes de Ratinho, Jacaré, Gambá, Falcão, Calango, e mais alguns bichos doidos. Esses caras são tão muito loucos que qualquer dia, a Avenida do povo, irá se chamar Avenida só deles. De tão brabos que eles são. Mas se eles vacilarem, eu e o Jaime daremos um jeito de armar uma pra eles, e renomear a rua com o nome de: Avenida das gentes boas. Quero vê-los sendo brabos lá no inferno, dividindo espaço com o satanás e sua turma. Depois eu vou dar um jeito de me encontrar com a amiga da minha prima e tentar fazer mais um bom negócio. Em seguida, eu vou me encontrar com os meus amigos. Já estou com saudades deles. </p><p>Dias atrás, eu consegui os números de telefones de umas gatas. Olhando para o céu, dando uma de astrônomo fico pensando que, amanhã será lua cheia, então será a noite ideal para o luau com as naninhas. O Jamesan falou que sou eu quem decide qual será a noite pra gente tomar um banho de lua com as garotas, porque da outra vez foi ele que marcou os esquemas. Jaime Américo tem-se revelado um amerdicano preocupado com o desenvolvimento social e econômico do nosso Atrasil. Eu estou gostando das ideias dele. Mas ainda não entendo como poderemos chegar á um acordo diplomático, quando o acordo exige a mudança de toda uma estrutura política fechada e controlada pelos militares, para um novo sistema ao qual, o povo teria participação na escolha dos seus representantes federais, estaduais e municipais. Eu fico imaginando o quanto a população ganharia ou não ganharia com essa mudança. –apagando pensamento para dar lugar á outro. Estalando os dedos. Entre o próximo, na cachola...</p><p>...Só de pensar que naquele dia no Lavajato eu podia estar lá no autódromo fazendo o Pullmam da Mirela andar só com as duas rodas laterais, desbancando aqueles fritadores de pneus que acham que são os poli-positions do circuito e, fazendo a mulherada me carregar no colo... Vou até parar de pensar por que senão quando eu encontrar o Ferrugem, eu vou pôr ele de bandeira de largada da fórmula 01 e passar por cima dele. Brincadeira... Eu gosto daquele cara de bonequinho de cenoura.</p><p>Tem que dar certo esse negócio da venda da minha casinha, pra eu poder me casar com a Paola e ter uma vida digna com ela. Mesmo sendo que nós todos iremos morar juntos eu não deixaria que o pai do Carlos arcasse com a obrigação de construir e mobiliar o nosso galpão moradia. É questão de dignidade. O Jaime também não concorda. O Carlos falou que ele estava brincando e que ele também é um cara com sangue nas veias. Aí eu disse á ele que mostrasse á todos que ele é independente, e gastasse o dinheiro da mesada que ele recebe do pai dele com... Antes que eu terminasse de concluir o conselho, eu já tava levando tapas e bicudas no traseiro. Eu ia dizer pra ele comprar um carro do ano para cada casal de noivos e pagasse o combustível pelo o resto de nossas vidas. O problema é que tudo que eu falo, eles levam na brincadeira e o meu lombo é quem sofre. Á cada dia eu fico mais desanimado.</p><p>São muitos os fatores que contribuem para o desânimo de um rapaz. Por exemplo, o fator relacionamento afetivo, -esse é um dos piores -, e é o fator x para o meu estado atual. Soraia me deixou assim. Pensei em tomar um banho e me deitar, mas ainda era cedo. A cama podia esperar até que eu voltasse de madrugada. </p><p>Eu precisava ganhar tempo, mas primeiramente, dinheiro. Lembrei-me do meu amigão bom de grana. Jaime Generoso Américo. Fui até á ele. Quando nos encontramos, damos um toque de mão e um abraço ombro á ombro. Uns passantes ficaram olhando eu e o Jaime se cumprimentando. Uma das primeiras maravilhas da natureza continuava sentada, mas com um sorriso no rosto.</p><p>-Deixe-me te apresentar á Maria Eduarda. -ele me pediu para fazer-me o enorme favor. Dei a mão á ela.</p><p>-Prazer... Eu sou á Eduarda!</p><p>-Imagine o prazer que sinto em conhecer-te, linda! -falei dando um beijinho na mão dela. -Meu nome é DJ. </p><p>Ela sorriu e continuou em pé.</p><p>-Você gosta de ler? –perguntou se sentando.</p><p>-Esse é o meu hobby. –com classe.</p><p>Jaime se sentou também. Eu continuava em pé.</p><p>-De qual gênero de leitura você gosta de ler.</p><p>-Eu comecei lendo tio patinhas... -ela riu. Jaime continuou sério. –Depois eu passei para um gênero mais simples de leitura... </p><p>-Qual? -continuava rindo ao perguntar.</p><p>-Platão... Machado de Assis, Karl Marx... Agora eu estou lendo Antologia de vidas celebres. Comprei esse jornal pra ver na página cultural o que temos de novidade literária.</p><p>Ao me ouvir, a perfeição da beleza feminina arregalou os olhos, admirada. Jaime deu outro toque na minha mão. </p><p>-Esse é o meu amigo DJ. –disse, apontando-me o dedo.</p><p>-Eu pensei que você gostasse de jogar bola, ir ao cinema ou passear por aí. Mas eu vejo que você tem um hobby bem bacana.</p><p>-Pois é, Maria Eduarda, todas essas coisas comuns eu pratico e qualquer um pode praticá-las tambem. Mas, ler não é pra qualquer um. Tem que ser culto e ter bom gosto. </p><p>-Poxa, gostei! –confessou sorrindo. -Ele vai com a gente Jaime? </p><p>-É claro que vai. </p><p>Eu não sabia para onde a gente ia, mas com o meu amigo Jaime e aquela gata, eu iria á qualquer, depois que eu cumprisse a minha missão.</p><p>-Pode crê que vou, mas olha, o lance é sério, Jaime.</p><p>-De quanto você precisa. – ao meu pé do ouvido.</p><p>-Do suficiente pra eu demorar vir te incomodar de novo.</p><p>-Não si preocupe com dinheiro. Só peço á você que pense na proposta que eu te fiz.</p><p>-Eu já pensei. E, os meus aliados já estão na linha de frente, mas eu ainda acho que ele estão correndo um risco muito grande, e, eu temo pelas vidas deles. </p><p>-Quem são eles?</p><p>-Bom, eu só conheço um deles, mas esse um tem mais dois coligados, e juntos, eles formam o partido dos Ativistas inativos. Renato, Flávio e Diego.</p><p>-Tínhamos muitos sonhadores assim lá nos Estranhos Zunidos. E foram por intermédio deles que nós amerdicanos chegamos aonde eu quero que o Atrasil chegue. E você, é a pessoa certa para hastear a bandeira da democracia... você está me ouvindo?</p><p>Eu, hipnotizado olhando nos olhos da Eduarda.</p><p>-Ah, sim. Chegarmos á desmontocracia...</p><p>-Não foi isso que eu falei, mas tudo bem, eu já providenciei para que você reconsiderasse a minha proposta. –enfiando a mão no bolso.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span>***</p><p><br /></p><p>Usando a minha ficha telefônica restante.</p><p>-Oi Soraia! Você se lembra da minha voz?</p><p>-DJ, é você?</p><p>Quando uma garota se lembra da sua voz imediatamente, ou ela ficou afim de você, ou a sua voz é mais marcante do que a do Lombardi.</p><p>-Sou eu sim!</p><p>-Venha para a panificadora! Estamos esperando por você.</p><p>-Já estou indo.</p><p>Atendi a solicitação. Quando eu cheguei, elas estavam conversando á respeito de alguém, mas com certeza não falavam de mim. </p><p>-DJ. O que você foi fazer ontem? –Soraia me perguntou com a colherzinha na mão.</p><p>-Soraia eu fiz tantas coisas que já nem me lembro mais. –desconversei. -Come aí. Esse pudim deve estar uma delícia.</p><p>-A balconista disse que você adora pudim. –Soraia foi enganada pela Soraia.</p><p>-Ela perguntou se uma de nós duas quer te...</p><p>-Olha lá quem vem chegando Soraia. –cortei a fala da Melissa, mas com razão porque eis que estava entrando na panifichonete, aquela que é a musa inspiradora de um grande amigo meu.</p><p>-Cibelle. –disse Soraia, quase gritando.</p><p>-Maninha. –Melissa, batendo palminhas.</p><p>-Surpresa! Á loirinha é irmã da Cibelle, e a Soraia que por ela eu enchi o tanque da mobilette pra chegar onde eu estou não me disse nada á esse respeito. </p><p>-Oi meninas. Oi DJ.</p><p>-Oi Cibelle, que bom que você chegou. –falei me levantando. –Sente-se. –ofereci á ela o assento que eu estava. –Melissa, sente-se aqui do lado de sua irmã e me deixe sentar ao lado da Soraia.</p><p>-Obrigada! DJ. – Cibelle agradeceu se sentando.</p><p>Eu notei que Soraia deu um empurrãozinho em Melissa e ela foi logo se sentar com a sua maninha.</p><p>-Cibelle. Eu já contava com a sua presença, e, por isso eu cedo esse pudim á você. –Menti. Eu odeio pudim. O cheiro do ovo me causa repulsa.</p><p>Antes que Melissa pudesse dar mais uma de suas intromissões na conversa alheia, eu resolvi ir ao banheiro, mas não disse a elas onde eu estava indo. Regra número 622: Em uma lanchonete, nunca diga que você vai ao banheiro.</p><p> A Cibelle chegou. Agora a história muda. –converso sozinho dentro do banheiro. Deixe-me anotar na caderneta. Número 01: Estou com Soraia, Cibelle e a Melissa. Número 02. Fazer com que as garotas se distraiam. E eu preciso ser muito cauteloso com a Cibelle principalmente porque ela é conservadora. E não devo usar de malícia com a Melissa por que ela é moralista. Soraia tradicionalista. Já deu pra perceber. Guardo a caderneta, molho a ponta do dedo, passo-o nas sobrancelhas e volto para as garotas.</p><p>-Me dê licença. –pediu-me, um rapaz na porta do banheiro. Se eu não saísse logo, ele ia molhar outras partes dele.</p><p>-Meninas... Eu estou de volta. –anunciei ainda em pé.</p><p>-Senta aqui DJ. </p><p>Mas é claro que eu vou me colar á você Soraia. –pensei. </p><p>-Obrigado pela cortesia. Cada vez eu fico mais feliz por ter conhecido alguém como você. Declamei com a voz parecida á do Cid Moreira. Elas se entreolham. Ou me acharam engraçado, ou então se conscientizaram de que eu não sou um rapaz qualquer. Tentarei descobrir qual das duas opções.</p><p> -Posso te abraçar Soraia?</p><p> -Aí... Na boa! – ela aceitou tirando os cabelos presos detrás das costas, dando lugar pra eu colocar o meu braço direito.</p><p>-Vocês dois formam um casal perfeito. – disse Cibelle, pegando um guardanapo.</p><p>-Eu nunca encontro alguém pra formar um casal perfeito. – Melissa lamentou fazendo cara triste.</p><p>-E o Flávio, Melissa?</p><p>-Ah Soraia!... O Flávio só quer... </p><p>-Melissa! Dá um tempo. Ôh! Melissa não concluiu a fala, mas eu entendi que ela queria dizer que o Flávio só queria dar uns amassos nela. Aproveitei e dei um cheirinho no pescoço de Soraia. Ela pressionou minha cabeça no ombro dela. Cibelle arqueou as sobrancelhas olhando nós dois.</p><p>-Então, Soraia, eu estou preocupada com ele. Já era pra ele ter chegado lá em casa.</p><p>-Desculpe-me Cibelle, mas, você está preocupada com quem? – perguntei já sabendo de quem se tratava.</p><p>-DJ! O Renato ficou de ir à casa da Cibelle depois que ele saísse do trabalho. – disse Soraia. </p><p>-E daí? – perguntei fazendo cara de quem não estava entendendo o motivo da preocupação. Essa expressão me custou ter que desabraçar a Soraia.</p><p>-E daí que ele saiu as 4h00min. Do trabalho e foi pra casa do Flávio que já estava com o Diego e, ele me ligou dizendo que já estava vindo á minha casa, e isso já era 4h30min. De repente o Renato não conseguiu falar e o Flávio pegou o telefone e disse que eles chegariam á minha casa em vinte minutos.</p><p>-Mas agora que são 7h20min. –respondi olhando no meu bobo.</p><p>-Aonde você acha que eles estão DJ? –perguntou-me Soraia segurando a minha mão sobre a minha perna.</p><p>Regra número... sei lá: Jamais dedure o cara que você mais admira e os melhores amigos dele. Mesmo que eu soubesse, eu não faria isso.</p><p>-Talvez ele fosse comprar alguma coisa pra te levar de presente Cibelle.</p><p>-Não DJ. Ele disse que iria me... – ela deixou de dizer o que eu já sabia pela boca do próprio Renato: chamá-la em casamento para enfim, libertá-la do fardo pesado do conservadorismo imposto pelo pai dela.</p><p> O tal Flávio, pelo jeito, só se aproxima de uma garota, com segundas intenções, e como ele sabe que não tem chance nenhuma com a Cibelle por causa do Renato. -pra falar a verdade ninguém tem. Pois bem. Ele deve saber que se a Cibelle não se casar com o Renato, provavelmente ela vire freira e se mudará para um convento. E, sendo assim, ele não vai estar nem aí, ou lá sabe onde, preocupado se ela se zangue com ele. Eu também acho que não haverá problema nenhum se eu der um espetadinha na moral do tal Flávio com as garotas. </p><p>-Cibelle. -falei seriamente. –Melissa, Soraia. –Inclui as duas. –Vocês vão me desculpar, mas o Renato é o cara mais bacana que eu conheço. </p><p>Elas estavam todas atentas ao meu pronunciamento. Dei uma pausa pra ver a reação delas...</p><p>-É mesmo. Eu queria ter um namorado igual ao Ren...</p><p>-Melissa, cale a boca... Dã! – Soraia de novo, fazendo sinal de abilolada.</p><p>-Continue DJ. –disse Cibelle.</p><p>-Desculpe-me Melissa, mas o seu namorado não deve ser certo da cabeça, ou então ele é apaixonado pelo Renato. –falei. -Será que ele é homossexual? – perguntei á elas olhando para o Vinícius atendendo um garanhão parecido com o John Travolta no balcão.</p><p>-Cós íamos nos casar também. –disse Melissa se levantando e indo até ao garanhão. -Olha ali o Fumaça. –ela avisou e foi-se.</p><p>-O Fumaça e a mamãe estão aqui Cibelle. –disse Soraia.</p><p>Cibelle não deu muita atenção por que ela queria ouvir o que eu tinha a dizer do Flávio, do tal Diego e do amor da sua vida. Mas eu percebi que o garanhão era o Fumaça.</p><p>-Fala DJ. O que o Flávio e o Diego aprontaram com o Renato?</p><p>-Cibelle, pelo vistos, eles estavam ansiosos para ir até á casa de vocês e ás chamarem em casamento, só que alguém não concorda com as uniões casamentais entre eles e vocês...</p><p>-Olá garotas! –Olá garoto! –cumprimentou-nos uma mulher que parece a Benny Anderson. </p><p>-Olá! – repeti o cumprimento. - Quer se sentar? – perguntei me levantando.</p><p>-Não. Obrigada. Nós já estamos indo. –respondeu pegando na mão de Fumaça que já se aproximava de nós.</p><p>-E aê DJ... Como é que é rapaz... Firmeza. –falou me estendendo a mão.</p><p>-Beleza Brow. –respondi imitando a voz dele. </p><p>-Gostei do “Brow” Mas o novato aqui é você camaradinha. </p><p>-Dei um toque na mão dele. -Pode crê. –consenti. - Aí cumpade, eu pensei que nunca iria encontrar alguém que soubesse que a palavra “Brow” significa novato. –comentei a surpresa. -Mas, essa palavra se escreve com U no final ou com W? –desafiei o Jonh. Soraia me olhou como quem achava que eu forneço mais significado de palavras do que o dicionário.</p><p>-Tanto faz, o importante é que nós a entendemos.</p><p>-Agora você achou Fumaça. –disse a mulher. -Bom, nós já vamos. Cuide bem da minha filha hein DJ.</p><p>A mãe da Soraia me recomendando a cuidar de sua filha! Eu tô podendo mesmo. Olhei para o balcão e vi Soraia me olhando. Flor-de-lis atendia uma cliente entregando a ela um enroladinho. Ela queria um pastelão. Vinícius errou o salgado porque ele estava encarando Fumaça saindo abraçado á mãe da Soraia. Pela a expressão nos olhos da Flor-de-lis, ele estava pensando assim: Ai! Eu queria estar no lugar dela. – minha opinião livre de qualquer preconceito. Nem com mil cirurgias plásticas, facial e corporal o Vinícius tomaria o lugar da mãe de Soraia. Exploda-se Vinícius!</p><p> Olho para o lado direito do balcão, vejo Paola escrevendo num guardanapo... Ela me olha e faz sinal que é pra mim o bilhete. Eu disfarço e volto a conversar com as duas garotas.</p><p>-Então Cibelle... Como eu estava dizendo, esse Flávio não quer que o Renato se case com você e nem com nenhuma outra garota.</p><p>-Ah... mas o Flávio é mesmo um canalha. –disse Soraia me abraçando pela cintura.</p><p>Cibelle faz cara triste, ajeita os cabelos e não consegue esconder a tristeza.</p><p>-Eu quero ir embora. – disse, se levantando.</p><p>-Cibelle sente-se aí. –pedi com jeitinho. Ela não me obedeceu.</p><p>-Cibelle... Espere. Vamos ouvir o DJ.</p><p>Agora, ela se sentou.</p><p>-Eu quero dizer a vocês duas... Cadê á Melissa?</p><p>-Ela foi embora com a Andreza e o Fumaça. –respondeu Cibelle olhando para os pratinhos vazios. Apenas os olhos dela estavam cheios, mas de tristeza.</p><p>Quando você quer desmanchar um plano arquitetado por um riquinho desmiolado que só pensa em dar uns amassas numa gatinha igual á Melissa, você precisa ser um bom estrategista para não deixar ir tudo por água abaixo. Se tudo der certo, eu vou fazer parte do grupo de Renato, e eu confesso que sou o fã número 01 daquele camarada. </p><p>-Eu acho que a gente devia investigar essa situação, por que esse Flávio deve ser meio maluco. </p><p>-Você acha que ele fez alguma coisa de errado com o Renato?</p><p>-Cibelle, eu não estou querendo dizer que ele é um psicopata, eu só acho que ele deve ter dado um jeito de impedir o Renato de vir te encontrar. E o Diego também deve está metido nisso. -limpei apenas a barra do Renato.</p><p>-Eu concordo com o DJ, Cibelle. </p><p>-Mas o Diego me parece ser um cara tão bacana.</p><p>-É Cibelle. Mas por causa do Renato e do Flávio ele faz qualquer coisa.</p><p>Isso é que é amigo. Eu estava começando a gostar dos dois caras. Prometo parar de ferrar o Flávio. De agora em diante eu vou dar apenas algumas esporadas nele. </p><p>–Se vocês toparem nós vamos até a casa dele para investigarmos esse sumiço. -sugeri.</p><p>-Não gente! Isso é caso de polícia. –Cibelle falou com razão.</p><p>O Renato teria que me desculpar, mas pra limpar a barra dos três eu tinha de enfiar á espora nele também.</p><p>-Olha garotas... Será caso de polícia se o Renato tiver ido forçado, porque assim fica caracterizado um sequestro, mas se ele foi por vontade própria aí... </p><p>-É verdade Cibelle. –Soraia me apoiou.</p><p>-Se o Renato fez uma coisa dessas comigo eu não quero ver a cara dele nunca mais. </p><p>Agora Cibelle não estava triste mais. Ela estava grilada.</p><p> Soraia e eu, ficamos calados enquanto Cibelle juntava os cabelos e os jogavam ás costas. Ela também se calou e nós três ficamos pensando. Eu acariciava o cabelo de Soraia que encostou a cabeça em meu ombro. Cibelle cruzou os braços e balançava as pernas.</p><p>-Eu tive uma ideia. Vamos á casa do Flávio. Uma de vocês duas sabe onde ele mora?</p><p>-Nós temos o telefone e o endereço dele lá em casa. Mas eu não tenho coragem de sair procurando por eles. -Cibelle disse isso. </p><p>Tava na cara que ela não teria coragem. Ela é muito certinha e pacata. Eu poderia resolver esse caso sozinho, mas eu tenho pena dessas garotas por elas levarem a vida de modo sem graça. A maior aventura delas deve está escrito nos diários delas, e eu até imagino o que seja: Eu hoje puxei o rabo de um gato. Vou dar á elas a chance de experimentarem o meu jeito de viver a vida.</p><p>-Cibelle o que você faz na vida além de estudar? – perguntei em forma de desafio.</p><p>-Como assim DJ?</p><p>-Eu não estou te entendendo DJ.</p><p>Primeiro, a Cibelle e depois Soraia, estranharam a minha pergunta.</p><p>-É o seguinte, eu acho que vocês precisam de um pouco de emoção. Entende? </p><p>-Elas se entreolham.</p><p>-E aí? Vocês topam desvendar esse caso?</p><p>-Eu topo. –respondeu Soraia decidida, e em seguida me deu um selinho. Oh Alegria meu! </p><p>-E você Cibelle? Vai ou não vai? perguntei vendo- a ajeitando os cabelos novamente.</p><p>-Tá ok! –suspirou. –Eu vou. -com certeza no suspiro dela saiu toda a adrenalina que tinha acumulada dentro de si a vida inteira.</p><p>Cibelle e Soraia dão as mãos uma á outra. Eu escuto Cibelle dizer seja lá o que Deus quiser, e Soraia dizendo apenas... Yes! Quero ouvi-la dizer Yes, é na garupa da minha Mobí.</p><p>A primeira parte do sumiço eu já sabia. Tratava de um rapto de menor de idade. Restava descobrir para onde foi que Flávio e Diego levaram o Renato, e, eu acreditava que o Renato não foi por vontade própria.</p><p>-Garçonete. –chamei a Soraia.</p><p>-Já vou Jotinha! – Vinícius respondeu enxugando as mãos.</p><p>Enquanto ele vinha em nossa direção eu pedia a Soraia que pedisse á ele a conta.</p><p>-Pronto. Fala. –disse ele com cara de nojo.</p><p>-Traz a conta. Por favor! – Soraia pediu.</p><p>Dirigi-me ao banheiro... </p><p>Falo sozinho no banheiro. Beleza. Eu teria que proporcionar ás garotas algumas horas de aventuras, mas para isso eu tenho que bancar o Sherlock Holmes. Seria moleza. Dureza seria para minha Mobilette. Á menos que eu arrumasse uma condução maior... Mais uma arrumadinha nas sobrancelhas... O cabelo está bacana... Os dentes, limpos e brancos iguais á chicletinho Trident... Se vire Jotinha, opa! Jotinha o cacete. Fui.</p><p> -Êh, êh... Aí, sai fora maluco. –Intimidei um penetra que queria se sentar do lado da Cibelle. Se ela quisesse eu teria deixado, mas ela pegou na mão da Soraia e as duas já estavam saindo vazadas.</p><p>-Qual das duas é a sua namorada? –perguntou- me o penetra com cara de ralo, cheio de espinhas no rosto.</p><p>-As duas. –respondi por saber que o prego tinha tipo de estudante colegial que fica o dia inteiro lendo revistas pornográficas.</p><p>-Ah, então tá bom. –disse ele convencido de que era verdade.</p><p>-Tá bom mesmo prego. E fique sabendo que o meu apelido é martelo. Se eu te der um cascudo, vai doer até a sola do seu pé.</p><p>As meninas me esperavam na porta de saída. Soraia me chama e me entrega uma fichinha de caixa e um guardanapo escrito nele alguma coisa. Eu os pego e vou pagar a conta. Entrego a ficha ao atendente do caixa, ele á espeta num espetinho no canto do balcãozinho.</p><p>-Vai o troco de bala?</p><p>-Manda aí.</p><p>O velhaco quase me encheu a mão com balinhas macias. </p><p>Saí da panifichonete.</p><p>-Então DJ... Qual é o plano? –quis saber Soraia.</p><p>-Por onde nós vamos começar?</p><p>-Aí Cibelle... senti firmeza na atitude... O lance é o seguinte. Nós vamos primeiro á casa do Flávio interrogar alguém por lá. </p><p>-Vamos levar a Melissa com a gente.</p><p>- É claro Soraia. Ela será muito útil. Mas tem um problema... Como vamos nós quatro? A minha Mobí não comporta todos nós juntos.</p><p>-A gente vai de ônibus. – Soraia sugeriu.</p><p>-Não. Ele mora muito longe! –Cibelle não quer surrar sua calça jeans.</p><p>-Vocês conhecem alguém que tem um carro?- perguntei deixando elas surpresas.</p><p>-Você sabe dirigir DJ?</p><p>-Aqui é piloto de fuga Soraia. –gabei-me.</p><p>-O que é um piloto de fuga?</p><p>-Soraia, você já assistiu 007?</p><p>-Lógico.</p><p>-Pois então... A partir de agora, se o Renato estiver em apuros, o James Bonde vai parecer piloto de velocípede comparado á mim.</p><p>Consegui fazer as duas rirem. Enquanto elas riam, eu conferi o que a Soraia me escreveu... Eu quero que você me deixe em casa hoje. Ás dez horas eu saio. Ass: Soraia. </p><p>-DJ! O que é que você está lendo aí?-quis saber Soraia se aproximando de mim.</p><p>Regra número Tal: Nunca mostre pra garota que você sonha em curtir altos lances com ela, que uma balconista gata pra caramba, quer que você á leve á casa dela depois das dez horas do expediente. </p><p>-Só estou conferindo os planos que eu tracei para a nossa investigação. </p><p>-E o carro DJ? A mãe da Cibelle tem um.</p><p>-Beleza! Nós precisamos apenas de um mesmo. –falei contente. –Será que ela empresta pra nós Cibelle?- perguntei empurrando meu Veículo vermelhinho. Montei... Dou uma pedalada... Brenhenehnehnen. Pegou. Se um mosquito assentar em cima do pedal da minha Mobilette, é preciso que eu corra para segurá-la pra evitar que ela saia empinando de uma roda sem mim em cima dela.</p><p>-Soraia me abrace... Cibelle, segura em sua amiga e deixe os cabelos voarem. -falei sussurrando. Elas me ouviram. Provando que meu motor não é barulhento. E nem eu.</p><p>-Ai! DJ vai devagar hein.</p><p>-Que nada Cibelle. Acelera DJ.</p><p><br /></p><p> </p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>***</p><p><br /></p><p>Minutos depois...</p><p>-Pare, DJ. Já chegamos. – Soraia avisou. </p><p>Eu acho que a Cibelle veio com os olhos fechados, pois ela nem percebeu que nós passamos uns quinze metros da casa dela.</p><p> -Nossa! Você é louco DJ. -disse Cibelle sem saber que eu e minha Mobilette não temos parafusos soltos.</p><p>-Nitroglicerina pura minha filha!</p><p>-O que é nitroglicerina?</p><p>-Ah, Deixe quieto, Soraia!</p><p>Estacionei na calçada e pergunto á Cibelle qual seria o nosso plano para nós conseguirmos o carro emprestado da mãe dela.</p><p>-O pior é que a minha mãe não te conhece.</p><p>Penso um pouco e...</p><p>-Eu vou dizer á ela que eu sou irmão do Renato. Essa vai ser a primeira mentira.</p><p>-E a segunda?</p><p>-A segunda será surpresa pra vocês. –respondi. –E pra mim também. –pensei. –Vamos lá. – incitei.</p><p>-Vê lá o que você vai dizer hein DJ. </p><p>-Não esquenta não Cibelle. </p><p>Tranquilizei as duas. Eu senti que a Soraia pôs fé em mim. Ela me deu outro selinho.</p><p>Trennnnnn. Cibelle tocou a campainha.</p><p>Uma Quarentona de pele clara, veio nos atender. Só podia ser a mãe da Cibelle. Com todo respeito. Ôh coroa bonita!</p><p>-Vocês chegaram cedo meninas. –disse ela, simpaticamente. Abriu o portão e esperou que entrássemos.</p><p>-Boa noite senhorita. –bajulei sendo sincero. -Você não me conhece. Sou o DJ. Mas por certo conhece o meu irmão...</p><p>-...Renato. Entre. Venha para dentro.</p><p>Missão primeira. Comprida. Ela acreditou. Nós entramos e ela me mandou sentar. Já estava me sentando.</p><p>-A propósito. Eu sou casada.</p><p>–Desculpe-me, senhora, por ter te chamado de linda senhorita.</p><p>As meninas riram. A mãe de Cibelle demonstrou que só não havia gostado de ser chamada de senhorita. De linda ela gostou. Percebi pelo sorriso que ela deu. Agora chegou o momento surpresa pra todos.</p><p>-Senhora... Antes que você vá para o quarto, eu preciso tratar de um assunto muito sério com a senhora...</p><p>-Pode me chamar de “Você”</p><p>Se não fosses casada, eu te chamaria de meu amor. –pensei.</p><p>-Tudo bem. Então, sem mais conversa longa, eu quero lhe pedir o seu automóvel emprestado para ir buscar um amigo no hospital...</p><p>-O seu Felisberto mamãe. – disse Cibelle tornando-se minha cúmplice.</p><p>Eu não conhecia esse tal Felisberto, mas, se ela disse “Seu” É porque ele devia ser um velhinho. </p><p>–Então? Você me empresta o seu carro? – perguntei vendo-a indo em direção ao quarto.</p><p>-Olha garoto, tome cuidado hein. –orientou-me entregando-me a chave do possante. – Você vai sozinho?</p><p>-Não. Sinceramente eu preciso que as suas filhas e até mesmo você se puder, que venha conosco. –arrisquei tudo pra ganhar ¾. Ela não podia vir com a gente. </p><p>Cibelle e Soraia ouviam a minha lorota, abraçadas no sofá. Ôh cumplicidade! </p><p>-Desculpe-me, mas eu tenho tanto trabalho para resolver e eu vou ficar sozinha aproveitando para analisar algumas propostas, e o carro não caberia todos nós, mas vocês podem ir. Eu vou ficar aqui torcendo por vocês e pelo o professor do Renato. </p><p>-Eu agradeço pelo carro, pelas meninas e muito mais pela sua preocupação e boa vontade.</p><p>-Tudo bem! -disse ela, indo para o quarto.</p><p>Até me doeu ter que mentir á ela, mas foi por uma causa justa. Sinceramente eu também estou preocupado com o meu amigo e, agora ele é meu irmão.</p><p>Soraia fechou as mãos e disse Yes. Cibelle veio em minha direção.</p><p>-E a Melissa, Ela vai com a gente ou não?</p><p>-Cibelle, se a Melissa ficar, ela porá tudo a perder. Ela tem que ir com a gente é claro! –falei baixinho.</p><p>-Então vamos logo. -apressou-nos Soraia.</p><p>-Mamãe onde está a Melissa?</p><p>-Ela está na casa da Soraia. –Salete respondeu lá do quarto.</p><p>-Então nós já vamos. Tchau mamãe.</p><p>-Aí passatão AP. 1.8. Hoje você cola o ponteiro danado. –falei. Soraia ouviu e chacoalhou a mão sorrindo para em seguida me dar outro selinho e entrar no possante.</p><p>-Cadê a Cibelle? – perguntei á Soraia dentro do carro.</p><p>-Ela está ligando pra Melissa. –respondeu ligando o som.</p><p>♫ Stay in aliving. Há, há, stay in aliving. Bee Gees. ♫</p><p>Cibelle saiu da casa e abriu o portão. Eu liguei o carro e engatei ré.</p><p>-DJ. E a Mobilette?</p><p>-Pode deixar ela aí fora Cibelle. Ninguém vai roubá-la não. -respondi despreocupado.</p><p>Cibelle entrou no carro.</p><p>-Pegou o endereço? – perguntei.</p><p>-Está aqui. Pega! –me entregou o papel escrito.</p><p>-Aí... O riquinho mora no setor de mansões! Áh moleque! </p><p>Guardei o endereço no bolso da camisa, engatei logo uma segunda e sai mansamente. Eu só engato primeira se for pra subir uma ladeira tipo o morro do Mendanha.</p><p>-A gente vai pegar a Melissa aonde? </p><p>-Segue por aí que a gente encontra com ela.</p><p>Quarenta metros depois...</p><p>-Cadê a mamãe? –perguntou-nos Melissa, se sentando ao lado de Cibelle no banco traseiro. – DJ é você quem vai dirigindo? –Perguntou colocando o rosto entre os bancos da frente.</p><p>-Não Melissa. É o Alan Prost Goiano. –Respondi e saí fritando pneus.</p><p>-Calma DJ. – alertou-me Soraia, quase rumando á cara no painel.</p><p>Eu atendi ao pedido dela porque nós estávamos numa via urbana, mas logo chegaríamos á rodovia, aí a BR 153 ia se tornar pista de autorama. Se a Cibelle não começasse á descabelar atrás de mim.</p><p>-Desligue o som Soraia, porque hoje é sábado, e se eu for ao embalo dessa música, nós vamos chegar lá ontem.</p><p>-Mas esta música é tema de os embalos de sábado á noite.</p><p>-Pois é.</p><p>-Deixe ligada gente! Essa música é muito da massa. –Melissa preferiu.</p><p>-O que você acha Cibelle? – perguntei.</p><p>-Ah pessoal eu não sei de nada. Eu só quero encontrar o Renato.</p><p>Eu percebi que ela estava muito triste e isso seria compreensível, eu estava tranquilo porque eu sabia que o Renato estava com os seus melhores amigos. Todavia a minha primeira missão era não deixar que as garotas, principalmente a Cibelle, ficassem ainda mais preocupadas pensando que o garoto da vida dela pudesse estar fugindo de livre e espontânea vontade de um relacionamento sério com ela. Por isso eu achava que o Flávio e o Diego não devia se meter no romance dos dois. Eu não tenho muita experiência com esse negócio de paixão e amor. Mas, eu entendia que o Renato e a Cibelle parecem ter nascidos um para o outro. E por outro lado, eu pensava em Flávio e Diego. Pelo jeito, eles dependiam muito do Renato, assim como o Renato dependia muito deles também. Eu só sabia dizer que, eu queria estar sempre com eles quando nós nos encontrássemos.</p><p>-O que foi DJ? Por que você está tão calado? –perguntou-me Soraia segurando minha mão sobre o câmbio de marchas.</p><p>-È porque esses pés de plumas aí na frente não abrem espaço pra eu ultrapassá-los e fazê-los engolirem fumaça... Aí... Abriu. Já eram, suas tartarugas de bengalas. –coloquei a cabeça pra fora e gritei. – Vummm.</p><p>Depois de algumas ultrapassagens seguras, eu dei uma maneirada pra fazer a rótula depois de abandonar a BR. Faço meio círculo e estaciono no posto de gasolina.</p><p>-O que foi? Acabou a gasolina DJ? –Soraia perguntou olhando no para os ponteiros do painel como que conhecesse o ponteiro marcador de combustível.</p><p> -Não. Eu vou fazer umas ligações lá na casa do Flávio. Vocês fiquem aí dentro. -dei a ordem já descendo do carro.</p><p>Sigo ao telefone público sem nenhuma ficha telefônica pra ligar, mas isso faz parte do plano. Vejo uma morena de minissaia preta e bustiezinho que mais parece um sutiã. Ela passou por mim rebolando mais que a Pantera Cor-de-rosa. Nem me deu ousadia. Foi direto a um caminhão parado no pátio do posto. Prefiro a Heavy-Metal. Pensava eu enquanto caminhava rumo ao orelhudo.</p><p>Disco o número do telefone sem depositar fichar e sem ligar a cobrar. Na primeira ligação alguém atendeu. Na segunda também. Na terceira, idem. Em todas, as ligações caíram. Isso também fazia parte do plano. Boto o telefone do gancho novamente e volto para o carro. Enquanto isso eu procuro a morena. Quase vejo a cor da roupa intima dela na hora que ela subia na cabine do caminhão. Espero que o caminhoneiro tenha preservativo.</p><p>Entro no carro. </p><p>-É isso aí. Vamos nessa. –falei ligando o motor.</p><p>-Pra quem você foi ligar DJ? –quis saber Cibelle.</p><p>-Quando chegarmos lá, vocês três ficarão sabendo.</p><p>-A maninha e a Cibelle disseram que você á meio maluco. Mas é um cara bacana.</p><p>-Só três quartos e meio de maluquice. E olha que eu estou usando três quarto de sanidade por causa de vocês. –falei e saí fritando os paralelepípedos do calçamento do posto. O frentista só ergueu o boné.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>***</p><p><br /></p><p>Minutos mais...</p><p>-Estamos chegando, DJ? –Cibelle olhando pelo o vidro.</p><p>-Chegamos. Olha aí o tamanho da placa de endereço. Parece o placar do Serra dourada.</p><p>-E agora? O que a gente vai fazer DJ? –perguntou-me Melissa.</p><p>-Melissa, você vem comigo. Só você. Eu quero apenas que você chore.</p><p>-Por que só ela DJ?</p><p>-Não fica com ciúme não, minha linda. –Dou um selinho na Soraia e digo: -Isso também faz parte do plano. Desce Melissa. Vocês duas fiquem agachadas aí.</p><p>-Ai DJ, Espera!</p><p>-Chega aqui... É o seguinte. O Flávio me falou que a empregada é muito inteligente e o nome dela é Edileusa. –menti. Quem me falou foi o Renato. –Então eu toco a campainha, e quando ela atender você fará a sua parte. </p><p>Passei a fala pra ela, e ela me garantiu que havia entendido.</p><p>Dim. Dom.</p><p>-Pronto. Quem é?</p><p>-Edileusa. Sou eu... A namorada do Flávio. Abre o portão, eu preciso falar com o pai dele. –em desespero.</p><p>Prênnn. O portão se abriu... A porta da entrada da casa se abriu também.</p><p>-O quê que foi menina. – Edileusa perguntou ainda mais apavorada.</p><p>Agora o ator DJ Bauduetto, entra em cena. </p><p>-Se acalma Melissa. –acalentando-a em meus braços. –Eles estão bem. Não precisa ficar desse jeito.</p><p>-Óh, minha nossa! O que aconteceu?</p><p>-Traz água com açúcar para ela, Edileusa.</p><p>-Venham, entrem. –convidou-nos indo a nossa frente apressada</p><p>-Fique tranquila Melissa. Eles estão bem. -continue assim. Você vai ganhar o óscar. – cochichei ao ouvido dela.</p><p>-Não DJ... Eles foram sequestrados. Aiiiiii meu Deus do céu!</p><p>Edileusa escutou e quis voltar para consolar a jovem atriz, mas resolveu ir preparar a água doce. Nós entramos na casa, e, que casa. Só a sala de jantar é do tamanho do refeitório de um presídio. Eu e Melissa fomos atrás de Edileusa até a cozinha. Escutei o barulhinho da colherzinha tocando as laterais do copo.</p><p>-Pronto. Bebe Melissa. Se acalme garotinha. –disse carinhosamente, afagando os cabelos de Melissa.</p><p> Eu sentia-me um ator coadjuvante diante de tanto talento.</p><p>-Ela está muito abalada, Edileusa. –com a minha voz parecendo a do Tarcísio Meira.</p><p>-Vem meu bem. –Edileusa, abraçando Melissa sobre os ombros e segurando o braço dela. –O que está acontecendo. –Edileusa Interrogou sentando Melissa numa cadeira ao redor de uma mesa do tamanho de um heliponto.</p><p>Melissa debruçou-se sobre a mesa. Eu chamo Edileusa para perto da pia da cozinha. Se a pia estivesse cheia dágua ficaria parecido com uma banheira Jacuzzi, de tão grande que é. Edileusa abandonou Melissa e vem até á mim.</p><p>-Olha Edileusa, eu sempre falo para o meu irmão parar de ficar andando com o Flávio, Porque o Flávio, qualquer pessoa que o vê, diz que ele é um filhinho de rico. </p><p>Comecei o meu teatro vendo Edileusa girando a cabeça igual coruja prestando atenção em mim e na atriz de dramalhão mexicano. Arriba! Melissa. Pensei em dar o famoso grito de ”los Panchos”</p><p>-O que está acontecendo? –desespero, vindo dela.</p><p>-Acontece que hoje eles viram o resultado de minhas previsões.</p><p> -O que foi que aconteceu?</p><p>-Um bandido ligou dizendo que sequestrou os três, e agora, eles querem o resgate. O pai do Flávio vai ter que desembolsar a grana.</p><p>-Não é possível. O pai do Flávio estava com eles no gabinete.</p><p>Dessa eu não sabia. Isso não estava no meu script. –pensei. </p><p>–Mas foi isso que o sequestrador disse ao telefone. –falei por não ter o que dizer sobre o bonachão.</p><p>-Vocês estão de brincadeira, não estão?</p><p>E agora?</p><p>-Então eu vou chamar a mãe da Melissa pra vir conversar com você.</p><p>-Onde a mãe dela está? </p><p>-Está lá dentro do carro, pronta pra entrar aqui e quebrar tudo. Ela só não entrou porque a Cibelle está desmaiada no colo dela. Não é nem por causa do Renato, por que ela nem gosta dele, porque ela sabe que ele é um tremendo de um picareta. –falei. -Aí Renato, foi mal. – pensei. –Se você não quiser falar com a mãe da Melissa, você espera que, o sequestrador irá ligar aqui. Mas se o pai do Flávio estiver com eles, ele não liga aqui não. –Joguei a ultima carta.</p><p>Se ela for ao carro conferir, tomara que a Cibelle e a Soraia estejam deitadinhas, que aí eu digo que as duas desmaiaram. </p><p>Edileusa soltou os cabelos, depois os prendeu novamente e nada de ir em direção a porta. Ela estava caindo. </p><p>-Alguém ligou aqui três vezes, ainda á pouco. –disse, lavando as mãos que nem sujas estavam. Apenas suadas pela tensão do momento.</p><p>-Vamos embora DJ. –Melissa, se descabelando e batendo os pés. Só falta ela molhar a madeira da mesa com as lagrimas, para ela ganhar o papel principal em tragicomédias.</p><p>-Olha... ôh...</p><p>-DJ. Meu nome é DJ.</p><p>-Então, eu vou falar o que aconteceu...</p><p>Edileusa delatou ao meu pé do ouvido, o plano arquitetado para tirá-los de cena. Terei que ser bom ator para interpretar o papel de um personagem compreensível.</p><p>-Vocês podem ficar tranquilos. Esse negócio de sequestradores são eles querendo fazer suspense e assustar á gente. Logo ele liga para mim, dizendo que passou um trote em vocês.</p><p>-Você quer dizer isso a mãe da Melissa?</p><p>-Eu quero minha mãe. –Melissa dramatizou com a cabeça sobre os braços em cima da mesa. </p><p>-Vai TJ...</p><p>Ela errou meu nome.</p><p>-DJ. –a fiz recordar.</p><p>-Desculpe-me! Vai. Leva ela. E saiba que eu não fiz isso por mal.</p><p>Olho no rosto bonito dela e sinto que ela está quase implorando para eu não entregá-la a polícia pelo crime de rapto de menores, que ela não o cometeu. Mas foi cúmplice. </p><p>Com compreensão eu consegui tirar a aflição do semblante da empregada. Em mim permanecia a tristeza e a revolta. Com Edileusa e as garotas, eu conseguiria disfarçar, porém, eu ia cobrar de quem fosse preciso, por aquele ato de desumanidade para com o meu amigo Renato e seus amigos. A partir de então, todos eles seriam os meus melhores amigos, e, eu lutaria pela liberdade deles.</p><p>-Tá ok! Nós já vamos embora. Se você quiser nos acompanhar até ao portão e aproveitar para falar com mãe da Melissa...</p><p>-Não. Agora sou eu que estou abalada. –disse ela, lavando as mãos novamente. </p><p>Olhei para a mesa, a Melissa já havia saído de cena. Com certeza ela já estava dentro do carro afundando o assoalho de tanto sapatear batendo palminhas, aplaudindo a si mesma pela encenação melodramática que ela protagonizou dentro da cozinha que mais se parece o estúdio de Hollywood. Melissa mereceu uma ponta numa novela. Daria ibope.</p><p>-Tchau Edileusa! Deixa que, eu, fecho o portão. –eu estava chocado.</p><p>-Tá bom! Tchau JT...</p><p>- DJ. Mas que coisa!... Edileusa, você toca piano e canta também?</p><p>-Sim. Inclusive eu estava ensaiando quando vocês chegaram.</p><p>-Você sabia que há males que vem para o bem? Eu procuro uma parceira que saiba tocar piano, pra eu e ela fazermos um teste numa audição musical, Que vai haver no centro de convenções.</p><p>-Você toca igual ao seu irmão Renato?</p><p>-A única coisa que eu toco Edileusa, é a vida pra frente, mas eu sigo a vida cantando.</p><p>-Eu soube desse teste de audição, mas eu não sou muito boa com a voz.</p><p>-Se for pra eu cantar ao seu lado, eu dou uma de ventríloquo e faço a sua parte também. Eu te dou um tempo pra pensar. Eu tenho o seu telefone e sei onde você mora. Eu só preciso que você diga sim.</p><p>Quando uma garota não está disposta a conversar por causa da tensão do momento, eu sempre ponho palavras na boca dela. Se bem que eu queria era pôr a minha boca na...</p><p>-Sim DJ. Me ligue qualquer dia para marcar.</p><p>-Edileusa eu confesso á você que estou muito feliz pelo sim, e por você ter acertado o meu nome dessa vez. Depois eu te ligo... As garo... A Cibelle e a mãe dela me esperam. Tchau.</p><p>Ela sorriu e fechou a porta.</p><p>Experiência número 4.000: Quando uma mulher sorri pra você com uma mão na maçaneta e com a outra alisando a madeira da porta, e ainda por cima leva uns dez segundos te olhando sair, é porque ela te achou interessante, mas pode ser também, porque a porta da mansão é a réplica da porta da catedral católica... Hun, não sei não... uma empregada doméstica numa casa do tamanho da Casa Branca do tio San, não teria tempo para tocar piano.</p><p>Se as garotas souberem que eles estão em situação de isolamento, elas irão cair em depressão. </p><p>Caramba. Que situação! </p><p>Entrei no carro.</p><p>-Aí... -falei fechando a porta. –Que tal a gente aproveitar o carango e dar umas voltas nuns lugares bacanas?</p><p>-Vamos! –Melissa, batendo palminhas.</p><p>-Eu topo. Yes. –Soraia.</p><p>-Vocês só podem estar ficando malucos.</p><p>-Eu tô brincando Cibelle. Aqui é responsa. </p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> ***</p><p><br /></p><p>A Melissa não escutou o relatório que a Edileusa me passou sobre o isolamento dos meus amigos. Então eu disse a elas que eles foram levados, pelo pai do Flávio, até á uma cidade interiorana, para se alistarem ao exército no sábado, por que sendo no interior e no final de semana, seria mais fácil para eles não serem recrutados. Elas não podem saber da verdade ainda. As minhas mentirinhas não prejudicam á ninguém. Nem pra ferrar um pilantra eu seria capaz de mentir, mas para ajudar os meus amigos, o Pinóquio vira santo perto de mim.</p><p>-DJ, por que o Renato nunca contou pra gente como você vive a vida. –Quis saber Soraia.</p><p>-Por que a minha história sou eu mesmo que conto. Pra ninguém aumentar um uma vírgula e nem um ponto. Tudo que eu falo de mim é a mais pura verdade.</p><p>-Pelo que a gente viu. Eu não duvido nada. –disse Soraia me dando um beijinho no pé da orelha.</p><p>-Eu só não acredito que você tenha entrado nos quintais dos outros pra roubar coco. Você não leva jeito pra ladrão. - Cibelle foi boazinha comigo.</p><p>-Você era ladrão DJ?</p><p>-Não Melissa meu amorzinho! -apertando as bochechas dela só pra vê-la fazer beicinho. A Soraia quase arrancou uma lasca da minha costela. –Quando eu invadia os quintais nos setores nobres de Atrasília, eu fazia só por aventura. Eu podia ver uma carteira cheia de dinheiro ou qualquer coisa valiosa que eu não pegava. O bom era dar uma de macaco e subir no pé de coco, mais veloz que um mico estrela.</p><p>-Por falar em macacos. Você já foi ao zoológico? – Cibelle quer saber.</p><p>Soraia pareceu ter gostado da pergunta, porque ela grudou em mim igual á Jana faz com o Tarzan. Só faltou o cipó, mas ganhei outro beijinho e uma coladinha de rosto, dela.</p><p>-Eu fui, mas já faz quase um ano... Só que eu não quero mais ir ver os animais presos.</p><p>-Por quê? –Melissa perguntou.</p><p>-Para Soraia! –Ordenou Cibelle vendo Soraia mordendo o meu pescoço, me impedindo de responder.</p><p>-Deixa Cibelle. É melhor eu sentir cócegas feitas pela Soraia do que sentir o que eu senti na última vez que eu fui ao zoológico.</p><p>-O que você sentiu? Fala, fala! –Melissa bateu a milésima palminha da noite.</p><p>-Eu senti a pior coceira da minha vida.</p><p>-Por quê? –Cibelle perguntou, rindo.</p><p>-Fomos eu e uns amigos meu no confinamento dos coitados animais. Só que nós encontramos algumas... Posso falar Soraia?</p><p>-Pode. –consentiu, me soltando para apertar a liga nos cabelos.</p><p>-Então. Aí nos encontramos algumas gatinhas por lá. E como eu não sou trocha, eu percebi que elas estavam lá somente pra ver o bicho homem...</p><p>-DJ! Eu pensei que você me perguntou se podia falar era por que eu estava beijando seu rosto. Mas você quer falar é das garotas. Pode parar.</p><p>-Espera! Acalme-se! Deixe-me terminar. Eu vou continuar Soraia... Vem aqui! –Chamei puxando-a pelo braço. Ela firmou o corpo e nem saiu do lugar.</p><p>Regra número tal: Quando á garota que você está gostando que ela fique atrás de você te dando afeto e calor humano, não está gostando do começo da sua história, mude o rumo da história para não ter que ver essa garota mudando de lugar deixando seu rosto sem beijinhos e suas costas sem agasalho.</p><p>-Aí. As meninas apareceram, e cada um dos meus colegas conseguiu paquerar uma delas, só me sobrou uma que quando eu á vi, eu pensei que á girafa havia escapulido do cercado dela e veio me dar ás boas vindas... - Soraia agora está de braços Cruzeiros, em pé, só que, entre as minhas pernas. – Então. Aí eu fingi que tinha caído pó de mico em minhas costas e vazei para o lago e fui banhar com roupa e tudo.</p><p>Se a Soraia soubesse que naquele dia eu fiz passeio romântico navegando num pato canoa no lago das rosas com uma garota que parece a Bruna Lombardi quando era moça, quem estaria abraçando o meu pescoço agora era o guidão da minha Mobilete, ao invés da Soraia.</p><p> -Ôpa! Você me derruba Soraia.</p><p>Ganhei outro beijinho, mas a Mobilete quase ralou a pintura no muro.</p><p>As três garotas ficaram admiradas por eu estar contando á elas um pouquinho só das minhas aventuras. A reação da Cibelle foi pura e simplesmente ajeitar os cabelos detrás das orelhas, e depois colocou as mãos no rosto e disse: meu Deus! Você é maluco DJ.</p><p>A Soraia disse que vai me apresentar a algumas de suas, outras amigas que ficam se gabando por simplesmente engaruparem nas motos de seus namorados e grudarem nas cinturas deles pra eles empinar de uma Rena por Quarenta metros apenas.</p><p>A Melissa não disse nada, mas eu á escutei batendo palminhas e sapateando pela milésima segunda vez.</p><p>Com certeza ela vai parar de assistir. E o vento levou, pra sentir o vento jogando os cabelos louros dela pra trás, estando ela sentada na garupa da minha Mobí.</p><p>Por falar em Mobí. Eu estou escorado ao banco da minha vermelhinha e á veroniquinha está abraçadinha á mim, escoradinha nas minhas perninhas. </p><p>-E namorada, você tem? </p><p>Regra número 1000l: Nunca diga á uma garota que a sua lista com os nomes das garotas que você já beijou, está no segundo caderno de vinte matérias.</p><p>-Não Soraia. Infelizmente eu não dou sorte com as garotas. – menti, para não ser comparado com o Zé bonitinho. Se eu e ele estivéssemos numa praça cheia de mulheres, só sobraria mandioquetes pra ele.</p><p>-Conta outra DJ. Vocês acreditam meninas?</p><p>-Ele não tem porque não quer. –Melissa acreditou.</p><p>-Tomara que o Renato não se junte á você. –Cibelle não acreditou e ainda me rogou uma praga. </p><p>-Aí. Que tal vocês me contarem da vida de vocês. –Sugeri dando três balinhas para cada uma delas. Ainda me sobrou quase um pacote no bolso da minha calça jeans. Quando eu voltar á panifichonete eu vou tomar um lanche e pagar com as balinhas que o cara do caixa me deu de troco. Pagarei com a mesma moeda.</p><p>De repente nos aprece uma linda mulher. Meu Deus quem será essa deusa grega de pele clara, cabelos na altura dos ombros, olhos claros, lábios convidativos á beijos degustativos?</p><p>Se ela não tivesse uns quarenta anos, eu diria que é a mãe da Cibelle. Se for verdade, o Renato está bom de namorada e de sogra. Espere aí... Ela é a Salete mesmo. </p><p>-Meninas! – Disse Salete se aproximando. –advinha quem está chegando?</p><p>-O Renato mamãe! –Exclamou Cibelle apaixonada.</p><p>Dava pra sentir o coração dela mais acelerado do que turbina de avião de caça da Aeronáutica.</p><p>-São eles mãezinha? –Perguntou Melissa colocando a balinha na boca.</p><p>Eu ouvi o estalo da balinha sendo quebrada pelos dentes da Melissa. Eu acho que ela não tá nada bem com o Flávio. Ou então quer dar umas voltas comigo na Mobí envenenada.</p><p>-Pelo jeito não são eles não. Né Salete. – Soraia deduziu. Ela foi a mais perspicaz, porque quando á Cibelle perguntou se era o Renato, Salete fez cara de que ela não havia acertado. Só a Melissa foi quem não percebeu quando a Salete abraçou as duas e entre elas, balançou a cabeça demonstrando que não era o Renato e seus amigos.</p><p>-Me deixe adivinhar. –Pedi olhando Salete toda produzida com um vestido vermelho de decote em V que dava pra “ver” um pouquinho do quanto ela sabe ser sensual. E um ventinho causado por um carro que passou á uns oitenta por hora na avenida, trouxe o cheiro do perfume que ela está usando. Coisa boa é ter nariz e olhos. –Pensei.</p><p>-Vai DJ. Chuta. –Ela me desafiou ajeitando o vestido nos ombros.</p><p>-Ôh marido de sorte! –Pensei. –Como é o nome do seu esposo. – perguntei.</p><p>-Você acertou. É ele mesmo.</p><p>Eu nem tinha dito o nome do sortudo.</p><p>-É sério mamãe? –perguntou Cibelle.</p><p>-Você está brincando mamãe. –Disse Melissa com ar de decepção.</p><p>-Ih! –Exclamou Soraia me dando um cheirinho no meu cangote, escondendo o rosto.</p><p> -Sim filhas! –ela á elas. –O nome dele é Adolfo Nasismoro. –disse á mim.</p><p>-Adolfo Nasismoro, o ex-síndico, e agora pré-candidato á presidente? – perguntei não acreditando que aquela linda mulher é casada com um sem vergonha, safado, pilantra e todos os adjetivos que possam representar um mal sujeito como aquele... Eu vou até parar de pensar naquele indivíduo, porque senão, até os ancestrais dele vão sofrer a minha cólera por ter dado origem àquele... Estrume. </p><p>-Que bom! Mas isso quer dizer que eu estou indo embora. –falei.</p><p>-Não DJ! Fique pra você conhecer ele melhor. –Salete me fez essa proposta sem graça.</p><p>As três garotas me deixou sozinho com Salete. Ô falta de respeito! Só as perdoo por que elas não sabem quem é a coisa ruim que está chegando. </p><p>-Olha Salete, eu te agradeço muito por tudo, mas eu tenho que ir embora.</p><p>-Que pena DJ! As meninas gostariam tanto que você ficasse, e eu também gostaria que você conhecesse melhor o meu marido.</p><p>-Acontece que a minha Mobilette está com o farol queimado e já é noite.</p><p>-Mas agora que são oito horas. –Me informou olhando no seu reloginho dourado.</p><p>Só não desejei ser o marido dela porque eu não levo jeito pra canalha, mas ao ouvir Salete me pedindo pra ficar, eu quis ter o que ele tem em sua casa. </p><p>-Façamos o seguinte, Salete. Qualquer dia eu venho aqui com o Renato e os nossos colegas. </p><p>-Eu já estou com saudades dele. Traz ele aqui amanhã mesmo. Eu quero saber o que ele acha do Adolfo Nasismoro.</p><p>-Amanhã á essa hora a gente vem.</p><p>-Combinado! –me dando a mão. - Você vai lá dentro se despedir das meninas? –recolhendo a mão para ajeitar o vestido no ombro esquerdo. –Ficou bom em mim esse vestido? –pondo a mão na cintura.</p><p>Pensando: Que rebolado.., Ah sim... o Vestido ficou feio, comparado a sua beleza. Continuava pensando.</p><p> -Sim, você ficou muito bonita. –falei.</p><p>-Obrigada! Vamos entrar. –vendo a minha babação.</p><p>Confesso que estou encantado com essa mulher, mas ela é casada. Mal casada, mas é.</p><p>-Não. Daqui mesmo eu vou embora. Diga á elas que esse pedaço de noite foi maravilhoso.</p><p>-Tudo bem. Eu falo.</p><p>-Tchau Salete. Tô indo nessa. Brênhenhenhen.</p><p> Minha Mobilette sentiu o peso da minha ira por que, eu dei apenas meio pedalada.</p><p>-Tchau rapaz. –Me acenou com a mão.</p><p>É Renato! Cuida-se amigo por que gente que não presta não gosta de gente bacana.</p><p>Eu só não sei como a Salete e as garotas não sabem sobre aquele sacana. Mas também a distância maior que essas garotas devem ter percorrido, foi da maternidade onde elas nasceram até ao bercinho em suas casas. Bilu, bilu. Tetéia.</p><p>Ele e o pai falecido dele vão pagar tão caro pelo que os dois fizeram no passado distante e recente, que, até os futuros pais nem terão coragem de registrar seus filhos com esses nomes para não contraírem dívidas comigo. Agora eu já sei quem é que está por trás do plano para isolarem o Renato Líber, Flávio Iguald e Diego Frater. Adolfo Nasismoro, não quer que as meninas namorem e casem com os meus amigos. Ele já está preparando o golpe para desarticular os avanços do desenvolvimento democrático da nossa danação. </p><p>Liberdade, Igualdade e Fraternidade. –grito em pensamento e empino a roda da minha Mobí.</p><p>Opa! Acabou o Tínner. Terei que empurrar. </p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Eu tinha que encontrar um meio, legal, para ter os meus amigos de volta. Destrinchei os códigos da Constituição fragileira que ainda eram frescos, mas esquecidos pelos formuladores de leis inoperantes no meu Atrasil varonil. Encontrei uma brecha na lei de defesa do cidadão, mas infelizmente, os direitos dos cidadãos comuns ainda não vigoravam na nossa bendita república, que, ironicamente eu não podia compreendê-la como sendo “Coisa de todos”.</p><p>Fui ás pressas á Assembleia legislativa de Atrasília, para ver se eu encontrava algum figurão influente e gabaritado para apoiar a minha causa. Foi em vão. Todos os magistrados se negaram á me ajudar, por temerem os laços largos da ditadura, que, nos porões do militarismo os ameaçavam envolvê-los em suas amarras. </p><p>Imaginei que eu pudesse contar com a complacência de alguns executivos que frequentam o centrão, mas, para eles, os meus amigos representavam riscos á suas ideologias conservadoras que só favorecem ás elites da sociedade. </p><p>Então eu decidi que, eu, Divino Justino, seria aquele que enfrentaria tudo e todos que tentasse me impedir de ter ao meu lado, Renato Líber. Flávio Iguald. E Diego Frater. Em nome da justiça, do progresso e do desenvolvimento humano da danação Fragileira. </p><p>É isso aí. Ficou legal o meu discurso de companha contra os opressores, que aplicam suas regas de moral e conduta á população. Dos meus três amigos, um é meigo e singelo, este é o Diego. O outro é humanista e sociável, este é o Flávio. O outro é um livre pensador, este é o Renato. Todos foram perseguidos e isolados. </p><p>Não existe assédio que eu não consiga resistir, quando eu tenho algo mais importante para resolver. A Anamara, gatíssima, sexy, que por mim tem tara insana, foi á minha casa logo de manhã, vestida em lingerie transparente e me perguntou se eu gostava da cor do conjunto da obra. Eu estava no sofá traçando a minha estratégia de combate. </p><p>-Eu gosto do enchimento douradinho de sua tanguinha, e desses botõezinhos amendoados no centro das cópulas do seu sutiã. –foi o que eu respondi á ela.</p><p> -Então, os apreciem sem moderação. –Anamara sugeriu, saliente e se jogando em cima de mim. Sabe quem quer dividir a mandioca hoje? </p><p>-Cuide da casa por mim, e, assim que eu voltar, eu te recompensarei. –sai ás pressas.</p><p>Abasteci o meu estômago com arroz, feijoada e farofinha de carne seca, e enquanto isso eu aproveitava para rever os meus planos de ação, na mesa do restaurante. Sodoma e Gomorra. Moisés e Paulo de Tarso. Só não me lembrava dos nomes dos livros e números de capítulos. No estômago da minha Mobilete, eu coloquei um litro de Tínner, porque a minha grana está regrada. Mera precaução. A correria será intensa e a batalha muito árdua. Portanto, toda economia será necessária. A minha parceira de todas as horas não reclamou da alimentação do dia. Na primeira pedalada ela mostrou que estava satisfeita com o diluente adicionado em suas entranhas mecânicas. Pelas ruas, garotas e mulheres solteiras tentavam impedir o meu avanço rumo ao meu primeiro confronto que será com, o padre Omíssio. Por isso eu pedia á todas elas que torcessem, rezassem e orassem pela minha vitória. Parado no sinal vermelho, fui logo sendo abordado por mais algumas fãs.</p><p>-DJ, me leve pra dar uma volta com você em sua Novilete!</p><p>-Outra hora, minha gatinha.</p><p>-Ah, magoei!</p><p>-E eu, DJ, você me busca na faculdade hoje á noite? </p><p>-Se eu sobreviver á essa guerra eu te levarei e buscarei todas as noites.</p><p>-Credo, DJ. Você assusta a gente.</p><p>-Tá podendo, hem rapaz. –disse-me um condutor de um automóvel, do meu lado. </p><p>De repente, dou uma torcidinha no corpo para a esquerda, e vejo uma porção de garotas correndo em minha direção. Acelero preparando para a arrancada. Os duas que querem que eu seja o chofer delas, seguram, uma no guidão e outra na garupa da Mobí. </p><p>-Meninas, eu voltarei. –sinal abriu... fui. Pelo retrovisor microscópico da minha Mobí eu via as duas garotas se engalfinhando na pista por minha causa. A disputa entre as duas será desnecessária, pois eu sou de todas elas.</p><p>Não existe distância capaz de fazer a minha vermelhinha pedir arrego. Cortei bairros e mais bairro, para chegar à Rua 10 no centro de Atrasília, onde o padre Omíssio tem sua paróquia sede. Meus passos seguem fazendo ecos pelo salão gigante da catedral. Algumas irmãs com ares de piedade, - para com elas mesmas -, me olham de cima á baixo, e arranham as gargantas, fechando os olhos em seguida. Eu respeito a casa de Deus e de todos os santos, por isso, continuei andando lentamente, e quase com as pontinhas dos pés. Se algumas das irmãs abrissem os olhos e me vissem, acharia que eu era um gatuno querendo roubar do altar algum objeto sagrado. </p><p>É enigmático o poder que emana do interior de uma igreja. É como, que, ao entrar porta adentro você fosse invadido por um sentimento de culpa por todos os seus atos errados cometidos conscientemente, e até por aqueles que você não faz ideia de tê-los cometido. Então a gente sente-se acusado por simplesmente existir. </p><p>Um serviçal menor de idade, vestido como um pastor de ovelhas, lustra os candelabros com esmero e toda a paciência do mundo, em ritmo do cântico Ave-Maria em Poco-hall. </p><p> ‘Em nome del padre e del ispiriti santi” escutei a voz ecoar. Olho as irmãs e... –Amen. –ouvi elas dizer em uma só voz. Fizeram o sinal da cruz, de olhos em mim.</p><p> -Aonde eu encontro o seu chefe Omíssio? –perguntei ao lustrador de objetos já lustrados. Ele apenas fez sinal indicando a direção. Eu nunca ouvi a voz desses secretários soarem dentro de uma igreja. Eles, sempre, apenas entregam as indumentárias usadas nas missas aos padres.</p><p>Segui pelo caminho indicado pelo adolescente sacristão e me deparei entre paredes e um corredor estreito. No final do beco avistei um caixote na vertical onde uma luz clareia vinda não sei de onde. –è lá o confessódromo.</p><p>Penso: o que eu fiz de certo nessa minha vida? Eu não quero tomar muito do tempo sagrado da autoridade que está dentro daquele caixote apertado.</p><p>Cheguei sem ter me recordado de nada bom que eu houvesse feito nessa minha vida. E, eu prefiro ser pouco falador e verdadeiro, do que um conversador mentiroso. –pra falar a verdade, ô lugarzinho fedorento é esse aqui. Por isso foi colocado na porta de saída.</p><p>-À minha bênção seu padre. –pedi, chegando a cara na aberturinha gradeada. Meu nariz tentou se mudar para a minha nuca. Não conseguiu porque os meus dedos, indicador e polegar o impediu de vazar do seu lugar de origem. </p><p>-Abençoado seja, excomungado. Tens observados os preceitos da eucaristia?</p><p>Não deus para eu entender direito o que ele me disse, porque eu sou do tipo ouvinte visual. Para que eu capte o que me é dito, preciso olhar no rosto do meu interlocutor. No momento da fala do padre eu estava tentando afastar a inhaca fedorenta que invadia as minhas narinas. Mas, eu arriscarei uma resposta equivalente ao que ouvi.</p><p>-Sim, padre. Eu tenho sentido os efeitos da carestia. A minha mobilete tem funcionado á poder de milagre da multiplicação do combustível, e...</p><p>-Você veio confessar seus pecados, infiliz?</p><p>-Eu já os confessei ao chefe maior. Eu preciso da sua ajuda. Três amigos meus foram mandados para um campo de reclusão, acusados de aspirarem más influências na sociedade.</p><p>-Quem são eles, indivíduo?</p><p>-Renato Líber, Flávio Iguald e Diego Frater.</p><p>-Sim, eu já fui informado sobre o desaparecimento destes três jovens, e até intercedi pela libertação deles, mas infelizmente, a Santíssima Igreja rompeu com o estado no século XIX.</p><p>Hipócrita. De tanto pecado acumulado dentro do caixote, o mal cheiro faz-se pior que enxofre. Isto quer dizer que ele lavou as mãos, feito Pilatos. Lavar as mãos, para mim, significa transferência de culpa disfarçada de boa vontade. Pilatos podia ter libertado Jesus Cristo, porém, ele preferiu deixar que os acusadores o julgassem, para ele ser isentado da culpa pela morte do Messias. </p><p>-Padre, Quem te informou sobre os meus amigos foi o Nasismoro ao vir confessar o crime e implorar o seu perdão?</p><p>-Eu me recuso á revelar segredos de confissão de um pecador.</p><p>-Sei. Foi assim que a sua excelência fez na década de quarenta. Tal como o Pio depois do onze foi conivente com o homem do bigode estreito e curto, vossa “insantidade” também está sendo conivente com o Adolfo Nasismoro. </p><p>Silenciou-se. Estou afetando a consciência dele. E o mau cheiro afetando o meu nariz. Continuarei falando, mas agora confessando pecados cometidos por outro alguém.</p><p>-Eu, e muita gente, também conhecemos bem o Nasismoro, e sabemos que ele é na verdade um grande crápula que não tem consideração nenhuma pelas pessoas. Muitas coisas ruins que acontecem no mundo têm a influência do pai do Adolfo Nasismoro. Eu não o perdoo também, por saber que ele também, á algum tempo atrás fez as piores sandices já cometidas por um síndico. Ele mandou que recolhessem os animais domésticos do prédio para submetê-los á uma experiência, prometendo que os filhotes desses animais, posteriormente já nasceriam Pedigrees. Foi um verdadeiro extermínio de animais de estimação. Os condôminos juntaram forças com moradores de outros edifícios e perpetrou uma busca acirrada á ele. Mas, o infeliz desapareceu do mapa e si safou...</p><p>Êh, êh, o silêncio continuava.</p><p>-Padre Omíssio, o senhor está me ouvindo?</p><p>-Ãh, ah sim, continue, amaldiçoado. Eu só estava tirando um cochilo e...</p><p>-Ah, vai lavar o rosto. </p><p>Saindo da catedral, eu fazia uma analogia sobre o fato de “eles” ficarem dentro de um caixote com apenas uma pequena portinha gradeadas. Ele não falava como á um padre. E, o caixote de fibra estava cheirando mal.</p><p> “Em nome del padre e del ispiriti santi”</p><p>A voz não era o do padre Omíssio.</p><p>-Ei, coroinha. –chamei o serviçal. –Quem estava no fedoródromo?</p><p>-Era o zelador Omíssio. Ele sempre se esconde para tirar um cochilo na hora de lavar os banheiros químicos que são colocados do lado de fora da igreja em dia de missa especial. -falou baixo ao meu pé do ouvido.</p><p>-Onde está o padre?</p><p>-Na pia batismal em ritual de batismo.</p><p>A Anamara me pregou outra peça. –O nome dele é Omíssio. Ele gosta de ser chamado de chefe. –Anamara anarquista deu-me essa referência. Ela me paga.</p><p>Pequei por julgar indevidamente um padre. Tem nada não. Eu irei ao concorrente dele.</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> ***</p><p><br /></p><p>Na igreja eu me sentia bem alegre em ver tantos rapazes e moças que escolheram um bom caminho. Durante o culto, eu cantei alguns cânticos e me comportei como á um visitante que estava ali pela primeira vez para conhecer e se socializar com pessoas de estilos de vida tão diferentes da minha. Era dia de ceia específica para rapazes solteiros e moças solteiras. Logicamente, eu não comeria do pão e nem beberia do vinho naquele momento sacro. Mas, eu entendi que, para os que participavam da ceia, o pão e o vinho representam o corpo e o sangue de Jesus cristo-, aquele momento era muito sacramental, tanto era que, alguns até manifestavam linguagens diferentes, enquanto que, outros não se continham em lágrimas ao receberem o pedaço do pão e beberem o vinho em uma espécie de cálice sagrado. –cálice sagrado estava escrito no recipiente do vinho. –quanto á esse detalhe, eu não aprovaria, pois, o que de sagrado seria uma caneca de alumínio fundido com aspecto de copo velho e areado?</p><p>Todavia, eu me portei sem demonstrar indiferença á tudo que eu observava naquela hora, e nem em minutos antes, quando eu ouvi a pregação do pastor José Evangel-, o líder de sua própria denominação evangélica. Para mim que sou muito analítico. Evangel não tinha o carisma e nem a agradabilidade comum á todos que se dizem líderes espirituais de um rebanho. Ele estava também, muito longe de ser comparado á Billy Ghaham. A eloquência dele passa á alguns quilômetros de distância do BG. Seu desempenho ao portar-se de modo inconstante por gesticular demais e falar descompassadamente atrás da tribuna que, - frequentemente era esmurrada por ele no momento de sua pregação doutrinária, - fazia com que os incautos e simplórios ouvintes, o tivessem como á um ser inspirado pelo espírito santo para poder guiá-los na sã verdade. Geralmente no ápice de suas explanações bíblicas, os quase duzentos congregados sentiam-se extasiados. Relígio não se diferenciava dos demais líderes espirituais que exigem a santidade dos seus seguidores, introduzindo na mente deles o medo, a culpa e as promessas de uma vida abençoada se os tais forem fiéis á obra de Deus e cooperarem com as doações devidas ao trabalho de evangelização. –Devolvam o dízimo ao senhor meus irmãos. Não deixem que o inimigo devore aquilo que vocês devem á Deus. Temos que comprar novos aparelhos de ar-condicionado. Tragam as suas ofertas irmãos e irmãs. –Relígio exortava assim em dia de ceia. Terminou o culto, eu me dirigi á ele para termos a nossa conversa em particular. </p><p>Em cima do púlpito, conversamos á sós.</p><p>-Pastor Evangel, eu preciso que o senhor me ajude libertar á três amigos meus, pessoas excelentes, mas que, um lobo devorador os encarcerou num campo de isolamento.</p><p>-Aleluia por isso, irmão. Os servos de Deus serão sempre perseguidos, mas jamais abatidos.</p><p>A voz dele ecoou pelo salão réplica da arca de Noé, em tamanho.</p><p>-Só que, eles correm sérios riscos de serem engolidos pelo devorador, e...</p><p>-Eles dizimam irmão?</p><p>-Eu acho que o senhor não entendeu. São eles que correm risco de serem dizimados e devorados, ou até exterminados de vez.</p><p>-Eu não sei de quem nós estamos falando. Esclareça-me, por amor de Jesus. –braços cruzados sobre o tórax. –Mas, eu já profetizo vitória nas vidas deles, em nome de...</p><p>-A libertação dos três, será também, a nossa vitória contra o inimigo de todos nós.</p><p>Agora ele levou a mão direita no queixo e o cofiou com ar duvidoso.</p><p>-Você deve estar falando de Sadraque, Mesaque e Abedinego...</p><p>-Não senhor, eu venho pedir ao senhor que ao invés de somente orar e fazer campanha de orações use o poder de sua instituição e exija a libertação do Líber, Iguald e Frater...</p><p>-Sangue de Jesus tem poder. Á estes três não têm conversão que os façam mudar para melhor suas vidas, e muito menos a vida de toda a danação fragileira. Não devemos nem falar os nomes destas criaturas dentro de uma igreja. </p><p>A minha testa começou á expelir suor. A minha contrariedade me deixando uma pilha de nervo. Meu olhar enfureceu-se.</p><p>-Vai julgando, infeliz. Quando os ditadores proibirem vocês de receberem altos salários, eu quero ver quem é que vai assumir a tribuna. </p><p>-O senhor Jesus assumirá em nosso lugar...</p><p>-Aí sim. Quando o pastoreio for de graça, vocês abandonarão os rebanhos. </p><p>-Suas calúnias não atingem á um homem de Jesus como á mim. –as mãos são erguidas para o teto da igreja. -Somos conservadores dos princípios morais cristão, e jamais daremos lugar aos inimigos de nossas almas.</p><p>-Desisto. A paz do seu senhor fique contigo, pastor. –bati os pés por três vezes e dei ás costas á ele. </p><p>-Não ande em má companhia...</p><p>-Ah, vai vigiar e orar. –com um gesto de mão eu o mandei ir ás favas. Eu duvido que algum dizimista tenha um relógio tão valioso quanto ao dele. E posso afirmar que o do presidente da república precisaria de mais dezoitos quilates de ouro para então chegar aos ponteiros do Rolex dele. Riquezas ele ás amontoa e ás conserva aqui mesmo na terra e não ás divide com ninguém. Ele devia usar era um relógio de bolso.</p><p>-Olá jovem. –disse-me, sorrindo, uma bela de uma garota dos cabelos que forma uma cortina negra que cobre sua cabeça e as panturrilhas.</p><p>-Olá irmã Iemanjá.</p><p>-Tem misericórdia!</p><p>-Os meus três amigos, também precisam de misericórdia, mas o seu pastor é um mercenário. –lancei um olhar furioso para o impostor de Davi que gesticulava abrindo os braços e pregava para as paredes.</p><p>-Não, ele não é o pastor. Ele é o novo convertido José. Quando o pastor Bomnifácio não está presente, ele atende o culto. </p><p>Perdoai-me, oh Deus, em nome do senhor Jesus por eu ter julgado mal um pastor por causa da solicitude de um neófito.</p><p>Recordando: “Anamara, eu preciso unir forças para libertar uns amigos meus”. ”DJ, procure o Evange...” -Anamara me dizia ao telefone no momento em que os três segundos da ligação á cobrar expirava. Ôh jornalista que só me faz entender as coisas de modo errado.</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Se me apelidarem de cotonete, eu aceitarei o apelido numa boa, porque eu vivo dentro de um orelhão.</p><p>-Oi Edileusa! Você se lembra da minha voz?</p><p>-DJ é você?</p><p>Quando uma mulher se lembra da sua voz imediatamente havendo conversado com você uma única vez, ou ela ficou afim de você ou a sua voz é mais marcante do que a do Lombardi.</p><p>-Sou eu sim.</p><p>-Venha pra cá rápido! Eu preciso de você.</p><p>-Já estou indo.</p><p>Malícia número 1567: Se uma mulher está desesperada para te ver numa manhã de sábado, existem muitos motivos para isso. 01: Ela ficou gamada em você. 02: Ela acha que você levou alguma coisa da mansão na noite anterior. 03: Tem uma barata perambulando na cozinha. A 01 não procede por que ela deve ser gamada em outro alguém. A 02 tambem não porque nem mesmo a Melissinha voadeirinha acredita que eu seja ladrão, e ela tem toda razão. A 03 está descartada, porque, barata pra andar numa cozinha daquele tamanho tem que aprender á ler, e o engenheiro da casa teria que ter fornecido o mapa da cozinha pra ela saber onde fica a despensa. De qualquer forma eu fui tão rápido ao encontro dela, que a minha Mobí quase ficou com a cor desbotada.</p><p>-Ainda bem que você chegou. – disse Edileusa me abraçando.</p><p>Quando você vai ao encontro á uma mulher que se diz ser á empregada de uma casa que se parece com o palácio das esmeraldas, e ela vem toda desesperada te abraçando na porta, existem motivos para isso. Um deles é: Ela está perdidamente apaixonada por você. Segundo: Ela fez promessa de abraçar o primeiro trocha que atendesse ao seu apelo de ir vê-la as 8h30min. Da manhã. Terceiro: O gás acabou e ela precisa colocar o botijão reserva pra não atrasar com o almoço do patrão.</p><p>-Fala o que aconteceu minha princesa! –falei segurando-lhe o rosto com as duas mãos e beijando o lindo rostinho dela demonstrando afeto e proteção. E também como pagamento por eu ter esgoelado a Mobí pra chegar aqui mais rapido do que o the flash entregando pizza ganhando por entrega.</p><p>-JD! –inverteu as letras. -O doutor Trancado Naves passou mal lá em Paldas Novas e teve que ser levado para o hospital, e agora não tem ninguém que possa ir buscar o Flávio, o Diego e o Renato no clube onde eles estão.</p><p>-Se acalma minha querida. –tirei mais uma casquinha, e, foi dos lábios dela. –Me solte e me conte tudo. Como doeu dizer isso. </p><p>Ela me leva pra dentro do castelo e me faz sentar numa das oito cadeiras que imitam o trono da rainha Elizabeth.</p><p>-Olha João...</p><p>-DJ meu amor! DJ! – fiz ela se recordar dando outro beijinho no rostinho dela. Tomara que ela esqueça toda vez.</p><p>-Pois é, JD. Você tem que ir á Paldas novas buscar eles.</p><p>-Por que você não disse logo minha rainha? –mais um selinho. Enquanto ela estiver ajoelhada aos meus pés eu estarei cobrando a devoção. -Olha Edileusa. Levante-se, por favor! Então... Não se desespere! –mais um beijinho. Quer saber? Ela tá gostando. Unhhhhhhh. –chupão. -Eu vou buscá-los e trazê-los sãos e salvos.</p><p>-Você faz isso por mim? Unhhhhhhhhh. –agora foi ela que me beijou.</p><p>Depois do beijo que eu dei nela eu iria até de jumento á Pernamburro buscar os três camaradas, e depois do beijo que ela me deu, se o jumento não pudesse voltar com nós quatro em seu lombo, eu traria os quatro, incluindo o jumento, em minhas costas, á pés. Ô xente bichinho! </p><p>Edileusa me deixou na sala da mesa que parece ter sido feita pra nobreza inglesa se reunir, e foi á um dos cômodos do térreo do sobrado que é a fotocopia do vaticano. Ave-maria! Oh luxo!</p><p>-Pega DJ! –disse ela me entregando as chaves do carro. –E esse aqui é o endereço do hotel/clube onde eles estão.</p><p>Hotel/Clube. Então não seria um campo de isolamento. Campo de isolamento... não existe campo de isolamento. Campo é um lugar livre. </p><p>-Por que você está tão desesperada meu amor? –dando mais um beijinho nos lábios dela. –Brevemente eu voltarei com as crianças. –prometi vendo-a soltando os cabelos.</p><p>Ela prendeu os cabelos novamente e pegou em minha mão me levando até á porta.</p><p>-Traga eles de volta antes do almoço. –recomendou abrindo a porta do XR3 vermelho, o sonho de qualquer playboy e a realização do JD. –até eu já estou confuso com as iniciais do meu nome. -Edileusa, eu estou fazendo isso por sua causa meu amor! –falei segurando as mãos dela.</p><p>-Obrigada! –agradeceu, me abraçando.</p><p>Prometo não tirar mais casquinhas dela para não deixá-la igual cana na mão de Taiano, mas enquanto o portão se abria sozinho...</p><p>-Edileusa eu prometo á você que em uma situação menos preocupante eu vou te convidar pra sair e jantar fora. Você aceita o meu convite?</p><p>-Claro JD! –respondeu se inclinando á porta do carro para me dar um selinho nos lábios.</p><p>-Se eu enviar um bilhete-convite por causa de minha correria diária, e nele estiver escrito as iniciais DJ, saiba que se trata desse mesmo garanhão aqui. Tchau querida! E até breve. </p><p>Saí vendo ela me olhando e acenando com a mão. Se não fosse algumas patricinhas que passavam dizendo: “ai amigas, o que nós vamos fazer hoje?” E as outras respondendo: “ah, hoje a gente vai ao Multirama”. Com certeza eu teria ouvido Edileusa dizer: “volte logo! Eu estou te esperando para te pagar pela diária de chofer”. -Paldas novas... Aí vou eu. Aiô Silver.</p><p>Será que nós atrasileiros somos conservadores? Ao se deparar com tal pergunta, a pessoa tende á relativizar o conceito Conservador, com o oposto, Liberal. </p><p>Porém, é bom que se entenda que, para alguém se classificar como sendo Conservador, há de se analisar as seguintes questões: Seus costumes, seus valores pessoais e familiares, sua postura diante dos fatos, sua opinião em relação aos inúmeros conceitos e preconceitos concebidos por uma sociedade á qual considera retrógrada toda e qualquer ideia que possa coibir a liberdade de pensar, agir e se posicionar diante da complexidade da vida moderna na atual contemporaneidade do tempo e tempos. Seriam incoerência e hipocrisia, alguém dizer-se "Conservador" quando na realidade, essa ideologia já não cabe mais nem mesmo nas instituições religiosas, as quais ele ou ela frequenta. Conservadorismo religioso no Atrasil atual, só se encontra em mosteiros, e, coroinha nenhum quer virar frade pra ter que se mudar para lá. No meio evangélico não se encontra igrejas as quais seus membros seguem ás regras de usos e costumes. Tipo, vestidos longos, sem tamancos, sem pinturas, cabelos sem cortes e recato de postura. Se esse conservadorismo for exigido nas igrejas, elas fecham as portas logo cedo.</p><p>Na política fragileira atual, conservadorismo é sinônimo de retrocesso social e o falecimento dos três pilares da revolução francesa, - que deveria ser patrimônio da humanidade: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Tendo em vista que o termo "Conservadorismo" nos leva á entender que significa procedência responsável, tradicional e moralmente ética, e em contraponto, "liberalismo" signifique aversão á estes valores referidos, isto faz com que uma pessoa escolha ser conservadora. -em título, mas na prática ela vive liberalmente. Ao se dizer Conservadora a pessoa tem de pensar no modo de se vestir, na escolha das amizades, nos lugares que ela frequenta, as músicas que ela ouve, dança que ela pratica, no trato com a família, na hora de dormir e acordar. Para ser sincero, conservadorismo é clássico, chique e um belo titulo pessoal, no entanto, é impraticável na vida prática moderna. Mas, esporadicamente alguém tenta ser. </p><p>Conservadores. Hum!</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Paldas Novas! Paraíso de Toiás do Atrasil e do mundo. Aqui estou, depois de ter levado três horas para chegar. Não é por eu ser pé de pena. O problema foi que eu tive que sair da rota por alguns minutos para seguir um carro que eu vi indo em direção á casa das primas, onde também existem muitos primos disfarçados de mulher, e olha quem eu vi e tirei foto deles com um traveco que se parece com o Fumaça. Nada mais nada menos que, Afonso Nasismoro. O canalha que só de saber que ele estava chegando á Atrasília na noite de ontem já me fez querer mudar de cidade. Só não mudo porque aquele sem prestígio vai ter que pagar caro pelo mal que ele quer causar á Danação fragileira.</p><p>Eu com essa polaroide que encontrei no porta-luvas do carro do riquinho, irei tirar tanta fotografia do pilantra, que quando eu terminar vai dar pra escrever um livro de centenas de páginas detalhando a vida daquele traste. O nome do livro será: Autobiografia de um pilantra. Dá-me nojo de olhar essas fotos que foram reveladas instantaneamente pela polaroide importada dos Estranhos zunidos. Eu a encontrei por ue fui procurar uma caneta pra fazer as minhas anotações. Não encontrei á caneta e nem a minha caderneta. Acho que esqueci dentro do carro da Salete que hoje está sendo dirigido por aquele crápula duma figa. Enrolei-me também porque resolvi dar uma passadinha no centro da cidade de Mortinhos, e quando eu cheguei á praça andando lento, percebi que algumas garotas ficaram piscando pra mim iguais aqueles faróis que ficam do lado esquerdo das ruas indicando que logo á frente existe um sinaleiro. E atrás também tinhas umas garotas olhando a placa do XR3, como se fossem guardas de trânsito querendo me multar por excesso de vagarosidade. Aí eu me sentei no banco da praça, sai do carro pulando por sobre a porta, por eu ter baixado a capota do conversível. Logo, cinco garotas veio me dar ás boas vindas. A primeira pergunta de uma delas foi: Oi! Você é de Toiânia? Antes que eu respondesse á outra perguntou: Você tem parente aqui? Quando eu ia abrir a boca á outra disse: Espere, deixa ele responder a pergunta da Arlete. Lembrei-me de Salete e respondi rapidinho. Eu nasci em Toiânia, sou criado em Atrasília, mas quero me mudar pra cá, desde que eu tenha vocês como vizinhas, e agora eu preciso voltar correndo pra dizer á meus pais que eu encontrei o lugar certo pra morar. Prazer. Meu nome é DJ Bauduetto. Dei três beijinhos no rosto de cada uma delas, entrei no carro e sai gaisado. Levei vinte e cinco minutos pra chegar onde eu estou agora.</p><p>Pousada Armários Clube. Suíte tal. Pan, pan, pan. É aquí.</p><p>-Bom dia porteiro! Eu preciso falar com Flávio Líber. Ele está na suíte 14.</p><p>-Ok. Deixe-me verificar. –disse ele conferindo umas fichas. –pronto. Do que se trata?</p><p>-Olha... O que eu tenho pra falar com ele, é muito importante e eu não posso dizer á você.</p><p>-Mas é norma da diretoria senhor. -além de gastar o meu tempo, o cara ainda me chama de senhor. Senhor é o cristo de braços abertos que fica na entrada da cidade onde eu deixei cinco garotas doidas pra verem a minha mudança chegando lá.</p><p>-Eu não preciso que você me deixe entrar lá. É só você chamá-lo e, eu dou a notícia.</p><p>-Tudo bem senhor. Só um momento. –novamente ele pegou o telefone. –Qual o seu nome?</p><p>-Diz que eu sou o DJ, amigo do Renato e preciso falar com eles imediatamente.</p><p>Ele discou poucos números.</p><p>-Não tem ninguém na suíte senhor.</p><p>-Merda. –falei dando uma tapa no balcão de granito. Uma rodadinha coçando a cabeça. –Olha lá o Renato. Aquele conversando com aquela garota segurando um caderno... Sei lá o que é...</p><p>-Sim senhor! Eu estou vendo. –saindo detrás do balcão. –Hei, rapaz de camisa cinza.</p><p>Renato escutou. O atendente acenou com a mão. Renato vem vindo ao encontro dele.</p><p>-Sim. O que foi? -ele perguntou ao autofalante humano.</p><p>-E aí Renato. –falei.</p><p>-DJ. –gritou abrindo o portão de entrada. –Caramba, você aqui.</p><p>Depois de um aperto de mão e um abraço, eu o chamei em particular.</p><p>-Renato, vocês precisam ir embora agora!</p><p>-O que aconteceu com a Cibelle?</p><p>-A Cibelle está te esperando para o casamento. –falei rindo.</p><p>-Deixe de brincadeira e diga logo por que você está aqui.</p><p>-Vá chamar os seus amigos. Quando vocês estiverem aqui eu darei a notícia.</p><p>Renato percebeu que o negócio era serio e foi ao encontro dos dois amigos.</p><p>Se esse porteiro tivesse me deixado entrar, a Edileusa veria a gente só na hora do jantar da sexta que vem. Mas o caso é serio. O pai do riquinho está mal. Por certo ele está sendo bem cuidado pelos melhores médicos. O problema pior será o do Renato com aquele infeliz do seu futuro sogro. Ter uma imundície daquele como sogro, seria melhor casar com uma cascavel, ter uma Nágea como cunhada e uma Sucuri como sogra.</p><p>Ih! Olha os três correndo rumo ao quarto. O ruivinho parou pra olhar para mim. Com certeza o Renato já falou de mim pra ele. De onde eles saíram está escrito sala de jogos, vai ver tem mais bancas de jogos do que nos cassinos de Las Vegas.</p><p>Eu vou ser sincero com esses caros, por que se eles são amigos de fé, teremos que unir forças devido ao tamanho do problema que nós teremos de enfrentar.</p><p>Segundos depois eles já estão do lado de fora.</p><p>“Pom-pom”. –buzinei chamando á atenção deles.</p><p>-Uai! Aquele lá é o seu carro Flávio. –disse Diego admirado.</p><p>-Ôh Renato o que ele está fazendo dirigindo o meu carro?</p><p>-Eu vim buscar vocês. –falei descendo e dando ao dono do carro o direito de dirigi-lo.</p><p>-O que está acontecendo? </p><p>-Bota marcha aí e vamos embora. Á caminho eu conto tudo.</p><p>O cabelo de cobre me obedeceu, e pôs o carro pra andar. Renato se sentou no banco traseiro ao meu lado. Diego e Flávio não sabem se olham pra frente ou se ficam telando eu e o Renato.</p><p>-È o seguinte. Eu vou começar mais ou menos assim... Vocês são amigos de verdade ou é um trio de bundões? –perguntei e esperei a resposta de um dos três. Mas o Flávio foi quem ao invés de responder, fez outra pergunta pra qualquer um responder.</p><p>-Qual é a desse cara? É claro que nós somos amigos Ôh...</p><p>-Aí, não fica nervoso não Ôh... Fitipaldi! Você dirige bem pra caramba hein colega! –Chamei-o de piloto de fórmula 01 e de colega por que pelo início da nossa conversa, logo ele me faria voltar a pés para Atrasília.</p><p>-Fala logo o que você tem pra falar DJ. –ordenou-me Renato parando de rir.</p><p>Agora, apenas o Diego é que estava sentado de lado no banco nos olhando. Vou dar ás notícias dos meus modos pra não deixá-los mais tensos ainda.</p><p>-È o seguinte Paulo Fittipaldi. –falei e escutei-o perguntando qual é a desse cara de novo. Ele não estava indo com a minha cara, e ele teria de ir com o meu corpo inteiro para Atrasília. Vou falar sério agora.</p><p>-Desculpa aí Flávio. –coloquei a mão no ombro dele, ele deu apenas uma olhadinha de lado como quem diz, tire essa mão daí. </p><p>–O seu pai andou comendo umas coisas que fizeram mal á ele, e teve de ser levado para Atrasília. Ele está internado, mas passa bem. - Falei.</p><p>-Merda! –disse ele esmurrando o volante. –o meu pai andou tomando aqueles remédios de novo!</p><p>-Que remédio Flávio? –Diego perguntou olhando-o.</p><p>Afrodisíaco. –pensei.</p><p>Renato olhou pra mim e riu em silêncio. Ele deve ter pensado o mesmo que eu.</p><p>-Deixe pra lá. O importante é que ele vai ficar bom logo.</p><p>Renato e eu Demo uma tapinha nas mãos, sutilmente para o Flávio não perceber que nós tínhamos avinhado á respeito dos venenos, quer dizer, dos remédios que o magnata ingeriu.</p><p>O Flávio ficou mais tranquilo. Ele estava até dirigindo mais devagar... </p><p>-Flávio, Atrasília é para á direita. - o alertei antes que ele fizesse a rótula ainda no centro da cidade. –Ô loirinho, dá uma de copiloto e auxilia aí o comandante na direção. - o loirinho me ouviu. Eu já nem via mais os olhos castanhos dele.</p><p>-O Flávio queria era voltar para o clube. – Renato observou.</p><p>-È lógico! E aquelas gatinhas que nós...</p><p> -Flávio eu não quero jogar água no seu fogo não. Más, o bicho vai pegar lá em Atrasília, á menos que nós sejamos amigos de verdade.</p><p>Ao me ouvirem todos ficaram espantados. Flávio para o carro próximo á uma lanchonete na avenida á qual está lotada de garotas bonitas. Ô lugar pra ter gente bonita. Tem uns camaradas aqui que parecem atores de filmes de aventuras.</p><p>-O que está acontecendo lá que eu não estou sabendo.</p><p>-Vamos descer e ficar aqui nessa lanchonete. Eu quero comer alguma coisa. –convidei á todos. Nós entramos e nos sentamos. O ruivinho não está nem aí pra saber á notícia que eu tenho para dar ao Renato. Ele está de olho é nas garotas. Se ele não tomar cuidado vai acabar na enfermaria do hospital onde o pai dele está.</p><p>Se cuidem enfermeiras plantonistas!</p><p>-Pessoal me escutem! –consegui a atenção de todos. Estamos todos com os cotovelos na mesa. –Renato você se lembra do Afonso Nasismoro?</p><p>-Como eu iria me esquecer daquele nazista?</p><p>-Quem é esse cara? - quis saber o loiro.</p><p>-O que ele fez á você Renato?</p><p>Pela curiosidade e á expressão dos dois deu pra notar que á amizade deles é firmeza. Estamos juntos galera! –Pensei.</p><p>-O que vocês desejam. –perguntou-nos uma garçonete que deve ter sido mandado pela revista playboy.</p><p>-Quatro Cocas-Colas. –Renato escolheu.</p><p>Ela foi buscar o pedido de Renato. Eu vou esperar ela voltar e depois peço um Mirinda, pra alegria da galera vendo-a outra vez, principalmente a do ruivo que nem está prestando atenção em mim.</p><p>-Vocês viram, que gatinha?</p><p>-Não Flávio! Só quem consegue enxerga miragem é ruivo. –respondi.</p><p>-Aí... Qual é a desse...</p><p>-DJ! A partir de agora vocês têm um novo amigo. –Renato me apresentou aos dois.</p><p>Pegamos na mão um do outro e selamos á amizade.</p><p>-Só que é o seguinte DJ... Entre nós não rola esse negócio de ficar tirando sarro um do outro não. Falou? –Diego me alertou.</p><p>Depois dessa eu só tiraria sarros em pensamento. </p><p>-Pode crer! Então Renato... Aquele safado está de volta. </p><p>-Problema dele. Qualquer dia a gente se topa e aí ó... Dane-se!</p><p>-Esse é o meu amigo Renato que não tem medo nem de campo de extermínio. Falei me levantando, apontando o dedo á ele e continuarei falando. –Vocês sabiam que ele o pai do Renato foi quem projetou o túnel para a fuga dos...</p><p>-... Dos judeus, do holocausto?</p><p>-Era, mas a escavação deu no alojamento dos soldados, e houve fuga em massa dos ratos que infestavam as celas dos prisioneiros, e eles foram parar nos dormitórios dos nazistas. </p><p> -Como é que foi isso Renato? </p><p>-Foi um erro de cálculo no projeto. Mesmo assim o nome do meu pai foi incluído a lista de Chíngados, por ele ter posto o fim ao Apartheid social que separava os ratos nos campos de extermínio nazista. Depois eu conto, Flávio.</p><p>-Por que você ainda não nos contou Renato? -Diego quer saber de tudo também.</p><p>Nesse instante chegou a coelhinha Playboy.</p><p>-Suas Cocas! –disse ela sorrindo quatro vezes.</p><p>-Garota! Troque uma Soca-Sola por uma Mirinda, por favor!</p><p>-Só um momento! –foi-se.</p><p>-Eu fiz isso por você Flávio.</p><p>-Ãh! O quê.</p><p>-Nada não. Esquece.</p><p>Os três riram. </p><p>-Está aqui a sua Mirinda. –falou a garçonete.</p><p>-Aí gatinha! Sabia que você é a gatinha mais gata de todas as gatas que eu vi aqui em Paldas?</p><p>-Obrigada gatinho! –agradeceu passando os dedos no rosto do gatólatra ruivo, e foi saindo.</p><p>-Espere aí! - pedi. Ela voltou. –Você ainda não ouviu a minha opinião e as dos meus outros dois amigos.</p><p>O ruivinho ficou me olhando. Renato e Diego baixaram as cabeças rindo. Eu me levantei para falar...</p><p>-Você é tão gata, mas tão gata, que faz as gatas do meu amigo aqui, parecer o Gato de botas. </p><p>Renato e Diego riram tanto que quase fizeram chuva de Soca-Sola. Flávio gaguejou querendo me superar más teve que ver a garçonete gatíssima pegar no meu rosto com as duas mãos e me dar um selinho estre as sobrancelhas.</p><p>-Tchau gatinho! –disse ela, e depois foi atender outros clientes. Nem esperou a opinião dos outros dois. Ela sabia que eles não iam encontrar uma felina pra comparar com a minha.</p><p>Renato e Diego ergueram as mãos pra eu dar uma tapa em cada uma delas. Flávio coçou a cabeça, mas depois fez o mesmo que os dois fizeram.</p><p>-Um á zero pra você. – ele deu o placar.</p><p>Se eu fosse convencido diria que eu daria de goleada nele. Sentamo-nos.</p><p>-Então Renato... Aquele sacana voltou.</p><p>-Você já falou isso. –disse o ruivo.</p><p>-Mas eu já falei que ele é o pai da Cibelle?</p><p>Silêncio total. Renato cruzou os braços e fica me olhando. Ele sabia que eu estava falando á verdade. Diego e Flávio coçaram as cabeças. Os dois ainda não sabiam o tamanho do problema.</p><p>-Bebam aí os seus refrigerantes. – disse Renato friamente.</p><p>Nós obedecemos. Depois de alguns segundos ouvindo apenas o barulho das pessoas na lanchonete, Renato começou falar.</p><p>-Vocês dois se lembram do que a Luna falou?</p><p>-Áh caramba!-exclamou Diego levando as mãos á cabeça.</p><p>-Bem que a Lua previu. –Flávio debruçando na mesa.</p><p>-Bem que a lua previu! A única coisa que a lua pode prever é mudança de estação. –falei por não saber do que se tratava aquela conversa de Luna e lua.</p><p>-Luna é uma mística que eu conheci. O nome dela significa lua, DJ. Ela disse que alguém entraria em nossas vidas, e o que será é o que tem que ser.</p><p>-Espera aí! Vocês não estão acreditando nessa conversa, seus supersticiosos?</p><p>-Não é superstição. Realmente aconteceu...</p><p>-Flávio cai na real... </p><p>-Ôh DJ... A moça falou isso ontem e hoje aconteceu...</p><p>-Diego deixe o DJ falar. Eu acho que ele deve entender dessas coisas.</p><p>Todos ficaram me olhando como se eu fosse um pai de santo.</p><p>-Deixe-me dar um exemplo... Deixe-me ver... Já sei! Flávio, o seu pai está doente. Isso é uma comparação. Agora me pergunta o que vai acontecer com ele.</p><p>-O que vai acontecer com ele?</p><p>-O que tem que ser será! Pronto. Qualquer coisa que acontecer é porque tinha de acontecer. Entenderam? Isso é autossugestão meus amigos. Esse negócio de astrologia, misticismo, e o escambal, são pura ilusão.</p><p>-Mas ela disse o que será é o que tem que ser! </p><p>-È só mudar á colocação das palavras da frase pra dar um ar de mistério, Diego.</p><p>Os três ficaram refletindo no que eu falei. Eu aproveitei pra dar uma olhadinha na gatanete anotando os pedidos de alguns clientes. Anota o meu ai. Eu quero me casar com você e ter lindos chaninhos. Miau! </p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>***</p><p><br /></p><p>Rimos um pouco e continuamos bebendo nossos refrigerantes. Pareceu-me que eu havia tirado o encucamento das cabeças deles. Eu disse á eles que seria muito fácil prever que uma garota qualquer viria á entrar na vida deles á qualquer momento, por que eles são uns caras muito bacanas e aonde quer que eles estejam juntos, com certeza as pessoas saberiam que eles são pessoas de bem com a vida e com os que se aproximam deles. E, eu percebi que são essas qualidades que fazem que nós seres humanos possamos nos relacionar melhor com nossos semelhantes. Estou na fila do caixa para pagar á conta. Olhando para os três na mesa, vejo-os conversando e olhando pra mim. Pelas expressões em seus rostos, Renato, Flávio e Diego concordam em eu fazer parte do grupo deles. Estou feliz por isso. </p><p>Atrás de mim tem duas garotas chamando o meu antigo e meus novos amigos de gatinhos, e querendo adivinhar de onde eles são.</p><p>-Somos de Atrasília. –falei me virando para elas.</p><p>-Nós duas moramos aqui!</p><p>-Você é irmão daquele moreno claro de camisa cinza? –perguntou-me uma ruivinha.</p><p>-Vamos lá que vocês ficam sabendo o que somos um do outro.</p><p>A ruivinha soltou os cabelos que ficou parecendo á camisa da seleção holandesa na cabeça dela. A branquinha ajeitou a calça de moletom cinza e á camiseta branca e depois cochichou alguma coisa no pé do ouvido da ruiva. Deviam estar decidindo quem paqueraria quem.</p><p>Pagando a conta, só não gritei que era um assalto pra não espantar a clientela. Ôh refrigerantes caros cumpadre! Se comêssemos algumas coisas, o XR3 teria de ficar na penhora. Se o caixa perguntar se eu quero o troco de balinha, eu digo que tenho que encher o tanque do carro pra ir embora.</p><p>-Pronto. Vamos lá garotas! Vocês também foram lesadas, ou só se exploram turistas aqui? –perguntei, fazendo-as rirem.</p><p>-Chegamos! Aí galera, essas aqui...</p><p>-Oi gatinhas! Eu sou o Flávio Líber! –o ruivo, sem saber á qual das duas ele daria a mão e beijaria no rosto, primeiro. Tres beijinhos em cada uma delas. Ele continuou em pé.</p><p>-Oi! Eu sou o Diego! –disse o loiro ajeitando a camisa gola polo.</p><p>Antes de ele se sentar, Renato saiu do canto da parede para si apresentar também.</p><p>-Oi! Eu sou o Renato! Tudo bem com você? Qual é o seu nome? -perguntou antes de beijar a ruivinha.</p><p>-Meu nome é Silvia. Prazer Renato!</p><p>-O prazer é meu! -tres beijinhos.</p><p>-Oi! Renato! O meu nome é Tanilla. -disse a branquinha.</p><p>-Oi Tanilla! O Seu nome é diferente e muito bonito!</p><p>Ôh Camarada charmoso. Se não fosse ele, nós quatro conheceríamos ás meninas apenas por “as meninas da lanchonete arranca couro” A ruivinha amarrou os cabelos. Pelo jeito não gostou do que o Renato disse á sua amiga.</p><p>-Aí gatinhas! Sentem aqui com á gente! –O ruivinho ás convidou.</p><p>-Diego! Faça o favor aqui. –o chamei. –Vamos conversar ali, nós dois.</p><p>Ele pegou em meu ombro e nós saímos. Renato e o Ruivinho se sentaram lado á lado, de frente ás garotas. Vai ver o Renato ficará com a Tanilla, e Flávio se vira com á Silvia. Eles são ruivos... que se entendam.</p><p>Diego e eu escoramos no carro.</p><p>-Diego, nós temos de ir embora. Á Edileusa está se descabelando de tanta preocupação.</p><p>-E agora? Os dois estão com as garotas?</p><p>-Dá uma de volante e si vira loirinho!</p><p>Ih! O cara perdeu o rumo! Está girando para um lado e outro coçando a cabeça.</p><p>-Diego, pare, senão você fica tonto. –falei segurando nos ombros dele.</p><p>-O que a gente faz agora?</p><p>-Seguinte... Segue reto aqui nessa calçada. Na primeira porta á esquerda tem uma lanchonete que se chama: Esvazia bolso de turista. –ele riu. –Aí você entra e sai de lá com os melhores amigos seus. Entendeu?</p><p>-Faz isso você!</p><p>-Eu estou chegando agora na patota!</p><p>-Falou então. Lá vou eu!</p><p>Ele foi. Eu fiquei vendo o movimento das pessoas. Aqui tem mais gente do que na Avenida Paulista.</p><p>-Oi cachorrinho lindo! –elogiei um poodle que passeia com uma senhora que tem os cabelos da cor dos pelos dele. Branquinhos.</p><p>-Bom dia garoto! –disse-me á vovó.</p><p>-Bom dia senhora!</p><p>Au, au. –o algodão doce de quatro patas quase mordeu um desatento que passou lendo um livro e acertou a perna na fuça do cãozinho.</p><p>-Oh shit! That brave dog! –disse o turista pulando igual saci.</p><p>Eu não entendi o que o branquelo resmungou. Mas á senhorinha disse apenas assim: Vamos bibi! E pegou a nervosinha nos braços.</p><p>O loirinho estava demorando em voltar. Tive que agir á meu modo.</p><p>-Aí. Que tal vocês darem o último beijinho para a gente ir embora?</p><p>Os quatro atenderam minha sugestão. Tirei uma foto de cada casal, Demo tchau, e elas se foram andando de ré e acenando com a mão.</p><p>-Você sabe dirigir DJ? –perguntou-me o ruivo.</p><p>Olha a pergunta. Eu vou responder com toda educação e seriedade.</p><p>-Flávio, para chegar até aqui, eu tive que ir á base aérea de Nadápolis, fretar um avião cargueiro, embarcar o seu carro dentro dele e pedir a tripulação pra colocar um paraquedas no Escort e, quando estivesse passando sobre o hotel onde vocês estavam, eles nos jogassem do avião. E foi assim que aconteceu. –falei ao lado da porta do motorista. Renato e Diego quase arrancavam os bancos dianteiros de tento rir. Flávio me jogou a chave do conversível e entrou primeiro do que eu no carro. Antes que um dos três me desse uma catracada pelo sarrinho que eu tirei do ruivo, eu vou logo expondo o meu plano para nos vermos livres do Afonso Nasismoro.</p><p>-Você é paraquedista de avião. –esse foi o Diego.</p><p>Não, débil mental. Sou paraquedista de trem de ferro. –pensei em responder. </p><p>-É o seguinte, galera... nós temos que trabalhar em equipe para desmascarar aquele safado. Daqui pra frente vai ser assim...</p><p>-Não teríamos chances contra ele. –Renato me desanimou.</p><p>-Que papo é esse? –perguntei.</p><p>-Para que nós pudéssemos vencê-lo, teríamos que ter conquistado á Katia Demo.</p><p>As caras dos três me fizeram perceber que eles eram uns fracotes que não deram conta de cumprirem uma suposta missão.</p><p>Flávio cotovelou a porta e usou a mão direita para abafar a orelha do mesmo lado. Dos dois imprestáveis no banco traseiro, eu só ouvia os assovios baixos. Até para assoviarem, eles eram incompetentes.</p><p>-Quem é essa esfolosada?</p><p>-Você nunca ouviu falar da Demo Katia?. Para consertar o Atrasil, somente ela poderia. – disse Flávio, com admiração pura.</p><p>-Fodeu, nós nem conseguimos chegar perto da Demo Katia. –Diego revelou.</p><p>-Droga. –Renato resmungou. –Sem ela não terá como viabilizar a fundamentação da democracia. O Nasismoro poderá estabelecer o seu governo tirano sem nenhum embargo de leis, direitos e deveres democráticos. Napobolão lutou tanto em defesa dos três altares...</p><p>-Pilares da demoniocracia, esclerosado duma figa.</p><p>-O Renato está errado também. São os pilares da...</p><p>-Esquece Flávio. –interrompi a terceira asneira. -Sobre o comando daquele baixote os tranceses rebolaram contra os ogreses. Se for para os atrasileiros navegarem em barcas furadas, vocês mesmos afundam o barco.</p><p>Ficamos em silêncio á pensar.</p><p>-Caramba. Os princípios políticos daquele imprestável são os legados deixados pelos antepassados dele.</p><p>-Quais são eles, ruivinho? –quero saber.</p><p>- Evolua e os faça regredir á primatas. Coma e os faça passar fome. Viva e os deixe morrer. </p><p>-Estamos ferrados. –falei, num desânimo. –Alguém aí me diga onde está a tal Demo Katia e em qual orifício do corpo dela ela enfiou a bendita varinha mágica. </p><p>-Você me viu conversando com ela lá perto da entrada do...</p><p>-Era aquela, a Fada madrinha?</p><p>Três hãhãns de uma só vez.</p><p>-Qual é o teor da Demo Katia, e do que se trata?</p><p>-Essa fala é minha. –O ruivo antecipou. –Declaração dos direitos Universal dos povos, de darem os ânus...</p><p>-Da ONU, imbecil. Eu continuo. –Diego falando. –A mágica dispõe que todas as pessoas têm os direitos inadmissíveis e... </p><p>-Imprescritível, idiota. Eu completo. –Renato prosseguindo. –Imprescritível e alienável a procrastinação... </p><p>-Inalienáveis, mocorongo chefe do bando de babacas. Pode calar a boca. Vocês três são uns dementes. A tal carta deve declarar como princípio, que não são os retardados dos governos que fundamentam as normas dos direitos...</p><p>-Ah, me lembrei. Mas sim, a própria população, com suas pendências e pedâncias. </p><p>Dá-me burralidade igual senhor, pra que eu não me considere melhor do que estes idiotas, e que eu consiga me sentir tão imbecil quanto á eles. </p><p>-Eu não sei por que alguém em são juízo mandaria três inúteis como vocês para serem emissários em uma causa tão importante para a história da nossa danação. Já estamos naufragando, ainda botam vocês no leme do navio.</p><p>-Quem nos enviou, foi o libertador Trancado Naves.</p><p>-Então, o arrependimento está matando ele. Agora, me diga apenas qual foi o motivo pelo qual vocês não conseguiram engambelar a Demo Katia.</p><p>-Foi ele não. –Flávio protestou. –Foi o vice, Juré Euquiarmei.</p><p>Êh, êh, eu o julguei mal.</p><p>-O que vocês representam?</p><p>Houve troca de tapas no banco traseiro.</p><p>-Eu me apresento primeiro. – disse Diego depois de ganhar uns empurrões do Renato. –Eu represento a fraternidade. O meu lema é: dê o que é seu á quem você quiser. Pode ficar com Soraia, se você a quer.</p><p>-Obrigado. Mas, não me ofereça algo que é exclusivamente seu. Fala aí, Renato.</p><p>-Agora é a minha vez. -Flávio se posicionou. –Eu represento a igualdade. Somos todos iguais, homens, mulheres, tanto faz. Sabe aquele porteiro do clube? Pois é, eu e ele, trocamos...</p><p> –É a vez de Renato, o líder dos três patetas.</p><p>-Me deixe falar logo o que eu represento. Eu represento a liberdade. Estou sempre livre para quem queira experimentar relações informais, diferentes, e também quebrar tabus moralistas.</p><p>Vejam só, por quais indivíduos eu quase fundi o motor da minha Mobí e a minha cuca.</p><p>-E com toda essa acessividade vocês não conseguiram ter acesso á Demo Katia?</p><p>-Perdemos tempo com a irmã dela. Elas são gêmeas e são parecidas uma...</p><p>-Não, Flávio debilóide, elas são gêmeas, mas bem diferentes uma da outra. </p><p>Dá-me paciência, senhor. Penso esfregando o rosto freneticamente.</p><p>-O Flávio e o Diego estão certos, DJ. As duas são parecidas e diferentes. Uma é confusa, a outra, mais confusa ainda.</p><p>-Eu esperava mais de você Renato. </p><p>-A gente espera que você cumpra a sua fama de Dom Juan da periferia. - disse Diego.</p><p>-Que papo é esse?</p><p>-É isso mesmo. Nós não conseguimos conquistar a Demo Katia porque a irmã dela despereceu do mapa, mas achamos que ela esteja rondando pela cidade. –Flávio foi injustificável.</p><p>Eu ainda não estava entendendo de qual era a do trio de inúteis. Mas, eu não fugiria de um desafio. </p><p>-Antes das apostas, apresentem-me a proposta.</p><p>-DJ, se a gente voltar sem Demo Katia, nós seremos considerados uns incompetentes. Acontece que, ninguém conhece nenhuma e nem outra das duas, no Atrasil. Complete o meu raciocínio, Flavio. –Diego pediu ajuda.</p><p>-Deixa comigo. É o seguinte, a danação fragileira precisa de uma idealogia qualquer...</p><p>-Ideologia, cabeção. Esse cabeça de vento tem o célebro cheio de...</p><p>-Cérebro, Renato. E, se a cabeça dele é vazia, não existe nem uma plaquinha informando que nessa imensa cabeça jaz um cérebro. –o corrigi. –Continue.</p><p>-Então, se você conquistar uma garota e a emprestá-la á nós, a gente pode levá-la em lugar da irmã gêmea Demo Katia. O único mau que pode acontecer com a troca será a instituição do fascismo nas sociedades fragileira. Mas, os atrasileiro são receptivos á isto.</p><p>-Não sei não. Cedo ou tarde o povo perceberá que manter ás aparências custa caro.</p><p>-Ahá. - Renato gritou. –A encontramos. Olhem só a genérica ali ó. </p><p>Olhamos juntos para a esquerda. Ela estava jogando uma ficha telefônica pra cima e, indo em direção ao telefone.</p><p>-Se você á conquistar, nós á lavaremos. Se não conseguir, nós ficaremos aqui em Paldas Novas, e que si dane a danação fragileira.</p><p>Renato desafiou-me, eu aceitei o desafio. Patrioticamente, marchei rumo á Demo Katia. Realmente, ela é encantadora e fascinante. Seria dispensável comentar sobre os encantos dela, mas, um detalhe apenas, ela parece ser bem pobre ainda. Ao chegar perto dela no orelhão, eu á ouvi dizendo para o alguém do outro lado da linha, que, ela estava usando a última ficha dela, e que precisava encontrar um lugar para enfim ela poder estabelecer-se definitivamente.</p><p>-Oi gatinha! Passa-me o número do seu endereço.</p><p>-Eu não tenho endereço, mas eu sou da Trécia e estive morando na Trança. Viajei pela Oropa e Estranhos zunidos. Aqui nas Amerdas eu ainda não encontrei amparo.</p><p>Abordei uma Cigana. Eu não emprestaria as minhas fichas á ela de jeito nenhum.</p><p>-O telefone lá de casa tá com defeito. Eu tô ligando para o Tio Jamesan Américo. A gente ficou de nos encontrar aqui no Atrasil. Ele ficou de me dar guarida por aqui.</p><p>-Me passe o número dele pra eu ligar qualquer dia pra saber como você está.</p><p>-Você tem caneta?</p><p>-Não. Mas, eu consigo decorar até os números sorteados da loto durante o ano inteiro. Eu acho que eu o conheço, mas, pelo nome de Jaime Américo. Pode falar. </p><p>-O tio San é um mascarado mesmo! –sussurrou, mas eu a ouvi. -Que pena, eu esqueci o número do meu tio. –beleza ela sorriu. </p><p>-Os meus amigos me disseram que eu sou tão feio e, você é tão bonita que eu nem conseguiria te levar para Atrasília...</p><p>-Eu me sentirei bem em qualquer lugar. Vamos. –foi logo me puxando pela mão.</p><p>Os abobados festejavam babando. </p><p>-Você me faz sentir-me um rei. Agora entre nesse carro com os meus três vassalos, e, eles te levarão ao meu castelo em Atrasília. Tchau! –falei destravando a porta. -Vê se não se esqueçam de me mandarem o Fumaça e a minha Charrete de duas rodas.</p><p>-O que nós e o povo atrasileiro iremos fazer com a falsa Demo Katia? –Renato perguntou, ao meu pé do ouvido.</p><p>-Façam o que vocês quiserem com ela. Ela já é batida e bem rodada em outras partes do globo terrestre. Agora, vazam daqui e me deixem usar o meu charme, meu magnetismo e a minha lábia. Em cinco segundos eu farei o que vocês levaram uma semana para não o fazer. Deem um jeito de me mandarem o meu colega Fumaça e a minha mobilete. Mas, ela não tem gasolina, e o Fumaça está desempregado. Si virem.</p><p>-Deixa com a gente. As diárias no hotel foram pagas com o dinheiro dos nossos apoiadores. </p><p>-Quem são eles, Diego?</p><p>-O povo atrasileiro.</p><p>Enquanto isso, trabalhador como eu não têm dinheiro nem para encher o tanque da mobilete.</p><p>-Renato, fale a verdade. Por que vocês vieram parar aqui, e deixaram as suas namoradas esperando por vocês para os matrimônios?</p><p>-È porque os nossos pais acham que nós somos aberrações da natureza humana. </p><p>-Que vocês são gays, não é isso?</p><p>-Não, não é isso. È que, eu sou ateu progressista. O Flávio é socialista. O Diego é comunista. Mas, nós somos apenas delicados e dóceis com as pessoas. Mas, para eles essas qualidades significam viadagem. Nós soubemos que a Lorrane foi expulsa da casa dos pais dela, quando eles souberam que ela era sapatão. Antes de você chegar, ficamos sabendo que o Vinícius foi mandado embora da panificadora, porque o patrão dele descobriu que ele é gay. </p><p>-Sem comentários. Sigam viagem. A gente si vê por lá. </p><p>-No Armários Clube, você vai encontrar muitas pessoas iguais á nós, ao Vinícius e a Lorrane. </p><p>-Saberei lidar com todos eles. -falei, palpando-lhe o ombro.</p><p>Tô cansado. Vou atravessar a rua e ir me deitar no banco da praça. Confiro os estremos da rua. Beleza, antes de aquela Variant chegar perto de mim eu já terei atravessado a rua, mesmo que fosse de joelhos. </p><p>Pés no asfalto, lá vou eu... opa, a Variant é turbinada... vai pra lá disgrama... freia...</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>***</p><p> </p><p>Acordei assustado. Que sonho mais esquisito. Que dia é hoje, e que hora é essa?</p><p>O Rádio ainda está ligado na mesma programação. A voz do Brasil.</p><p>-Só roubalheira. Vou voltar á dormir. Virei e travesseiro e...</p><p><br /></p><p>Bom, galera, pelo que deu para perceber, no período da ditadura militar, assuntos como Homossexualismo, preconceito racional, ateísmo, pobreza e corrupção, eram tratados de formas diferentes, ou, nem eram comentados. Na continuação, vamos nos divertir com os fatos, conceitos e acontecimentos em um país “quase” democrático. </p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*1988*</p><p><br /></p><p> -Ãh, ãh, onde eu estou? Quem é você, beiços de índio negro com alargadores de lábios? </p><p>-Sou eu, o Fumaça. Você está variando. Fique deitado aí.</p><p>Sentei-me na cama, desobedecendo a ordem do meu amigo beiço de sola.</p><p>-Eu devo estar variando mesmo. Quando vi essa sua bocona se aproximando da minha cara, eu pensei que estava sendo atropelado por uma Patrol. O que aconteceu comigo?</p><p> -Eu estava vindo ao seu encontro, mas o meu carro está com defeito na barra de direção e ficou variando na pista.</p><p>-Que carro era? </p><p>-Uma Variant 73. Só quinze anos de uso.</p><p>-Ô nego ruim de matemática. De 73 para 85 são doze anos. –corrigi e pulei da cama.</p><p>Fumaça sacudiu a cabeça e se pôs á estender o lençol.</p><p>-Você ainda está variando. –disse, ajeitando o travesseiro na cabeceira. –Estamos no ano 1988. Você ficou em coma por três anos. Eu cuidei de você.</p><p>Corri para um lado e outro dentro quarto mobiliado apenas com duas camas de solteiro, uma mesinha de tábua com um vaso de planta gigante de folhinhas ralas e serrilhadas, e um filtro dágua no canto. Não dava para acreditar que eu teria passado três anos, inconsciente. Fui até ao pé de planta, e então constatei que era verdade. Era um pé de maconha já em fase de troca das folhas.</p><p>-Fumaça, você agora está cultivando maconha?</p><p>-Só para o meu consumo. Os fornecedores estão abusando no preço. De manhã um baseado custa 5 Cruzados. Á tarde, 10. Á noite, 15. Ninguém aguenta.</p><p>-Deixe esse vício de uma vez, infeliz, ou serei eu que darei um desbaseado no pé do seu queixo.</p><p>-O bagulho é e sempre será doido, custe o preço que custar, se eu não tiver dinheiro, eu cultivo pra eu fumar.</p><p>- Desisto. Me diz aí, o que mudou no Atrasil com a democracia? </p><p>-Muita coisa. Em primeiro lugar, o presidente eleito Trancado Naves, mudou-se para o além, e quem assumiu a presidência foi o vice.</p><p> -E então?</p><p> -Ele mudou a moeda, de Cruzeiro para cruzado. A taxa de juro subiu, e com isso as pessoas estão vendendo o que elas possuem, para depositarem o dinheiro em caderneta de poupanças. Eu vendi a sua casa e depositei a grana. Um mês depois, o dinheiro havia rendido mais de 80% de juro.</p><p>-Beleza. Estamos ricos então.</p><p>-Só que, eu havia negociado a compra da Variant no dia anterior. O dinheiro da casa daria para pagá-la e me sobraria muitos Cruzados. Mas, quando eu recebi a importância do valor da sua casa, a infração já havia consumido mais da metade da grana. Mal deu pra pagar a Variant. Fiquei devendo 20% do valor x.</p><p>Segurei-me para não dar um Cruzado de esquerda no queixo de bigorna dele. O nêgo deixou que a inflação nocauteasse a herança que a minha pobre avó me deixou.</p><p> -Mas, neguim, e a Anamara?</p><p> -Ah, a Anamara envolveu com o Jamesan Américo.</p><p>-Puta merda, - eu dando tapas no vento. – Agora é que ela será poderosa mesmo. </p><p>-Você deve estar falando da Anamara G. Lobo...</p><p>-Sim, é ela mesma, a jornalista que só me enfiava em roubada.</p><p>-É meu amigo, - meneou a cabeça. – Ela não é mais a mesma. Ficou poderosa e aliou-se á alguns poderosos também, ou vice-e-versa. Anamara G. Lobo atualmente é uma grande influenciadora de ideias e promulgadora de conceitos á sociedade fragileira.</p><p>-Que nada, ela sempre foi assim. Mas na verdade era eu que não entendia o que ela me dizia. Depois eu entendi que ela me mostrava àquilo que eu não queria enxergar, mesmo já tendo visto.</p><p>-É, pode ser, - disse, teclando a mesa – Mas é o seguinte, ela tem mantido relações estreitas com o Jamesan Américo. - me olhou com desdenho... sorriu mostrando as únicas coisas que ele tem de branco, os dentes. Até a parte branca dos olhos dele já é avermelhada de tanto ele fumar maconha.</p><p>-O Américo é muito rico e influente. Eu só não entendo por que foi que ele me escolheu para sair em busca da democracia, sendo que, com a grana que ele tem, poderia pagar o exército, a marinha e a aeronáutica para aquela missãozinha mixuruca. </p><p>-Ele te escolheu por causa da sua bravura. A democracia tinha que ser conquistada com muita luta e determinação. E somente você possui essas qualidades.</p><p>-Então ele está decepcionado comigo. Eu não dei uma tapa em ninguém para conseguir me apossar da falsa democracia.</p><p>-Você disse falsa?</p><p>-Sim, falsa, imitação, impostora.</p><p>-Então é por isso que o Atrasil ainda não se tornou um país democrático em definitivo. Você ouviu falar da Carta Magna?</p><p>-Eu não sei de Carta mágica nenhuma. A última carta que eu recebi foi a que a minha avó me deixou dando o direito de eu ser o herdeiro de um casebre feito de placas de cimento, coberta com telha de amianto, lá na Vila Muqueirão em Toiânia. Presente do governador Pires Sivende Rachado. Mas, os três esclerosados me falaram da tal Demo Katia, Varinha mágica, coisas desse tipo.</p><p>Fumaça bateu palmas e abandonou a janela.</p><p>-Temos que encontrá-las. A democracia só poderá ser instituída após a proclamação da constituição atrasileira, prevista para este ano, mas temos que encontrar a Carta Magna. Com ela encontraremos a verdadeira Demo Kátia ou vice-versa.</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Entramos na Variant e fomos á uma pequena mercearia para comprarmos algum alimento. Pegamos um pacote de pão bisnaguinha, uma lata de sardinha e um Baré Tutti-Fruti.</p><p>-Você tem dinheiro aí, Fumaça?</p><p>-Só uma merrequinha. Mas vai dar pra pagar as mercadorias, se formos rápido. Segura o repositor de mercadorias aí. </p><p>-Por que nêgo?</p><p>-Ele tem um etiquetador nas mãos. Deixa quieto. Corre.</p><p>Eu não entendi, mas corremos para o caixa.</p><p>-Receba aqui, ligeiro. –disse Fumaça á mulher no caixa.</p><p>-São 350 Cruzados. –disse a cobradora fazendo a maquininha cuspir uma tirinha de folha com o valor da compra.</p><p>Antes que Fumaça sacasse o dinheiro do bolso dele, o etiquetador chegou metendo as mãos nas nossas mercadorias.</p><p>-Aumento de preço. –disse ele...</p><p>-Aumento de preço uma ova. DJ vai lá fora e chame aquelas donas de casas lá. </p><p>Vi uma renca de mulheres passando com caderninhos e canetas nas mãos. Elas seguiam em direção á um grande supermercado no outro lado da avenida.</p><p>-Quem são aquelas mulheres?</p><p>-São as fiscais do governo. Elas fiscalizam os preços das mercadorias nas gôndolas dos supermercados. </p><p>-Mas, e a SUNAB?</p><p>-Tá deixando correr solto. As mulheres são voluntárias e acham que estão contribuindo com a normalização da economia popular. </p><p>-E, elas são assalariadas?</p><p>-Não, mas sentem orgulho de exibirem os brochinhos com a descrição: sou fiscal do governo. Vai lá, antes que a minha grana não dê para pagar a conta aqui.</p><p>O etiquetador balançou a cabeça, num gesto de desistência.</p><p>-Tudo bem, pode passar dessa vez. –o remarcador de preços temeu as fiscais do governo.</p><p>Saímos da mercearia.</p><p> Eu já estou tão acostumado com a minha Mobí, que até ando á pés com a mão direita fechada movimentando para cima e para baixo, como se eu estivesse acelerando a envenenadinha. Meus lábios emitem o ronco do motor.</p><p>-Fumaça, cadê a minha Mobillette?</p><p>-Eu a vendi e depositei a grana. De acordo á inflação saltitante, daqui á três meses você vai poder comprar uma frota de motos DT 180.</p><p>-Eu não cometeria o mesmo erro que você cometeu. Á não ser que você me empreste o dinheiro pra eu pagar a frota antes de sacar a minha grana no banco.</p><p>-Eu dou um jeito. Mas aí eu terei que ser seu sócio. Dependendo do tempo gasto na transação, o meu dinheiro terá que passar por uma correção monetária também.</p><p>Ah nêgo esperto!</p><p>-Para onde vamos agora? –perguntei.</p><p>-Procurar a Demo Katia.</p><p>-Já sei. Ela está hospedada no Armários Clube aqui em Paldas Novas. É logo ali. Vamos andando mesmo, para economizar gasolina, senão, no entrar da bomba na boca do tanque, o dinheiro que te sobrou dará pra pagar pelo combustível, mas na saída, a Variant terá que ser deixada para o dono do posto em pagamento pelos cinco litros de gasolina.</p><p>-Pior de tudo é que eu nem sei se sobrou o equivalente á cinco litros.</p><p>-Então, vamos fazer rastros, nêgo dos pés de estojo de violoncelo.</p><p>Caminhando pela rua em direção ao clube, eu e recordo de uma vez que eu estive na Explanada. Eu vim numa excursão, dentro de um ônibus apelidado carinhosamente de Lata-velha. Vez e outra eu tinha que descer para pegar as calotas que caíam pela estrada. Mas o que mais me marcou, foi quando um amigo meu me convenceu de que se eu subisse até ao nascente do Rio Explanada, que seria no pé de uma serra que supostamente repousa um vulcão, eu conseguiria cozinhar ovos de galinha, pois do pé daquele vulcão origina-se as águas mais quentes de todo o complexo hidro térmico da região.</p><p>Comprei uma dúzia dos ovos mais caros que eu já havia visto e uma panela também mais cara de todas no estado de Toiás. Não que os ovos tivessem saídos da galinha dos ovos de ouro, nem que a panela fosse feita do mais nobre metal existente no planeta. É que na cidade das águas termais tudo é mais caro mesmo.</p><p>Pus-me a subir o morro, superando todos os obstáculos que surgiam, tais como pedras, mato, cobras e outros animais peçonhentos, até em fim chegar num lugar que eu julguei ser a nascente das águas caudalosas, pois eu confesso ter queimado a minha mão em uma pedra do lugar. Depois de constatar o alto grau de temperatura do rochedo, determinei ser ali o local de cozimentos da dúzia de casulos dos piupius.</p><p>Com cuidado para não escorregar e ser escalpelado pela água que eu julgava ser mais quente que vapor de caldeira, eu consegui encher de água a panela mais cara que os cálices do rei Salomão. Havendo colocado os ovos dentro da panela, eu tratei de depositá-la entre umas pedras onde a água formava uma represinha rasa e fumaçante. Depois de todo esse ritual efetuado, cuidadosamente eu fiquei de pé esperando que o conteúdo plásmico dentro das doze cápsulas brancas ovais viesse solidificar.</p><p>Três horas depois ainda de pé para não queimar as nádegas eu resolvi conferir o resultado, á essas alturas só restavam seis ovos porque de meia em meia hora eu quebrava um pra ver se havia cozinhado, para então voltar para o ônibus e comê-los com sal e pimenta-do-reino.</p><p>Resultado final: Se eu esperasse mais umas duas horas eu teria trazido de volta seis pintinhos para o meu amigo Fumaça agasalhá-los debaixo das asas.</p><p> Chegamos.</p><p>-DJ, que maravilha é esse lugar! </p><p>-Então Fumaça. Do portão dá pra imaginar que aqui pra ser o paraíso só falta ter Adão e Eva como proprietários.</p><p>-Como nós vamos entrar aí? Deve ser cara a diária. Use a sua identificação de agente especial do exército.</p><p>-Não vai rolar. A moral dos militares está em baixa. Mas, deixa comigo. –falei indo á portaria. Fumaça ficou hipnotizada que nem Alice na entrada do País das maravilhas. Não saiu do lugar nem pra me acompanhar para assistir a minha negociação com o porteiro.</p><p>-Bom dia, amigo. </p><p>-Bom dia. O que deseja?</p><p>-Eu e o meu amigo, estátua de ametista sem polimento, viemos usufruir das regalias desta pousada.</p><p>-Vocês fizeram as reservas? –digitando um teclado sem tirar os olhos do monitor.</p><p>-Sim. Há três anos, eu e mais três companheiros deixamos pagas as nossas diárias, mas tivemos que partir antes do tempo. Confira no registro de entrada de clientes. Deve estar numa pasta-arquivo.</p><p>-Não será preciso senhor. Informatizamos todos os nossos registros. Se houve mesmo essas reservas, com certeza constarão aqui no computador. Quais são os nomes?</p><p>-Renato, Flávio, Diego e Divino Justino.</p><p>Os dedos dele correram soltos nas teclas.</p><p> -Lamento senhor, mas para Divino Justino foi reservado apenas um período de três horas.</p><p>*Recordando: - Vai rápido DJ. Eles têm que estar aqui antes da hora do almoço. </p><p>Oh Edileusa apavorada e muquirana duma figa. </p><p>Quando eu me virei para dar a notícia ao Fumaça, ele já estava fungando no meu cangote. </p><p>-Deixa essa parada para o economista Mariozan. –falou á mim, o Mariofumaça.</p><p>Afastei para trás e dei passagem ao barulhento.</p><p>-Olha, porteiro, eu sou o contador que cuida das finanças do senhor Divino Justino. Portanto, exijo que ele seja ressarcido. Devolva á ele a importância que foi paga pela hospedagem dele neste lugar, á três anos atrás.</p><p>O atendente franziu a testa, mas aos pouco, um riso foi se formando nos olhos dele.</p><p>-Eu não vou nem precisar chamar o gerente. –enfiando a mão no bolso. –Tome os cem paus e caiam fora daqui, seus pobretões.</p><p>A ofensa deixou Fumaça com os olhos faiscando.</p><p>-Calcule aí na calculadora do computador: Cem Cruzeiros, convergidos em Cruzados, vezes o equitativo inflacionário, mais juros e correção monetária correspondente á três anos de moratória, multiplicado por...</p><p>-Chega, chega. Considerem-se sócios desse clube.</p><p>... E o portão se abriu. </p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>*</p><p><br /></p><p>Não tínhamos bolsas, malas e nem mochilas para ás jogarmos nos sofás da suíte, mas fizemos com que nossas bundas se alegrassem um pouco por se sentirem aliviadas do desconforto dos bancos da Variant. Pra variar, depois de termos agraciado as buzanfas com a maciez da espuma dos confortáveis sofás, nós nos dirigimos ao barzinho dentro da sala. Ajeitei-me na cadeira alta rente ao balcão e esperei Fumaça calibrar o copo dele. </p><p>-Pra mim não. –falei tapando a boca do meu copo.</p><p>-Se você quiser eu peço ao garçom que traga um suco de jabuticaba pra você.</p><p>-Suco de jabuticaba o caramba. De preto já me basta você. Eu tô com vontade de fazer você beber essa merda vermelha aí, de uma vez só.</p><p>-De uma vez só eu não dou conta não. Mas até sairmos daqui eu garanto que esvazio a adega.</p><p>-Eu não duvido nada. Que negócio vermelho é esse aí?</p><p>-DJ, isso aqui é Campari. Só ele é assim. -fez o comercial da bebida e á bebeu de uma só vez.</p><p>-Só ele é assim o quê?-perguntei.</p><p>-Só ele é doce no começo e amargo depois.</p><p>Fiquei batucando o banquinho enquanto pensava um pouco.</p><p>-Então, vamos tomar banho e trocar de roupa. –sugeri.</p><p>-Você está sujo?</p><p>-Eu me banhei lá no quartel. </p><p>-Então não precisa se banhar de novo. Deixe-me ver. -ele se aproximou de mim e deu uma fungadinha que quase sugou a minha camisa. -Você ainda está cheiroso.</p><p>-E você?</p><p>-Eu tomei banho antes de você.</p><p>-Faz o seguinte então. –falei. -Eu vou dar uma volta pelo hotel, e você vai tomar banho de novo. Quando você diz que tomou banho antes de mim, é porque a última chuveirada sua foi á uma semana atrás. Eu vou ver qual o local melhor pra gente passar essa noite.</p><p>-Seu sem graça. –criticou entornando o copo.</p><p>Deixei o beberrão dentro da suíte e segui pelo enorme corredor que dá acesso ás dependências do Hotel/Clube. Do lado esquerdo eu vejo as piscinas, deques, e também um quiosque estilo cabana, com turistas bebendo em volta do balcão e outros, e outras dançando, erguendo os copos e cantando musicas acompanhados de um pequeno conjunto de instrumentistas que tocam violão, pandeiro, tambor e triângulo. Deve ser reggae ou música baiana.</p><p>*Esse tanto de portas nesse corredor deve ser das suítes. Tomara que os nossos vizinhos sejam gentes boas. -continuava pensando. </p><p>-Ôpa.</p><p>-Foi mal senhor...</p><p>-Senhor? O que isso amigo... Pega a sua bandeja.</p><p>-Obrigado. -disse o garçom meio tenso.</p><p>Antes de soltar a bandeja eu observo o garçom, olhando fixamente nos olhos dele.</p><p>-Você foi maltratado aí dentro desse quarto não foi?</p><p>-Tem pessoas que parecem que estão de mal com a vida senhor...</p><p>-Pode me chamar de DJ. Mas o que foi que aconteceu lá dentro?</p><p>-O cliente requisitou uma cuba. Um guaraná e um chá mate. Só que ele não avisou que queria o chá quente, eu o levei frio, aí ele me perguntou qual o melhor jogador do mundo... Eu respondi que era o Pelé. Aí ele me xingou de burro e disse que era pra vir outro garçom pra atendê-los.</p><p>-Bom! Pelo que eu entendi, aí dentro tem três clientes. Empresta-me aí o seu blaser e a bandeja.</p><p>-Já sei! Você vai entrar lá se passando por garçom. -disse o rapaz tirando o blaser.</p><p>-Bingo. Você acertou. Empresta-me a bandeja também. Fala lá para os seus chefes que um cliente derramou as bebidas em suas roupas, e ele insistiu pra lavá-las.</p><p>-O meu superior não vai acreditar nessa história e vai querer vir conferir.</p><p>-Diz á ele que a religião do cliente exige que todo erro que ela comete com alguém ele tem o dever sagrado de repará-lo.</p><p>-Será que dá certo?-coçando a cabeça.</p><p>-Todo comércio turístico respeita a religião de seus clientes. -garanti ajeitando o colarinho.</p><p>-De onde você é?-quis saber demonstrando admiração.</p><p>-De Toiânia, perdido em Atrasília. Vai lá... Depois eu te devolvo as Coisas.</p><p>O garçom seguiu para o seu posto. </p><p>Toc-toc.</p><p>-Sí. Lo que quiera?-perguntou-me o homem abrindo a porta.</p><p>Merda! Um vizinho de continente.</p><p>-Eu sou o garçom que veio trocar a sua bebida. -falei pausadamente.</p><p>-Usted és más um brasileño. Solo una cosa... Quien és el major jugador Del mundo?</p><p>*Esse gorducho é aguentinos.</p><p> -Eu acho que é o Maradona.</p><p>-Bueno! Bueno! Usted comprende de futebol. -disse satisfeito e me puxando para dentro da suíte.</p><p>-Aquel és mi mujer. -o homem mostra á mim uma senhora gorda, sentada no sofá. -Esta és mi hija. –apresentou-me uma linda garota. </p><p>*Caramba que gata!-Penso ao ver uma linda aguentina se aproximando de mim. É uma pena eu não saber falar o idioma espanhol.</p><p>-Olá!-disse ela.</p><p>-Olá! -disse eu.</p><p>O homem foi pegar o copo de chá gelado. A garota continua perto de mim que estou embasbacado com á beleza dela. Continuamos calados nos olhando.</p><p>-Eu gostaria de saber conversar com você, mas eu não sei falar sua linga. –confessei gesticulando batendo a mão no meu peito e no ombro dela, falando bem baixinho.</p><p>A garota ficou rindo sem deboche.</p><p>-Eu falo e entendo o seu idioma. -disse ela. -Nós moramos no Frio Grande do Sul.</p><p>-Áh bom!-exclamei sem graça. -Você vai ficar dentro dessa suíte o tempo todo?</p><p>-Não agorinha Á gente vai dar uma volta pelo clube.</p><p>-Eu tenho um amigo...</p><p>Lá vém o meu futuro sogro.</p><p>-Entonce usted conoce Maradona, El dios Del futebol?-Viva aguentina!</p><p>-Viva boca Juniors! -vibrei.</p><p>-Guita fuera. -disse o homem abrindo a porta. -Yo soi Riverplate.</p><p>-O que ele disse?</p><p>-Ele disse pra você sair pra fora.</p><p>-Anda. Guita fuera. –repetiu a desfeita pegando no meu braço.</p><p>-Ele quer que você vá embora. Você disse boca Junior. Ele torce pelo River Plate. Maradona é paixão nacional.</p><p>-Mas ele joga no...</p><p>-Bamo, Bamo. -O homem me apressa.</p><p>-Depois a gente se fala. Meu pai é muito fanático.</p><p>-Tudo bem! Tchau!</p><p>Saio com as mãos pra cima passando pelo gordo enfurecido.</p><p>-Hijo de La madre. -pronunciou o homem.</p><p>Voltei correndo para a suíte.</p><p>-Fumaça. –gritei fechando a porta. -Vem cá. </p><p>-O quê que foi? -perguntou passando gel nos cabelo.</p><p>-Pra que gel nessas molas de binga? </p><p>-Cê tá é com inveja.</p><p>Ignorei.</p><p>-Me diz aqui... Como é que a gente diz á uma garota aguentina que ela é linda, bonita, e o caramba que for, mas eu quero aprender falar coisas bonitas pra ela. Você fala espanhol?</p><p>-O Espanhol é fácil. Senta aí. Ò... Fala assim ó... La primera vez que te vi me enamoré.</p><p>-É fácil mesmo. –me animei. -Mas eu vou falar só isso? A garota é linda!</p><p>-Que jeito que é ela?</p><p>-Ela não é loira e nem morena... E nem ruiva. Ela tem a pele clara assim... depois você vai conhecer ela.</p><p>-Ela é gata igual a Lorrane?</p><p>-Muito... Não. Sei lá! Depois você vai ver ela.</p><p>Fomos para o sofá, onde Fumaça iniciaria á me ensinar o idioma de “Los Hermanos”. </p><p>-Cala a boca, senta aqui e me ensina a falar espanhol.</p><p>-DJ, com poucos minutos você aprenderá o básico pra ganhar essa gata. Vamos lá então... Fala assim pra ela: Chica que quiero besar tu boca.</p><p>-Chica! Mas eu nem sei o nome Dela.</p><p>-Chica quer dizer gata.</p><p>-Fala a frase toda. –Exigi.</p><p>-Gata eu quero beijar a sua boca. Você entendeu.</p><p>-Entendi. Fala mais aí. –pedi.</p><p>-Por que nós estamos falando baixinho?- ele quis saber.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> ***</p><p><br /></p><p>Chegou a noite, fomos até ao bar molhado ao lado de uma enorme piscina. É sexta feira, o local não tem muitos turistas, mas para mim e Fumaça, as garotas que estão por aqui são suficientes para trocarmos com elas um pouquinho de prosa.</p><p>-Fumaça, olha essa ali de lencinho cor de rosa amarrado na cintura.</p><p>-O quê que a gente vai beber? –Quis saber se sentando na cadeira de plástico branca.</p><p>Eu também me sento.</p><p>-Vai lá e busca alguma coisa pra gente beber, por que aqui não tem garçom não. </p><p>Ele obedeceu e foi até ao balcão. </p><p>Eu estou me sentindo um estranho. Alguns rapazes passaram por mim, de mãos dadas ás suas garotas e se sentaram nas cadeiras, ocupando as mesas com suas bebidas tropicais, e também bebidas enlatadas. </p><p>De repente eu vejo a filha do aguentino fanático, chegando e se sentando sozinha ao redor de uma mesa um pouco distante das demais.</p><p>*È ela! </p><p>Fumaça se aproximou com uma laranja e um caqui.</p><p>-Qual que você quer?</p><p>-Por que você não trouxe uns ponches?</p><p>-Os preços das bebidas aqui, já estão super inflacionados. Teríamos que ser sócios majoritários.</p><p>-Me dá a laranja... olha ali quem chegou.</p><p>-Aquela lá é a aguentina? –fez essa pergunta sugando a água do coco pelo canudo. –Ela se parece com a Demo Katia. Só que menos loira.</p><p>-É ela mesma. Espera aqui. –falei me levantando. </p><p>-Aonde você vai? </p><p>Não respondi e segui em direção á ela.</p><p>-E seus pais? Onde estão? –perguntei encarando-a nos olhos. Comigo é oito oitenta.</p><p>-Ficaram na suíte. Eles acham que está um pouco frio aqui.</p><p>-Más, o Frio Grande do Sul é muito frio.</p><p>-Sim. Mas tem apenas dois meses que nós moramos lá. Nós viemos pra Toiás fugindo do frio. Talvez viremos morar aqui.</p><p>-Em Paldas novas?</p><p>-Não. Em Toiânia. Capital.</p><p>-Que bom! Eu sou de lá.</p><p>-Que coincidência legal! –disse ela. </p><p>Eu e ela sorrimos olhando um nos olhos do outro.</p><p>-Você não quer me convidar para sentar um pouco para conversarmos mais á vontade?</p><p>-Nós já estamos conversando. –ela respondeu me deixando de cara no chão.</p><p>-Você fala tão bem o português.</p><p>-Eu gosto de estudar outras línguas. –disse ela levantando para sair.</p><p>-Espera! – a impedi de andar. -Eu decorei algumas frases pra te dizer.</p><p>-Eu prefiro poetas autênticos. –falou voltando á andar.</p><p>Dei uma olhada para o Fumaça que já estava conversando com uma morena em volta da mesa. Ao voltar á atenção para á aguentina, ela já havia se retirado uns dez metros de distância.</p><p>*Beleza! Ela quer que eu á acompanhe. </p><p>-Hein moça! Espere! –apressando os passos. Ela apenas deu uma viradinha para trás e continuou andando. Eu a alcancei. -Eu poderia ser autêntico falando no meu idioma. –falei tocando o braço dela e fazendo-a parar. -Você é muito bonita! –tocando o rosto da garota. </p><p>-Gracias. También es un niño hermoso. </p><p>-Olha, se for pra falar no seu idioma eu não vou conseguir ser autêntico.</p><p>-Eu quero ouvir o que você decorou pra me falar. –disse pegando em minha mão.</p><p>-Vamos nos sentar ali naquele banquinho. </p><p>-Se a gente se sentar ali, o meu pai logo vai nos ver.</p><p>Ao ouvi-la, peguei na mão dela, e nós dois encostamos ao enorme paredão lateral do hotel/clube.</p><p>-Por favor, não ria de mim. –pedi.</p><p>-Claro que não.</p><p>Penso um pouco para pronunciar.</p><p>-Ojalá pudiera darte un beso. –falei pondo a mão entre os cabelos e á orelha dela.</p><p>-Confieso que yo también quiero besarte ahora. Mas, o meu pai está bem atrás de você nesse instante. </p><p>Virei-me e dei de cara com o homem que se tornou o maior desafeto de todos os tempos.</p><p>-Hijo de la madre, lo que quiera con mi hija?</p><p>Saída de emergencia. Cebo nas canelas. O baixote ficou me excomulgando e fazendo juras de me arrancar o escalpo. Podia jogar truco sobre minha camisa ás minhas costas.</p><p>Eu quase derrubei a porta. Se ela estivesse trancada, eu a arrancaría com potal e tudo. Nessas horas de fuga alucinada a gente perde o freio.</p><p>Na suíte, Fumaça estava escolhendo algo para dosar os copos que ele já havia colocado no balcão do bar.</p><p>-Que cara é essa, DJ? Você não conseguiu conquistar a garota?</p><p>-Você só me ensinou dizer eu quero te beijar, te namorar, e você é linda, Em espanhol, e ela não quis nem saber desse papo furado. Aí me apareceu o gorducho. –ofegante, fiz o relato. </p><p>–Bebe uma, só de raiva. </p><p>Enquanto ele serve as bebidas eu penso. Eu vou fazer ele parar de beber.</p><p> –Áhhhhhhhhhhhhhhhhh! – falei prolongadamente.</p><p>-Caramba! -disse se assustando. –O quê que foi DJ? Merda! Eu quase quebrei a garrafa de licor. –com uma mão segurando a garrafa e a outra no peito. –Fala logo DJ!</p><p>-Ela me perguntou se eu bebia bebida alcoólica, eu respondi que não. Aí ela me disse que as pessoas que bebem são propensas á receberem os espíritos que vagueiam nas trevas, vindos de outras dimensões.</p><p>Dessa vez eu fiz cara séria para fazê-lo acreditar no que eu disse.</p><p>-Eu não vou beber mais não, - assustado e arrepiado.</p><p>-Você pode beber se quiser. Na escuridão das trevas, nem os espírito te enxergam. </p><p>-Eu hem.! Quero não. –tampou a garrafa e guardou-a. – Aonde nós vamos? –perguntou saindo detrás do balcão.</p><p>-Eu vou é dormir cedo.</p><p>-Eu soube que vai haver um baile no salão de festas, Porão. Antes de ir ao baile, eu vou pitar um fininho, já que eu não bebo mais.</p><p>E o meu tiro saiu pela culatra. O fininho dele é da grossura do tronco do braço do aguentinos pequenote e furioso. </p><p><br /></p><p><br /></p><p> ***</p><p><br /></p><p>Vestimo-nos á caráter de uma conferência anual dos chefões da máfia americana dos anos 40. O salão está lotado de gente bebericando em taças de cristal. Eu acho que nós entramos de penetras em uma festa financiada por Al Capone e sua trupe. </p><p>Nossos trapos não serviriam para nos colocar á altura dos bem vestidos que estão presentes nesse baile. Felizmente, encontramos as roupas que foram deixadas pelos nossos três antecessores, Idiota, imbecil e calhorda. As roupas de fino acabamento, deixadas por eles vieram bem á calhar para mim e Fumaça. Vestidos com elas, evitamos sermos barrados no baile. Fumaça já engoliu duas azeitonas que acompanhava as taças de Martini que nos foram servidas. Ele me garantiu que não vai mais beber bebida alcóolica. O efeito da maconha o faz ficar perseguindo as bolinhas coloridas projetadas no piso pelo globo da iluminação. Feito um calango ele fica balançando a cabeça. A viagem dele está sendo louca. Se eu não puxar assunto com ele, os garçons vão pensar que ele é epilético.</p><p>-Ô malandro lagartixa, daqui á pouco você estará dando convulsões. –o chamei de volta á realidade. Ele me olhou, com os olhos em brasas e com o olhar apagado. </p><p>-DJ, você está se parecendo com o Frank Sinatra universitário. –disse, cofiando o queixo.</p><p>-Então somos dois astros da música amerdicana arrasando nessa festa. Você só precisa por óculos escuros para ficar idéntico ao Steve Wonder.</p><p>-Eu sou fã daquele negão.</p><p>-E quem não é?</p><p>♪I just Call, to say i love you. - fizemos um dueto.</p><p>Já rimos muito por vermos uns homens de queixos empinados, caras de maus, e com roupas que os fazem parecerem gângster. Isso aqui está muito masculinizado. Mulheres que abanam leques ficaram nas suítes. Fumaça está ao meu lado, tal como eu estou sentado, de costas para a parede. Em locais que só tem ratos machos, gatos ficam constantemente na defensiva. Ficamos observando os movimentos e gestos comedidos de todos os convidados que transitam pelo salão. </p><p>-Ô Fumaça, me diga uma coisa, a instituição da democracia privou os homens de serem acompanhados por suas esposas?</p><p>-Dependendo do que for decidido aqui hoje, elas continuarão pilotando fogões em suas casas. Mas, eu acho que os maridos ás deixaram em suas residências por precaução. Aqui só tem gente esperta. Políticos não confiam uns nos outros. </p><p>-Festa sem música não rola, Fumaça.</p><p>-Eu soube que o cantor Quiabuza compôs uma música especialmente para essa reunião de figurões, e ele viria cantar ao vivo.</p><p>-E por que não veio?</p><p>-A letra passou por uma análise pelos homens da censura antes de serem confeccionados os convites para a festa. Logo na primeira estrofe o analista entendeu que Quiabuza não foi nem convidado para a festa, muito menos para cantar. A apresentação foi cancelada. Quiabuza está cuidando do estacionamento nesse momento. Eu vou dar á ele uma carteira de cigarros, se de vez em quando ele correr o olho na Variant. </p><p>-O que você achou da música?</p><p>-Bem assertiva. Quiabuza errou apenas em um trecho. </p><p>-Qual?</p><p>-Numa parte em que ele diz que a festa é para pés rapados como á nós dois. </p><p>Continuamos só observando os poderosos em seus lugares. De vez em quando, uns riem, outros fecham as caras para os seus interlocutores. Outros ignoram as presenças de outros. Fumaça conhece todas as personagens célebres que aqui se encontram.</p><p>-Nêgo, quem é aquele que a silhueta dele se assemelha ao cabo de uma vassoura?</p><p>-Não estou vendo.</p><p>-Perto da tribuna do orador. Lá está ele liberando o garçom para servir o companheiro dele.</p><p>-Vi, vi. É o liberal Magro Masquieu. Comandante do gabinete da presidência. </p><p>-E aquele do lado esquerdo da coluna de sustentação do teto, com duas taças nas mãos?</p><p>-O das sobrancelhas grossas e desgrenhadas?</p><p>-Ele mesmo.</p><p>-Limonel Pistola. Foi o homem de confiança do finado Mergulho Barcas. Socialista por convicção, de muita influência. Não serão alguns Martinis que o derrubará. O homem é resiste. </p><p>-Do outro lado tem um sisudo com jeito de general do exército, com os cantos da boca caídos. Quem é ele?</p><p>-Vixe, se depender dele, a ditadura ficará presa aqui no Porão Clube. Ele é perseguidor ferrenho da ditadura. </p><p>-Diz logo como ele se chama miolo de escapamento?</p><p>-Fuzile Queimacãs. Por ele os ditadores já teriam sido fuzilados e queimados em praça pública. Provavelmente ele será candidato á presidente do Atrasil, no ano que vém.</p><p>-Só têm democratas aqui.</p><p>-Aspirantes também. Você tá vendo aquele barba-negra sindicalista sentado á mesa do canto e esbravejando com o maitre?</p><p>-Vejo.</p><p>-Ele é o porta-voz dos metalúrgicos, mas quer defender toda classe trabalhadora...</p><p>-Então é por isso que ele está discutindo com o chefe dos garçons. –deduzi.</p><p>-Com certeza ele deve estar reivindicando melhores condições de trabalho para os serviçais dessa festa. Aquele maitre é que se cuide. O nome do defensor dos mais fracos é Gula da Silga está fazendo um reboliço na vida dos empregados e empresários do ramo da metalurgia...</p><p>-Fumaça, tomara que ele não faça esse evento virar um PeTêco.</p><p>-Torçamos para que isso não aconteça, mas se acontecer, pior que isso não fica. Tá muito sem graça aqui. Eu vou queimar uma pontinha lá fora. Agorinha eu volto.</p><p><br /></p><p>Minutos se passam. Horas se completam. E nada de acontecer algo marcante nessa noite de festa. Começo á bocejar. Alguns dos mais notórios homens do baile sem música já foram se reunir em uma sala reservada. Gula da Silva já manifestou a indignação dele em respeito á demora, para que os assuntos referentes á Constituição Federal sejam logo discutidos e desfechados. Nesse momento, ele está no centro do salão, puxando a brasa para a sardinha dele. -Com eloquência e voz estalada, ele bota á todos para prestar atenção nas promessas dele. </p><p>–Nunca na história desse país houve tanta morosidade e falta de boa vontade para solucionar os problemas que afetam a classe operária. Eu lutarei em prol de todos os trabalhadores, e serei o melhor presidente da história desse país. Nunca na história desse país haverá um governante mais competente que eu. Nunca na história desse país... </p><p>-E aí DJ, o que rolou? –Fumaça, perguntou se sentando.</p><p>-Nessas duas horas que você esteve viajando por aí, não rolou nada ainda.</p><p>-Eu quero te contar uma coisa muito reveladora. </p><p>-Fala, Fumaça.</p><p>-Três caras estão tentando fazer parte do diário da sua garota. Mas o pai dela quer pô-los pra correr.</p><p>-Aquele aguentinos não gosta de nós brasileiros. Eu vou acertar as contas com ele. </p><p>-Venha comigo, eu te levo onde eles estão.</p><p>Deixamos para trás a festa mais chata de todos os tempos. Fumaça ia me conduzindo em meio ao breu da escuridão.</p><p>-Me dê a mão, Fumaça, senão eu me perco de você.</p><p>-Vem, vem, é ali.</p><p>Passamos pelas piscinas e quadras poliesportivas. Uma lâmpada acesa clareava a entrada de um silo. O imbecil do Fumaça nos fez circular o Porão onde é realizado a festa.</p><p>-Nêgo, seu solvenizeiro da Jamaica, estamos na parte do fundo do Porão.</p><p>-Eu errei o caminho. Chegamos. Escuta a baderna lá dentro.</p><p>Colamos as orelhas na porta.</p><p>“Não, assim nós não aceitamos, tem que ser do nosso jeito, senão, todos vão ser fodidos”</p><p>-Tá havendo uma suruba lá dentro Fumaça. Aquela putinha vai se ver comigo. </p><p>-O que você vai fazer?</p><p>-Afaste-se. Eu a flagrarei. -dei cinco passos para trás e arranquei com ímpeto total contra a porta de duas bandas. -OOOOOOOpaaaa. –passei direto pela porta aberta e me trumbiquei em cima de uma mesa. A minha entrada seria estrondosa, se o meu parceiro não tivesse abrido a porta. O meu estômago foi se colar ás minhas costas. Quando eu me recompus, percebi que todos os homens haviam evadido do local. Não vi nenhum deles. Havia uma folha de papel timbrado, com um escrito: Carta mágica ideia nocional. –Tá tudo borrado, mas eu acho que é isso mesmo que está escrito. Guardei-a no bolso da minha calça. Notei que uma mulher toda esculhambada queria sair sorrateiramente. Era a filha do aguentino querendo fugir pela porta, a qual eu passei vazado por ela. Mas</p><p>Fumaça á impediu, segurando-a pelos braços.</p><p>-É ela, DJ. A mulher que nós procuramos.</p><p>-Demo Katia. –gritei. </p><p>-DJ. –ela vem correndo em minha direção. -Socorro. Não me levem para Atrasília. </p><p>-Sim, te levarei. De gente sem vergonha, lá já tá transbordando, mas cabe mais uma. O meu parceiro te viu sassaricando em grupo. Você foi fuçada e bulida.</p><p>-Eu fui estuprada...</p><p>-Sua sem vergonha, você estava era estuprando. Terá que se virar com pessoas do seu naipe.</p><p>-Não, DJ, não faça isso. Você estará pondo tudo...</p><p>-Calado Fumaça. –peguei no braço dela. –Vamos, o preletor fará um bem enorme ao te apresentar á todos e revelar o conteúdo de seu diário pessoal. Abra essa porta ali, Fumaça. Detrás dela está sendo realizada uma cerimônia de apresentação dessa vagabundinha. </p><p>Fumaça, sem querer, me obedeceu, e, estávamos de volta ao salão da festa mais chata de todos os tempos. Fui puxando Demo Katia até a tribuna. Que rufem os tambores. Eis que eu vou trago a única estrela feminina de uma constelação. Vestido branco de seda. Tamancos Luís XV, de salto esquerdo quebrado. Batom vermelho, borrado. Hematomas no rosto e nos braços. Cabelos espevitados. Não cheira á maconha, mas a noite de orgia dela estava sendo louca. </p><p>-DJ, não cometa esse erro. –Fumaça me redarguiu.</p><p>-Se você está com pena dela, fique com ela pra você.</p><p>-Cê que sabe. –disse, ficando para trás.</p><p>Segui á tribuna. A multidão estava estarrecida diante de tal cena. Demo Katia esperneava, mas eu á seguro firme e decidido.</p><p>-Pegue preletor Fuzile Queimacãs. Apresente essa dama da noite á todos. </p><p>-Onde está a carta de apresentação dela?</p><p>-Está aqui comigo. –passei para ele. </p><p>-Vocês não podem instituir a Constituição com essa carta. Ela foi adulterada. –disse ela.</p><p>-E você é uma adúltera. –falei. –Siga com a desmascaração, senhor. </p><p>-Senhoras e senhores. –disse o preletor na tribuna. –Eu apresento á todos vocês, a nossa convidada de honra, Demo Katia. -esperou, mas não vieram as palmas. Apenas olhares desconfiados.</p><p>-Leia a carta dela para todos saberem quem é ela, preletor Queimacãs. É você que está mais interessado na tal Democracia mesmo.</p><p>-Não temos mais tempo, ela terá que ir imediatamente para Atrasília.</p><p>-DJ, DJ. –Fumaça, me cutucando.</p><p>Inclinei a cabeça para o lado dele, para ouvi-lo, enquanto eu observava a Demo Katia toda estrunchada sendo levada pelo preletor. Eu começava á pensar que ela não é uma Demo Katia, sim uma Bis Katia.</p><p>-O que foi nêgo?</p><p>-Você está vendo àqueles três sujeitos que estão saindo de fininhos?</p><p>-Tô. São o Renato, o Flávio e o Diego. Deixa comigo. Eles estavam atrás dessa Biscate desde 1985.</p><p>Corri até aos três, e os alcancei.</p><p>-Viram, como se cumpre uma missão, seus três incompetentes?</p><p>-Essa Demo Katia aí é uma prostituta. Ela passou pelas mãos de muitos homens lá dentro daquele cômodo reservado. –Renato apontou para a mesma sala onde os homens notórios foram se reunir minutos antes.</p><p>-É por isso que ela está toda esculhambada desse jeito. Parece que tem um século de idade. –falei. </p><p>-Ela estava com a carta-documento dela, mas foi adulterada. –Flávio informou.</p><p>-Não seria a Carta magna que seria revisada aqui hoje para ser enviada á Atrasília?</p><p>-Justamente. Nós três não concordamos em participar daquela sacanagem.</p><p>-Por que vocês não denunciaram esse estupro ideológico? O povo atrasileiro dependerá muito do teor daquela carta. Tudo indica que a Demo Katia não será levada á sério e nem respeitada, por razão do que aqueles infelizes fizeram com ela.</p><p>-Nós não temos culpa. –Renato falou pelos três.</p><p>-Ah, mas tem sim. Vocês presenciaram tudo e terão que pagar por terem sido omissos.</p><p>Quando eles me viram arregaçando as mangas da minha casa, perceberam que levariam a maior surra das vidas deles. </p><p>Correram em disparada. Eu iniciei a perseguição. Corre para um lado, corre para o outro, até que...</p><p>-Pare DJ. Chega. Nós nos rendemos. –Renato pediu arrego próximo á borda piscina. -O que você quer que a gente faça para nos redimir?</p><p>Flávio e Diego vieram até á nós.</p><p>-Vou dar uma chance á vocês três. Vão direto para Atrasília. Façam acordos com os maiorais e limpem a barra da Demo Katia. </p><p>-Combinado. Vamos embora, companheiros. </p><p>Foram.</p><p>Com as mãos na cintura eu fico vendo o meu reflexo na água da piscina. Estou decepcionado comigo mesmo. Mereço ser castigado ao invés da população atrasileira.</p><p>Vejo outro reflexo detrás do meu. É ele.</p><p>-Hijo de la madre. Usted envió a la niña al lugar equivocado. – falou furioso.</p><p>-Ô aguentino filho da mãe, a sua filha estava cansada de você. E á partir de hoje nós dois nos tornamos os maiores rivais um do outro.</p><p>-Idiota, ella no es a mi hija. Esa puta era que iba a llevar al Ingleses. Me gustó de los atrasileiro. Pero ahora, no me gusta más.</p><p>E assim surgiu a rivalidade entre os atrasileiros e os aguentinos.</p><p>-Que tal, decidirmos essa situação, no palitinho. No futebol, vocês aguentino não são páreos para nós.</p><p>-Vamos a discutir el valor y coraje de nosotros aguentinos y los atrasileiros.</p><p>-Eu não sou de violência. –falei já em retirada.</p><p>-Te voy enseñar como ser valiente y guerreiro. -correndo atrás de mim.</p><p>Escorreguei na borda da piscina e... Tchabummm.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> ***</p><p><br /></p><p>Nossa, que sonho mais tenso. Onde já se viu um cara corajoso como eu, correndo de um argentino baixote maluco? </p><p>“Em Brasília, 19: 45“</p><p>Ainda está passando a Voz do Brasil. Mas que noite longa. Vou voltar á dormir. </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> ###</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Como eu disse no início, com uma frase originalmente minha: - O ser humano cria conceitos, e ao discutir sobre eles geram seus preconceitos. –Vamos tratar destes mesmos conceitos, mas, sobre á ótica da democracia.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> </p><p> INÍCIO DA DÉCADA DE 90. </p><p> </p><p><br /></p><p>-Acorde Soldado DJ atrapalha missão. </p><p>Eu não sei o que eu estou fazendo no leito de uma enfermaria.</p><p>Olha só quem me aparece: um conscrito mochileiro, metido á instrutor de treinamentos. O magricelo não deve dar conta nem de superar os obstáculos dos percursos, e ainda quer pagar de maioral. Se continuar, ele vai ter que procurar outro quartel. </p><p>-O que eu estou fazendo aqui. –pergunto esfregando o rosto.</p><p>-A bela adormecida, ferrou com a ditadura militar.</p><p>-Quem é você, ô Tigre dente de Sabre? É a primeira vez que eu te vejo de corpo inteiro. Seus dentes são iguais tapumes de construção civil. –falei tocando os pés no piso.</p><p>-Eu sou novo nesse departamento, mas os seus colegas já me passaram o seu currículo. “Missões desastrosas”. –e riu feito um menino na frente de um palhaço. O cara nem me conhece e já chega tirando uma. Se continuar, ele vai ter que procurar outro quartel.</p><p>-De quem você está falando seu filho da mãe do caralho, e que merda é essa de missão?</p><p>-Missão Salve o Atrasil. Mas, você o destruiu. Nós militares nacionalistas, éramos os maiorais. Agora, ficamos em segundo ou terceiro plano. Entendeu imbecil? Até o lençol dessa cama é importado.</p><p>“Pow.”</p><p>-Você quebrou o meu dente, seu filho da...</p><p>“Pow.” Novamente.</p><p>-Importe outro dente, babaca. Vaza daqui, ou eu terei que te deixar em situação de fim de carreira por invalidez, ou te exportar para outro quartel.</p><p>Ele foi tapando a boca. No piso ficaram dois pedaços de dentes tão grandes como a rampa do planalto. </p><p>De repente vejo entrando na sala, uma mulher vestida de capitã, mas com cara de general com má digestão. Ela tem uma prancheta com folhas em branco nas mãos. De cabelos soltos ela seria mais bonita ainda. Sentou-se. Deve ser a dentista que veio cobrar de mim dois quilos de massa dentária para consertar os dentes do soldadinho banguela.</p><p>-Seu nome completo, soldado. –inquiriu sem dizer boa noite, ao menos.</p><p>-Divino Justino, DJ.</p><p>-Você consegue me dizer qual foi a sua primeira missão no serviço militar?</p><p>-Em minha primeira semana no alojamento, eu tive a missão de encontrar quem foi o filho da mãe que amarrou os cadarços dos meus coturnos, um no outro.</p><p>-Com certeza foi uma aventura e tanto. –disse ela anotando na folha sem me olhar.</p><p>-Dentro de um banheiro a maior aventura é cantar debaixo do chuveiro.</p><p>-Você o trancou para impedir que ele estivesse no refeitório na hora do almoço?</p><p>-Eu deixei a porta aberta...</p><p>-Diz logo o que foi que você fez com ele. –agora me olhou e cruzou os braços sobre as pernas.</p><p>-Eu o enfiei de ponta cabeça no vaso sanitário.</p><p>A psicóloga inflou as bochechas, fechou os olhos e se recompôs.</p><p>-Você vai anotar esse acontecimento?</p><p>Não respondeu.</p><p>-O que um rapaz igual á você, faz na divisão de fuzileiros do exército?</p><p>-Servir á população brasileira.</p><p>-Não seria servir a pátria?</p><p>-Ela já está bem servida de riquezas naturais...</p><p>-Tudo bem. Fale de Demo Katia. Você se lembra de alguém com esse nome?</p><p>-Eu a conheci em Paldas Novas, mas, á exportei para Atrasília. </p><p>-Não houve nada mais entre vocês dois?</p><p>-Sim. Ela era uma piranha das mais insaciáveis. </p><p>Olhou-me com sisudez, mas, eu notei um leve sorriso nos lábios dela.</p><p>-Fale de Demo Katia somente.</p><p>-Só sei que ela é tão sem vergonha quanto bandida. </p><p>-Você a enviou á Atrasília. O presidente não gostou de tê-la como residente e de ter tido o tempo de mandato dele reduzido. É pra paga pelo que ele fez com o ex-presidente Grão Figorredo.</p><p>-E por onde anda o Grão? </p><p>-Ele não compareceu á cerimônia de entrega da faixa presidencial, e saiu pela porta dos fundos para não ser lembrado pela população, como sendo ele conivente com os traidores. Desde então, nunca mais ele foi visto.</p><p>Pelo menos, ele será lembrado como sendo o último general á governar Atrasília por intermináveis seis anos. </p><p>-E o atual ex-presidente Juré Euquiarmei? Ele também acha que eu sou um traidor?</p><p>-Fim da sessão. –disse, se levantou. O seu veículo está com o seu amigo na portaria do quartel.</p><p>Belo rebolado, o dela. Eu fico á ver navios dentro da enfermaria... </p><p>Quer saber? Tchau quartel.</p><p>Na guarita eu vejo o Fumaça todo sorridente em cima da minha mobilette.</p><p> -Fala aí DJ, como é que eu fico dirigindo essa danada?</p><p> -Igual á um besouro trepando num gafanhoto. –pulei na garupa. - Pilote a máquina, nêgo. A minha cabeça está um pouco zonza. </p><p> </p><p><br /></p><p> ***</p><p><br /></p><p>Ao entrarmos na casa, me deparei com mobílias novas e esteticamente mais apresentáveis. Particularmente, o que mais me chamou atenção não foram os móveis da sala ampla com sofás confortáveis e aparelho televisor sem tubos, com espessura de uma caixa de fósforos, gigante, mas sim, a geladeira branca com o congelador separado do refrigerador. </p><p>-Essa geladeira é bem mais legal do que a minha, aquela geringonça que para manter a porta dela fechada eu tinha que usar uma câmara de ar de pneu de bicicleta. –confessei enquanto eu devolvia a garrafa de água á moderninha.</p><p>-A democracia está trazendo progresso e desenvolvimento econômico ao nosso país.</p><p>-Isso é bom. –assenti depois de beber a água e por o copo na pia de granito com bacia inox. –Antes, a pobreza era tanta que, eu me transformei em engenheiro mecânico para manter a minha Mobí funcionando.</p><p>Mariozan, ao me ouvir, levou as mãos á nuca e uniu os cotovelos numa demonstração clara, de desânimo.</p><p>-Sente-se aí nessa cadeira.</p><p>A minha bunda agradeceu pela cortesia. A cadeira almofadada não beliscou as minhas cochas quando eu sentei.</p><p>-E os três patetas que foram para Atrasília para resgatar o valor da Demo Katia? Vai ver, eles ferraram mais ainda com a população.</p><p>Friccionou as mãos uma á outra.</p><p>-Nada disso, eles tentaram ajudar o país, mas foram logo depostos dos seus ministérios.</p><p>-Explique-se. –pedi.</p><p>-Pois bem, - pressionou os dedos, fazendo-os estalarem. – O Flávio Socialista, assumiu o ministério do desenvolvimento econômico e implantou um sistema de distribuição de renda favorecendo os mais pobres. Com esta política, ele estava conseguindo sucessivamente erradicar a pobreza extrema dos menos favorecidos no país. Mas, infelizmente, ele foi exonerado do ministério, por ter sido considerado antidemocrático, pelos elitistas do governo, que acham que o socialismo não pode ser aplicado em um país o qual o capitalismo impera.</p><p>-Êh, êh, socialismo funciona melhor com o capitalismo. Sociedade sem capital financeiro não rola. Há de se entender de onde vem esse capital.</p><p>-Correto, mas a alegação da oposição foi que os grandes e mais ricos seriam prejudicados ao dividirem suas riquezas com os mais pobres, porque democraticamente, isto é injusto. Com este argumento, o sucessor convenceu a maioria no congresso, e, o Flávio socialista deixou o ministério.</p><p>-Puxa vida, mas que argumento pífio. Era só fazê-los entender que numa sociedade, entre os sócios existem aqueles que possuem uma porcentagem maior, e outros menores. Socialismo não quer dizer sociedade entre ricos e pobres, sim divisão justa da riqueza gerada pelo país, entre a população e o próprio estado federativo. A população comum ficaria satisfeita com apenas um pouco do montante arrecado pelo estado. O nosso país é rico de riquezas naturais e grande gerador de receitas em todos os setores da economia. E, o capitalismo sendo utilizado de forma consciente e honesta, incentiva á pessoa á enriquecer de acordos o seu empreendedorismo. Tipo assim: a minha parte é cinco mil. Com essa grana eu monto uma oficina de mobilete e vou ganhar mais grana se der certo o negócio. A parte do Fumaça é dez mil, mas ele á usa para fazer um implante de cabelos lisos, a genética capilar dele rejeita o implante, vai cair tudo provavelmente. Isso mostra que ele não foi um bom empreendedor e perdeu toda a grana dele numa vaidade idiota.</p><p>-Os elitistas alegam que o socialismo impede o crescimento econômico interno e externo e anula as possibilidades de competir com as grandes economias do mundo. Importação, exportação, etc. e tal.</p><p>Fumaça levantou-se e foi à geladeira e pegou duas maçãs. Uma pra mim e outra para ele. Diplomaticamente, ele ás lavou e as enxugou com uma flanela branca e asseadíssima. Quis descascar a minha maçã como ele fez com a dele, mas eu, conservadoramente á comi com casca e tudo.</p><p>-Eles negam o socialismo entre a população e o estado de direito, mas utilizam dele para uma sociedade entre eles mesmos. Ou seja, o tesouro nacional é divido entre eles no congresso. </p><p>-Os tempos mudaram, mas, e o Diego? –perguntei.</p><p>-O Diego Comuna comandava o programa de inclusão social, dando á todos os pobres o direito de terem educação, emprego e moradia. Estava indo bem, mas não agradou a ala elitista que não apoiou a ideologia comunista funcional da gestão dele.</p><p>-Mas que mal há em um comunismo aplicado em um país rico economicamente e de desigualdade social estratosférica? Seria uma mudança de posição benéfica aos dos mais baixos níveis sociais. Os pobres teriam educação, moradia e emprego, assim como as melhores condições financeiras, comumente os têm. Mas, esta conversão de direitos á bens sociais, não quer dizer que seja uma inversão de classes sociais. É simples entender tudo isso.</p><p>-Eu também penso assim, mas já não podemos mais seguir as nossas próprias convicções.</p><p>Enfio as unhas no meu couro cabeludo, tentando não me deixar ser tomado pelo sentimento de culpa pela minha irresponsabilidade por ter enviado uma prostituta no lugar de uma donzela.</p><p>-O que você me diz do Renato progressista?</p><p>-Também foi exonerado do ministério da educação. A metodologia dele era o progresso do intelecto, e até aonde ele chegou com sua gestão, tudo estava funcionando muito bem. Mas, a elevação intelectual da população traz dores de cabeças ao governo e aos seus secretariados.</p><p>-E por quais ideologistas estes três idealistas foram trocados.</p><p>-Pelos idiotologistas: fascismo, alienismo e o comodismo. Mas ainda resta uma esperança. Podemos resgatar a moral dos nossos parceiros e empossá-los em seus ministérios.</p><p>-Não tem como. Eles foram exonerados. Não tem mais volta.</p><p>-Sim, tem. A democracia concede á eles o direito de serem reempossados.</p><p>-Então, eles foram apenas afastados temporariamente.</p><p>-Isso. Não foi isso que eu falei?</p><p>-Não, nêgo idiota. Você disse: exonerados.</p><p>-E não é a mesma coisa?–o imbecil falou tirando alguma coisa do bolso da calça. </p><p>Hum, maconha.</p><p>-Nêgo, antes de você acender o cachimbo da “náis”, me fale sobre o novo Atrasil.</p><p>-Vou falar rapidinho porque eu tô na fiçura por um back. A inflação está em alta. Isso é bom para o rendimento da poupança. A grana que eu consegui vendendo a sua mobilette continua rendendo juros estratosféricos. </p><p>-Se eu perder tudo outra vez, eu te darei um murro que te lançará na estratosfera.</p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Conferi a minha lista de afazeres para hoje e resolvi deixar tudo pra segunda feira, afinal de contas, a noite de ontem não deu pra eu curtir o quanto eu tinha pra curtir. –a grana era pouca. Mas agora eu tô podendo. Pensei em ligar pra Anamara e fazer minha Mobí ficar parecendo o meião do flamengo. Eu de calça jeans e camiseta branca, ela, toda de preto em cima da minha vermelhinha. </p><p>Resolvi dar um grau na Mobí. A última revisão foi feita na década passada.</p><p> -Ô DJ! Seu farol já está trocado e montado.</p><p>-Beleza Fausto. Quanto é a parada?</p><p>-Quarenta Cruzados.</p><p>-Caramba! –quase gritei. -Você trocou só o farol, ou comprou um estoque pra loja?</p><p>-O farol é importado original... Você sabe como é né?</p><p>-Qual é Faustão? Por esse preço eu compro até os refletores do maracanã. Desse jeito eu terei que ir á concorrência internacional.</p><p>-Você é engraçado. –disse, rindo de mim.</p><p>Percebi que não adiantava mais chorar. O filho da mãe pegou minha nota de cinquenta e saiu enfiando a chave de fenda no bolso da calça indo até ao caixa da Autopeça onde eu entrei pela á ultima vez. Se aqui fosse autopeças para aviões e ele trocasse o farol de um jato ainda assim o dono do jato não sairia tão lesado igual á mim.</p><p>Dizem que quem canta os males espantam. Eu canto muito, mas eu fiquei mal com o batedor de carteira do Faustão.</p><p>-Traga o meu troco logo, ô... eletricista da base aérea. –gritei pra todos ouvirem. Inclusive o dono.</p><p>-Tá aqui seu troco. Valeu DJ!</p><p>-Valeu os olhos da cara. –falei guardando o meu troco. </p><p>A minha próxima missão será contra a corrupção. E, eu a atacarei começando pela cambada mais estúpida. O fausto me roubou na cara dura. Uma lâmpada de farol não vale mais que 5 Cruzados. </p><p>Depois de sair da autopeça que deveria se chamar autoroubo, eu cheguei ao orelhão para fazer mais uma de minhas ligações. Com certeza, os cartões teriam ajustes tarifários também. Hoje em dia, quando a gente pega uma mercadoria na prateleira e vai ao caixa para pagar por ela, a atendente avisa que o preço subiu naquele instante. É a inflação. Aí eu canto aquela música: Meu Deus pra quê tanto dinheiro, dinheiro só pra gastar. Que saudade eu sinto do Cruzeiro... </p><p>Atendeu.</p><p>-Anamara. G. Lobo, você se lembra da minha voz.</p><p>-DJ, que bom te ouvir. Venha me encontrar na confeitaria do planalto.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> ***</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Se você marcar o primeiro encontro com uma mulher que está sempre á frente das notícias, chegue antes dela ao local combinado, no mínimo uns dez minutos. Assim você terá tempo para dar uma conferida no visual. Se for numa panifichonete como a que eu estou, sempre existem vitrines pra servir de espelho pra você verificar se a camiseta está legal e se a calça não está manchada atrás, por causa do óleo da mobilette. No meu caso, eu não corro esse risco por que, a minha ainda está zera. -com exceção do farol, dos pedais e do banco que já está com rachaduras idênticas ás do solo da Caatinga Nordestina. </p><p>Eu preciso conferir o meu cabelo, mas, pra isso, me inteirei de que no local onde estou tem um banheiro na lateral do fundo do estabelecimento, e com certeza vai ter um armarinho-espelho logo á cima do lavatório. Fui lá, conferi e voltei. O espelho estava quebrado e o vaso trincado. Andando em direção á mesa, sem desviar o olhar, da balconista mais gata do mundo, eu percebi que o patrão dela é cruel, muito cruel. Ele deu á ela um jaleco que mais se parece uma batina de padre. Se batina de padre for da mesma cor branca, eu acho que roubaram a vestimenta do sacristão da Abadia de Westminster, e deu á ela de presente. Mas ela é tão bonita que se ela fosse invisível, ainda assim, seria eleita á miss balconista do estado do universo. </p><p>Saí fora do Vinícius á tempo, pois, mesmo ele não sendo fotógrafo, poderia ter queimado o meu filme. Ele é gente boa, mas as garotas ficariam surpresas em me ver conversando de perto com um aspirante á bailarina.</p><p>Sentei-me de frente para a porta e vi Anamara chegando com uma loiruda que parece ter fios de cobres na cabeça, em lugar de cabelo. </p><p>-Oi DJ. -Anamara me cumprimentou se sentando de frente á mim.</p><p>-Oi Dhei!-a loiruda abreviou meu nome sorrindo e me estendendo a mão.</p><p>Eu achei muito espontâneo o sorriso dela. Percebi uma falha entre os dois dentes da frente, dela, que comportaria um canudinho de Milk-Sheik entre eles. Dentes assim não acumulam cáries entre eles. Para mim, é a dentição perfeita. </p><p>-Oi senhoritas... Á propósito... Como você se chama?- perguntei sem largar a mão da loiruda.</p><p>-Zeza Cardimelo. -ela respondeu me dando três beijinhos.</p><p>-Prazer. Eu sou Divino Justino.</p><p>Elas riram e se sentaram.</p><p>Agora eu estou podendo. Acompanhado de duas lindezas. Pra disfarçar a alegria eu olho para o balcão e vejo a balconista e Flor-de-lis, aliás, Vinícius, me olhando e cochichando. Se exploda de inveja bicha louca. -desejei á Vinícius em pensamento. </p><p>-Senhoritas. -falei arredando a porta canudinhos e o porta Guardanapo. . -Á que viemos aqui?</p><p>-Eu vim te conhecer. A Anamara me falou de você. -confessou Zeza.</p><p>Senti que ela deu uma balançadinha. Era Anamara dando um chega pra lá na perna dela. Senti também que a Anamara não estava afim de mim, pois, se estivesse ela não teria trazido esse avião. Melhor dizendo, essa nave espacial, que com certeza não está interessada em mim. Sem dúvida ela já tem um piloto para comandá-la. Pra não dizer que eu não irei comandar nada eu dou uma olhada na calçada e vejo a minha Kavassaco no mesmo lugar.</p><p>-Devo dizer que me sinto honrado. -falei igual ao Francisco Cuoco cheio de charme. -Dê-me sua mão. -pedi e depois a beijei. - Eu acho que conheço esse cheiro. -funguei. Ela sorriu. -L’áqua di Fiori. –Arrisquei.</p><p>Ela sorriu de novo.</p><p>-Como você sabe?-perguntou-me Anamara.</p><p>-Eu sou bom nisso. -respondi. –Atendente. - chamei Soraia que estava próxima á nós, do outro lado do balcão. Ela veio.</p><p>-Pois não. O que vocês desejam?</p><p>Enquanto as duas escolhiam os pedidos eu fazia uma avaliação da situação. As duas me acham maneiro, e o chute que eu dei á respeito do perfume foi gol de letra. Porém, o único perfume que eu conheço o cheiro é este por eu ter afanado várias gotinhas do perfume que o Fumaça usa quando vai sair.</p><p>Regra número... nem sei quanto. Jamais chute sem saber que vai ao menos bater na trave. Se ela dissesse que era outro perfume, eu diria que havia errado por causa do gosto e do cheiro do refrigerante de laranja que eu acabei de beber. Estas coisas interferem no sentido olfativo causando confusão de odores.</p><p>-E você DJ?-O que vai querer. – perguntou-me a atendente Soraia.</p><p>Que tal nós dois darmos uma volta de moto?-pensei. </p><p>-Traga o mesmo que elas pediram. - escolhi sem saber o que era.</p><p>-Então tá bom. -disse Soraia com cara de quem sabia que eu não ia gostar do pedido das duas.</p><p>-Quantos anos você tem DJ?-quis saber Soraia, a atendente requerente.</p><p>-Se você adivinhar, eu te darei um beijo. -prometi pra saber a reação das minhas duas acompanhantes. Elas ficaram atentas. Já era um bom sinal.</p><p>-Deixe-me pensar... –batendo a tampa da caneta nos lábios. Não. Eu sei que vou errar.</p><p>-Chuta pelo menos. –sugeri doido para dar um beijo na boca mais bonita do que o pôr-do-sol numa praia.</p><p>-Depois eu falo. -foi buscar os pedidos.</p><p>Meu sonho de beijá-la foi por mar á baixo.</p><p>-Dezoito. –arriscou, Zeza, levando-me á sonhar novamente.</p><p>-Vinte ou vinte e um. -Anamara ficou na dúvida, mas me fez acordar pra vida.</p><p>Eu não tinha mais dúvida de nada. Anamara não quis dar um palpite porque ela não queria perder á oportunidade de ganhar um beijo meu. Zeza e Soraia demonstraram que gostaram da proposta, tanto é, que anteciparam Anamara. Mas eu queria que fosse apenas uma que tivesse reagido de uma ou de outra forma. Numa situação dessa a gente acaba ficando sem nenhuma das mulheres. </p><p>-Vocês duas acertaram. –concordei com todas, mentindo, para ver se ganhava pelo menos uma delas. Eu tenho vinte e... quase vinte e cinco. </p><p>-Eu acertei! Que bom!- a loiruda vibrou batendo palmas.</p><p>Se ela fosse um sonho, eu queria dormir até acordar, mas, nos braços dela, claro. </p><p>-Não tem como nós duas ter acertado DJ. –Anamara falou, com as mãos na cintura.</p><p>Eu devia me despertar ligeiro, senão, o problema não seria o sonho. Sim minha realidade que iria virar pesadelo. Se eu perdesse a morena Anamara, eu não conseguiria tirar nem mesmo uma sonequinha. Sem a loiruda, eu teria insônia pelo resto da vida.</p><p>-Eu admiro a sua perspicácia Anamara, mas eu mostrarei a minha identidade. - mostro á elas. -Vejam e confiram.</p><p>-Nossa! Eu pensei que você fosse mais novo. –disse Anamara alisando o meu documento. </p><p>Então me põe no colo e canta nana-neném pra mim, minha linda. –pensei.</p><p>Ela sabe muito bem, qual é a minha idade e o tamanho do meu... quero dizer, a validez do meu documento. </p><p>-Me deixe ver também. –Zeza pediu. –Você é bem mais novo que o meu... –cortou á fala. </p><p>Não me diga que é do seu irmão caçulinha. –falei com os meus botões. Com certeza ela ia dizer que o namorado dela tem o dobro da minha idade. De certa forma eu fiquei satisfeito em perceber que ela não queria me revelar sobre o namorado dela... </p><p>-Amiga! -disse Anamara cinicamente. – É verdade. O seu namorado tem vinte e quatro anos ou mais, á mais do que você. E ele é tão engraçado quanto o DJ. </p><p>...Fiquei mais feliz ainda por ver que Anamara não quis perder a chance de dedurar a amiga.</p><p>-Eu fico contente por saber que você encontrou a sua cara metade, Zeza. E você Anamara?</p><p>-Eu ainda não arrumei ninguém que queira levar um lance comigo. –olhando os meus olhos ela confessou. Ela disse lance. Esta é uma gíria romântica. Vou entrar nesse jogo.</p><p>Reflito: Eu também não teria coragem de levar um lance com uma gata igual á ela. Na verdade eu levaria um campeonato inteiro. </p><p>-Anamara, você quer levar um... – eu dizia.</p><p>-Pronto. Tá aqui o pedido de vocês. –disse a garçonete Soraia, cortando o meu barato, e servindo-nos três pudins em caldas. </p><p>-Quero ver você comer tudo. – recomendou e voltou para o balcão.</p><p>Anamara parecia querer me ouvir terminar o que eu estava dizendo, pois ela colocou as mãos entre as pernas e ficou me olhando. Zeza deu uma olhadinha rápida em mim, mas logo começou a comer. Não que eu queira me gabar, mas elas estão dando mole pra mim. Em situações como á essa, o melhor á fazer seria... me transformar em dois, porém, isso seria impossível.</p><p>Conferindo a caderneta. -seria o meu pretexto.</p><p>-Lamento senhoritas, mas eu tenho um compromisso marcado...</p><p>-DJ, nós precisamos de você. </p><p>-Pra quê, Anamara?</p><p>-Eu soube nos bastidores do governo, que pode haver um início de recessão, devido à estagnação econômica no período do governo anterior, e o atual governo precisa criar um plano econômico para equilibrar a economia do país. </p><p>Anamara G. Lobo está sempre á frente da notícia. Ô jornalista influente do caramba.</p><p>-A retórica do ex-presidente, foi que o golpe em 64 trouxe atraso e estagnação econômica ao Atrasil, e fez com que o país perdesse muitos investidores do ramo empresarial e industrial, e, por esse motivo, deixou-se de arrecadar impostos, gerando muitas perdas em todos os setores da economia federal. Você poderia nos ajudar nessa missão? –Zeza Cardimelo quase implorou. Enquanto ela falava daquilo que eu não entendo, eu comi todo o meu pudim.</p><p>-Come o pudim Zeza.</p><p>-Eu estou racionando o açúcar. Economia é o meu negócio.</p><p>-Pelo meu país eu farei esse sacrifício. –puxei para mim o pudim dela.</p><p>Elas não entenderam bem o que eu quis dizer.</p><p>-E então, DJ? –Anamara perguntou.</p><p>-Eu e Fumaça vamos pensar em um plano de salvação para a economia atrasileira. </p><p>-E será que dará certo?</p><p>-Zeza. –falei engolindo o primeiro pedaço de ex-pudim que era dela. –Nossos planos colam. Quem é mesmo o atual presidente. Eu estou um pouco desatualizado.</p><p>-F. C. M... </p><p>-O bonitão que comandava a lagoa aonde a gente tomava banho? –surpreso fiquei.</p><p>-Sim, é ele mesmo. Eu sou ministra no governo dele. Estamos na segunda semana do governo dele.</p><p>*Eu sabia que ela já tinha um piloto que á comandava.</p><p>-Eu já adianto á vocês duas, que teríamos que fazer algumas reformas, começando pela administração e manutenção daquela casa de mãe Joana desorganizada. Aqui está uma bagunça. Outra medida á tomar imediatamente, ofertar alguns comércios para outros possíveis donos. Eu fui extorquido por eletricista de motos. Se você, Zeza, e o bonitão me derem autonomia, eu privatizarei oficinas e qualquer outro tipo de empresas que estão nos dando prejuízos.</p><p>Zeza sorriu com os dentes serrados, mas eu vi a língua dela, através da falha entre os dentes frontais da boca dela. </p><p> -Tchau pra vocês. Eu preciso ir ao gabinete do presidente. –disse Zeza se levantando. </p><p> -Ei, Zeza, espere. Plano econômico para dar certo, tem que atingir á todos. Portanto, nós devemos nos unir para pagarmos á conta. –apontei para os pirex vazios.</p><p> Ela vibrou de alegria, com as mãos fechadas e braços dobrados para cima. </p><p> -DJ, você é o máximo. Deixe comigo, eu pago a conta.</p><p> Eu e Anamara não entendemos o porquê de tanta pressa e boa vontade.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Confiando no Fumaça, eu o mandei ir ao banco para sacar uma grana, pra gente sair de manhã e só voltar para casa, três dias depois. Hoje é sexta feira, será um final de semana pra preto e branco nenhum botar defeito. Vesti minha calça Pierre encardido, calcei meus tênis e me perfumei com o perfume francês do Fumaça. Tô da hora. Só falta o Fumaçoso chegar com a bufunfa pra que a semana que vem nunca inicie nesse mês. Já estou coçando as mãos de tanta ansiedade.</p><p>Vou ver um pouco de televisão. Ligando a TV...</p><p>-Êh, êh, esse controle remoto é do Paraguai, ou então é a televisão que veio de lá sem um controle compatível. Deixa quieta.</p><p>................. ☼</p><p>Fumaça tá demorando...</p><p>Escutei o ranger da porta da sala se abrindo e um vulto grafite passando por ela.</p><p>-Fumaça, que cara é essa?</p><p>-Eu tentei sacar a grana, mas o banco está fazendo revisão de caixa. Mas não se preocupe não...</p><p>-Que miguelagem é essa, nêgo? Você comprou maconha com o meu dinheiro.</p><p>-Comprei não. Sai lá fora que você vai ver o tamanho da fila no banco da esquina.</p><p>-Se tem fila, é porque tem dinheiro...</p><p>-Tem não. Pelo que eu soube tudo indica que as contas poupança e corrente serão transformadas em rendas fixas. O governo está privatizando as estatais...</p><p>-O bonitão tá vendendo tudo, e junto com o montante das contas bloqueadas, ele vai gastar a grana com a vaidade dele.</p><p>-Nada disso. Eu conversei com o Pagador de Contas dele, e ele me disse que em breve, todos os correntistas poderão resgatar o dinheiro aplicado.</p><p>-Eu não acredito que o tal PC Faria isso.</p><p>-Isso o quê?</p><p>-Garantir a devolução da minha grana. –bisca na orelha dele.</p><p>-Ele me assegurou aparando o bigode com uma tesoura.</p><p>-Ele é cabeleireiro?</p><p>-Não sei. Eu acho que ele tem uma tesouraria e faz testes de afiação com o próprio cabelo dele. O cocuruco da cabeça dele está liso igual os nossos bolsos.</p><p>Ô nego que só me trás dor de cabeça. Mais essa. Ele está confiando na conversa de um tesoureiro. Eu tô careca de saber que se tratando de dinheiro, não se deve confiar em ninguém.</p><p>-Vamos procurar um bico pra gente fazer e descolar uns Cruzados.</p><p> -O presidente abriu o mercado atrasileiro para os importados. A concorrência nacional vai ter que suavizar os preços para competir com os estrangeiros, e, isso é bom para nós consumidores. Outra coisa, eu vendi a sua mobilette para não perder dinheiro com a queda dos preços dos veículos automotores. E comprei uma muquinha de brau também.</p><p> -Comprou com a minha grana, né espertinho? Por que você não o depositou tambem?</p><p> -Fica frio, eu tô movimentando bem o seu dinheiro. –lambeu o pavio. –O bagulho continua doido.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Vou seguindo sem lenço e sem documento por uma avenida bem movimentado de pedestres gastando as solas dos tênis que me chamam a atenção desde a hora que eu cheguei ao ponto de ônibus. Aulistar, Reboque, Daitoma. Puta merda, essas marcas de calçados não são nacionais. Os bonés e camisetas também não são fabricados aqui. Os atrasileiros viraram consumidores de produtos estrangeiros. Tomara que o transporte coletivo tenha entrado na onda dos importados e tenha o mesmo conforto dos ônibus de Londres na Inglaterra. De dois andares, se possível. Por falar nisso, podíamos importar uma Rainha Alisabete para reinar aqui no Atrasil.</p><p>-Quantas horas aí, senhor? –perguntei.</p><p>-São nove e meia.</p><p>-Obrigado. –reluziu em meus olhos o “bobo” no pulso dele. - Onde o senhor comprou esse relojão de aço puro?</p><p>-Isto aqui é um legítimo Breitling projetado em algum lugar na suíça. Já se pode encontrar muitos deles nas lojas de todo o Atrasil. Mas, de onde especificamente ele vém eu não posso te dizer, por já ter me esquecido.</p><p>-Mas aqui já tem deles aos montes, Jura?</p><p>-Sim, foi nestes montes que o projetista dele vivia. Montes Jura.</p><p>-Valeu senhor. Quando eu tiver condições de me exportar até á Suíça, eu vou encomendar á esse relojoeiro, um relógio desses pra mim. </p><p>-Ele já morreu. –respondeu acarinhando o vidro de cristal. –Tenha um bom dia, rapaz.</p><p>-É isso aí. –fiz joinha.</p><p> Estou no ponto de ônibus á mais de uma hora esperando o meu buzão. Pela demora, ele deve estar vindo em um navio transatlântico.</p><p> Olho na extensão da avenida e vejo um motoqueiro se aproximando depressa. Olhe só quem é! Mesmo de certa distância, eu posso jurar que se trata do meu melhor amigo...</p><p>-Quer carona, amigão? –tirou o capacete.</p><p>-Fumaça, de quem você pegou emprestado essa moto?</p><p>-Importada, filhão. O vendedor me falou o nome dela, mas eu esqueci. Lá em casa eu te conto. Monte aqui. Temos que...</p><p>-Vai logo, nêgo. Eu já cansei de tanto esperar o buzu. –engarupei. Você tem dinheiro aí? </p><p>-Só no banco, mas não podemos sacar ainda.</p><p>-Então vamos cavar um saque. Eu importei uma fome africana.</p><p>-Ah, o nome dessa moto é Kavassaco. -pedalou... não pegou.</p><p>Desci.</p><p> -Fumaça, eu acho que os produtos nacionais são melhores que os importados. Se você continuar teimando comigo e torrando a minha grana, eu vou solicitar um parceiro de missão, lá da África do Sul.</p><p> -Cala-te, estanca o óleo do motor e deixe de conversa fiada.</p><p> -Se eu me calar, uma pedra clamará na sua nuca. Você só tá me dando muito trabalho e prejuízo. –falei verificando o vazamento.</p><p> -O que você tá fuçando aí?</p><p>-O motor já era. Essa porcaria estava vazando óleo e você não viu. - passei as minhas mãos sujas de óleo queimado, na cara dele... elas enegreceram mais ainda. A pele da cara do nêgo absorveu o óleo num segundo.</p><p>-Tava vazando não. O garajeiro me garantiu...</p><p>Se eu estivesse usando um boné, mesmo que fosse importado, eu o teria jogado no asfalto e pisaria nele igual o seu madruga faz quando ele se zanga. </p><p> -Garantias de rendimento fixo. Garantias de compras. São tantas garantias, que eu já nem me garanto mais. Chega. Eu vou cobrar é do presidente da república. Foi ele que facilitou as coisas para que nós fôssemos enganados pelos importados.</p><p>-O óleo tá queimado mesmo. Vamos ao Itamarati?</p><p>-É isso aí.</p><p>-Então vamos lavar as nossas mãos e rostos...</p><p>-Nada disso. –falei passando as mãos lambrecadas no meu rosto.</p><p>-È mesmo. Assim os seguranças não poderão nos reconhecer se caso eles queiram nos perseguir depois da desmoralização que nós faremos com o presidente.</p><p>Buzinadas de carros e motos na pista congestionada. Quando percebemos, havia uma multidão de pessoas contrariadas comigo e com o Fumaça.</p><p>-Ei, seus dois caras sujas, chamem um mecânico para consertar essa moto e tirar ela do meio da rua.</p><p>-Nós não temos dinheiro para pagar o mecânico, porque o presidente, sim, o bonitão que vocês votaram nele, tirou tudo que tínhamos, e ainda liberou os estrangeiros para nos passarem as pernas. Tão vendo as nossas caras pintadas, aliás, só a minha, porque a do meu amigo aqui não se suja com óleo queimado, mas ele vai passar creme dental na cara dele pra gente ir protestar contra aquele presidente duma figa.</p><p>-Sabe de uma coisa. –disse um motorista de carro. –Eu também vou fazer o mesmo.</p><p>“Eu também vou. Vamos lá pessoal, vamos pintar as nossas caras e exigir a saída do presidente.”</p><p>“A minha empresa foi á falência.”</p><p>“Eu a minha família inteira estamos desempregados.”</p><p>“É isso aí. Vamos juntos”</p><p>Milhares de pessoas se uniram á mim e Fumaça. Andamos á pés pela avenida em direção ao Palácio da Alvorada. É tanta gente com as caras pintadas, que eu até me perdi do Fumaça.</p><p>-DJ.</p><p>-Fala Faustão. Você veio protestar também contra o presidente?</p><p>-Eu vim protestar contra você por ter me feito perder o meu emprego. O novo dono me pôs no olho da rua.</p><p>-Brincadeira. Pra que essa chave grife?</p><p>-Adivinha? –ergueu a danada.</p><p>Saindo em retirada... Os protestantes me impediram, mas não impediu o Faustão de me alcançar.</p><p>-Faustão, não...</p><p>Pof...</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p> </p><p>Caramba, que sonho mais esquisito. –esfregando o rosto eu tento me levantar.</p><p>“Em Brasília, 19: hs e 30 min.”</p><p>-Ainda é cedo. Vou dormir mais um pouco. –ajeito o travesseiro e...</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> 1994</p><p><br /></p><p><br /></p><p>-Caracas! Onde nós estamos Fumaça? Isso aqui tá parecendo o quarto de um peão de rodeio.</p><p>-Troque de roupa e vamos visitar as retirantes. Essa fazenda está cheia de gatinhas esperando a gente. Gatinhas, aí vamos nós. Yuuhuu.</p><p>-Aí vamos nós o caramba. O que você fez comigo?</p><p>-Se acalma DJ! Senta aí.</p><p>Ele começará á me dar explicações. Ajeitou a gola polo e se sentou no outro sofá que formava um L junto ao que eu estou.</p><p>-A minha cabeça tá doendo... o que foi que você me deu?</p><p>-Eu vou te contar tudo...</p><p>Depois de alguns minutos Fumaça terminou de me relatar toda á história.</p><p>-Só que eu deixei que a importância rendesse mais. Quatro anos depois, o novo presidente eleito passou a mão na grana de todo mundo.</p><p>-Vamos cobrar do presidente dos juros altos. Qual é o nome dele?</p><p>-Juré Euquiarmei. Foi armação. Ele fez o povo depositar a grana, para em seguida o substituto dele recolher tudo.</p><p>-Esse filho da mãe vai ter que me pagar com juro e correção monetária. Nem que pra isso, os dois tenham que entrar em sociedade pra me pagar o que eles me devem.</p><p>-Só que é o seguinte. O presidente bonitão Ferrandos Colegas de Mesa tinha boas ideias para o antigo Atrasil. O slogan de campanha dele foi O caçador de marajás.</p><p>-E ele conseguiu?</p><p>-Até certo ponto. Ferrando abriu as portas do Atrasil para o comércio exterior. Aí, os grandes empresários internacionais começaram á ferrar com os menores, nacionais. </p><p>-E a população não se manifestou contra tudo isso?</p><p>-Pintamos as nossas caras e saímos ás ruas. Ferrando caiu no terceiro ano do mandato, mas, quem o derrubou não foi a população. Nosso ato foi marola. Ele só foi deposto porque o congresso decidiu que ele caísse. Um dia, ele e seus secretários foram á casa da tia Dida para tomar umas cervejas e comer porções de amendoim. Na hora de pagar a conta, os ministros, deputados e senadores, perceberam que o presidente Ferrando Colegas de Mesa, estava querendo passá-los para trás, e então eles deram um jeito de jogar ele pra escanteio.</p><p>-E o reserva?</p><p>-Quem te falou que o Atrasil tinha ou tem reservas? Devia e deve mais do que o resto do mundo todo junto. Já têm marcianos enviando cartas com os dizeres: não consta em nosso sistema ultra tecnológico de cobrança, o recebimento da primeira parcela de sua dívida parcelada em milhão de vezes. Caso já a tenho pago, desconsidere este aviso. Envio postal intergaláctico de Marte... </p><p>-O presidente substituto, neguim. </p><p>-Ah sim. O substituto do Ferrando Colegas de Mesa, é o Itopete Frango. Ele está tentando alavancar o Atrasil.</p><p>-Então ele precisará de um rebocador com grande potência, desempenho e força para realizar essa façanha.</p><p>-DJ, acredite no futuro.</p><p>-Desde o século passado o Atrasil é considerado o país do futuro. –decepcionado comigo mesmo, falei.</p><p>-Nós podemos fazer algo para fazer o nosso país crescer.</p><p>-Fumaça, esse país sendo desse tamanho, já está difícil para ser alavancado, imagine se ele crescer um pouco mais. Aí, nem a força da gravidade o manterá na posição que ele está. E vai por mim, nêgo, se o mundo gira feito ponteiro de um relógio, o nosso país faz o giro no sentido anti-horário.</p><p>–Venha comigo.</p><p>Fomos para o celeiro.</p><p>-Temos a missão de colocar o Atrasil na poli-positions do desenvolvimento. –anunciou puxando uma lona que cobria um... baixomóvel. </p><p>-Com um fusquinha nós não teremos chance. –coçando a cabeça assegurei. -Seria melhor um pangaré manco. </p><p> -Eu resgatei uma verba suficiente para deixar a sua mobilette em condições de dirigibilidade...</p><p> -Fumaça, só por você ter me dado a notícia de que eu terei a minha fiel locomotiva para me locomover sem a necessidade de ser carona em um xebinha vermelhinho, já me deixou surpreso com a sua competência e natureza competitiva. Mas, por favor, amigão, não tente me surpreender falando difícil. O país está fora de rumo e indirigi... como é mesmo? Indirigidábidade... -levei uma bisca na orelha esquerda.</p><p> -Aqui nos separamos temporariamente. Você já está empregado, e terá que comparecer ao seu novo emprego, antes da hora do almoço.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Já é quase meio dia, e, eu já fiz tantas entregas hoje, que a minha Mobí tá soltando é suor pelo escapamento. Ricardo e Andreza são mesmo bons empreendedores. Eles fecharam contrato de fornecer a xepa para o pessoal do ministério da fazenda. Daqui uns dias o Marcelo vai ter que sair detrás do balcão do caixa e me dar uma força nas correrias. E olha que ainda não é meio dia. </p><p>-Pronto patrão. No que posso ser útil? –perguntei ao galã Ricardo detrás do balcão.</p><p>-Temos quatrocentas para o tribunal de contas da união.</p><p>-Beleza! Eu vou á pé dessa vez.</p><p>-Você conhece o lugar?</p><p>-Ricardo você sabe quem foi que descobriu o Brasil.</p><p>-Claro que sei. Foi Pedro Alvares Cabral.</p><p>-É verdade, mas quem o estava cobrindo era eu.</p><p>Riu até ficar com cara de choro.</p><p>-Você chegou na hora certa. Vai almoçar e deixe que as próximas, eu entrego. A Andreza toma conta do balcão. Você está me ouvindo DJ?</p><p>-Eu só estava pensando em unir-me ao Fumaça e aquelas princesas. Posso chefe?</p><p>-Fique á vontade.</p><p>-Tomara que eu não fique só na vontade por aquelas lindezas. </p><p>Ricardo me deu uma flanelada nas costas. Foi bom porque com isso as belezuras notaram a minha presença.</p><p>Ah, já sei.</p><p>-Meu grande amigo Ricardo. –falei alto. As belezocas olharam para nós dois. –Eu preciso que você, meu amigão Ricardo, guarde esse dinheiro para mim. Se você quiser aplica-lo em algum empreendimento, pode usá-lo. –Elas se admiraram. –De onde me veio essa mixaria virá muito mais depois do fechamento da concessão com a uma empreiteira multinacional do ramo de infraestrutura. –Ricardo está á ver navios. As lindonas estão vendo em mim um congressista bom de grana. Cochicharei ao pé do ouvido do Ricardo. -É a grana das quentinhas. </p><p>-Entregue ao Marcelo.</p><p>-Beleza! É bom que eu, ensino á ele a melhor fração matemática... Multiplicar.</p><p>Eu ouvi á Anamara dizer. -aquele lá é o DJ, não é Mariozan? -Fingi que não ouvi e, passei no caixa.</p><p>-Marcelo escute aqui o conselho do matemático Oswald de Sousa. Você o conhece?</p><p>-È claro! </p><p>-Então... As primeiras lições fui eu quem o ensinou. Quando alguém pagar a conta e sobrar um troco equivalente á duas Cocas-Colas, Você enche a mão dele de balinhas.</p><p>-E se eles não quiserem? –O inocente me pediu uma resposta.</p><p>-Aí então você faz um vale e diz ao freguês que o vale pode ser trocado por balinhas e chicletes quando ele estiver a fim de adoçar a boca.</p><p>Ele quis gargalhar, mas chegou um freguês. </p><p>Eu vou almoçar. O salão do restaurante recebera uma cara nova. As cadeiras que antes eram de plásticos foram substituídas por cadeira de madeiras, cobertas com toalhas alvíssimas e, as cadeiras são todas com almofadas simples, mas confortáveis. O ambiente ficou bem mais agradável, principalmente por que Andreza fez questão de reservar alguns metros quadrados de espaço interno para expor as suas violetas e onze horas sobre uma plataforma de madeira sustentada por meias paredes de tijolinhos envernizados. O forro de pino foi substituído por gesso trabalhado em sancras ovais. Nada de muito luxo, apenas aconchegante. Velhos e novos clientes gostaram da nova gestão. Mas, eu acho que a dona do comedouro chique seja filha de um deputado ou senador. Já imagino que a grana para essa transformação requintada, tenha saído dos bolsos dos contribuintes. Vou comer tanto, mais tanto, até eu me sentir ressarcido pelo o que saiu do meu bolso para pagar essa reforminha. </p><p>Fumaça, Anamara e as amigas que devem pagar imposto por tanta beleza acumulada em corpo, cabeça e membros, continuam comendo. De vez em quando alguém comenta que a comida é uma delícia, elogiando o tempero das carnes, salada maionese e as cruas. Já dei uma filmada nas bandejas por mais de uma hora. Desde que o rango saiu da cozinha e veio pra essa piscina de agua fervente. Eu quase pedi farinha pra comer com o cheiro da comida. As maravilhosas não comem macarronada por achar que macarrão engorda. Coisas de mulheres preocupadas com uns quilinhos á mais.</p><p>Beleza! Arrozinho á grega, feijão tropeiro, bifinho, uma verdurinha e... chega, senão o pessoal me chama de esfomeado e, o Mariozan também já está me chamando.</p><p>-Boas tardes lindas senhoritas. –Coloquei tudo no plural pra mostrar que elas são todas lindas mesmo.</p><p>-Sente-se aqui DJ. –disse-me Anamara pondo outra cadeira ao seu lado.</p><p>-Obrigado... Mais linda de todas.</p><p>*Uuuuuu!!! -disse as outras.</p><p>-E aí Fu... Mariozan. –ponho o prato na mesa e dou um toque de mão na do meu amigão cor de vinho tinto.</p><p>-O que você faz aqui DJ?-Anamara perguntou.</p><p>-No momento só almoçando, mas eu pretendo comprar esse restaurante.</p><p>Elas pararam de comer.</p><p>-Estou brincando. Eu trabalho aqui de entregador de quentinhas. </p><p>Continuaram a mastigar.</p><p>-Eles aqui recebem Tickets DJ. –quis saber Anamara.</p><p>-Se for do Mariozan eles recebem até papel de chiclete como pagamento e, ainda devolvem troco.</p><p>Elas riem limpando bocas. Mariozan tá tirando o vale-boia do bolso. </p><p>-Deixe pago o meu também Mariozan, pra garantir a minha janta. –pedi. Ganhei uma bisca na orelha.</p><p>-Clarice, vai lá e entrega os vales. –Mariozan falou e entregou á ela os tickets.</p><p>Ela foi.</p><p>Esse pessoal usa a hora do almoço pra contar lorota. Ôh buchicho danado! </p><p>Eu não sei o quanto eles colocaram nos pratos, mas eu só vejo guardanapos embolados dentro dos pratos e copos. Enquanto eles conversam, eu como. A mãozinha da Anamara apoiada em minha perna tá me dando mais apetite. Ôh delícia! </p><p>Fumaça é muito valhaco. Ele se sentou longe da Lorrane e perto da Clarice que tem uma aliança no dedo. De vez em quando ela descansa o braço no ombro dele que está sentado entre mim e ela. Eu tenho que dar um jeito de comer logo e ir entregar marmitex. Ô converseiro meu Deus! Fumaça está querendo convencê-las á irem para algum lugar.</p><p>Clarice voltou. O braço dela voltou para o ombro do nêgo. </p><p>-Se vocês me ajudarem eu termino mais rápido. –disse ele á elas.</p><p>-Eu não sei se tenho coragem Mariozan. </p><p>-Ah Lorrane! Deve ser divertido. Vamos! –Maria Eduarda á incentivou.</p><p>Lorrane não decidiu ainda.</p><p>-Eu topo. –falou Anamara.</p><p>-Eu também. –Consentiu Clarice.</p><p>-Vai ser apenas uma vez Mariozan?</p><p>-Só uma hora Isabela.</p><p>-Então eu ajudo.</p><p>-Beleza! A gente vai daqui á pouco. –Fumaça falou á todas. -Lorrane, que dia é pra eu ir almoçar na sua casa? –cochichou ao ouvido dela.</p><p>-Tá bom Mariozan. Eu vou para o sinaleiro com vocês.</p><p>A pergunta dele a fez se sentir ameaçada de perder a ida dele em sua casa.</p><p>-A gente vai aonde Mariozan. –perguntei limpando a boca.</p><p>-Distribuir panfletos nos sinaleiros.</p><p>-Eu gostaria muito de ajudar vocês, mas a obrigação me espera. –falei me levantando.</p><p>-Espere... Você não vai fazer nem um quilinho? -Anamara perguntou. </p><p>Todas ficam me olhando. Inclusive Fumaça.</p><p>-Pobre não tem direito de fazer nem 100 gramas, imagine um quilo. - elas riram. Dei um beijinho na cabeça da Anamara. Um toque na mão do Fumaça. Um tchau pra todas e fui até ao patrão.</p><p>-Ricardo, pode deixar que eu entrego as marmitex. </p><p>-Descanse um pouco DJ.</p><p>Penso um pouco... Já sei. Fale pro Marcelo ir almoçar que eu fico no lugar dele.</p><p>-Boa ideia. Brother... -chamou o irmão. – Vai almoçar.</p><p>Marcelo obedeceu ao comando. Eu tomo conta do caixa. Vou fazer esse dinheiro render igual fuxico de comadres.</p><p>-Ricardo, trás vinte pacotes de balinhas, quinze de chicletes e cinco pacotes de Prestígios e Ki cocos.</p><p>-Pra que tudo isso?</p><p>-Pra eu passar de troco.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Pronto. Minha Mobí está limpinha. Já a lavei. Por dois motivos eu vou acelerar até o ponteiro quebrar aquele pininho que limita a velocidade. 01: Eu quero que ela enxugue logo. 02: Eu quero conhecer logo essa Lorrane. O Fumaça falou que ela é ruivinha com algumas pintinhas nas bochechinhas. Pra ser genuinamente ruivo ou ruiva, tem que ter algumas sardazinhas no rosto. Quem sabe através dela, eu possa perdoar todos “as cores” raras que existem nesse mundão de meu Deus? Eu não tô grilado com os ruivos... Só com o Fumaça. Tem hora que me dá vontade de esfregar ele para mudar até a cor da sombra dele, mas o cara é gente boa demais! Eu me sinto honrado em conviver com ele. O alto-astral dele é contagiante.</p><p>Bren-bren. Tô indo nessa. Fuiiiiiiii... </p><p>-Ôpa! Presta atenção pivete. -quase atropelei o moleque que estava jogando biloca na rua. </p><p>Ainda bem que eu sou o cara do quase. Ser o cara do quase, ás vezes é bom. Só que eu já tô bolado com essa minha sina. Eu quase dei uns beques na Anamara. Quase ganhei na loteria esportiva. Enfim, tudo em minha vida é quase.</p><p>Mas por causa do “Quase” eu ainda estou vivo, porque eu quase morri de medo de ter de me casar com Maria vai-com-os-outros. Ela disse que ela acha, - que acha, vai vendo -, que ela pode estar grávida de um buguelinho meu. -Ai DJ, eu não sei se é seu, do birosca, do jamanta ou daquele amigo seu. A gente fez sexo na noite passada, mas foi no escuro, eu nem sei quem era ele. –Fumaça negou de pés juntos, mas demonstrou total interesse em saber como funciona a lei Maria da Penha.</p><p>Eu sou até bom de lábia para conseguir uma garota, mas na hora H, acontece alguma coisa pra me impedir de dar o primeiro beijo, nesses malogrados dias de sequidão. </p><p>Certo dia eu já estava sentindo o ar que saia do nariz de uma garota, que já estava com os olhinhos fechados pra gente se beijar... A maldita da minha cadeira quebrou. Eu caí pra frente e acertei a cabeça na boca dela, aí a lindona ganhou um cortezinho nos lábios, e eu fiquei outra vez no quase. Tive que me contentar apenas com abraços e alizadinhas nas costas. Confidenciei ao Fumaça essa minha triste sina, ele me disse que o que vale é a intenção, e com ele aconteceu assim com a primeira garota que ele ia dar uns beques, na primeira festa que ele foi. Ficou um tempão com uma garota chamada Sabrina, de mãos dadas e até abraçou ela, mas quando eles iam chegar aos finalmente, ele sentiu vontade de fumar um baseado e saiu vazado. Eu já consegui mais de quinhentas mil garotas nessa minha vida, mas ainda não consegui beijar uma delas. Fui todo alegre levar a Berenice na casa dela, empinei de uma roda, ela não estava preparada, acertou o nariz em minha cabeça, ela “quase” perdeu o cheirador, eu só ganhei as marcas de batom no meu colarinho. Mas o Fumaça me disse que eu posso considerar que á todas eu dei um beque, mesmo sem beijos. Amanhã será lua cheia, e, eu vou participar de um luau com algumas retirantes. Só falta aparecer por lá um lobisomem na hora que eu estiver “quase” becando a gata. Só de lembrar que eu “quase” bequei a Maísa. Só não rolou por causa do meu amigo de cor “quase” asfáltica.</p><p>Estou “quase” chegando á fazenda do gerente, para ele me apresentar á algumas propostas de aliança entre nós. Tomara que ele não venha me dizer que eu “quase” perdi a oportunidade. </p><p>Ih! A gasolina, “quase” não daria pra chegar. </p><p>Estacionando o Mobí encostando-a á cancela. –fique quieta aí. O pessoal tá todo animado por estar conhecendo á casa do gerente. Ele resolveu fazer com que os convidados se sintam mais a vontade para conversarem e se conhecerem melhor, para firmarmos parcerias sólidas. </p><p>Êh, êh Não é possível que ele tenha convidados alguns índios pra virem á casa dele, e eles estão mandando sinal de fumaça. Ou então, as relações diplomáticas entre todos, estão pegando fogo. </p><p>-DJ, - disse o gerente, de braços abertos. –Só estávamos esperando você chegar. Angelina, este é o DJ, Nosso grande multiplicador de dinheiro de caixa.</p><p>-Oi, prazer em te conhecer. –estendeu-me a mão.</p><p>-O prazer é recíproco. –beijei-lhe o dorso. </p><p>Ela sorriu.</p><p>-Gerente, tem alguma coisa queimando lá no fundo do quintal. </p><p>-É surpresa, Angelina. Venham. Podem, pode chegar que a fazenda é nossa.</p><p>Rodeamos a casa e nos deparamos com mais amigas e amigos e, um casal de tiozinhos á beira de uma churrasqueira fumacenta. Eles deviam ter colocado pneus para brasear o carvão. A Angelina seguia agarradinha ao braço do meu gerente. Fernando está de mãos dadas á Rebeca. Cabeça com á Cláudia. Eu, quase fulminei com o olhar, a Lorrane... Ôh gatinha meu Deus! </p><p>-Pessoal... Esses e essas são os seus novos amigos. – o gerente apresentou á todo de uma só vez.</p><p>-Vamos dizer “oi amigos” Todos juntos.</p><p>Oi amigos. Todos falaram bem alto. Depois batemos palmas. </p><p>-Gerente, onde foi que você conseguiu aliar-se á essas pessoas?</p><p>-Pelas minhas andanças nas Amérdicas, Bianca.</p><p>-Elas são ricas não é gerente? –perguntei.</p><p>-Claro que não. Olha só as roupas delas. Precisa perguntar. Até a pele delas. -Angelina respondeu com aspereza. Ela não foi com a minha cara. E nem eu com o sotaque dela. Vai ver, ela é aguentina.</p><p>-Angelina... O DJ não tem a sua experiência ainda não, mas ele é um grande contabilista.</p><p>Mas pretendo ter outras coisas dela. </p><p> -Quem é aquele casal que tá assumindo a churrasqueira? –perguntei. </p><p>-Tio Bolívar e a tia Veneza. Vai lá conversar com os dois.</p><p>Vim trocar umas ideias com os dois tiozinhos, que estão com os olhos vermelhos de tanta fumaça. Ensiná-los-ei, á como se braseia carvão.</p><p>-Boa tarde, amigos. –falei, abanando do meu rosto a fumaça. Eu vou ensinar á vocês, á como mudar a cor e a temperatura do carvão, e a carne já, já estrará assado. Daqui á pouco ela passará pelo processo de trituração pelos nossos dentes.</p><p>-A Carlinha fugiu, para num ajudar a gente. –disse Bolívar. –Depois, ainda fala im casar cum o gerente da fazenda...</p><p>-Eita homem. Tu conversa demais.</p><p>Já descobri que a Carlinha vai querer que que no casamento dela com o gerente, daqui á alguns anos. – que, eu vá ser o engolidor de fumaça na festa do casamento. </p><p>O gerente é surpreendente. Ele já preparou a moreninha mais gata do mundo, para daqui á algumas décadas. Carlinha tem 14 anos, mas parece uma moça de dezoito. Quem disse a idade dela foi titia dela.</p><p>-Então, seu Bolívar... Vocês dois têm quantos anos de idade e de casados? –abanando a fumaça com um pedaço de papelão.</p><p>-Eu tenho 40. Ela... Qual é a tua idade mermo muié?</p><p>-Eita homem! Converse direito. Eu tenho 38. Esse bicho velho não sabe conversar e, nem a idade da própria esposa. - dona flor se zangou. Eu a chamarei de dona flor, porque ela se parece com á personagem, mas pelo que nós já conversamos, deu pra perceber que ela só tem um marido e é apaixonada nele até hoje. Falta eles me dizerem quantos anos de brigas eles tem.</p><p>-Eita muié valente. Tem 22 anos que eu guento um trem desses... Mas é por que eu te amo minha... –ele deu um cheiro no cangote dela.</p><p>-Vá cortar a carne, seu saliente. –ela ordenou depois de ganhar uma cafungada.</p><p>Os dois são Taianos, e gentes boas pra caramba.</p><p>-Vocês não têm filhos por qual motivo? È o fabricante ou a fábrica que não funciona mais?</p><p>-Vixe, aqui é pau pra dar em doido. Né minha véia? –Bolívar quis cafungá-la de novo.</p><p>-Sai pra lá homem. –ela se esquivou e ajeitou o vestido charmosamente. Veneza tem uma beleza brejeira. Daria até pra dizer que é a mãe da Carlinha. </p><p>Ele é muito simpático e divertido, e, se der um banho de loja nele, ele vai dar muito trabalho pra ela.</p><p>-E o Gerente? O que vocês são dele? –perguntei, mas eu já sei a resposta.</p><p>-Ele é a nossa benção de Deus. -ela me fez saber que eu não sabia a resposta.</p><p>-O gerente dessa fazenda é a nossa salvação –ele respondeu cortando a carne.</p><p>A expressão nos rostos dos dois e o tom de suas vozes ao falar do gerente da fazenda, me fez ver que ele é mesmo um cara muito especial pra todos que o conhecem. Eu ainda vou descobrir qual é o segredo dele. Ele disse uma vez que o segredo é não ter segredo, eu já ouvi isso muitas e muitas vezes. </p><p>-Carlinha, vem aqui fiinha. –ele chamou a sobrinha que estava velando o gerente e a Bianca.</p><p>-Fala tio.</p><p>-Vá chamar o pessoal pra vir comer. –Veneza falou.</p><p>-Tá bom! –foi. </p><p>Regra número 915: Quando você for convidado á estar entre pessoas que você não ás conhece, procure obter informações sobre todas elas, por intermédio de alguém que não tem papas na língua, malícia, e que também não guarda segredos nem sobre sua vida matrimonial.</p><p>-Eu gostaria de saber á respeitas de algumas pessoas aqui presentes. Podemos começar com a Lorrane...</p><p>-Home, rapaz, aquilo é muié-macho. A famia dela ispussô ela da casa dela...</p><p>-Eita homem linguarudo minha nossa senhora.</p><p>Quase! Suspirando, decepcionado.</p><p>Vi o gerente me chamando em particular. </p><p>Deixei os meus novos aprendizes de matemática multiplicativa, e fui até ao gabinete do chefe da fazenda.</p><p>-Eu soube que você é um ótimo matemático e especialista em cifras. Por isso eu quero te fazer uma proposta.</p><p>-Já lhe asseguro que você tem 100% de chance de me convencer. A minha situação tá precária.</p><p>-Bom rapaz. –apalpou os meus ombros. –É assim que se fala. Eu pretendo criar uma nova unidade monetária em nosso país, mas não sei por onde começar.</p><p>-O meu negócio é trabalhar com os números. Mas na prova dos nove, pode haver uma “inexatidão” que fará que eu corrija os cálculos para chegar á uma unidade real de valores, mas aí, você... </p><p>-Você disse “indexação” para corrigir tudo que é relativo á economia?</p><p>-Mais ou menos isso mesmo. </p><p>-Eu não sei se dará certo esse ato. –cofiou o queixo liso.</p><p>-Eu só posso dizer á você, que examine bem a sua planilha, porque essa medida econômica deve muito bem analisada, para então ser implantada. O Atrasil já está á ponto de pedir emprestado o jogo de camisas do Vila Nova para servir de bandeira. O azul já foi embora. Quanto ao verde e a amarelo, “ainda elas são” as riscas da...</p><p>-Você quer dizer que uma indexação é muito arriscada.</p><p>-É isso mesmo. </p><p>Regra número 1994. Se o seu interlocutor gosta de usar palavras que você desconhece e não ás entende, concorde com ele. Eu ia dizer que se as cores verde e amarela da bandeira brasileira ainda são as riscas da bandeira que aos poucos vai se desbotando, daqui á pouco estarão tão transparentes, que a bandeira irá se parecer um pedaço de plástico transparente tremulando na haste. </p><p>O gerente da fazenda fica por alguns segundos fazendo a somatória usando os dedos das mãos.</p><p>-O que você sugere para nós estabilizarmos a economia?</p><p>-“Ué, revê” o que deu certo e o que deu errado nos últimos anos...</p><p>-Você disse URV?</p><p>O cérebro dele não processa as informações da forma que elas são enviadas. </p><p>-Isso mesmo. Eu estava revisando os cálculos com os meus assistentes, e notei que o meu déficit é maior que o meu áviti. Só que eu não posso economizar mais combustível com a minha Mobillette. Senão, daqui á pouco ela terá que funcionar á base de xixi de cigarra. Com a minha alimentação e aluguel, também não tem mais como reduzir os gastos. Estou vivendo das sobras do restaurante e morando em uma espécie de paiol, até a volta da égua que estava internada no veterinário para dar a luz. </p><p>-Quanto á isso, o que você sugere?</p><p>-Redução do valor da minha dívida. Corte 2/3 daquele monte de dígito e arredonde os valores. Assim chegaremos á uma U. R. V. como disse você...</p><p>-Justo, justo.–disse, entusiasticamente. –De início, cortaremos alguns dígitos zero para termos uma Unidade Real de Valor.</p><p>Ô sujeito apavorado. Eu ia dizer que o Único Recurso Viável para que eu quitasse o meu debito, seria dar os meus vales-refeições como pagamento complementar da minha dívida.</p><p>-Que nome nós daremos á nossa nova moeda?</p><p>Coçando o queixo eu fico á pensar, mas não me vem nome algum. Terei que admitir que “realmente” eu não tenho nada em mente.</p><p>-É, real...</p><p>-Real. Magnífico. O nosso dinheiro se chamará: Real. Lançaremos a URV primeiramente, para fazermos uma correção monetária, em seguida será o Real. Matemático DJ, você é espetacular. Vamos ao trabalho.</p><p>Chegamos á consolidação de uma parceria entre os interesses do gerente e os meus. As propostas dele não foram claras o suficiente, para me convencer de que fariam bem á danação atrasileira. Na despedida, eu sugeri que déssemos beijos coletivos e, até Bolívar e Veneza entraram na coletividade. –esquivei-me da Lorrane. Os já amigos beijaram as suas antigas amigas. Eu confraternizei com uma recém-conhecida, a Thilena. - Não é que eu goste de garotas de nível superior, mas o lance é que pega mal a gente comer churrasco do espeto dos outros, e pra ser sincero, numa viagem de avião a primeira classe é melhor do que a econômica, então embarquei nessa sem reclamações. Na hora do beijo, o gerente da fazenda preferiu viajar no trem de pouso... Vazou, sem dar explicações. </p><p>Itopete Franco chegou atrasado para a reunião. Passou no cabeleireiro para ajeitar o topete do cabelo e perdeu a hora. Agora vejam só, ele, o presidente da república, quer que eu seja o criador da nova unidade monetária para o Atrasil. Assegurei á ele, que eu sou a pessoa certa, e que já havia passado um pouco do meu conhecimento para o gerente da fazenda. </p><p>O presidente ficou encolerizado por ter perdido para o gerente a oportunidade de receber as minhas lições de economia. </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Está difícil a vida de um trabalhador hoje em dia. Por isso eu aceitei a proposta de emprego, do gerente da fazenda, e terei que me esforçar ao máximo para não deixar que um grande número de pessoas trabalhadoras passe fome. Mas para falar a verdade, a única coisa que eu sei sobre assuntos econômicos, é que a minha mobilette não precisa nem da quantidade máxima de álcool permitida á um motorista que se submete ao teste do bafômetro. Ela era bi-flex. –gasolina e Tínner. Mas, o Fumaça gastou o meu dinheiro comprando Cananbis, então eu tive que adaptar o motor dela para funcionar com uma dose de pinga.</p><p>Estou saindo para mais um dia de trabalho. Só quero ver se a minha Mobialcólatra continua com o mesmo desempenho de antes.</p><p>Vamos lá... Êh, êh, na primeira pedalada ela não deu sinal de funcionamento. Talvez com uma fuçadinha no afogador a danada resolva funcionar. </p><p>Pronto. Pegou com apenas uma empurradinha.</p><p>Ôpa! Não empina não, sua mal criada. Vixe. Tá pulando igual cavalo brabo.</p><p>Fique quieta cachaceira duma figa... Agora ela desembestou de vez na banguela. Freia... freia... a pinguça embebedou. Meus cabelos voam ao vento. Meus sapatos vão deixando marcas no asfalto. </p><p> Sai da frente Fusquinha... Tarde demais. Pulei da mal criada, deixando que ela se vire no o encontro com a dianteira do Fusca.</p><p>Tá lá a bagaceira. A minha Mobí quase partiu o Fusca ao meio. O guidão dela foi para no para-brisa. Coitado do motorista...</p><p>Ih, ferrô. É o presidente que estava dirigindo o Chebinha.</p><p>Desceu e vem vindo ao meu encontro.</p><p>-Olha senhor presidente, a minha condução estava sem freio e...</p><p>-Você não se machucou? –estendeu-me a mão para me ajudar á me levantar.</p><p> -Não. Eu estou bem. E o senhor? –falei, já de pé.</p><p>De repente ele prendeu o topete com a mão esquerda, olhou para cima e apontou o dedo indicador da mão direita, para um objeto voador não identificado, que descia veloz em nossa direção. </p><p> -Aquilo lá não seria a roda da sua motocicleta? </p><p>-Puta merda. Sai debaixo, senhor presidente...</p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p> 2016.</p><p><br /></p><p>Ufa! Mais um sonho maluco.</p><p>“Em Brasília, 19 : 40”. </p><p>Êh Voz do Brasil que nunca termina. Vou dormir mais.</p><p><br /></p><p> * </p><p><br /></p><p> 1999 </p><p> </p><p> </p><p><br /></p><p>Vejo-me sentado á mesa de uma cozinha, com os cotovelos apoiados no tampo de vidro da quadrada, e com as mãos massageando a minha cabeça. Fumaça está ao redor do fogão fervendo uma erva muito cheirosa.</p><p>Desligou a chama e despejou o chá em um copo.</p><p>-Beba esse chá, que você se sentirá melhor.</p><p>-Fumaça, quem te falou que chá de Cidreira cura dor de cabeça?</p><p>-Idiota. Deve ter sido a roda da sua Mobillette, que depois de amassar o seu crânio me ensinou á como te aliviar a dor.</p><p>-Você anda muito nervoso, nêgo. Está em abstinência da maconha? –assoprando o chá.</p><p>-Nervoso deve ter ficado o ex-presidente Itopete Franco.</p><p>-Ah, é mesmo. Você me contou que nós dois tivemos um encontro. Quero dizer, a minha Mobí e o Fusca dele. Eu me lembro, vagamente, que eu dirigia a minha envenenada em uma rua de sentido único. Se a colisão foi frontal, pode ser que o topete do presidente o impediu de ver a placa de contramão do sentido que ele dirigia naquela rua.</p><p> -Ele estava atrasado para a oficialização da candidatura dele á presidente da república. Por isso pegou o atalho. Mas, você com a sua Mobillette interrompeu a carreira dele. </p><p>-A minha Mobí bebeu um golinho só de pinga e cismou que ela era uma moto de competição de acrobacias. Apresentou defeito no freio também. </p><p>-Tudo indica que brevemente o Fusquinha virará peça de museu, ou apenas os pobres poderão tê-lo após ele sair de linha de fabricação novamente. O Itopete já saiu de linha presidencial.</p><p>-Como assim, Fumaça? Ele não é mais o presidente?</p><p>-Nós estamos em 1998. O Gerente da fazenda, Fechando Consrico Orgulhoso, com o carro oficial do presidente da república, deixou o Itopete pra trás e lançou-se candidato á presidente no lugar dele, e ganhou as eleições. </p><p>-Eu sabia que com um Fusca ninguém conseguiria chegar á lugar nenhum. </p><p>-Pode ser. Mas o problema foi que o Fechando Consrico já estava em grande vantagem na corrida presidência. Ele já havia traçado planos para o Atrasil, desde 74, e que só veio se realizar, vinte anos depois. E, você o ajudou para a concretização desse plano. </p><p>Engolindo um gole de chá, eu fiquei pensando no que foi que eu fiz para ajudar o gerente da fazenda á se tornar chefe geral.</p><p>-Qual foi a minha participação?</p><p>-Você com os seus cálculos malucos deu origem ao plano real, que entrou em vigor logo após uma tal de URV ter provocado a maior confusão monetária de todos os tempos. Mas o plano Real está funcionando muito bem. Tornou-se moeda forte superando o Dólar.</p><p>-Uma hora tinha que dar certo. O Atrasil era um verdadeiro laboratório de testes monetários. Foram os Réis, o Tostão, o Cruzeiro, o Cruzado, e por fim o Real. Por que é que a casa da moeda não produz bastante dinheiro e o distribua para a população?</p><p>-Pra que seja fabricado dinheiro, é necessário que haja fundos de reservas na casa do tesouro nacional. </p><p>-Fumaça, enquanto eu sentia o chá sapecando as minhas tripas, eu pensava no quanto as pessoas que deviam trabalhar para o nosso bem, acabam nos ferrando e nos fazendo acreditar que elas se preocupam com a gente.</p><p>-Você acha que eu envenenei o chá que eu preparei pra você?</p><p>-Não, nêgo. Você é meu melhor amigo. Eu confio na brancura de sua consciência.</p><p>-Então me faça acreditar na sua consideração á mim. –disse ele se sentando.</p><p>-Siga o meu raciocínio. Primeiro veio o presidente dos juros altos, Juré Euquiarmei. Todo mundo vendeu o que possuía e depositou o dinheiro no banco. Depois veio o bonitão Ferrando Colegas de Mesa, que confiscou a grana de todo mundo. Por último veio o Fechando Consrico. </p><p>-E daí?</p><p>-Nêgo, você me disse que para a Casa da moeda produzir dinheiro, é necessário que haja dinheiro em caixa. Isso quer dizer, que esses três últimos presidentes já tinham arquitetado essa tramoia. E quem financiou essa mudança na ordem monetária, foi a população... Por falar nisso, você já resgatou a minha grana que você á conseguiu com a venda da minha casa, e que foi trancafiada? </p><p>-Ele já está pensando no segundo mandato. O ateu irá se reeleger. Você será ressarcido em breve. –levantou-se.</p><p>-Sei nêgo. Quando eu encontrar a arca do tesouro de Salomão, poderei fazer uma nova troca: de moedas de ouro por Reais. Aquele ateu se faz de pastor pra encurralar as ovelhas. </p><p>-Bebe logo esse chá. A gente tem uma tarefa á ser realizada.</p><p>Engoli de uma vez. Desceu cozinhando as minhas tripas.</p><p><br /></p><p> </p><p> *</p><p><br /></p><p>Feito um matuto eu fico reparando o quintal de uma propriedade alheia. A pocilga se parece com um forno, de tão quente que é. Bem pequena também, igual á uma casa de boneca de filha de pobre. Perguntei ao Fumaça como foi que ele conseguiu comprar a bendita casa das máquinas de trêm á vapor. Ele respondeu que ela não era dele e, inclusive, nós tínhamos que dar um trato em quintal para garantirmos mais um dia de defumação dentro daquela caldeira. Tá cada vez mais difícil a vida para os pobres. </p><p> -Fumaça, quem foi que ligou para as garotas?</p><p>-O Pedroca. Por quê?</p><p>-E você tem certeza que ele ligou mesmo?</p><p>-Ligou DJ. </p><p>-Então por que é que a gente tem que arrumar esse terreiro? Minhas mãos vão encher de calos. Por que o Pedroca não voltou ainda?</p><p>-Ô máquina de perguntação do caramba! Carregue essa brita logo.</p><p>-Por que a gente tá esparramando brita no quintal?</p><p>-Porque á farra vai ser aqui em casa.</p><p>Eu nunca tinha trabalhado tanto na vida. Fumaça pegou emprestado ás ferramentas de trabalho do seu amigo e vizinho Funil, - bebe mais que um camelo com sede-, para dar uma geral no quintal bem espaçoso e com alguns pés de frutas como: laranjeira, abacateiro e mexiriqueiras. No dizer dele, umas patricinhas vão adorar esse programão sertanejo. Mas pra isso, nós tínhamos que deixar outro quintal em ordem, porque nos planos dele muitas garotas e garotos virão para cá. </p><p>Fumaça, esperto feito pulga de cachorro de rico, resolveu á não levar a galera pra casa dele, para passarem a noite se divertindo, porque corria o risco do dono da casa vir cobrar o aluguel atrasado á quatro meses.</p><p>-Só mais um carrinho cheio e o quintal fica no grau.</p><p>-O Pedroca tá demorando... Eu já tô cansado. –reclamei.</p><p>-Me dá essas ferramentas ai... E leve esse carrinho de brita. </p><p>Fizemos a troca e seguimos para o fundo do quintal, onde Marcelo está pensando em esparramar a brita.</p><p>-Pronto aí Marcelo?</p><p>-Ainda não DJ.</p><p> Fumaça e eu notamos que Marcelo está meio pra baixo e sem querer muita conversa. O infeliz já era preguiçoso, agora foi que ele se assumiu de vez.</p><p>-Esse Marcelo é um molenga. Entrega-me esse rastelo aí. –pedi, sem querer, mas foi o jeito. Quando o escurinho lançou mão do rastelo, a ferramenta tinha todos os dentes, atualmente o coitadinho já está banguela, e, o Marcelo, hum, não aluiu o pé. Eu posso assegurar que o preguicento foi quem quebrou os dentes do rastelo.</p><p>Marcelo me entregou o rastelo e foi se sentar debaixo do pé de abacates. Tão verdes os frutos! Quando ele resolver sair de debaixo do pé de abacate, os frutos já estarão podres. Ô menino preguiçoso meu Deus. Fumaça foi fazer companhia á ele.</p><p>-E aí Marcelão, qual foi?</p><p>-O problema é a Michele Fumaça. </p><p>-O que tem ela?</p><p>-Ela disse que não está pronta pra se casar ainda, porque quer terminar os estudos primeiros, mas eu tô desconfiado que ela não goste de mim.</p><p>Pra passar fome, antes sozinha do que ter que dividir a fome com um inútil como ele. Se ela fosse minha irmã eu diria pra ela dizer á ele que o problema não era com os estudos, sim com os nada que ele produz.</p><p> Só tô observando a conversa dos dois. O Fumaça tá é com preguiça também. Toda essa preocupação dele com o irmão de cor é pra deixar a empreita só pra mim. Um negro preguiçoso já seria o suficiente para escorar em mim. Dois, vão me imprensar até eu me fundir á eles. E tome rasteladas, britas. Preguiça é contagiante, e quando ela é disseminada por dois negôes preguiçosos, vira peste negra. </p><p>-Nós estamos fritos. Merda, merda, merda. –Marcelo praguejou batendo as mãos nas britas.</p><p>-Do que você está reclamando? Quem te mandou ser negro dos olhos... Qual a cor dos seus olhos? –Fumaça brincou tirando a cabeça do Marcelo do tronco do abacateiro.</p><p>-Você também tá no sal, Fumaça.</p><p>-Nós estamos no sal.</p><p>Serei bondoso para com os dois.</p><p> -Eu estou disposto á salvar os couros de vocês. Se tiver gatinhas nessa salina, eu viro bacalhau em salmoura.</p><p>-DJ, o Marcelo acha que mulheres ricas não gostam de pobres.</p><p>-Gosta sim. Elas se sentem super valorizadas. Principalmente se forem vistam com um pobre preguiçoso. Assim elas se sentem lindas e donas de um capacho.</p><p>-Pior que o DJ tá certo. Não apenas as mulheres ricas, mas também os homens. Hoje em dia as diferenças de padrões de vida estão bem gritantes...</p><p>-Gritantes. –falei num rompante. –Estão ensurdecedoras. Como diz a música das Meninas: O rico, cada vez mais rico. O pobre, cada vez mais pobre. Por falar nas meninas, eu quero é me livrar dessa situação precária. –mostrei os calos em minhas mãos. –Já tá na hora do almoço?</p><p>Fumaça e Marcelo se entreolharam desconfiados.</p><p>-DJ. –disse Fumaça serrando os dentes e fechando os olhos. –Teremos que carpir mais três lotes baldios para conseguirmos comprar as marmitex...</p><p>-Mas você não disse que o Real é valioso?</p><p>-Falei. Mas coisas valiosas assim, somente os ricos ás possuem. Pobre não tem Real não, meu amigo.</p><p>-E vocês me fazendo de escravo. De escravo não. Pelo menos os que viviam nas senzalas, recebiam roupas, comida e um lugar pra eles dormirem. E as neguinhas gostavam deles. E nós? Sem moradia, com fome, roupas trapeadas. E, as pessoas que parecem gostar da gente, é por razão da superioridade delas em relação á nós. </p><p>-Eu te falei Fumaça. A Michele gosta de mim, porque eu sou P.P.A.</p><p>-Traduza. –pedi, com a ponta do cabo do rastela apoiando o meu cotovelo.</p><p>-Pobre preguiçoso analfabeto.</p><p>-A é, né Fumaça? Então segura. A Miúcha gosta dele porque ele é P.P.D.</p><p>-Bis á tradução. –pedi de novo pondo o outro cotovelo pra descansar sobre a ponta do cabo da ferramenta do meu ódio. Se eu pudesse já o teria quebrado e jogado fora.</p><p>-Pobre preguiçoso desempregado.</p><p>-Que diferença faz se o Fumaça tivesse um emprego e se você estudasse, Marcelo?</p><p>-Faria muita diferença. Nós abriríamos um precedente...</p><p>Conjecturando...</p><p>-Fumaça e Marcelo, eu vou ao gabinete do presidente. E depois da minha volta, a vida dos negros jamais será a mesma. Pegue as ferramentas e comece logo á pagarem pelo favor que eu farei á todos os negros desse país.</p><p><br /></p><p>Vire e mexe, a minha mobilette está em encostada em algum lugar á me esperar. Dessa vez eu á encontrei com o guidão colado á lataria de um carro. Deu pra notar o cansaço dele. A coitadinha cochilou e caiu esfregando a ponto do guidão, sem punho, na porta de um Corsa vinho. Tô nem aí. Quero ver o dono de o automóvel cobrar pelo estrago. Cochilou Mobillette cai, zé mané. </p><p>Inclino-me pouca coisa, para não danificar a minha coluna vertebral já castigada pelo trabalho, e ponha a minha fiel companheiro em posição de arrancada...Vrummmm...</p><p>... Puta merda. Quando ela acorda, é mesmo que ver um supersônico nitroglicerinado.</p><p>Cheguei ao palácio... Ajeito a camisa dentro da calça e me aproximo do porteiro, negro também.</p><p>-O que você deseja moço?</p><p>-Aprende á falar, indivíduo. O que você faz aqui?</p><p>-Tô tirando a hora de almoço do funcionário de ofício.</p><p>-Você tá com cara de quem tá com sono.</p><p>-É que eu cuido dos banheiros do palácio. Zelo do jardim, e, ainda faço um extra.</p><p>-Cadê o oficial encarregado de bater continência para mim antes de me abrir a porta pra eu vazar pra dentro do palácio? Aqui é autarquia, ora bolas.</p><p>-Ele foi levar a filha do deputado á escola. Depois ele levará os cachorros da mulher do deputado, ao Petshop.</p><p>-E á que horas ele volta?</p><p>-Lá pra meia noite. Ele tem que pagar o aluguel da casa onde mora.</p><p>-Libera a minha entrada, senão eu terei que cobrir a falta do infeliz, coitadinho, vai morrer de tanto trabalhar.</p><p>A portaria foi liberada para mim</p><p>Pelo saguão eu vejo apenas uma zeladora correndo de um lado á outro para limpar o piso de granito. Pare um beija-flor.</p><p>-Que correria é essa, senhora? –perguntei.</p><p>-Tenho mais duas faxinas para fazer ainda hoje. As madames não aceitam que eu me atrase. E as barrigas dos meus filhos, não esperam. </p><p>O não me atrase, eu quase não ouvi direito, porque ela já estava subindo á escada para limpar a vidraça. O resto eu deduzo que ela tenha dito alguma coisa relativa á barrigudinhos famintos. Deixa quieto.</p><p>-Respiro fundo e fecho a mão para bater na porta do gabinete do presidente...</p><p>Opa! Quase afundei a fuça de um entregador de pizza.</p><p>-Tem muita gente aí dentro?</p><p>-Tô entregando pizza desde ás cinco da manhã. Já são cinco horas da tarde.</p><p>-Deixa comigo.</p><p>-É o jeito. Daqui eu vou para o plenário. Vai acabar com o estoque de pizza do meu patrão. E olha que os pizzaiolo, trabalharam a semana inteira fabricando pizza apenas para os que estão reunidos com o presidente desde ás quatro horas e cinquenta e cinco minutos da tarde de hoje. Eu já vou indo.</p><p>Vai ver, eles vão receber minutos extras. </p><p>Entrei.</p><p>Ô loco, bicho. Têm mais desocupados aqui, que moedas na caixa-forte do Tio Patinhas.</p><p>-Senhor presidente. –gritei. O grito gerou um eco que foi se despropagando até virar um cochicho aos pés dos ouvidos da centena de deputados e senadores em volta da mesa.</p><p>O presidente Fechando Consrico Horroroso teve que se sentar no centro da mesa, sobre o tampo dela, para direcionar a fala á cada um deles.</p><p>Vou seguindo em direção aos inúteis e vejo o presidente ficando de pé.</p><p>-Divino Justino. Que bom receber você. Eu quero te agradecer pelos seus préstimos á economia brasileira. –abriu os braços.</p><p>-Aproveite a sua alta elevação diante dessa cambada e os ponha pra correr. O que eu vim fazer aqui diz respeito á quem quer trabalhar e estudar. Esse pessoal aqui estudou muita malandragem para comer ás custas de trochas. –eu digo mesmo, não vou mentir.</p><p>-Reunião encerrada. Saiam todos vocês.</p><p>Fizeram caras feias, mas preferiram saírem falando aos pés dos ouvidos uns dos outros.</p><p>-Vão-vos retos satanases.</p><p>Eles saem em fila indiana deixando os pratos vazios e os talheres lambidos. Por mim, eles iriam direto para um campo de extermínio.</p><p>Subi na mesa. Agora eu estou á altura do chefe de estado. Sentei-me sobre a mesa e dobrei as pernas em x. </p><p>-Então, senhor presidente, eu veio ao senhor em nome de uma minoria racial, e de uma maioria desempregada.</p><p>Platão já dizia...</p><p>-Platão não tem nada á ver com o que eu quero dizer. </p><p>Sentou-se em posição de um guru. Se eu vacilar ele me engambela com filosofias que não enchem a barriga de ninguém. </p><p>-Estou á sua inteira disposição.</p><p>-Pois bem, então. Eu quero que vossa excelência conceda vagas de empregos á negros, e vagas de matrículas escolares aos que possuem á mesma cor de pele dos primeiros..</p><p>Ele cofiou o queixo liso feito uma garrafa.</p><p>-Marx já salientava...</p><p>-Marx salientava a barriga dele cheia de comida, a cabeça infestada de ideias subversivas aquilo que eu venho propor ao senhor em favor de uma casta da sociedade.</p><p>-Pois diga.</p><p>-Promova à integração dos negros as escolas e ao mercado de trabalho. </p><p>-Como eu poderei fazê-lo?</p><p>-Pense nesses temas e dê conta, ai, ai, ais.</p><p>-Sistema de cotas raciais. Sancionarei essa lei imediatamente. </p><p>Comigo é assim: Pode até não ser do meu jeito, mas o importante é que dê um jeito.</p><p>-Mas, DJ... eu não sei se poderei dar procedimento á esse projeto social. Os meus aliados no governo, estão querendo amotinar contra mim. Se isso acontecer eu não serei reeleito.</p><p>-Seja mais bonzinho com eles.</p><p>-Qual a sua sugestão?</p><p>Eu seria piedoso, mas olhei para os pratos e talheres. Lembrei-me do Fumaça e do Marcelo com os olhos fundos e os umbigos deles colados ás suas contas, de tanto passarem fome, e, mudei de ideia.</p><p>-Dê á eles, ao menos o salão...</p><p>-Pagar á eles um mensalão, é isso?</p><p>Eu queria dizer para ele fazer os pilantras de sua bancada, limparem ao menos o salão de reuniões para eles comerem pizza, cinco vezes por dia.</p><p>-Pode ser. Mas que o salário mensal de cada um deputado e senador seja considerado um mensalão mesmo não ultrapassando meio salário...</p><p>-Mil salários mínimos. Você tem certeza, DJ? DJ, você está me ouvindo.</p><p>-Ãh, sim, estava. Eu queria achar uma migalha de pizza nesse prato aqui. Mas é isso mesmo. Resolvendo os problemas dos menos favorecidos, e, sabendo agradar a sua corja, a sua reeleição estará garantida.</p><p>-Você é um anjo, como dizia Jerônimo...</p><p>-Eu tô faminto. Por acaso ele falou se é certo anjos sentirem fome? </p><p>-Vá á cozinha da Esplanada dos ministérios e coma o quanto você quiser. Depois você volta para dar uma organizada aqui nessa bagunça e, ficamos acertados.</p><p>“Vai se ferrar, unha de fome duma figa”</p><p>-Eu já vou indo. Cumpra as suas promessas e, estaremos quites.</p><p>Pulei da mesa e senti meu estômago embrulhando a minha cabeça...</p><p><br /></p><p><br /></p><p>2016</p><p><br /></p><p>-Minha nossa! Quase morro sufocado. Cada sonho maluco. Eu hem!</p><p>“Em Brasília, 19: 45”</p><p>Dormindoooo...</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> Ano 2014</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Caminhando em uma rua estranha eu vejo pessoas olhando para o céu, como se estivessem presenciando a volta de Jesus Cristo. Eu também olho para cima e...</p><p>Minha nossa! É um troço esquisito descendo de paraquedas... Opa, em cima de mim não, mobilete voadora... mobilete... é a minha...</p><p>Eu pensei que fosse um dos pneus dela que havia se separado do quadro, mas era o meu amigo, emulsão asfáltica...</p><p>-Fumaça, infeliz...</p><p>-Fumaça o caralho, o meu nome é...</p><p>-Neguim...</p><p>-Neguim, o caralho, o meu nome é...</p><p>-Tição...</p><p>-Tição o caralho, o nome do meu advogado é Armanduma Democratis.</p><p>-Que negócio é esse? Você não se ofendia assim quando eu te chamava por apelidos.</p><p>-Democracia. O Frasil agora é um País democrático, graças á você.</p><p>-E a minha Mobí? Quem pagará o concerto?</p><p>-Ti vira, você não pode provar que fui eu que a destruí, e se tentar me acusar, eu meto um processo em você, por racismo...</p><p>Ele só podia estar brincando.</p><p>-Neguim...</p><p>-Se você continuar me chamando de neguim, o juiz vai decretar tantas causas ganhas á meu favor contra você, que até a sua bunda vai ser usada para receber os carimbos de caso encerrado. –falou sério.</p><p>-De quem é essa moto?</p><p>-É minha. –respondeu pondo o capacete e montando na moto azul, zero Km. –Engarupe aqui atrás, e vamos embora daqui.</p><p>Eu não estava entendendo nada, mas percebi que algo estava mudado, não só no Fumaça, mas também em tudo ao nosso redor. Eram muitos os edifícios, carros e pessoas em nossa volta.</p><p>Sem questionar, montei na garupa.</p><p>-Use o meu capacete, porque eu só tenho um. –me entregou e saiu dirigindo em alta velocidade.</p><p>-É muito boa de arrancada essa moto. –minha voz sendo engolida de volta pela pressão do vento. –Devagar, neguim... Mariozan.</p><p>Freada brusca no sinal.</p><p>-Temos que agir depressa. O Fragil está sendo vítima de alguns golpes.</p><p>-Como assim?</p><p>-A nossa democracia é inútil contra os golpistas.</p><p>-Eu não sabia... sai devagar, infeliz.</p><p>Veloz feito um raio, ele ia cortando tudo, até que...</p><p>-Encoste. –ordenou-nos um policial de trânsito.</p><p>Paramos rente ao meio-fio e aguardamos a advertência.</p><p>-Você estará sendo multado por excesso de velocidade e por não usar capacete.</p><p>-É você que está dirigindo, não eu.</p><p>-Mas eu sou negro. Qualquer coisa é só eu alegar que você aproveitou da minha inferioridade pessoal me forçando á dirigir sem capacete e em alta velocidade.</p><p>-Você nunca agiu assim antes.</p><p>-Só que agora eu tenho os meus direitos garantidos pela lei de direitos humanos. Sou menor, e essa moto eu á roubei. Daqui á uma semana eu completo dezoito anos. Então eu terei que encerrar a minha carreira de ladrão.</p><p>Eu ia passar um sabão nele, mas o policial estava chegando. </p><p>-Desçam da motocicleta, vocês dois.</p><p>Descendo.</p><p>-Quem é o dono do veículo?</p><p>Entreolhadas cúmplices entre mim e o motoqueiro democrático. Eu teria de ser verdadeiro. Mas para isso, eu teria que entregar o meu amigo ladrão.</p><p>-Então policial, é...</p><p>-Policial, isto é um insulto á minha pessoa, por eu ser um afrodescendente. Eu estava pilotando a moto, isto sugere que eu seja o dono dela, mas o senhor por ser branco, acha que eu á roubei. No artigo lei numero...</p><p>-Não senhor, eu não disse que você é um ladrão.</p><p>-Agora você está dando o falso testemunho, ao afirmar que eu disse que você disse que eu sou ladrão. Tudo isso porque você pensa que a voz de um branco tem mais valor perante um júri formado por brancos...</p><p>-Eu não disse que você, por ser negro, será tido como mentiroso na presença de um juiz.</p><p>-Está vendo? Você acabou de me chamar de negro e mentiroso. Isto não vai ficar assim. –pegando o capacete em minhas mãos e o colocando na cabeça dele. –Nós nos veremos no tribunal, policial. Agora mesmo eu estarei indo ao meu advogado. Passar bem. Vamos DJ.</p><p>O policial ficou com as mãos na cintura, sacudindo a cabeça. Eu teria que me adaptar logo com os novos códigos de leis vigentes no país. O primeiro passo era não chamar mais o Mariozan de neguim, fumaça, chaminé ao avesso, resto de olaria e picolé de piche.</p><p>Não demorou, chegamos á uma casa de arquitetura moderna de aspecto externo bem bonito.</p><p>–Eu vou queimar um baseado e dar um jeito de me informar mais em um site de busca.</p><p>-Você vai virar um internectual de inteligência á baixo de zero e cérebro cheio de porcaria e fumaça de maconha.</p><p> Não deu nem atenção. Rapidinho o pedaço de folha de papel virou um canudo recheado com erva. Isqueiro acendeu, fumaça subiu. O neguim maconheiro foi encurtando o pavio.</p><p>-Quer dá um peguinha?</p><p>-Não, eu prefiro conservar a minha saúde física, mental e moral.</p><p>Deu de ombros sugando a guimba que já estava para queimar as pontas dos dedos dele.</p><p> Eu não sei como é que ele vai conseguir pagar as prestações da casa nova dele em Atrasilândia. Não é por causa do valor, porque é uma merreca que ele terá de pagar por mês por ele ter sido contemplado com o programa Minha casa, minha dívida. O problema é que são trinta anos de prestações mensais. Fumando maconha do jeito que ele fuma, olhe lá, se ele viva mais trinta dias. </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> ***</p><p>Flagrei o meu melhor amigo, triste e pensativo.</p><p>-Fala Mariozan, o que tá pegando?</p><p>-Por favor, me chame de fumaça, neguim, tição ou do que você quiser. –havia saudosismo na fala e no olhar dele. –Eu sinto saudade daquela época. Éramos inocentes e verdadeiros em nossas amizades e conversas. Hoje somos tão mascarados e insensíveis com as pessoas.</p><p>-Beleza. Neguim, pedaço de breu, eu continuo o mesmo. Só não me sinto completo porque eu não tenho mais a minha mobilete nem a Anamara pra me encher a paciência. Mas você tinha grana ao menos para comprar comida.</p><p>-Pior que não. Quem tinha o Real eram apenas os ricos. Agora o nosso país se chama Fragil.</p><p>-Tá bom, e depois?</p><p>-Em 2003 as coisas começaram á melhorar para o povo, principalmente para os mais pobres. O nome desse gênio da lâmpada é Fuis Ricaço Gula da Silga. Mas alguns caras achavam que ele era um morrestino analfabeto, ele virou o xodozinho dos mais pobres. Se bem que o país mudou pra melhor para todos. Gula ficou oito anos no governo e conseguiu eleger a presidente Cíuma. Esta por sua vez, estava indo bem, mas depois da copa do mundo para cá, o trem tem ficado esquisito. Ela vai cair. Então teremos um governo Temerário...</p><p>-É sempre assim, quando certos políticos não se elegem pelo voto, depois de insistir bastante, eles dão um jeito de tomarem o poder.</p><p>Fumaça foi ao portão e o trancou. Em seguida, ele pediu que eu levasse a moto para dentro da casa. Eu não quis perguntar qual era o motivo de tanto cuidado ao me mandar guardar o veículo, para evitar que ele me processasse por intenção de querer submetê-lo á trabalho escravo. </p><p><br /></p><p><br /></p><p> </p><p><br /></p><p> *</p><p> </p><p>Eu ainda precisava me familiarizar com os avanços tecnológicos, mas á princípio, eu logo percebi que a tal da internet era uma ferramenta de extremo valor para quem soubesse usá-la. È como eu sempre digo, a única coisa que foi feita exclusivamente e unicamente para ser usada para o mau, é a arma de fogo e todo quanto é tipo de armamento bélico. Com ela, a pessoa só faz o que não presta: coagir, oprimir, ameaçar e tirar a vida de alguém. Porém, a internet fornece um monte de informações importantes e permite comparar as ideias de umas e outras pessoas. Pensando assim, eu e Fumaça resolvemos recorrer ao que ele me falou que se chama site. Queríamos uma pizza e acessamos um site gastronômico escolhemos comprar da pizzaria que tinha mais comentários positivos á favor do seu trabalho de fabricação, preço e entrega. Foi barato e rápido. Faltava-nos descobrir a qualidade do produto.</p><p>-O queijo dessa pizza é aquele famoso...</p><p>-Suíço. –de boca cheia, fumaça antecipou.</p><p>-Sumiço, isso sim. Mesmo que eu tivesse o grau olfativo de um rato de porão, eu não teria sentido nem o cheiro de queijo nessa pizza. </p><p>-Come aí e deixe de reclamar. Pelo menos agora, sou eu quem está financiando a nossa alimentação diária.</p><p>-Engole primeiro, indivíduo.</p><p>Buscou ajuda no refrigerante para engolir o último pedaço. Eu tentei comer o meu pedaço, mas francamente, caímos no golpe da propaganda enganosa.</p><p>-Que saudade eu sinto da panifichonete em Toiânia. –lamentei girando o copo vazio sobre a mesa. –Como é que anda as coisas por lá?</p><p>-Mudou de dono e de endereço. O Vinícius processou o antigo patrão dele, acusando-o de homofóbico. O coitado do homem ficou pobre. Á propósito, num país democrático, as minorias são mais protegidas pela lei. Vinicius veio com lanchonete e tudo para Fragília.</p><p>-Não entendi o adjetivo e nem a parcialidade judicial. O que é homofobia?</p><p>-É quando você agride fisicamente, verbalmente ou age de modo preconceituoso contra um homossexual.</p><p>-Bom, eu até concordo com as punições cabíveis á todos aqueles que cometem desrespeitos á um gay, mas nesse caso pode estar havendo um protecionismo jurídico á classes de gêneros, e não o cumprimento da lei dos direitos humanos em sua síntese coerente e indiscutível.</p><p>-Os gays também são humanos, assim como os negros também são e merecem serem tratados com respeito.</p><p>-Ô neguim, eu te respeito como sempre o respeitei e respeito também o Vinícius, porque vocês são seres humanos. Mas agora vocês querem se colocar como se fossem super seres humanos.</p><p>-Eu não quero discutir sobre esse assunto. Mas, só para que você entenda, estes são os conceitos mais discutidos nas sociedades fragileira e aqui em Fragília.</p><p>-Estamos em Fragília? –me levantando e indo á janela. Vi apenas as paredes dos muros laterais e frontais. Se ao menos o portão estivesse aberto.</p><p>-Estamos em Fragilândia, á dez minutos do Afano duzotros e da Afanada dos ministérios. Sai da janela, porque uma bala de fuzil pode atravessar paredes e vidros.</p><p>-Estamos em guerra. –correndo para a mesa.</p><p>-Como eu já te falei, a democracia é frágil e não consegue conter o avanço da criminalidade. Os nossos valores morais se dissolvem á cada martelada de um juiz.</p><p>-E, a população aceita numa boa?</p><p>-Fica á mercê dos divisores de opiniões e formadores de conceitos.</p><p>-E qual o resultado?</p><p>-Preconceitos, intolerância, libertinagem, selvageria urbana e impunidade.</p><p>-Eu posso até estar enganado, Fumaça, mas existe um ditado que diz: a voz do povo é a voz de Deus, e isso quer dizer em termos políticos, não religiosos. O povo tem que ser ouvido, e que prevaleça a vontade do povo.</p><p>-Não agimos mais dessa forma, e você perceberá as mudanças. Portanto, o que nós devemos fazer é irmos à busca da verdadeira democracia.</p><p>-A democracia pelo que me parece, é a subversão da verdade. Ela em si já é uma mentira. Você é uma prova cabal desse fato. Você inverteu a situação com o policial, e até com o entregador de pizza. Custava á você ter dado a gorjeta á ele, ao invés de exigir desconto. Ele vai ter que pagar do salário dele.</p><p>-Você estava tomando banho e não percebeu que o picareta era negro também. Quando ele te viu indo para o banheiro com a toalha enrolada na cintura, ele disse-me que se eu o processasse, ele processaria você por ter usado de um negro para extorquir á um irmão de cor.</p><p> Êh, êh, e os direitos dos morenos claros de cabelos lisos?</p><p>-Tudo bem, mas antes, as coisas fluíam com mais naturalidade e honestidade.</p><p>-Mas, a ditadura não cairia bem em um país com tantos conflitos sociais e intrigas políticas. O que passou, passou. DJ retrocesso.</p><p>-Se o que vivemos na ditadura militar foi bom ou foi ruim, não me importa no momento presente. Quando eu achei que era um erro, tentei concertar, deu no que deu, mas eu não me culparei por isso. O que interessa é que se há algo que eu possa fazer para mudar esse quadro em nossa história, eu tentarei, mesmo errando, caindo e me levantando, mas buscarei uma solução para esse caos monstruoso. –me levantando. –Serei Davi contra Golias. Vila nova contra o Goiás, mas como um bom estilingueiro e Vilanovense, eu não desistirei nunca, jamais, de maneira nenhuma e...</p><p>-Senta aí, ô, emocionado.</p><p>Obedeci com humildade conservadora. Ele cruzou as pernas democraticamente. Daquele jeito, pernas esticadas, um pé entrelaçado no outro, ajeitou as bolas dentro da calça e pegou mais uma folhinha, um punhado de maconha, e...</p><p>-Eu vou dar uns peguinhas, depois eu penso numa estratégia para a nossa busca.</p><p>-Deixe comigo as estratégias. Eu só preciso de um bom armamento e de uma grana.</p><p>-Sem armamento. O seu estilingue quebrou a forquilha.</p><p>-E a grana?</p><p>-O entregador de pizza tinha um advogado melhor do que o meu. Para evitar demandas judiciais contra ele eu resolvi ressarci-lo de imediato.</p><p>Desisto.</p><p>-Essa maconha mesclada com democracia e internet estão atrofiando os seus neurônios e aniquilando seus argumentos. O Jamesan Américo está por aqui em Fragília?</p><p>-Especificamente na Afanada dos ministérios em missões de reparo na democracia. Vai um peguinha?</p><p>-Não. Vai fundo. Eu estou acostumado á salvar amigos do atoleiro. Quando chegar lá no fundo do lamaçal, me mande sinais de fumaça.</p><p>-Agora, você tem nova documentação. Pegue sua identificação. –entregou-me uma identificação militar. –Você é um agente especial de hoje em diante.</p><p>-Eu sei ler, seu internectual de merda. E, pra seu governo, eu sempre fui um agente especial bem treinado para missões perigosas. É que na ditadura militar eu estava inativo por não haver violência suficiente para que eu fosse recomendado.</p><p>-O bagulho é doido. –falou prensando a fumaça e arregalando os olhos cinzentos.</p><p>-Você é doido. O bagulho aí, apenas te deixa mais doido ainda.</p><p>-Vai resolver a causa Gaymocrática, senão o Fragil vai perder o título de país democrático. Deixe que o resto a população vá empurrando com a barriga. Saiba apenas o seguinte. - mais uma prensada. –É questão de vida ou morte. O bagulho ficou sério na concepção da sociedade. Dá um tapinha aí.</p><p>-Eu vou dar é um tapão no pé do seu ouvido.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Fumaça e eu nos sentamos no sofá para falarmos sobre a indisposição da igreja e da área médica para acharem a solução para encerrar com as discussões sobre homossexualismo. Ficou decretado que eu e o Fumaça iríamos contribuir com a nossa parte naquela causa justa e altruistamente mal compreendida pela os cientistas biológicos e os cientistas da espiritualidade humana.</p><p>-Mas é o seguinte, a gente tem que encontrar um DNA capaz de fornecer tais informações biológicas sobre a homossexualidade da democracia. A ciência é ateia, mas usa do seu ateísmo para procurar respostas concretas e conclusivas. Enquanto que a religião usa da fé para não ter que procurar a verdade dos fatos, basta apenas crer sem duvidar.</p><p>-Quer dizer então que o religioso tem medo de descobrir que algo em que eles acreditam, pode ser mentira, e verdadeiro aquilo que eles não acreditam?</p><p>-É isso aí, recheio de lápis preto. –me levantando para ir á geladeira.</p><p>-Olha o processo. –me acompanhou. -Soldado trapalhão, - disse fazendo suspense. –Eu tenho umas informações que poderão nos dar uma esperança.</p><p>-Comece logo á falar besteira, é melhor do que te ver fumando maconha. </p><p>-Então escute a história mais pitoresca que você jamais pensou em ouvir. Em 1940, apareceu em Toiânia, um adolescente afirmando que ele era um enviado de Deus para restaurar a religiosidade cristã, a qual em sua própria concepção havia sido deturpada pela influência do maligno. No início dos anos 50 ele já havia conquistado alguns seguidores que acreditavam piamente que ele era a autêntica figura do messias ressuscitado que ao alcançar tal sublimidade divina irou-se com os judeus e se teletransportou para Toiânia com o intuito de arrebanhar 666 novas ovelhas obedientes aos seus mandamentos e levá-las para as pastagens celestiais. </p><p>-Caramba. –falei batendo com as duas mãos em minhas próprias pernas. -Que filho da mãe mais charlatão. –sentei-me na cadeira e apoiei os cotovelos na mesa. Estava interessante a história. -Prossegue Fumaça.</p><p>-Sobre o pretexto de ele ser aquele que recebera diretamente de Deus a incumbência de estabelecer uma nova ordem religiosa, ele começou á disseminar suas ideias malucas, das quais, uma delas era a esperança de um porvir não muito distante, em que os adeptos de sua religião morreriam á cada ciclo de 666 luas novas, mas em fração de minutos os desencarnados receberiam das mãos de Deus o elixir da vida eterna, e ressuscitariam em pleno vigor físico e cheios de experiências adquiridas por terem passado ínfimos seiscentos e sessenta e seis segundos ao lado do pai da eternidade.</p><p>-Por que tanto fascínio pelo numero seis? –perguntei.</p><p>-Pra quem queira saber sobre esse número, basta navegar na internet. Há muitos sites que dão variados significados sobre esse assunto. Caballa, Astrologia, Numerologia mística e outros. No entanto, o que esse número significava para o impostor de Cristo, somente ele sabia. Apesar de ele ter sido criticado por alguns membros da sua colônia das ilusões, de que o tal número representava a pessoa do iníquo, ele sempre os persuadia á aceitar que foram os copistas romanos que adulteraram as escrituras, e demonizou tudo aquilo que era santo, transformando o sagrado no profano. Ele próprio se fez de morto ressuscitado diante dos olhos dos seus seguidores. </p><p>-Ele deve ter adquirido técnica de respiração circular prolongada através de ritos de meditação mística, ou então fingiu de morto por 666 segundos engambelando os fiéis com a ideia de ele ter renascido. Mas o que isso tem haver com a causa gaymocracia?</p><p>-No regresso dele do mundo dos mortos para o mundo dos imbecís que o assistia se passando de morto, ele contou uma história mais cabulosa ainda. </p><p>-Faça de conta que seja verdadeira, senão, pode parar de contar asneiras reconhecidamente inúteis. –abrindo a geladeira para pegar água.</p><p>-Ele esteve presente na civilização Faia, e afirmou que soube como foi que os Faianos foram aniquilados. </p><p>Fechei a geladeira e me sentei novamente. Interessante essa conversa que até agora não tem nada á ver com a questão em pauta.</p><p>-Ô neguim, ou você me conta algo que interessa, ou então vai fumar a sua maconha e me deixe sossegado.</p><p>-Idiota, - se sentando finalmente, me xingou. –Eu sou de origem faiana, essa historia tem á ver com os meus ancestrais, e tudo que o ressuscitado contou nos anos 50 foi verdadeiramente igual àquilo que os meus antepassados ia passando para frente de geração á geração.</p><p>-Você ainda não me contou nada, infiliz.</p><p>-A civilização dos negros faianos foi aniquilada porque as mulheres trabalhavam em lugar dos homens. Devido á labuta da vida que elas levavam nos mandiocais, elas não davam conta de furunfarem com os seus maridos preguiçosos que por não trabalharem tinham o apetite desordenado por sexo. Então eles faziam sexo com umas brancas da civilização vizinha, as Fincas. </p><p>-E assim surgiu a pulada da cerca. </p><p>-Bom, as branconas engravidaram e povoaram suas aldeias, enquanto a do meu povo ia diminuindo á cada ciclo de lua.</p><p>-Fumaça, fumaça, o que tem isso á ver? Você tá me enrolando. Cê fumou maconha estragada, neguim...</p><p>-Não, o meu bajerê é de primeira qualidade.</p><p>-Então continue, mas abrevie a história.</p><p>-Com o passar de seis luas de chifrações ás escondidas, os Fincas descobriram a traição que as suas mulheres estavam aprontando com eles. Mais seis luas depois, os homens do meu povo os faianos, descobriram que as mulheres deles não estavam cansadas por trabalharem no cultivo das mandiocas, mas sim, que elas já tinham ás descascados e já estavam processando as mandiocas com os homens fincanos. Nasceram filho e filhas no nosso lado também. Numa noite de lua cheia, quando tudo ficou ás claras, os homens e mulheres fincanos, entraram em guerra com os homens e mulheres faianos. Foi uma mortandade generalizada entre os adúlteros e as adúlteras dos dois lados. Os únicos sobreviventes foram as crianças meninos e meninas de ambas as tribos. Mas, as crianças não sabiam lidar com as mandiocas, e mesmo assim, todos e todas á veneravam e ás guardava como seu maior tesouro...</p><p>Oh neguim embrulhão. Agora ele enrola um baseado. E depois de dar uma ligada no pavio ele o acende, puxa, prende a fumaça e depois de jogar para fora o que sobrou dela ele volta á prosa.</p><p>-Daí surgiu os povos da Estanha, trazendo as crianças, agora rapazes e moças que viviam em terras faianas por causa do cultivo da mandioca, e, os estanhóis os catequizaram com a doutrina do tristianismo do deus deles, Jesus Tristis. O nosso povo mixigenado com os Fincas aceitou a religião dos estanhóis e creram no deus deles. Mas os estanhóis só queriam a nossa mandioca. Para apossarem da nossa riqueza, as mandiocas, os estanhóis sequestraram o nosso líder, Xamã mandiocunacasca. Nosso povo pagou pelo resgate do nosso líder, mas os estanhóis o mataram assim mesmo. Então... o bagulho é doido. –saiu prensada a voz por causa do peguinha. </p><p>-Fumaça, o que tem isso á ver com os manducunoutracoisa de hoje?</p><p>-Espera. –apagou e guardou a ponta. –Nossos rapazes e moças não aceitaram mais as exigências dos estanhóis, e com frase solene, um xamãzinho em exercício disse: Nós acreditamos no seu deus, damos á vocês as nossas mandiocas, e olha o que vocês ainda querem que nós façamos. Isso nós nunca faremos.</p><p>-E o que era nêgo? –ansioso perguntei ajeitando a calça na virilha.</p><p>-Não sei. Somente o religioso que regressou no tempo sabia de quais eram as exigências impostas pelos estanhóis, e que foram recusadas pelos Fincafaias. Mas, ele bateu as botas sem revelar o que era aos seguidores dele. </p><p>-Nêgo antipático, por que você não morreu e foi encontrar com o religioso para descobrir dele o que era, para depois me contar essa história com um desfecho?</p><p>-O mistério está nas mandiocas, DJ borra-botas. Temos que descobrir a relação entre o meu povo e as mandiocas. Então descobriremos a origem da existência dos homossexuais.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Compramos algumas verduras e fomos vendê-las na feira. A nossa intenção era descobrirmos o máximo de informações sobre os gostos e preferências das pessoas em relação ás verduras. Qual o cliente que esboçasse algum interesse maior por mandioca, nós o abordaria e proporia uma parceria em nossa missão. Sempre quem gosta muito de determinado alimento, pode dar algumas explicações básicas e até mesmo profundas sobre a qualidade, lugar ideal e época para o plantio. Bem, nós sabemos que quem tem preferência por mandioca, sabe bem, como cultivá-la e onde ela deve ser plantada. Armamos nossa barraca e esperamos pela freguesia. Fumaça numa ponta, eu noutra. –da barraca, não das mandiocas. </p><p>-0brigado freguesa. Tenha certeza que a senhora Está levando o melhor tomate da região. Aprovada pelo ministério da saúde. Não contém agrotóxico, pois é plantado e colhido no meu sítio em Fincafaia. -Fumaça agradecia á mais uma cliente da nossa barraca de feira. Depois de guardar o dinheiro no bolso largo de seu jaleco azul claro ele vai chuviscando água nas verduras e legumes para dar lhes o aspecto de frutos frescos.</p><p>-Quanto custa o chuchu moço?- uma senhora segurando uma criança nos braços, me perguntou.</p><p>-Pois não, dona Maria. Só o chuchu? E á abobrinha, o repolho...</p><p>-Apenas o Chuchu. –afirmou a senhora balando a criança.</p><p>-A senhora sabia que chuchu, abobrinha e repolho são muito bons para criança? -notei que o garotinho nos braço da mulher estava um pouco magrinho e raquítico. A mãe também. –E mandioca, para os adultos?</p><p>-Meu filho não come essas verduras. - a mulher garantiu colocando a chupeta na boca da criança que já começava a dar birra.</p><p>-Ah, então é por isso.</p><p>-Isso o quê moço?-perguntou-me, encafifada. </p><p>-Ó, se a senhora levar os três pacotes eu faço por um preço especial. -empacotando as verduras.</p><p>-0 que meu filho tem?-Insistiu num tom áspero de voz. </p><p>-É que, criança que come essas verduras, para de mamar bico e mamadeira e ainda por cima cresce e engorda. E se a senhora comer mais mandioca, a senhora terá mais forças para sustentar um gordinho nos braços.</p><p> -É mesmo?</p><p>-Com certeza. </p><p>-Então quanto dá tudo?</p><p>-Só 15 reais. Mais a mandioca, 20.</p><p>Comprou.</p><p>Eu adquiri a arte de vender qualquer tipo de mercadoria com um senhor baixinho e calvo no alto da cabeça, que para disfarçar a calvície penteava os cabelos enrolados que lhe restavam nas laterais e nuca com um garfo feito com raios de bicicleta fincados num pedaço de madeira. Seus cabelos formavam uma juba estilo Black Power. O nome daquela figura é Vicente. Codinome Bico-doce. Fumaça não vendeu nem o que daria pra ele comprar um baseado. Todo minuto ele me olha meneando a cabeça dele, com cara de desânimo. Nós dois nos conhecemos dias depois do acidente que causou a morte dos pais de Fumaça. Ele também foi aluno do bico doce.</p><p>Certo dia ele foi até a feira coberta às margens da marginal botafogo, na intenção de conseguir algumas frutas para comer, e lá estava bico-doce desmontando sua barraca para ir embora. Fumaça lhe ofereceu ajuda e ele aceitou. Depois de alguns minutos de conversa, Bico-doce sugeriu que Fumaça sempre o ajudasse com a montagem e desmontagem da barraca. Proposta aceita. Porém, só o Fumaça pegava no pesado. Enquanto ele montava a banca, Bico-doce vendia as mercadorias ás vezes antes da montagem completa da banca. Através de bico doce Fumaça conheceu seu melhor amigo, eu. Meses depois bico-doce foi preso tentando vender lotes em uma área de preservação ambiental. Em 1980 ele havia vendido dezenas de lotes numa invasão. </p><p>-Fumaça, e aí, alguma notícias sobre a mandioca?</p><p>-Eu soube de alguém muito importante, que tem um apreço tremendo por mandioca. Só não sei se ala vai cooperar com a nossa causa.</p><p>-Não existe ninguém mais importante que nós para o povo fragileiro. </p><p>Coçou a cabeça considerando a nossa importância.</p><p>-Tem, tem sim. A presidente da repúdia. E é ela que tem grande afeição por mandioca.</p><p>-Então ela sabe de toda a trajetória e por certo conhece profundamente a história e importância da mandioca para os fragileiros. </p><p>-Se ela gosta de comer mandioca eu não seria assertivo em afirmar, mas que ela é a culpada pelo alto preço da mandioca e de tudo quanto for gênero alimentício, isso todo mundo sabe, até os estrangeiros.</p><p>-Já é o bastante. Temos que ter uma conversa com a presidente... Ih, ferrô. –minhas unhas acariciam o meu couro cabeludo. –Chegar até á ela é difícil. Ela não gosta de dialogar nem com os secretários dela, imagine com dois feirantes feitos nós dois.</p><p>-Rodamos.</p><p>-Vai quiabo aí freguesa? 10 reais o pacote. –falei á uma jovem que abeirava a banca.</p><p>-Não, obrigada. –foi indo á banca vizinha.</p><p>Fumaça me olhou e deu uma piscadinha.</p><p>-Freguesa, - disse á que escorregou do meu quiabo. – Compre os meus quiabos. Eles estão fresquinhos.</p><p>-Eu acho que vou levar. Quanto custa? –preferiu o do meu sócio. Isso me deu uma ideia.</p><p>-Apenas 20 reais o pacotinho. –usurento, o Fumaça. </p><p>-Tudo bem. Embrulha pra mim. Está aqui o dinheiro.</p><p>-Estão aqui os quiabos menos babentos da feira.</p><p>-Obrigada!</p><p>Saiu.</p><p>-Fumaça. Ela me preteriu e preferiu você. Portanto, você será o enviado á presidente.</p><p>-E se ela não quiser me receber? –embolsando a grana.</p><p>-Use a chantagem da cor de pele. Se não der certo você ameaça postar um vídeo dizendo que a nossa presidente é racista. Ela terá medo de perder a popularidade por ser considerada anti-negritude.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Entramos no coletivo que nos levaria ao Afanalto Central. De cara, conquistamos duas garotas, e que garotas, diga-se de passagem. Alguns passageiros já haviam embarcado no ônibus naquele momento. Isso fez com que nós e as moças tivéssemos um comportamento relativamente normal, sem os agarra, agarra e beija-beija, típico dos jovens na fase de paqueras. Eu me contentava em estar com o braço direito em volta do pescoço da mulata exótica e de vez em quando apoiar a mão esquerda no joelho dela que, ao cruzar as pernas a minissaia que ela usava deixava amostra algo mais, além das rotulas de suas vias anatômicas. Obs. as pernas da mulata não são exóticas. Simplesmente estonteantes.</p><p>Por falar em vias e rótulas, quando o motorista do ônibus manobrou para a esquerda fazendo uma rotula da pista, um garoto ficou prensado entre a lateral do buzu e uma fofinha das tranças de Rapunzel. Só sentiu aliviado quando o ônibus pegou a reta da avenida.</p><p>Fumaça é um “galinha” em se tratando de garotas. A Árvore genealógica dele diz tudo. Ele ficou coladinho com Camilla, beleza comum. Mas nas comparações do Fumaça galinha, ela era mais linda que Brigite Bardot, Michele Pfeiffer, Maitê Proença e Luísa Brunet. E quando acabou a lista das atrizes e modelos famosas, Fumaça comparou a moça bonita com uma mulher de olhar misterioso e aspecto duvidoso, que se chama Monaliza. Ao fazer essa comparação ficou claro que os galináceos só conseguem enxergar perfeitamente os grãos e os insetos que lhes enchem o papo. Na verdade, a moça não tinha nada á ver com as artistas e a obra de arte de Leonardo da Vinci. Mas Fumaça é um autêntico bom de papo de bico e de percepção, pois quando ele percebeu que o motorista ia manobrar para a direita e pegar a reta da avenida, Fumaça esperto como um galo caipira tratou de abandonar o poleiro, ou melhor, a poltrona pra não ter a mesma sorte que o garoto no canto. Se é que se pode chamar de sorte o fato de quase virar massa de pastel na hora da curva. Só não foi porque um dos elementos de prensa do suposto cilindro era bem fofinho. Na hora da curva acentuada, todos ou quase todos disseram: Ôôôôôôôô. Pahh! O garoto fez apenas “Hum.” Terminou a curva? -Ufa! Ainda bem que eu sou magrinho. –disse o garoto. </p><p>Nem em pensamento ele diria “Ainda bem que a garota é gordinha”. Para mim, também todas as pessoas são iguais. Sem exceção de cor, raça, religião e muito menos peso. Depois dos segundos “trash” Fumaça continuou em pé.</p><p>-Senta Frank Sinatra 3º - Camila convidou Fumaça á se sentar sobre as pernas dela.</p><p>O nêgo mentiu o nome dele outra vez.</p><p>Eu diria Frango Fumaça Derradeiro.</p><p>Trocamos uns beijos antes de descermos. As garotas seguiram no ônibus. Ficamos no Afanalto. Como combinamos, Fumaça foi ao Falácio da Malaiada. Duas horas já se passaram, e Fumaça, como estará ele? Eu temia pela segurança dos seguranças da presidente. Fumaça é um cara gente finíssima, mas não consegue manter uma conversa por muito tempo, quando ele percebe que o interlocutor não está prestando atenção no que ele diz. E todo mundo sabe que os seguranças do Afanalto Central são todos arrogantes por ócios de ofícios. Eles precisam ficar atentos á quaisquer pessoas e á atitudes supostamente suspeitas. Por esse motivo, eles ficam olhando por sobre os ombros dos outros, e não dão muita atenção á quem está á falar com eles. </p><p>Certa vez um homem robusto com cara de segurança de cassino, foi até a casa da família do Fumaça para cobrar de sua mãe uma divida que Mauricio ficara devendo na casa de jogos de azar do individuo parrudo. Fumaça e Maria, sua mãe, escutavam as ofensas pessoais que o sujeito fazia a respeito de Mauricio. Até aí tudo bem, pois seu pai era um viciado no jogo de cartas apostado. Mas o grupiê enraivado ofendeu Maria diretamente ao dizer que quem se casa com um sujeito igual a Mauricio, era ainda pior do que ele. Fumaça não quis detalhar como foi que o infeliz pagou pelo insulto á sua mãe, mas depois daquele dia o insultador se converteu a religioso evangélico e nos seus sermões ele afirmava que antes de encontrar Jesus ele teve que passar pelo vale da sombra morte.</p><p>Não demorou muito, Fumaça me reaparece de paletó da cor dele, ainda abotoado. Pelo jeito ele não arrumou briga.</p><p>-Fala Fumaça, e aí?</p><p>-Não deu pra eu falar com a presidente. Ela estava em reunião com uns membros do sindicato dos pedreiros. Os caras são importantes na sociedade, no desenvolvimento do país, e até na proclamação da...</p><p>-Tá bom, chega. Eu estava ouvindo o que algumas pessoas falavam sobre á ida deles ao gabinete da presidente. Pelo jeito, eles estão forçando a presidente á tomar uma decisão sobre algo que interessa á classe trabalhadora que eles representam, afinal de contas, eles são os construtores da nossa nação.</p><p>-Eu ouvi alguém dizer lá no Falácio, que um dos aliados dela no governo e membro do sindicato já havia entregado a caixa de ferramentas, portanto, a camaradagem entre o sindicato e ao que entregou as ferramentas, teria sido desfeita. </p><p>-Alguma coisa está acontecendo, Fumaça. Um construtor não entrega as ferramentas sem ter acontecido da parte dele alguns motivos escusos, os quais o sindicato dos construtores não os aceitam. E se os engenheiros, mestres de obras e pedreiros foram procurar a presidente, é bem provável que eles queiram que ela assine um decreto em favor deles, ou que ela desista de cometer algum erro. </p><p>Voltamos para casa.</p><p><br /></p><p>A reunião da presidente com os construtores me deixou ressabiado. Estariam eles arquitetando algum plano contra o governo, ou querendo alertar a presidente á respeito de algum golpe para a nação. Por que um dos construtores entregou as ferramentas? Eis as questões.</p><p>-Os construtores estão insatisfeitos com o governo. Isso vai dar merda. </p><p>-Como assim, eles não são apenas construtores? O que eles têm á ver com mandiocais?</p><p>-Os construtores estão por toda parte e são unidos. É lógico que existem alguns traidores que cobram por diárias mais caras, mas na grande maioria eles são como á irmãos de sangue. Eles também derrubaram e construíram casas em terras dos Faias.</p><p>-Explique-se. –pedi.</p><p>-O construtor que entregou as ferramentas ou os que foram falar com a presidente, pode estar armando alguma casinha para a nação. De qualquer forma, tudo indica que foi depois que a presidente declarou queda de preço da mandioca. Nós temos que encontrar uma pessoa da linhagem dos Fincafaia.</p><p>Eu estava com os olhos vidrados na tela do celular, averiguando a autenticidade dos vídeos. Realmente, podia-se confiar porque foram postados em sites de emissoras de televisão. Mas, uma coisa me chamou atenção.</p><p>-Fumaça, olha a data. E nada aconteceu ainda. O preço da mandioca continua subindo.</p><p>-Me escuta... Os Faias criaram uma espécie de relatório numeral de produção, usando os cestos de mandiocas. A cada cesto de que eles estocavam era contado como á um ano. No relatório Faia, foram marcados 2012 cestos de mandioca, quando os estanhóis os aniquilaram. A história contada até hoje é a de que os números eram um calendário Faia, e era uma espécie de profecia do fim do mundo. Mas, não era. O relatório numeral Faia, continuaria sendo feito com mais cestos que seriam estocados. A história do calendário do fim do mundo foi inventada para os Estanhóis tirarem os deles da reta. Parou a contagem porque todos foram assassinados.</p><p>-Se fosse profecia, teriam falhado também.</p><p>-Pode ser, mas havia mais seis cestos que tinham sido desviados do estoque por um casal de corrupto da tribo. Nosso povo acreditava que por causa deste roubo a tragédia fora abreviada. Os meus pais contam que os ladrões de cestos foram perdoados e se salvaram de serem mortos pelos estanhóis. Eles tiveram relações sexuais héteros com as estanholas e estanhóis e tiveram filhos e filhas. Por isso, eu e os meus pais existimos. Porém não somos puros sangue Fincafaia. Mas, o religioso fascinado pelo número 6, anunciava á seus seguidores, que, á cada 2000 nasceria uma Fincafaia legítima e apurada. </p><p>-Talvez nela estejam os códigos genéticos que explicam a homodemocracia.</p><p>-Teríamos que encontrá-la, e, existe um fator que favorece á nós dois nessa caçada. Eu posso farejar um Fincafaia. A religião e a ciência teriam que reavaliar crendices e coletar sangues de humanos para testes de DNA. Enquanto eles perdem tempo com esses procedimentos, nós dois saímos do pit stop.</p><p>-Por onde começamos?</p><p>-Na terra da mandioca. Lá encontraremos quem nós procuramos.</p><p>Precisávamos economizar o máximo de nossa grana que já estava nas categorias de base. A reserva foi o suficiente para abastecermos o tanque da moto que, pois a quantidade da gasolina deu apenas para elevar o ponteiro até ao sinalzinho vermelho no painel. Recorri-me as minhas memórias da época da ditadura e concluí que, se comparar o preço do combustível da época do governo militar com o de hoje, eu era injusto em sonegar gasolina á minha mobilete quando eu metia Tínner no tanque da bichinha. Atualmente, os combustíveis estão tão caros que tivemos que abastecer a moto para tentar conseguir vendê-la por um preço mais em conta. Para a nossa viagem, uma motocicleta não seria a opção correta, então, decidimos vende-la e fomos á uma loja de compra e venda veículo. O negócio de venda de veículos automotores não está indo nada bem. O pátio estava lotado de carros, nem um comprador e nem tampouco um funcionário vendedor. Negociamos direto com o proprietário.</p><p>-Gostei da moto. Quanto você pede por ela?</p><p>-Cinco mil reais. –Fumaça deu o valor.</p><p>-O tanque tá cheio?</p><p>-Cheio até na reserva. Se você não quiser comprar a moto completa, a gente vende só a parte de cima do tanque também. Só utilizamos a metade de baixo mesmo. –eu, fui honesto na negociação.</p><p>-Já que o tanque tá na reserva, eu pago três mil reais apenas.</p><p>-Vai roubar de outro, infiliz. Vamos embora, Fumaça.</p><p>Saímos de quinta. Eu já não apoio nenhum tipo de extorsão, ainda menos, quando os extorquidos serão, eu e um amigo meu.</p><p><br /></p><p> ***</p><p><br /></p><p>-Eu acho que a gente devia ter aceitado os três mil. </p><p>-Empurre aí e cale a boca Fumaça.</p><p>-Essa moto tá com a documentação atrasada e com dezoito multas á serem negociadas.</p><p>-Então é por isso que você á mantém na garagem para evitar a busca e apreensão expedida pelo Detran. Eu sempre digo que desonestidade tem rodas curtas.</p><p>-Mas o caminho que teremos que percorrer é bem longo, e com a sua honestidade, olha só onde estamos ainda.</p><p>Estávamos circulando o Falácio da Malaiada. Senti vontade de descansar debaixo de uma sombra por já estar cansado de empurrar a moto. Ainda era manhã, mas que eu já tinha gastado de energia física daria para manter em funcionamento uma moto de 1000 CC. </p><p>-Pare Fumaça. Vamos descansar no meio-fio.</p><p>Mal nos sentamos, Fumaça me fez levantar imediatamente.</p><p>-Olha ali quem vem vindo.</p><p>Olhei, admirei, não acreditei, mas, era ela: Cíuma, a presidente da repúdia, pedalando sua bicicleta. Ela seria a nossa salvação.</p><p>-Só tem um segurança com ela. Eu acho que nós podemos á abordá-la para pedir apoio em nossa campanha. Use a sua identificação de soldado...</p><p>-Que soldado que nada. Enviado especial é mais referencial. Venha comigo. –falei indo para a ciclovia.</p><p>Quando ela nos viu empatando o caminho, apeou da bicicleta. O segurança tomou a frente dela.</p><p>-Imbessias, saia da frente. Eu quero ver quem são os meus opositores.</p><p>-Senhora presidente nós somos enviados especiais para reportar á senhora, uma missão especial. - anunciei, em posição de sentido. Bati continência, e, ao voltar a mão para trás, acertei a mandioca do Fumaça atrás de mim.</p><p>-Mas quem são vocêss, á início e final de conversa? Não veem que eu estou em meu momento de exercício matinal no período da manhã?</p><p>-Não incomode a presidente. Saia da frente antes que eu assovie chamando os seguranças que estão controlando o perímetro disfarçadamente. Olhem nas árvores, detrás dos carros e até em cima dos muros. Eles estão por aí, e...</p><p>-Imbessias, imbecil. Assim você está delatando o meu esquema de segurança.</p><p>-Sim senhora, senhora presidente. </p><p>-Melhor assim. Agora, me diga quem são vocêss. –tonificando bem a sílaba “cês”. –Vocêss estão grampeados, não estão.</p><p>-Para ser sincero, senhora presidente, todos nós estaremos ferrados, se vossa excelência não cooperar com a nossa causa.</p><p>-Mas o meu governo já mantém o bolsa fomília. O que mais, vocês pobres querem que eu faça?</p><p>Fumaça chegou os lábios de búfalos dele ao meu pé do ouvido.</p><p>-Ela não devia falar que “ela” mantém o bolsa fomília? –cochichando.</p><p>-Sim, mas não liga pra isso não. Ela é muito simples, mas com linguagem técnica competindo com a popular.</p><p>-Vocês estão mancomunando contra mim. Seria um golpe?</p><p>-Golpe. –o imbecil segurança disse em alto e bom tom. –Golpe, golpe. Seguranças, seguranças...</p><p>-Cale a boca, Imbessias. Foi apenas uma hipótese hipoteticamente hipotética.</p><p>-Sim senhora, senhora presidente. –disse á ela. –Podem voltar para os seus lugares. Foi alarme falso. </p><p>Olhamos e vimos um monte de macacos vestidos de preto, pulando das árvores, saindo debaixo dos carros... meia volta vou ver. Voltaram. </p><p>-Que negócio é esse de ela passar a mesma ideia usando palavras...</p><p>-Cola a boca fumaça. Você está fazendo cócegas em meu ouvido. Passe-me a mandioca... opa, essa não, idiota. –dei um pinote pra frente. – Desculpe-me, senhora presidente. É que o meu parceiro e o seu secretário aí, merecem ser enjaulados juntos.</p><p>-O que vocêss querem afinal de contas, com essa mandioca na mão? Tudo que eu pude fazer pelo agronegócio eu já fiz. Inclusive, estive publicamente com povo e com a televisão, e decretei baixa de preço da mandioca e de outros gêneros alimentícios de alimentação comestível.</p><p>-A senhora não fez isso, senhora presidente.</p><p>-Eu não te chamei na conversa, Imbessias.</p><p>Ele fez beicinho.</p><p>-Senhora presidente, temos de fazer mais pela mandioca, e, nós só precisamos que a senhora libere uma verba para que possamos empreender uma missão de busca ao verdadeiro sentido da mandioca na vida de uma boa parcela da população. </p><p>Fumaça, finalmente saiu detrás de mim.</p><p>-Senhora presidente, eu e o meu parceiro queremos que a senhora dê umas pedaladas de volta á sua residência e nos traga uma verba para sustentar a nossa missão. É de suma importância para o povo fragileiro, saber mais sobre as raízes da mandioca e o que a história dela representa.</p><p>-De quanto vocêss precisam? –pegando o celular da mão do Imbessias. </p><p>-De uns cinco mil reais em dinheiro...</p><p>-Tudo bem. Só essa quantia não será preciso ser desviada de nenhum projeto social. Imbessias... </p><p>-Senhora presidente. - antecipei o Imbessias. –Precisamos de um dinheiro em nossas contas bancárias. Mais cinco mil reais em cada uma delas.</p><p>-Bom, aí eu terei que pedalar no orçamento da união. Mas, será por uma boa causa. Me passe os dados das contas de vocêss.</p><p>-Onde está, Fumaça?</p><p>-No banco da Suíster. Tô indo buscar.</p><p>Rapidinho, alegre feito um tiziu, Fumaça voltou pulando com os dados das contas. Quando ele voltou á nós, eu já havia embolsado á grana em espécie.</p><p>-Pronto senhora presidente. Faça isso por uma boa causa. Agora mesmo estaremos viajando em caráter de missão no exterior do Fragil. </p><p>-No interior, Fumaça de lamparina duma figa. –corrigi.</p><p>Ele me ignorou fazendo beiços. E que beiços! Parecia um pneu de colheitadeira, dobrado ao meio.</p><p>-Fique com a nossa motocicleta para que vossa excelência não precise mais pedalar. -ofertei.</p><p>-Pegue a minha mandioca. –Fumaça ofertou.</p><p>-Obrigada, obrigada pelos presentes. </p><p>-Contrate alguém da polícia federal, para...</p><p>-Vambora, DJ. Deixe de dar palpite. – Fumaça saiu me puxando quase arrancando o meu braço, </p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Dentro do ônibus que eu e Fumaça viajamos para a distante cidade Mandiobrás, tem uma televisão ligada, e a programação jornalística só falava da causa gay e de malefícios supostamente causados pelos homossexuais. É certo que, badernar a ordem pública atacando a religião cristã, é de muito mau gosto e desrespeito com a fé das pessoas. Mas há um pouco de exagero nas acusações que causam opiniões contrárias quase unânimes em relação aos homossexuais. Por exemplo, dizer que a boiolagem é culpada pela deterioração dos valores morais das famílias, isso é arbitrário e absurdo. Eu gostaria de esclarecer o seguinte: Até o início da década de 90 a educação aos filhos era um dever dos pais. Sendo assim, os pais tinham o direito de corrigir e educar em seus filhos, e o interessante é que esse conceito tinha respaldo bíblico. Porém, um político, conseguiu aprovar o projeto lei de proteção da infância e juventude, transferindo ao estado o dever de educar aos filhos. Desde então, a família foi destruída. País não podem corrigir os filhos. Mas as autoridades competentes podem puni-los ao modo delas. Desde então, vemos os filhos cada vez mais rebeldes e desobedientes a país e mãe, tornando-se maus elementos. E agora querem dizer que a questão homossexual é culpada pela destruição da família. </p><p>A concepção de uma família não se dá por relações sexuais homo afetivas, nisso eu concordo. Porém, a destruição das famílias acontece quando os valores familiares são subvertidos.</p><p>É bom que não se misture uma coisa com outra. </p><p>Hoje em dia, muito se fala sobre a destruição da família, e o que vem a baila como fator destruidor é a questão homossexualismo. Como sempre, os internectuais começam a manifestar suas opiniões compiladas de terceiros que querem culpar a minoria homossexual por boa parte dos males ocorridos com as famílias. Somos seres adaptáveis, e acostumamos com aquilo que nos é exposto ou imposto. Vivemos em um país onde a cultura da depravação e maus costumes, é disseminada em todas as esferas da sociedade e faixa etária de idade, nas artes como música, dança, pintura e até cênicas, sim, teatro e televisão também, porque aquele indecente que engoliu o crucifixo pelo rabo, e os outros que representaram Jesus gay e outras escrotices, só podiam ser atores e atrizes pornôs contratados para realizarem aquele show dos horrores. Eu acredito que, nenhum homossexual decente aplaudiu aquele espetáculo dos horrores. Fumaça, até dormindo ele fala em mandioca.</p><p>-Essa é a minha, indivíduo.</p><p>-Ãh, ãh, o quê? Já chegamos?</p><p>-Não sei nêgo. É você que conhece o lugar.</p><p>-Temos que saber tudo que pudermos sobre o Fragil, porque pra onde a gente está indo é meio isolado. –enfiou a mão no bolso da calça e sacou...</p><p>-Fumaça, você comprou maconha?</p><p>-Só cem gramas, e pare de dar ibope. Estamos em um ônibus.</p><p>Agora sou eu quem fica com a cara colada no vidro da janela do ônibus. Se existe algo opcional, é o uso de drogas, mas para o Fumaça, o vício começou como um negócio em família. Os pais dele fumavam maconha para espantar os mosquitos nos mandiocais, o Fumaça nunca trabalhou num mandiocal, mas era ele que fornecia a erva aos pais dele. </p><p>-DJ, olha isso aqui. –mostrou-me o celular.</p><p>-É a presidente em entrevista aberta... com a mandioca na mão. Estamos atrasados.</p><p>-Minha nossa mãe. Ela estava proclamando á nação, sobre os benefícios da mandioca. </p><p>-Fumaça, será que ela já sabia de toda a história?</p><p>-Com certeza já tinha sido informada mais detalhadamente. Olha esse site oficial da união aqui. Ele fala dos projetos que tramitam na câmara dos deputados. </p><p>-O que você quer saber que será feito por aqueles que não fazem nada?</p><p>-Para ligar uma coisa com a outra. </p><p>-Só se for ligar o Fil do Kit em seu pescoço e apertar até saírem dos seus ouvidos toda fumaça de maconha acumulada em seu cérebro.</p><p>-DJ, você não entendeu. Saca só. Os projetos do Rian Uibicha podem ser aprovados. Ciência e religião se propuseram á descobrir a verdade sobre a causa da homossexualidade das pessoas. A presidente enalteceu o valor da mandioca. Na mandioca está a resposta para o homossexualismo gaymocrático. </p><p>-Fumaça, temos que ser rápidos em nossa busca e encontro, porque muitos projetos ainda em discussão no plenário dependem do êxito da nossa ida e volta da terra da mandioca. Estamos á um passo para libertar o povo fragileiro da ignorância cega.</p><p>-Da ignorância cega, eu concordo, mas quanto á um passo, hun, hum. Falta muito ainda. Tem muito chão pela frente. Eu vou tirar mais um cochilo. Fique de sentinela, DJ.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Não sei quantos dias depois, cansados e sem dinheiro, nós desembarcamos em uma cidadezinha no meio do caminho, porque não tínhamos mais como custear as nossas despesas com a viagem, alimentação e banho. Fumaça gastou a nossa grana comprando maconha importada da Colombra. No televisor ligado, da rodoviária, ficamos sabemos que a presidente Cíuma foi reeleita. Teremos que justificar os nossos votos. </p><p>A única saída seria ligar para a presidente.</p><p>Sentamo-nos no banco da rodoviária e fazemos uma ligação á cobrar.</p><p>-Senhora presidente, parabéns pela vitória. –falei tapando um ouvido. –Nós precisamos que a senhora nos mande uns trocados em notas de cem reais...</p><p>-Lamentavelmente eu lamento, mas não posso fazer mais transações bancárias. A oposição tentou me derrubar usando a copa do mundo. Não conseguiram, mas não está me dando sossego. </p><p>-Dê umas pedaladinhas até aqui onde nós estamos. </p><p>-Onde vocêss estão?</p><p>-Em uma cidade sustentada pela Perdeogás... O que foi, Fumaça.</p><p>-Perdeogolândia. –disse ele, quase engolindo a minha orelha esquerda.</p><p>-Perdeogolândia, senhora presidente.</p><p>-Olha, a distância até aí é distante demais, mas no que se refere ao pedido de vocêss, eu posso arrumar duas vagas de empregos para dois de vocêss dois. Aí então, vocêss poderão seguir a viagem de vocêss.</p><p>-Só um momento, senhora presidente. Deixe-me consultar o meu parceiro. E aí Fumaça?</p><p>-Pergunte á ela se nós vamos ganhar vale transporte, ticket alimentação, e se a gente passar empregado por mais de três meses, a gente se aposenta.</p><p>-Vai virar senador, nêgo. Senhora presidente, pode nos direcionar ao emprego.</p><p>-Compareçam no escritório da Perdeogás. Eu vou mandar um enviado enviar ás suas referências e a minha recomendação. No que se refere ás suas contratações, que fique bem claro, que vocêss não são meus parentes. No meu governo eu não aceito nepotismo...</p><p>-Mas nós não somos seus parentes, senhora presidente.</p><p>-Perdão, corrijo-me eu mesma. Agora vão para a estatal petrolífera e assumam os seus cargos. </p><p><br /></p><p><br /></p><p> ***</p><p><br /></p><p>Chegamos á um escritório bem moderno de paredes de vidros com vista para o mar. Acredito eu, que nós seremos fichados como sendo nós limpadores de caldeiras. Bem ao longe, vemos fumaça saindo de chaminés gigantes ao alto-mar. Meu amigo Fumaça me acompanha todo sorridente em direção á rampa no cais que nos leva ao escritório. </p><p>-Fumaça, por falta de água você não fica sem tomar banho. Água salgada esfolheia todo o macuco acumulado na sua pele durante a sua vida inteira.</p><p>-Se você não calar a boca, eu faço você escavar petróleo sem aparelho de mergulho.</p><p>Calei-me. </p><p>-Eu entro primeiro. Vai que só tem uma vaga. –falei abrindo a porta de vidro.</p><p>Fumaça quase me atropelou e chegou antes de mim ao departamento de pessoal. Quando eu cheguei, ouvi a secretária dizendo que nós estávamos na repartição errada.</p><p>-A plaquinha diz: D. P. eu sei lê, pra seu governo. –disse Fumaça.</p><p>-Mas desconhece as iniciais. D. P. Donos do Petróleo. –disse a mulher que se parece com a Elisabeth Taylor.</p><p>-Com licença. –falei tomando a frente do Fumaça. –Nós viemos á mando da sócia majoritária. </p><p>-Perdão. Vocês são acionistas?</p><p>-Somos não, mas fomos acionados pela presidente da...</p><p>Eis que surge um cinquentão parecido com o James Cameron... Mas é o Jamesan Américo.</p><p>-My friend DJ. –disse ele abrindo os braços. –Eu já esperava por você. –apertou a minha mão.</p><p>-Maifrend Jamesan. Á quanto tempo eu não te vejo. –senti os ossos dele estalando por força do abraço que eu dei.</p><p>-Quanta honra te receber. –gemendo ele disse, e deu três tapinhas nas minhas costas.</p><p>Quando findou o nosso abraço ele segurou em meus ombros e olhando em meus olhos...</p><p>-Você chegou na hora e no momento certo. –disse á mim e virou-se para a secretária. –Alberta, esqueça as laranjas. Traga-nos cafezinhos. –disse á ela e virou-se para mim novamente. –Eu quero te apresentar aos membros associados. Vamos ao meu escritório.</p><p>-Senhor Jamesan, são quantas xícaras de café. Mais de uma dúzia, como sempre?</p><p>-Perfeitamente, Alberta. –estalando os dedos e espremendo os olhos.</p><p>-Fumaça, ajude ela com os seus irmãozinho fumegantes. –falei.</p><p>Jamesan e eu seguimos para o escritório. No trajeto nada curto por causa da amplitude do escritório nada modesto, ele me faz saber que está havendo muito vazamento de petróleo para lugares não especificados, e, eu seria a pessoa certa para sanar esses vazamentos.</p><p>-Os técnicos já verificaram os dutos de escoamento do petróleo? –eu dando uma de especialista em desperdício de óleo negro.</p><p> -Sim. Achamos que possa ser furos nas centrais de distribuição em território nacional. </p><p> -Unh, talvez seja por isso que os derivados de petróleo estejam tão caros. É uma forma de compensação para o que se perde. Verei o que eu posso fazer para reparar esses danos.</p><p>-Dentro dessa sala temos todo o aparato para te auxiliar em suas buscas por defeitos nas tubulações. –girou a maçaneta. –Entre e descubra tudo. Eu tenho reunião marcada com alguns acionistas na outra sala. -ele foi bem mais tranquilo.</p><p>-Jamesan, espere. –vou até á ele. –Precisamos falar sobre... –friccionando os dois dedos.</p><p>-Seu salário. Entendi. Não se preocupe, você será muito bem remunerado. Até logo.</p><p>-Deixa comigo e com o meu assistente. </p><p>Voltei satisfeito.</p><p>Em qual das duas salas eu entro? Tateando os lábios perguntei á mim mesmo.</p><p>Entrei em uma sala equipada com computadores de última geração, e, começou a minha enxaqueca. Eu nem sei operar essa parafernália toda. Tem dois jaleco brancos pendurados nos encostos de duas cadeiras. Já me forneceram o uniforme com um de reserva.</p><p>Vestindo um. Pronto. O outro eu emprestarei ao Fumaça. Vestindo um jaleco, ele vai ficar a sobra do baseado que ele apaga para fumar depois. </p><p>Sento-me de frente á um monitor que exibe um gráfico com linhas oscilantes em picos de zero á cem. É melhor eu esperar o Fumaça.</p><p>Em uma mesa de pesquisas químicas tem um recipiente de vidro com marcações numéricas, cheios de líquido preto. O deixarei quieto. Vou tentar identificar os vazamentos. </p><p>Teclando e tecla Enter... pronto, deve ser esse o projeto de todo a encanação condutora de petróleo. “Condutores e receptadores de óleo em estado bruto. Tráfego de fluência”</p><p>Seguirei o projeto gráfico tecnológico e solucionarei o problema. Terei que escrever um laudo técnico. Cadê o papel e a caneta. Achei. Em cima da mesa tem aproximadamente uma resma.</p><p>Vixe, quantas anotações em inglês! Ninguém sentirá falta de uma folha retirada do meio de quinhentas. Beleza. Relatando os defeitos.</p><p>Rascunhei rapidinho e dei um papilote na folha.</p><p>É isso aí, está diagnosticado e rascunhado o relatório. Engoli letras, mas para uma simples conferência feita por mim mesmo, eu entenderei tudo.</p><p>A porta se abriu.</p><p>-Fala, Fumaça.</p><p>-Eu trouxe os nossos cafés. Nossa, quanta tecnologia!</p><p>-Bote aí em cima dessa mesa. Eu tô ocupado analisando alguns defeitos.</p><p>-Puta merda, alguém deixou um copo de café aqui. Que desperdício. Vou jogá-los fora. Opa, derramou...</p><p>-Não tire a minha concentração, nêgo. –falei indo tomar um pretinho fresco. –Eca. Muito fraco esse café. Quero não. –joguei a sobra no recipiente vazio e voltei para o trabalho. –Não mexa nessa folha escrita por mim.</p><p>-Mas é que eu deixei cair...</p><p>-Silêncio. –ordenei sem olhar para ele. </p><p>A porta se abriu outra vez. Não era a Alberta que entrou. Não posso parar com a minha análise para dar atenção á ela.</p><p>-Com licença. Eu vim pegar os relatórios da conferência anual do desempenho da Perdeogás. –foi á papelada sobre a mesa. –Você já analisou a qualidade desse produto? –mostrou-me o recipiente.</p><p>-Pra ser sincero, analisei sim. É uma porcaria. Fraco e sem consistência. Agora, se me der licença, eu preciso descobrir em que buraco eu entro para concertar os canos com vazamentos.</p><p>-Tudo bem, eu vou repassar aos acionistas os resultados das suas análises. –foi-se.</p><p>Beleza. Chequei tudo. Eu já tenho um plano.</p><p>-Fumaça, você e eu vamos dar uma de tatús... cadê a minha folha-diagnóstico?</p><p>-A outra secretária a levou para a sala de reunião com os acionistas. </p><p>-Merda. Apenas eu entendo os meus garranchos caligráficos. Eu vou lá.</p><p>Rapidinho eu já estava dentro da sala onde só tem gente abonada. E eu pensando que a Perdeogás pertencia á todos nós fragileiros. Os amarelos são de maioria gringas.</p><p>Quase que nenhum deles se levantou para me cumprimentar. Somente um ficou de pé com as mãos apoiadas sobre. Procurei o Jamesan Américo entre eles e não o vi.</p><p>-Então é você o consultor enviado para nos esclarecer os desvios? </p><p>-Sim. Eu descobri tudo quanto é desvio que existe e as causas desses prejuízos.</p><p>-Você poderia traduzir para nós o que você escreveu nesta folha? </p><p>-A minha letra é quase ilegível porque eu fui médico também. –menti de cara limpa.</p><p>Ele me passou a folha, com ar sério e sisudo.</p><p>Limpei a garganta e... borrada, talvez de café. Ô Fumaça desajeitado duma figa!</p><p>Sacudi a folha. Uma coisa ardida caiu em meus olhos. Não consigo enxergar direito. </p><p>-Vamos, traduza.</p><p>-Secretária, leia para mim. –pedi passando a camisa nos meus olhos.</p><p>-Tudo bem, eu leio. –pigarreou. – O desperdício é propinoduto e tráfico de influência. Nota: Cíuma presidente fecha com Fuis Ricaço Gula e estão desviando o petróleo do Fragil. </p><p>Eu estava tentando limpar os meus olhos e não pude ouvir direito o que ela leu, mas acho que eu até escrevi legivelmente.</p><p>-Você concorda com esse esclarecimento? –eu não vi quem foi que fez a pergunta.</p><p>-Sim. A letra é do meu assistente. –menti feio. -Mas a análise e o diagnóstico foram feitos por mim. Secretária, por favor, escreva em inglês o que você leu e entregue ao meu assistente que está na outra sala. Depois eu repasso ao meu chefe amerdicano. Acrescente a má qualidade daquela porcaria rala que eu provei.</p><p>-Tudo bem. –foi-se, apressadinha.</p><p>-A intermediária Glacy Roubemy já nos fez saber que você não aprovou a qualidade do... </p><p>-Pois é. Compensa não. Se eu fosse você não pagaria nem um centavo por uma merda daquelas. No Pré-sal deve ter um pretinho diário muito melhor que esse daqui. Se é que lá se consegue pelo menos 1/3 da merreca rala que um profissional experiente como eu consegue obter com muito esforço e trabalho árduo.</p><p>Cofiadas simultâneas de inúmeros queixos.</p><p>-E como ficam as nossas ações, devido á tanto prejuízo?</p><p>-Vocês não agirão em nada. Á não ser que queiram se socar nos buracos e entrar pelos canos.</p><p>Eles se consultaram com corridas de olhares silenciosos.</p><p>Jamesan Américo chegou batendo uma palma e com aquele ar de felicidade. </p><p>-Então senhores, já tomaram uma decisão? </p><p>Todos se entre olharam ressabiados.</p><p>-Sim, Jamesan. –disse o que parece ser o líder do conselho. –Decidimos vender as nossas ações ao seu grupo de investidores internacionais.</p><p>-Você fez a escolha certa Ebuiado Buia. Todos vocês sairão ganhando nessa negociação. -agora ele bateu três palmas seguidas.</p><p>Imediatamente, Alberta entrou na sala dirigindo um carrinho de estoquista de depósito, lotado de maletas até aos cabos.</p><p>-Aqui está o dinheiro em dólar. Os contratos já estão prontos para as assinaturas de transferências. –entregou á Jamesan, a papelada.</p><p>-Eu admiro muito a sua eficiência, Alberta. –Jamesan pegou primeiro os contratos e os levou á mesa.</p><p>Fico vendo uns trintas barões do petróleo, inclinando as costas para autografarem as papeladas. Do redor da mesa eles sairão mais ricos ainda. Jamesan é só alegria. Esse Tio Patinhas não vive um sonho amerdicano. Ele vive a realidade.</p><p>Ebuiado Buia vai levando as pilotando a pilha de maletas, atrás dele segue um séquito de marmanjos. </p><p>-Se vocês quiseram, eu ponho pelo menos 10% disso aí no banco da Swíster que está um pouco distante daqui. Eu só preciso ressarcir a presidente Cíuma com uma boladinha.</p><p>Sem me darem respostas saíram. Eu me lembro de ter visto esses mesmos maleteiros no Afanalto central.</p><p>Ficamos, eu, Jamesan e Alberta na sala.</p><p>-Traga-me os resultados das análises de mercado e da qualidade do petróleo em estado bruto, que os meus contratados americanos fizeram.</p><p>-Sim senhor, senhor Jamesan. –ela foi.</p><p>-Jamesan, eu já vou indo também.</p><p>-Espere, espere. –enfiando a mão no bolso. –Coma uma pizza. –disse, entregando-me um pacotinho com notinhas de cem reais. –Tenha isto como á um adiantamento pelo seu trabalho.</p><p>-Obrigado por tudo. –agradeci e... fui.</p><p>Passei por Alberta no corredor. Ela estava ansiosa lendo alguns papéis. Eu nem dei bola á ela porque eu também estava ansioso para dar logo os 5% da grana para o Fumaça.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Fumaça, olho grande como sempre, exigiu que eu dividisse meio á meio com ele a grana que eu recebi. Eu dei á ele os 2.500 reais dos 5. 000 que o Jamesan me adiantou porque eu imaginava que do bolso que saiu aquele dinheiro sairia quantias maiores e viriam para as minhas mãos também. Acontece que, quando amanheceu o dia, nós voltamos para mais um dia de trabalho. Porém, quando chegamos á portaria de entrada damo-nos de caras com uma placa de aviso. </p><p>“Perdeogás. Fechada para investigação da Polícia Federal.”</p><p>Com as mãos nas nossas cinturas e de caras para cima em direção ao aviso, Fumaça e eu conversamos sobre a situação de desempregados, á qual nós dois novamente nos encontramos.</p><p>-E agora Fumaça, será que a gente tem direito á seguro desemprego?</p><p>-Acho que não. Nem chegamos á ser efetivados nas funções. Ainda bem que eu não acreditei na sua história de que você teria encontrado uma fonte inesgotável de dinheiro. </p><p>-Será que o Jamesan Américo já previa essa interdição, e por ser meu amigo, ele me pagou adiantado pelo meu serviço feito ontem?</p><p>-Não sei não, mas, eu acho que ele bancou o velhaco com os outros acionistas.</p><p>Sentamo-nos na rampa, a mesma que nós ontem subimos por ela quebrados e descemos por ela abonados.</p><p>-Por que, Fumaça?</p><p>-Você viu aqueles papéis que estavam em cima da mesa no laboratório de análise?</p><p>-Vi, claro que eu vi.</p><p>-Pois é... entre eles tinha um parecer de um analista de qualidade do petróleo extraído. Só que eu derramei o material analisado sobre a folha com o resultado. Mas aí a secretária o levou para a sala de reunião e quando ela voltou trouxe outra folha limpa e com as mesmas anotações escritas no idioma inglês.</p><p>-E, o que era que estava escrito? </p><p> -The waste is propinoduto and influence peddling. Note: Cíuma president closes with Fuis Ricaço Gula and are diverting the oil of the Fragil. obs: the extracted oil is of poor quality.</p><p> -Agora traduza, professor aloprado desnutrido.</p><p> -“O desperdício é propinoduto e tráfico de influência. Nota: Presidente Cíuma fecha com Fuis Ricaço Gula e estão desviando o petróleo do Fragil. obs: o óleo extraído é de má qualidade”.</p><p> -Puta merda. A intermediária Glace Roubemy, entendeu e escreveu tudo errado. Eu pedi pra que ela escrevesse assim: o desperdício é próprio nos dutos de tráfego e de fluência. Nota-se uma persistente brecha com um furicaço gula desviando o petróleo do barril.</p><p> -Só isso? </p><p> -Sim. São esses os causadores do prejuízo.</p><p>-E a má qualidade do petróleo?</p><p>-Eu falei do café sem pó e sem açúcar, que você me levou. </p><p>-DJ. –disse ele se levantando. –É melhor a gente seguir nossa viagem. Isso vai dar um fuzuê danado. Aquele amerdicano não vai deixar barato o prejuízo que ele levou, e vai querer cobrar de presidente e do Gula da Silga.</p><p>-Mas, o Gula e a presidente podem alegar que eles não sabiam de nada. Eu não os vi negociando lá dentro. Quem passou para trás o Jamesan Américo e os outros amerdicanos acionistas, foram, o Ebuiado Buia e as bancadas...</p><p>-A presidente e o Gula, sempre alegam que não sabiam de nada. Uma hora essa desculpa não vai mais colar. Se você quer ficar para ser preso por tráfico de influência e quebra de uma petrolífera, você fica. Eu vou...</p><p>-Você não vai á lugar nenhum sem mim, nego. –agarrei na barra da calça dele para me levantar. –Sigamos em frente em nossa viagem rumo ao desconhecido.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Se eu der um grito do ponto onde estamos, a onda sonora viajará por uns mil quilômetros até se estatelar num rochedo. É brincadeira, eu já consigo avistar um povoadinho logo mais á diante. Se não for miragem. Mochilas nas costas, lá, vamos nós. O céu sobre nós é de um azul límpido, e a vegetação é de um verde vivo encantador, embora rasteira e rala esparramada pelo solo plano feito mesa de sinuca. Um leve vento trás calmaria ás minhas ideias. Eu precisava mesmo de um sopro suave para arejar a minha orelha esquerda, porque em um certo momento da viagem, eu acordei com um zumbido no meu tímpano. Eram os beiços do Fumaça sibilando no pé do meu ouvido.</p><p>A viagem foi tão longa, que quando acordamos fizemos uma pesquisa na internet á respeito de algo relacionado ao governo. “Gula foi nomeado á ministro da casa civil. Mas, ministro da casa ele si viu por apenas alguns minutos.” Ascensão relâmpago e queda meteórica. </p><p>Então estávamos no ano 2016 em lugar qualquer do globo terrestre.</p><p>-Fumaça, cadê a gaita? Eu acho que nós desembarcamos no deserto.</p><p>-Vai zoando, exagerado. Você vai ver que espetáculo de cidade quando chegarmos á zona urbana.</p><p>-Olha só a poeira branca. Com certeza é tempestade de areia. </p><p>-São as usinas beneficiadoras de mandioca trabalhando á pleno vapor. </p><p>-Será que eles fabricam Beiju por aqui?</p><p>-Tudo que é derivado dela. Até pizza de mandioca.</p><p>-Por falar em pizza, será como vai terminar o escândalo da Perdeogás?</p><p>-Sabe-se lá.</p><p>Olhamos para trás ao ouvirmos um barulho de motor de carro. Lá vinha chegando a nossa carona. Beiçola escondeu-se atrás de mim. Eu não entendi a reação dele, então perguntei:</p><p>-Pra quê isso, neguim?</p><p>-A democracia aqui não funciona. Será melhor, você pedir carona.</p><p>-Sai daí preto. Para de si menosprezar indivíduo.</p><p>Carro aproximando... parou...</p><p>-Oi, - disse uma mulher abrindo uma das duas portas do básico. –Vocês querem carona até á Zona Pacífica?</p><p>-Até á Zona de guerra se você quiser nos levar, nós aceitamos. –falei entrando. –Quem entra por último fecha a porta, Fumaça.</p><p>Mochilas nos colos. Batidinhas nelas. Pó de mandioca subiu...</p><p>-Podemos ir. -falei.</p><p>Ela sorriu, e que sorriso! Eu me sentei no banco traseiro. Fumaça, também.</p><p>-Vocês são visitantes, não são? –me olhando pelo espelho central.</p><p>-Sim, somos. E você, é uma espécie de adivinha ou profetisa religiosa?</p><p>-Cala a boca, Fumaça. Liga não moça. O frescor do campo estava fundindo a cabeça dele. Nós somos de Fragília, e lá a chapa tá quente. Ele fala de religião, mas ainda não si converteu á Jesus. Por isso ele tem a mente poluída...</p><p>-Cala a boca, DJ. Você foi quem converteu o nosso país numa merda irrecuperável.</p><p>Ela sorriu suavemente e acelerou saindo.</p><p>-Você é religiosa, ou só tem o sorriso angelical? </p><p>-Não, eu não tenho religião.</p><p>-Tem razão. Você não tem nada do que arrepender-se. Á não ser que beleza demais seja pecado. –dessa vez a minha voz queria ficar presa na garganta. - O meu amigo Fumaça diz ser cristão, mas faz muitas coisas erradas, como por exemplo fu...</p><p>Ele socou o meu rim. Ela riu com mais soltura. O carro seguia á 20 por hora.</p><p>-Ha certas verdades, que para os religiosos são de fato difíceis de aceitar. Embora a maioria deles queira acreditar que a conversão ao evangelho é a solução para a desumanidade existente no povo fragileiro e também nos demais países onde o índice de violência e desigualdade social é assustador. Eles ignoram o fato de que a constituição fragileira foi fundamentada em bases tristãs. </p><p>-Concordo com você. Ignorar essa verdade seria não ser um verdadeiro conhecedor da religião cristã, e sim um defensor de valores morais os quais surgem devido à deterioração moral e espiritual do gênero humano.</p><p> -Tristãos de todos os países oficialmente Tristãos, conclamam que a solução para tamanha tragédia humana, seja a conversão ao tristianismo, porém, não admitem que, é justamente em países Tristãos que existe o maior índice de violência, desigualdade, miséria e injustiças e corrupção.</p><p>Eu poderia citar alguns exemplos que serviriam como parâmetro para a afirmação dela. Nos países orientais onde o tristianismo não impera as leis instituídas para manutenção da ordem social, direitos e deveres de seus habitantes são cumpridas à risca. Com isso, Japão, China e outros orientais não sofrem com tantos crimes hediondos, corrupção e injustiças. Existem os que praticam tais crimes, porém, eles são punidos por cometê-los. Seria desnecessário que eu salientasse que suas leis são embaladas em seus costumes religiosos, Confúcio e Buda.</p><p> -A Euroba se transformou, em sua maioria ateia, como por exemplo Dinafraca, Cuester e Suíster. No entanto, em uma rápida introspecção em relação a estes países, se comparando aos das Amérdicas oficialmente tristãs, nota-se a grande diferença que existe entre tais países e até mesmo entre tais continentes. –convicta no falar e ao dirigir. </p><p> -Ao fim entendemos que os ensinamentos e regras, tristãs, nada mais são do que um pêndulo usado por governantes que constituem suas leis pífias e ineficientes compostas de fragmentos de ensinos religiosos. </p><p> -É porque eles não entendem que os pilares do tristianismo, são amor e perdão. –Fumaça observou.</p><p> -Talvez por isso, quando você vê criminosos de todas as modalidades sendo contemplados com a lei que os isentam da culpa por eles terem matado alguém e depois de 48 horas comparecem na delegacia com um advogado, e são inocentados, cumpriu-se aí a lei do perdão que vem da bíblia. </p><p> -E agora, como eu retruco? –Fumaça, ao meu pé do ouvido.</p><p> -Admita neguim. Quando bandidos são maltratados ou mortos, as leis dos direitos humanos os defendem. Ela está correta. E, nós estamos de carona.</p><p> -É o vigor da doutrina do amor incondicional, religioso. </p><p> -Mas a culpa não é de Jesus? –foi boa a do Fumaça.</p><p> -Não, mas, dos que fizeram uso indevido do nome dele para criar uma religião ultrajante da justiça, repleta de dogmas, e doutrinas do medo, culpa e egoísmo em seu real sentido da palavra. </p><p>Em países oficialmente judeus, as leis são mais rigorosas e aplicadas, porque a religião é judaica e impera a doutrina do olho por olho, dente por dente. Chegamos à conclusão de que, para haver mudanças nas conjunturas de leis de um país é necessário que haja reformas religiosas. </p><p> -Foi também por isso que viemos para a sua cidade. Precisamos reformar o nosso país, mas os construtores estiveram se rebelando com a mestre-de-obras.</p><p> -Espero que vocês consiga o que estão tentando fazer. –freou, puxou o freio de mão e...</p><p> -Desce folgado. Já chegamos. –outra bronca do Fumaça.</p><p>Mais um sorriso dela, e o convite para descermos.</p><p> Quando eu desci, fiquei surpreso. A cidade tem o e visual arquitetônico residencial daquelas cidadezinhas do velho oeste. As pessoas andam pela rua sem pressa e com tempo de sobra para trocar um dedo de prosa umas com as outras. </p><p>-Aqueles dois senhores sentados no alpendre, estão enrolando cigarros de fumo na palha, Fumaça, enquanto as suas netinhas brincam de pular corda na calçada.</p><p>-Não si engane, é maconha. Eu conheço. Aquele bagulho também é louco.</p><p>A nossa caroneira seguiu em frente até certo ponto e virou para direita. Fiquei á observar o trajeto dela. Pelo menos, eu já sabia em que rua eu entraria para, se preciso fosse, ir até á ela e pedir pra que ela fosse a minha guia turística.</p><p>Jogamos as mochilas ás costas para seguirmos rumo ao outro lado da avenida. Nosso destino seria um estabelecimento comercial construído de madeira. O letreiro escrito numa tora de madeira dedurou que ali funciona um restaurante. </p><p>-Restaurante Trancês. –li o letreiro. - Fumaça, eu tô com fome... Fumaça...</p><p>Olhei novamente para o outro lado da rua, lá estava o neguim acenando pra que eu apertasse os passos.</p><p>Dentro do restaurante, nós, acostumados com a modernidade dos nossos restaura estômagos, ficamos um tanto quanto, eu diria... completamente satisfeitos e um pouco saudosistas também. As mesas e cadeiras, também eram de madeira. Caprichosas bordadeiras bordaram bicos de crochê nos alvos forros de algodão. </p><p>Parados na porta, eu e Fumaça preferimos apreciar tudo á nossa frente. Toda a mobília nos arremetia aos anos 80. Lá, bem ao fundo estava o fogão com uma enorme calda-plataforma para as panelas de alumínio e ferro. Pratos esmaltados e de louças sobre outra mesa de madeira também. </p><p>-Tudo é tão rústico e tão clássico ao mesmo tempo, né Fuma... tô indo, esfomeado.</p><p>Ele já me esperava em uma mesa.</p><p>-Vamos ás panelas, Fumaça.</p><p>-Aquilo lá no fundo é decorativo. Esse restaurante é Á la carte.</p><p>Ahá. Era uma técnica para aumentar o apetite.</p><p>-Então não vai rolar. Se a gente almoçar aqui a nossa grana não dará para a janta mais tarde.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Fomos á panificadora e compramos vinte pães, um quilo de mortadela, café e leite. Teríamos que racionar os nossos gastos. Informamo-nos com o balconista, sobre qual seria a hotel mais caro da cidade. Ele pensou que nós éramos turistas endinheirados e que queríamos uma suíte de luxo. Eu disse á ele que pretendíamos ficar longe da grã-finagem. É que sempre existe uma pensãozinha barateira próxima á um hotel cinco estrelas. Estrelas não enche barriga e nem possibilita conforto. Portanto, até um estábulo com um bom monte de capim e farelo já seria uma boa indicação para eu e Fumaça nos hospedarmos. O preço ficou á combinar no fechamento das diárias. O proprietário e a proprietária fizeram questão de não estipular o preço, por enquanto.</p><p>Foi melhor que a encomenda. Encontramos um dormitório com banheiro, duas camas para solteiros, um ventilador de teto, uma televisão e vista para o extremo norte da região. Á uns dois ou três quarteirões de campo limpo e plano á nossa frente. Da janela eu avistei o carro da sem religião chegando á uma residência cercada com madeiras em posição vertical. Meu coraçãozinho palpitou quando eu á vi novamente.</p><p>Com os nossos cotovelos sobre a borda da janela, Fumaça e eu, conversamos. Aliás, ele faz outra coisa também.</p><p>-Dá um peguinha aqui.</p><p>-Não Fumaça. Eu não quero maconha. Eu quero te confessar um negócio.</p><p>-Primeiro eu. Eu senti algo muito especial por aquela garota. É coisa de pele.</p><p>-De jeito nenhum. Ela é branca, você é da cor dos pneus do carro dela. Quem está gostando dela sou eu. </p><p>-Eu não disse em termos afetivos. </p><p>-Em quais então?</p><p>Ele suspirou jogando a fumaça para fora.</p><p>-Talvez seja por gratidão á ela pela carona. Ou pode ser pelo que ela falou sobre não ter religião, e ter dado carona á nós. Você sabe, você é branco, e isso facilita as coisas. Mas, eu sou negro.</p><p>-Suas chantagens emociorraciais não colam comigo. –meu olhar no horizonte.</p><p>-Vai si danar então. Dá uma tapinha.</p><p>-Só se for ao pé da sua orelha.</p><p>-Fumar maconha é opcional.</p><p>Ignoro-o.</p><p>-Fumaça, a gente tem que iniciar logo a nossa caçada á descendente dos Fincafaias.</p><p>-É isso aí. Eu procuro no lado sul. Você vai para o leste...</p><p>-Nada disso. –falei, apontando o queixo para o norte.</p><p>-DJ, nós não podemos perder tempo com paqueras. Você viu na televisão da panificadora. A presidente está sendo investigada por ter ligação com depósitos milionários em um banco na Suíça. Eu acho que temos nossa parcela de culpa nas acusações. Sem contar que o Rian Uibicha e o Jadir Bolsorraro estão se enfrentando ferozmente.</p><p>-Devia existir um jeito mais fácil de terminar com esses debates que não levam á nada. Se for para os projetos do Rian serem aprovados, o que os deputados determinarem a população acatará. Tem muitas leis que nós obedecemos sem saber de quem ou o porquê delas existirem.</p><p>-Essas discussões são plataformas para políticos fazerem seus discursos de campanhas. Mas de qualquer forma, se nós elucidarmos a problemática da homossexualidade das pessoas, nós teremos contribuído com a humanidade inteira.</p><p>-Então, - deixei a janela. –Pelo bem da humanidade, saibam todos, que eu me darei ao máximo para...</p><p>-Não, você não teria coragem de si dar ao máximo. </p><p>-Darei o máximo do meu esforço, neguim malicioso.</p><p>Chega assoviou com a puxada que ele deu no bagulho doido.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>O Fumaça anda com o apetite de leão faminto. Decretamos escassez de víveres. O nosso estoque de pães e mortadela acabou ontem na janta. A parte da grana dele também já era. Fui reclamar, ele me mostrou algumas notas fiscais que comprovavam em que ele havia gastado o dinheiro dele. Duvidei que tudo tivesse ficado com os comerciantes da cidade, e pedi para ele me mostrar o que constava nas notas fiscais, porque ele não comprou roupa e nem calçados. Ele não me deixou conferir, e ainda por cima, ameaçou me processar por injúria e desconfiança imerecida. Fez cara de magoado e exigiu que eu me retratasse pelas ofensas. Pedi desculpas. Ele aceitou, mas com uma condição: tive que emprestar quinhentos reais á ele. Sentindo-me um cara de pulso fraco e dobrável, eu fui ás compras de mantimentos. Agora, eu estou numa mercearia do tamanho do Supermercado Tantico. As pessoas desta cidade são pacatas e de costumes simplórios, mas o desenvolvimento comercial por aqui chegou sem nenhuma modéstia. Tudo é muito organizado e as ruas são limpas e bem sinalizadas. Faz me lembrar de alguns pontos da cidade Gravados RS. </p><p>-Tem Soca-Sola, amigo?</p><p>-Sim. </p><p>-Então me dá um Toianinho.</p><p>-Lá no freezer horizontal. Mas eu disse que temos Soca-Sola. </p><p>-Faz diferença não. –indo lá.</p><p>Ao voltar do freezer para o caixa, eu tive uma agradável surpresa. Usei o freezer expositor das pretinhas americanas, conferi o visual, com cuidado especial para o rosto e o cabelo. Eu teria que cortar um pouco a franja do meu cabelo. Mas, o dinheiro estava curto. Então, eu os joguei para os lados da cabeça e fiquei parecido com o Superboy de Smallville. Tô poderoso. </p><p>Chegando ao caixa falei:</p><p>-OI, moça não sei o nome. </p><p>-Oi moço não sei o nome também. –deu-me a mão, macia, suave, delicada...</p><p>-Ei, moço não sei o nome também. Deixe-a pegar o troco. </p><p>-Ah, sim, eu... cadê a minha Soca-Sola, eu só encontrei Toianinho.</p><p>-Tudo bem, eu busco pra você, mas deixe-a pegar o troco primeiro.</p><p>-Sim, sim, o troco. –liberei.</p><p>Troco devolvido, ele vazou.</p><p>-Então, o que te traz aqui?</p><p>-Os preços das mercadorias estão em promoção. Então eu quis aproveitar. Nesses dias de crise, a gente tem que saber usar o mínimo que podemos gastar.</p><p>-É. Eu concordo com você.</p><p>Ela é muito linda. Toda semelhança com a Lorrane Falabella, na versão cabelos curtos, não terá sido mera ilusão de ótica da minha parte. </p><p>O atendente não me traz logo a Soca-Sola.</p><p>-Então, aonde vocês hospedaram?</p><p>-Você sabe onde fica o hotel Master House?</p><p>-Uau, você tem bom gosto. Eu conheço o hotel.</p><p>-Pois então, a gente está passando uns dias do lado dele. Na pensão Mais Razoável.</p><p>-Bom, deve ser uma pensão cinco estrelas também. –disse, enfiando o troco no bolso da calça jeans. </p><p>Em noites de céu estrelado, basta olhar para o teto para ver uma constelação numerosa. Pensei em revelar á ela mais esse luxo. </p><p>-Eu já estou indo, você quer vir comigo?</p><p>-Aceito a carona. –pegando o Toianinho. –Vamos.</p><p>-Você não vai esperar a Soca-Sola?</p><p>-Não, eu não quero incomodar o rapaz.</p><p>Chegamos ao carro.</p><p>-Por favor, venha no banco da frente dessa vez.</p><p>Experiência número 88020: quando uma moça bonita te pede para ir sentado do lado dela no banco do carro dela, é porque ela não precisa de guarda-costas, sim de um acompanhante que ela quer conversar com ele sem ter de ficar torcendo o pescoço á cada fala. </p><p>-Obrigado pela gentileza, mas, eu esperava isso de você. </p><p>-Como assim? –perguntou, ao ligar o carro.</p><p>-O banco traseiro está ocupado por mercadorias. </p><p>-São para doações. Mas eu já havia me esquecido delas.</p><p>-Ainda bem que foi dentro do carro.</p><p>-Não. Foi no banco da secretaria do trabalho. Um homem veio seguindo o meu carro e ás entregou á mim.</p><p>Ah se fosse lá de onde eu venho. Pensei em dizer á ela.</p><p> -Me fale sobre a missão de vocês. Eu tenho sabido sobre o caos político em Fragília. Talvez, eu ainda não te contei que eu me formei na UnB.</p><p>-Formou-se em quê?</p><p>-Direitos. Mas não segui em frente. Foi mais pelos meus pais. Depois, eles me fizeram desistir.</p><p>-Indecisão paterna e materna. Mas, e fale mais sobre você. Eu não tenho nada de interessante para te contar, fora, o fato de eu ter sido o culpado por ter feito o nosso país virar um caos, como você mesma disse.</p><p>Antes de continuar si revelando, ela dobrou para a direita. As mãos pareciam acariciar o volante no momento da esterçada. Desejei estar sendo enforcado por elas.</p><p>-Eu sou filha única, e, os meus pais não concordavam com a ideia de eu ir morar em Fragília.</p><p>-Mas você podia advogar por aqui mesmo. Essa cidade é bem grande e com certeza, não te faltaria clientes para que você os defendesse.</p><p>-Alegro-me em te fazer saber que aqui não tem trabalho para advogados.</p><p>-A pena de morte por aqui, ou prisão por qualquer crime, não concede direito de defesa?</p><p>-Não existe amparo judicial á criminosos de qualquer espécie em nossa cidade.</p><p>Oh moça, cê tá me alugando por achar que eu sou pobre de dinheiro e de intelecto? Pois saiba que eu sou pobre mesmo, mas não tão idiota quanto quebrado.</p><p>-Você deixou o meu amigo Fumaça encafifado ao afirmar á nós que você não é religiosa. Seria você uma atoa, quero dizer, ateia?</p><p>-Negativo. Eu creio em Deus e o admito em minha vida. Só não acho que eu deva tê-lo como religião, afinal de contas, ele nunca quebrou o elo entre mim e ele. Seria impossível tal feito.</p><p>-Visões religiosas sobre Deus são fáceis de assimilá-las, separá-las e absorvê-las ou descarta-las, porém, o que você diz sobre o grande ser criador, é meio que exclusivo e pessoal no seu próprio entendimento.</p><p>-Não estranhe o que eu falei sobre Deus, todos aqui o concebem da mesma forma que eu. E olha que somos mais de trezentos mil habitantes aqui em Conscienciópolis.</p><p>Viemos parar em cidade errada. Fumaça, Fumaça, ô Fumaça estrambelhado. </p><p>-Mas eu vejo uma igreja logo ali na frente. –apontei para um mega templo sem placa de denominação religiosa evangélica ou católica, mas em formato de igreja gótica.</p><p>-Este ali é o templo da Conscienciologia. E é lá que eu quero te levar qualquer dia desses.</p><p>-Então me fale mais sobre esse templo, senão eu não entro nele. É questão de consciência. </p><p>-O povo Conscienciopolense, acredita em Deus, simplesmente por existirmos. E sabemos que não são os rituais religiosos, modos de adoração ou práticas de cultos e batismos, que nos farão melhores diante de Deus, tampouco piores. Não criticamos tais costumes de outros povos. Somos todos irmãos. Portanto, aquele templo é um lugar para aqueles que queiram mostrar sua devoção á Deus ao modo deles. Mas, ele tem sido usado desde que fora erguido, para a realização de eventos beneficentes. Ah, - mudando marcha. – Aqui também existem pessoas pobres. Mas damos um jeito de equilibrar a balança.</p><p><br /></p><p> Baldeamos em um enorme galpão semelhante á um hangar para aviões de grandes portes.</p><p>Os portões, da frente e das laterais estavam abertos, e antes de o carro entrar nas dependências do galpão, eu já via, pelo lado de fora, alguns fios esticados de uma lateral á outra. Pensei que ela tivesse me levado á uma lavanderia coletiva, onde as roupas eram penduradas em varais. Mas ao entrarmos, ela me pediu pra eu a ajudá-la com as doações.</p><p>-Urgh, - gemi. –São bem pesadas essas roupas e mantimentos.</p><p>-Não são roupas, são formulários de vagas de empregos e matrículas escolares. </p><p>Peguei duas sacolas cheias de papéis e as coloco no piso do galpão. As mãos arderam por causa do peso e das alças finas.</p><p>-É assim que vocês ajudam aos necessitados? Tipo assim, ao invés de vocês darem o peixe á eles, vocês os ensinam á pescar. Lá onde eu vivo, essa filosofia é entendida como sendo mesquinhagem de quem não quer dividir o peixe com ninguém, mas explica como fisgar um.</p><p>-Bem, - disse ela, pegando duas sacolas mais leves. –Aqui nós não damos o peixe e nem ensinamos pescar.</p><p>-Então, vocês são mais unhas de fome do que os fragilienses e toianos.</p><p>-Venha comigo, que eu te explico.</p><p>Cambaleando com o peso das sacolas, eu á seguir até o primeiro fio esticado. De uma das duas bolsas dela ela tirou prendedores de roupas e pôs-se á estender os formulários.</p><p>-Faça o mesmo com os formulários das suas bolsas. Daqui á duas horas, os desempregados e não estudantes virão recolhê-los. Com um formulário desses em mãos, eles têm suas vagas de empregos e matrículas garantidas. Damos oportunidades á eles. Então, bastam apenas os esforços deles em vir aqui, e, ao modo de vocês, pegarem a tralha de pesca, aprenderem pescar e fisgarem os peixes sozinhos. </p><p>-Entendi. –falei, pendurando uma folha. - Aqui não tem o programa bolsa fomília. Saquei a parada. –outra oportunidade pendurada. </p><p>-Temos também. Mas os contemplados por esse programa são os portadores de alguma deficiência física ou doença que os impossibilitam de trabalhar. Tempos atrás, eram distribuídas cestas de alimentos á eles, mas achamos que era muito humilhante submetê-los ao constrangimento submetendo-os á enormes filas de esperas para pegarem as cestas básicas. Então criamos o cartão sociedade humanitária. Com este cartão eles sacam o dinheiro para fazerem o que quiserem. </p><p>-Mas, e se eles gastarem em coisas nocivas á saúde, para terem sempre o motivo para serem assistenciadas pelo programa sociedade humanitária? </p><p>-Como eu já te falei, tudo aqui em Conscienciópolis funciona na base da consciência de cada um. </p><p>-Aqui é diferente de tudo do resto do Frasil. Em toda parte no Frasil existe o programa bolsa parentela. Até quem não precisa se beneficia pelo programa. </p><p>-O problema não está no governo. É questão de mentalidade social e individual. </p><p>Vocês se tornaram independentes e implantaram que tipo de sistema governamental?</p><p>-Conscienciocracia. Aprendemos com o nosso Deus.</p><p>Uma hora depois, tínhamos já terminado com a nossa tarefa. Ela queria me deixar na pensão, mas eu resolvi descer á um quarteirão de distância do meu estábulo. </p><p>Deixe-me ver a minha vaga de emprego que eu surrupiei do varal das oportunidades.</p><p>“Hotel Master House. Precisa-se de reformadores de carpetes. Ótimo salário. alimentação e moradia no local de trabalho.”</p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Detrás de um balcão com tampo de porcelanato líquido com estampa de céu estrelado, um elegante atendente com pinta de James Bonde do século 21, aguardava a nossa chegada até á ele. Pelo saguão de entrada, Fumaça conferia o vulto negro dele no piso de granito polido.</p><p>-Você está se parecendo ao Mussum nos anos 80, vestido de havaiano.</p><p>-Essa roupa eu ganhei de presente da filha do homem forte no governo.</p><p>-Do Gula da Silva? -surpreso perguntei.</p><p>-Não. Esse aí seria o ministro da Casa civil. Mas, ele apenas si viu ministro da casa por alguns minutos. –repetindo o que viu na internet. Vai virar um papagaio como os demais internectuais.</p><p>-De quem você está falando, crioulo?</p><p>-Da Danissiela Buia. Filha do Ebuiado Buia. Ela e os pais dela estão hospedados aqui.</p><p>-Tá podendo hem negão! Ele se safou?</p><p>-Tirou o dele da reta, botou o da presidente Cíuma, e veio gastar dinheiro por essas bandas.</p><p>Enquanto isso, nós no pardinheiro por não termos dinheiro.</p><p>Seguimos rumo á linha que divide a alta costura e os baixos farrapos. Fumaça está mais colorido do que o cesto de frutas da Carmem Miranda. Eu estou preto e branco, formalmente parecido com um missionário das Testemunhas de Jeová.</p><p>Chegamos ao balcão. O contraste visual se formou diante de nós três. O distinto cidadão do outro lado do balcão veste Gucci, eu e Fumaça vestimos roupas de tecidos de microfibras compradas em feiras livres.</p><p>-Pois não, senhores. –disse-nos o recepcionista.</p><p>-Boa noite. –minha voz com o timbre da voz do Willian Bonner. –Nós fomos enviados para trocar e reformar os carpetes das suítes deste hotel. </p><p>-Vocês têm experiência em tapeçaria persa, indiana...</p><p>-Sim. Já fizemos reformas nos tapetes do meu barraco-cabana.</p><p>-Perdão senhor. Barraco o quê?</p><p>-Do meu...</p><p>-Ele quis dizer, da residência oficial do Barak Obama. –Fumaça interveio.</p><p>-Entendido. Eu terei que solicitar as suas credenciais profissionais.</p><p>Conferindo os nossos bolsos.</p><p>-Onde estão as nossas carteiras de trabalho, Fumaça? –cochichando perguntei.</p><p>-Ficou na pensão.</p><p>Erigimos as cabeças, sem graça de tudo. Eu teria que ser verdadeiro.</p><p>-Nossas cartas profissionais ficaram no estábulo fedido...</p><p>-Perdão senhor. Eu não conheço esse lugar.</p><p>-Nossos vistos, passaportes e documentações profissionais ficaram nos Estados unidos. Como você pode ver, viemos com as roupas dos nossos corpos. Depois de termos terminado com as reformas dos carpetes e cortinas da Casa branca, resolvemos tirar férias em Malibu...</p><p>-Nêgo mentiroso, vai tomar no seu... Consuelo. – falei ao vê-la. A presença dela me fez interromper a rima. </p><p> -Olá, boa noite DJ! Oi Mariozan. –cumprimentou á nós dois. –Eu mesma resolvo as coisas por aqui Onofre. –ordenou ao recepcionista.</p><p>-Sim, senhorita Consuelo. –foi-se.</p><p>Limpei a garganta e escorri as mãos aos meus cabelos jogando-os para o alto da cabeça. Fumaça tentou fazer o mesmo com os cabelos dele, mas, os dedos embaraçaram dando um tranco na região do alto da testa.</p><p>-Eh, eh, nós queremos nos hospedar neste hotel. –falei barulhando.</p><p>-Quem é o mentiroso aqui?</p><p>-Além. De você não há mais ninguém, Fumaça. –fechei a cara e me aproximei do ouvido dele. –Há uma grande diferença entre mentir e enganar. Eu minto. Você engana. Nesse caso, o seu pecado é maior. Portanto, fique calado, ou, eu dou uma de advogado do diabo e te lanço nos quintos dos...</p><p>-Que pena! Eu cadastrei á vocês dois, como sendo os funcionários que fariam as reformas dos carpetes das suítes.</p><p>De súbito me conscientizei de que Consuelo havia percebido o meu afano das vagas de emprego. Ela me olhou com ar de decepção. Eu não sei se eu á decepcionei por agir de modo desonesto, ou se foi por eu ter dado uma de magnata cheio da grana. Uma diária nesse hotel custa o equivalente á todo o meu dinheiro já recebido durante toda a minha vida já vivida. É luxo para família do Ebuiado Buia, não para dois desmilinguidos feitos eu e Fumaça. </p><p>-Então Consuelo... A gente pode pensar na proposta. Não é, Fumaça?</p><p>-Eu prefiro começar logo á trabalhar, depois nós falamos sobre o pagamento. </p><p>-Estou de acordo. –consenti. </p><p>-Fico feliz pela sua decisão, afinal de contas, todas as vagas de empregos já foram preenchidas nas indústrias e empresas da cidade. Só faltavam essas duas. Eu deduzi que teria sido você que ás pegou no varal das oportunidades. –lançou aquela piscadinha e abandonou o balcão de negócios trabalhistas. – Vamos. Eu levo vocês aos seus aposentos. Todo o material de reposição foi encomendado do Oriente médio, e levará alguns dias para chegar ao hotel. Enquanto isso, vocês ficarão hospedados por conta da casa. </p><p>Senti-me um Sheik Árabe quando ela entrelaçou o braço direito dela ao meu braço esquerdo e ia conduzindo-nos pelo saguão. Fumaça me olhava por sobre os ombros, arregalava e mostrava as únicas coisas que ele tem de branco nele. O branco dos olhos e os dentes. Se bem que, tudo já está encardindo por causa da maconha.</p><p>-Me desculpe por eu ter roubado a vaga. </p><p>-Tudo bem. Vocês precisavam mesmo sair daquela pensão. As pessoas que ali ficam são acometidas por sujeiras nas consciências e acabam se tornando corruptas e desonrosas. </p><p>-A dona Polí e senhor Tico nos trataram muito bem. </p><p>-Eles têm boas aspirações, mas á cada dia a Pensão Polí & Tico recebe novos associados que possuem caráteres duvidosos e intenções escusas, e isto contamina as pessoas de bem, fazendo-as se tornarem gananciosas e falsas. </p><p>-E por que as autoridades nunca impediram a entradas de novos sócios á Polí & Tico? –Fumaça perguntou.</p><p>-Alguns monarcas da região tentaram fechá-la em 1993. Os parlamentares foram contra o fechamento. Coube á população decidir o futuro da pensão de Polí e Tico. E, como você pôde ver...</p><p>-Polí & Tico é destino certo para todos que queiram macular suas consciências. Enquanto eu e Fumaça estivemos lá, só pensávamos em fazer coisas erradas. Nosso dinheiro acabou. Fumaça pensou em evasão de dívida e troca de impertenses...</p><p>-Não seria evasão de divisa e troca de influência?</p><p>-Não. Ele queria que nós saíssemos sem pagar as diárias, ou vender a mobília do quarto para os próprios donos da pensão em quitação do nosso débito. Mas, felizmente, ontem foi o dia da Consciência negra, e, ele examinou a dele e detectou uma mancha cinzenta envolvendo toda a massa cefálica dele. E essa mancha queria se conectar com a alma dele...</p><p>-Aí o Mariozan percebeu que essa mancha era um sinal de que ele não nasceu para ser um mau caráter?</p><p>Fumaça e eu nos entreolhamos. Ele fez sinal de não estar nem aí para o que eu ia dizer.</p><p>-Nada disso. Ele percebeu que a fumaça da maconha que ele fuma constantemente estava procurando outro habitat para ela poder expandir as suas ramificações. Aí ele teve a ideia de nós sermos sinceros com os proprietários da pensão.</p><p>-O que você disse ao casal, Mariozan?</p><p>-Simplesmente assim: Devemos, não negamos. Pagaremos quando pudermos.</p><p>Paramos no corredor.</p><p>-Você não devia ter gastado todo o seu dinheiro comprando maconha. –disse ela com brandura, passando o dorso da mão dela na bochecha do nêgo.</p><p>Chega dormiu. </p><p>-Abre os olhos Fumaça.</p><p>-Âh. –acordou. –Foi o DJ que te falou que eu pito um baseadinho?</p><p>-Ô nêgo, se fosse eu, eu diria que você fuma é meio quilo de bagulho doido por dia, não um baseadinho. A Consuelo me contou no Templo da Conscienciologia, que ela tem te assistido por aí mandando sinal de fumaça para o ar. Fica frio, ela te entende.</p><p>Consuelo movimentou a cabeça para os lados e nos fez seguir em frente.</p><p>-Pois bem. – disse ela em frente á uma porta de madeira lustrada á óleo de peroba. – Chegamos ao quarto de vocês. Fique á vontade. </p><p>-Obrigado por tudo. –agradeci.</p><p>-Não há de quê, disponha. Tenha uma boa noite. –deu-me um beijinho na testa e foi-se.</p><p>Eu fico á observá-la. Ai meu coraçãozinho, dentro de ti não caberia tanta beleza?</p><p>-Fumaça... mas cadê o nêgo?</p><p><br /></p><p>Entrei e me surpreendi com o ambiente luxuoso e confortável. </p><p>Fui direto ao banheiro, tomei um banho de chuveiro equipado com sensor de presença de corpo pelado debaixo dele. Quando me pus debaixo da ducha, pensei que eu estivesse debaixo das cataratas do Niágara. A temperatura é regulada em um painel digital. Senti-me relaxado e com aquele frescor agradável. Troquei de roupa e enxuguei até os ouvidos com a toalha branca felpuda. </p><p>Na sala de estar eu encontrei Fumaça sem camisa e de chinelo de correias de lã de carneiro, sentado no sofá.</p><p>-Fumaça, você já se livrou da fuligem? </p><p>-Eu me banhei numa banheira do tamanho do piscinão de Ramos.</p><p>-Sabe o nome da marca dela?</p><p>-Nem me preocupei com isso. Deve ser uma Jacuzzi.</p><p>-Neca de catibiriba. Deve ser: não abuzi. Entendeu neguinho folgado? A do meu banheiro é maior do que o Oceano Pacífico, mas, eu não mergulhei naquela água. Levante daí e venha me ajudar á encontrar defeitos no carpete dessa sala.</p><p>-Veja essas manchinhas escuras perto da mesa de centro.</p><p>Abaixei-me para conferir a mancha. Francamente, era tão pequena, que eu pensei que tivesse sido Fumaça que havia pisado descalço com as pontinhas dos dedos no carpete. </p><p>-Mãos á obra então Fumaça... levanta preguiçoso. Deixa a maconha pra mais tarde.</p><p>-Primeiro eu vou fumar um borralho. Depois eu começo no trabalho. –correu a língua no canudo, em seguida o prendeu com as laterais dos lábios. –O bagulho é doido. –acendeu a tocha Olímpica.</p><p><br /></p><p> ***</p><p><br /></p><p>Na mesa de jantar no restaurante do hotel, Fumaça me deixou sozinho. Foi o prazo de terminarmos de comer igual gente rica, ele saiu para fazer a maconha de sobremesa.</p><p>A notícia no jornal da noite diz que a presidente Cíuma foi derrubada o primeiro Round. Os deputados á levou á lona. Mas provavelmente, ela será nocauteada de vez, pelos senadores que batem mais forte. </p><p>Eu gosto da atual meia presidente. Se ela pedalou foi por boas causas. Inclusive, eu e Fumaça, fomos beneficiados pelas pedaladas dela. Agora ela alega que está sendo vítima de um golpe, e mesmo assim ela não quer que a tal Democracia seja golpeada como ela está sendo. Não apenas a presidente, mas as pessoas têm o costume de defender o que elas não conhecem. Eu que o diga. Por duas vezes fui ludibriado e ferrei com tudo e todos que esperavam pelo êxito da minha missão. Sinceramente, eu nem sei se errei ou se fiz o que era certo. È como eu sempre digo, não se deve temer a ditadura, sim o ditador. Não se deve enaltecer a democracia, sim o valor de um democrata justo.</p><p>-Olá DJ! </p><p>-Oi Consuelo! –fui cortês, limpei a boca e as mãos, me levantei e puxei a cadeira para ela</p><p>Ela se sentou espalmando as mãos sobre a mesa. Não entendi o gesto, mas não perderei a oportunidade que eu tenho para mostrar á ela que eu tenho um dom místico.</p><p>-O que você vai fazer com a minha mão DJ?</p><p>-Calma Consuelo! Se eu for te pedir em casamento, com certeza não vai ser só a mão. Eu só vou dar uma lida nela.</p><p>-Então diz aí qual será o meu futuro. –disse ela pondo a mão livre entre as pernas.</p><p>-Primeiro eu vejo que em sua família existe uma manicure. Acertei?</p><p>-Incrível. Você acertou! É a minha irmã.</p><p>*Experiência. Em toda família existe um alguém metido á pintor de unhas. Se não for uma mulher, é um fresco.</p><p>-Na linha de sua natura está escrito que você é uma pessoa organizada e sincera.</p><p>-Ah isso é verdade. Eu sempre...</p><p>-Espere, deixe eu me concentrar. </p><p>Outra experiência: mesmo não tendo essas qualidades, todo mundo diz tê-las. </p><p>–Você não é uma mulher interesseira, que só pensa em dinheiro. Você só namora alguém se você estiver realmente interessada nele, e não no que ele tem. –ganhei um abraço pela lorota.</p><p>-Nossa você acerta todas! *Se ela ficar bêbada vai se tornar presa fácil, e eu não gosto disso. Experiência 10. 100: ninguém admite o oposto do que eu falei. Vou logo dar a cartada final. </p><p>-Está bom eu ficar prevendo o seu futuro, mas o que eu vejo agora é de doer o coração.</p><p>-Ah que coisa... –disse triste. –Tudo bem, pode falar.</p><p>Limpei a mão dela, fiz suspense e a vi respirando profundamente e...</p><p>-Não. Não vou dizer.</p><p>-Por quê? É tão ruim assim DJ?</p><p>-É ruim pra mim. Você não gosta de rapazes que falam muito. Está escrito aqui.</p><p>Joguei a isca. Se eu fisgar essa sereia, eu e ela mudaremos para o oceano atlântico.</p><p>-O que tem isso á ver contigo, pra dizer que é ruim pra você.</p><p>-Você consegue ler os olhos das pessoas?</p><p>-Não. </p><p>-Você ainda não percebeu que eu tô doido pra cruzar a linha do seu destino?</p><p>-Por que você não vai direto ao assunto? </p><p>-Porque a sua mão diz que você é uma mulher difícil de conquistar, e que você não é pra qualquer um.</p><p>-Mas você não é qualquer um. –ela colou a cadeira dela á minha. </p><p>Foi difícil... Mas consegui. </p><p>Dei um abraço de ladinho, passei a mão na nuca dela. Senti o cheiro de agua fresca. Beijaremos...</p><p>-DJ, temos que ir agora para a suíte. –disse Fumaça, esbaforido.</p><p>Um vento forte podia ter espargido ele, pra ele não me interromper no momento mais esperado da minha vida.</p><p>Olhei para Consuelo, ela fez cara de só lamento. Eu também.</p><p>-Vai com ele. Depois a gene se fala.</p><p><br /></p><p> ***</p><p><br /></p><p><br /></p><p>-Anda Fumaça. Senta aí e me conta o que você descobriu.</p><p>-Ela me contou, ela me contou, contou tudo. –feito um pirado.</p><p>-Então me conta também neguim maluco. Já fumou toda a maconha?</p><p>Enfim ele sentou-se no sofá. Suado igual capoeirista em roda de ginga.</p><p>-Os estanhóis exigiram que os Fincafaias fizessem sexo hétero com as estanholas e estanhóis. Mas, eles preferiram á morte. Naquele dia macabro, mais de 2000 Finfaianos foram assassinados pelos estanhóis.</p><p>-O que você quer me dizer com essa lombra de maconheiro, Fumaça?</p><p>Esfregou as mãos, com os olhos fechados. Estão tão miúdos que, com mais dois pegas, eles não abririam mais.</p><p>-Entenda a parada. Ela também presenciou esse acontecimento e repassou ás pessoas da atualidade da época. O que foi revelado á política, ciência e á religião, foram toda a verdade sobre a existência dos homossexuais, mas estas três ciências á mantém em segredo. </p><p>-E você acha que ainda não é segredo para mim também?</p><p>-DJ, os filhos e filhas dos Faias e dos Fincas, eram homossexuais desde o nascimento deles. E, eles eram filhos de héteros viciados em sexo hétero também. Os estanhóis não conseguiram fazer com que eles fizessem sexo hétero. Isso mostra que a homossexualidade das pessoas, não é questão de orientação e nem opção sexual. Os meus ancestrais eram héteros, mas não conseguiram orientar seus mais de 2000 filhos e filhas á se tornarem héteros também. </p><p>-Justo. Não faltou orientação, tendo em vista que os pais Fincas e Faias devem ter orientados os filhos deles á gostarem até das mulheres e homens casados.</p><p>-Pode crê. E, os estanhóis não conseguiram fazer com que eles optassem por fazer sexo hétero com o povo estanhol e nem entre eles mesmos.</p><p>-Captei. Eles optaram pela morte, mas não escolheram tornarem-se héteros. </p><p>-isso, isso, isso. –agora Chaves, Chaves, Chaves. Fez idêntico. </p><p>-Espere aí. Duas hipóteses já foram descartadas. Opção e orientação. Mas, e a terceira?</p><p>-Safadeza ou Perversão? Não, também não. Safados e pervertidos eram os pais deles. Os mais de 2000 nasceram homossexuais, por isso, eles não se multiplicaram. Naturalmente, eles sabiam que tinham que se fundirem uns nos outros para evitar a extinção de suas existências. </p><p>-De qualquer forma, a aniquilação seria inevitável. A política e a religião conhecem a verdade. E a ciência?</p><p>-Houve uma grande guerra na história da humanidade, bem recente. A história contada até os dias de hoje, é de que determinado chefe de estado de determinada nação, queria a hegemonia de uma raça superior, e por essa razão, ele exterminava com todas as pessoas que não era compatível com o padrão biológico da espécie humana idealizada por ele. Milhões de seguidores de uma determinada religião, também foram vítimas da crueldade dele. Nessa época, os biólogos do país dominante, descobriram o cromossomo da homossexualidade ainda em fase de formação fetal. As mulheres grávidas que esperavam por bebês gays eram mortas juntamente com seus filhos, antes de eles nascerem. Conclusão final. A ciência biológica, a política e a religião conhecem a verdade. </p><p>-Mas o que isso tem á ver com a Democracia? Nós viemos aqui, em busca da dela.</p><p>-Isso quer dizer que a Democracia não poderá nunca perder a sua originalidade. Mas, sempre houve e haverá aqueles que querem ultrajá-la e mudar a essência de sua natureza. </p><p>-E essa indivídua continua rente no batente, sem se curvar á esses adulteradores?</p><p>-Correto. Fizeram e fazem com a Democracia, o mesmo que fizeram e fazem com Jesus Cristo.</p><p>-Em que calvário, a Democracia foi crucificada, e quem foi o Pilatos que permitiu essa atrocidade?</p><p>-Burro duma figa. –enervou-se e deu um papilote na minha testa. –A humanidade usa apenas o nome de Jesus Cristo, mas não segue suas recomendações. Por isso há tantas ideologias cristãs diferentes. Bem assim são os que se dizem democratas. Eles á torna flexível e adequável.</p><p>-Nós também. –assenti. –O que devemos fazer então?</p><p>-Dos Fincas e dos Faias, não restou remanescentes, devido a as inúmeras perseguições contra a postura deles no decorrer da história. Porém, desde que surgiu o primeiro ser humano na terra, unido á ele estava aquela que consegue estar em todos os lugares, ensinando as pessoas á levaram suas vidas de acordo as suas próprias concepções. Aferindo suas ações e conscientizando-as de seus erros e acertos. </p><p> Interessante. Recorrendo á história da humanidade, eu me dou conta de que muitos ditadores foram derrubados por outros ditadores que se amparavam na ditadura. Democratas foram destituídos de seus governos por força da própria democracia. Diante desses impasses, o que seria capaz de estabelecer uma ordem única e justa de forma e regime governamental. </p><p>A ponta do meu dedo indicador começa á tatear a ponta do meu nariz. Estou refletindo: Quem seria essa que se faz presente em todos os lugares? Seria a Consuelo?</p><p>-Fumaça, quem te contou essas coisas?</p><p>-A Consuelo...</p><p>-Mentira, nêgo. Assim que você enrabichou atrás daquela garota, a Consuelo se tornou a minha primeira cliente de quiromancia.</p><p>-A minha Consuelo, não a sua. Eu também tenho uma Consuelo em minha vida. No final das contas, todos têm.</p><p>-Isso é lombra do bagulho doido. – falei e me levantei.</p><p><br /></p><p> </p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Ao cair da noite, eu e Fumaça nos arrumamos para ir á uma festa. Houve certo desentendimento entre mim e ele, porque a única calça cumprida que nós trouxemos em nossa bagagem, era minha. O infiliz ganhou a disputa mais uma vez. Eu tive que vestir a minha bermuda Caqui, mas, eu fiquei muito mais elegante do que ele. Coloquei uma camiseta de manga curta e calcei meias brancas e um par de botinas marrom. O par de meias e botinas me custou 25 reais. Sobraram 275 Reais. Foi um adiantamento pelas manchas do carpete da sala, que eu as fiz sumir, usando creme dental. Não pegaria bem eu ir á uma festa com um par de tênis com as solas semelhantes á cunhas de enxadas. </p><p>Ao chegarmos á festa, foi aquela surpresa. Era ao ar livre, e não se trata de uma simples festa particular. Era um evento anual comemorativo ao dia da consciência humana. Aqui não se comemora o dia da Consciência negra, para não ter que comemorar também o dia da Consciência indígena, Albina, Ruiva, Amarela e nem Parda. Questão de igualdade racial. </p><p>Tem barracas gastronômicas, parquinho de diversão, shows ao vivo, muita gente supimpa e mulheres bonitas. É um verdadeiro encontro de gente caipira e moderna. </p><p>Fumaça e eu nos acomodamos numa barraca de pastéis fritos na hora.</p><p>-Fumaça, vai lá e peça duas massas de pastéis, fritas sem recheios. É mais barato. E trás duas pitchulinhas também.</p><p>Foi sem reclamar porque ele está na aba do meu chapéu. </p><p>Fico á observar. As pessoas dançam e se divertem ao luar. Meninos e meninas correm pra lá e pra cá segurando chapéus e bonés em suas cabeças. Um sujeito grita aiô Silver ao receber um ursinho de pelúcia de premiação da banca de tiro ao alvo. Com certeza ele vai dá-lo de presente á namorada dele... êh, êh, ele o entregou á outro sujeito, e os dois saíram abraçados. Foi muito</p><p>Carinhosa a colada de narizes entre os dois.</p><p>-Pronto. –disse Fumaça ao sentar-se de frente á mim. –Pastéis de carne com pedacinhos crocantes de mandioca. Especialidade da barraca.</p><p>-E as Soca-Solas, como você ás conseguiu?</p><p>-Negociando com o barraqueiro. –disse enchendo os copos.</p><p>Antes de começar á comer eu farei um interrogatório sobre a negociata do neguim esperto.</p><p>-Preste conta do gasto extra, nêgo.</p><p>-Foi só um baseadinho de dez reais. O da barraca também curte um bagulho doido.</p><p>-Eu só espero que ele não frite o quepe pensando que seja um pastel depois que ele ficar doidão.</p><p>-Não esquenta DJ...</p><p>-Mastiga e engole primeiro, infiliz. Eu vou voltar sempre á essa cidade nessa época do ano.</p><p>-Essa festa aqui acontece o ano inteiro, todos os dias e noites.</p><p>-Legal Fumaça. –falei, olhando o vai e vem das pessoas.</p><p>Vixe, tem um fortão branco sustentando uma garota em cada um dos braços dele, esticados.</p><p>-O que você descobriu com a garota que nos deus carona?</p><p> -Constance é o nome dela. No instante em que nós estendíamos as oportunidades de empregos e matrículas escolares, ela me contou sobre as funções do governo do estado e também sobre a participação do povo no poder administrativo. São eleições normais como em qualquer estado de um país democrático. Mas, democracia para eles é apenas uma definição de política entre governo e população. Tipo assim, democraticamente o povo escolhe os seus representantes, mas constitucionalmente as leis, deveres e direitos de todos são estabelecidos de acordo o que se pode chamar de Lei Suprema com suas normas fundamentadas na Conscienciocracia. </p><p> -Acontece que, o governo e os cidadãos têm que ter suas consciências limpas em relação á seus atos e comportamentos diante da sociedade. Uma informante me contou. Fumamos um pretinho juntos, e as ideias fruíram. </p><p> -A consciência de uma pessoa pode aferir as suas ações, referente apenas á pessoa propriamente. Eu acabei de ver dois caubóis saindo abraçados, agora á pouco. </p><p> -DJ, isso aqui é normal. Contanto que a liberdade dos dois, não ultrapasse o bom senso e vire libertinagem. Eles podem até beijar na boca um do outro, como á casais héteros, porque os héteros tem essa liberdade. Agora, cenas de carícias mais afoitas, isso é proibido até entre homem e mulher. Você pode fazer o que bem quer da sua vida, desde que seus atos não ofendam á ninguém.</p><p>Na segunda mordida que ele deu, sobrou apenas a bordinha do pastel. </p><p> Entendendo a informação obtida pelo Fumaça em troca de um peguinha. É mais ou menos assim: Se ele quiser fumar maconha a vida inteira, isso é problema dele, porém, se ele praticar um ato errado contra uma pessoa, ele será preso sem direito á advogado de defesa. </p><p> -Á propósito, fumar maconha ou usar qualquer outro tipo de droga, aqui em Mandiobrás não é proibido, mas será crime se o usuário cometer uma infração para obtê-la ou depois de á usar.</p><p> -Então a desculpa de ter agido por causa do efeito da droga, aqui não cola?</p><p> -Cadeia na certa. –pontuou limpando a boca. </p><p>Traduzindo: Fumaça pode fazer o que ele quiser com a grana dele, mas, com a minha não. Quer dizer também que eu não posso fazer ele engolir aquele monte de maconha que ele comprou. Vou copiar esse modelo, me candidatar á presidente e implantá-lo em todos os estados fragileiro. </p><p>-Fumaça, eu acho que a gente está no lugar certo. A quantidade de gays aqui é grande.</p><p>-Mas a gente tem de selecionar os homossexuais para abordarmos as pessoas certas.</p><p>-Em quais requisitos eles têm de passar?</p><p>-Beleza. Os negros e negras de Faia eram considerados os homens e mulheres, mais belos e belas do mundo inteiro.</p><p>-Esse padrão de beleza foi definido por qual esteticista?</p><p>-Sempre fomos os mais bonitos. Os que mudaram essa verdade foram os europeus racistas. Foram eles que impuseram ao mundo a ideia de que as mais belas mulheres são brancas, e os homens mais bonitos têm olhos azuis. Eles deram até á Jesus Cristo um aspecto físico e facial de um europeu branco.</p><p>-Deixe de falar besteira, neguim. Você está si corroendo de desprezo pelos brancos.</p><p>-Você acha que é dor de cotovelo da minha parte? –olhões bem abertos.</p><p>-Sei lá. Mas posso garantir que quem está sendo racista é você. </p><p>-Tá bom. –consentiu e virou-se para a multidão de gente que passava por ali. –É, você tem razão. Tem muitas galegas bonitas por esse mundo de meu... Olha o tanto de mulheres... ô gatinha, que tal nós dois dando um giro por aí?</p><p>-Ela sorriu imbecil. Vai atrás dela. O que você está esperando?</p><p>-Tô indo. Já tá pago o lanche. –bicou o refri e foi no vácuo da loirinha.</p><p>Fumaça conversou tanta asneira que me fez esquecer até de comer. Mordendo... unh, é bom mesmo esse pastel amandiocado. </p><p>Surpresa. Olha só, quem está chegando á festa! Aliás, á minha mesa. Parece uma donzela.</p><p>-Divino Justino, vamos dar uma volta.</p><p>Apenas a minha vozinha me chamava pelo meu nome. </p><p>-Sim, claro. Vamos.</p><p>Andamos lado á lado.</p><p>-Então, você vem sempre aqui?</p><p>-Todos os dias e noites, todos nós dessa cidade, tiramos um tempo para dar um passeio pelas vias da Consciência. Por isso o nome Dia da Consciência humana.</p><p>-Legal. Aqui é tudo tão tranquilo e harmônico.</p><p>-Depende da consciência de quem aqui visita. </p><p>Fazendo um exame de consciência... a minha está tão alva quanto o vestido dela.</p><p>-Eu sempre deixo a minha consciência ser influenciada por aquilo que eu vejo e escuto.</p><p>-Alguma cena te deixou de consciência afetada?</p><p>-Não. Apenas me surpreendi ao ver dois homens andando abraçados como se fossem... </p><p>-Namorados? Sim, eles se amam e não esconde a verdade á ninguém.</p><p>Paramos de frente á três monumentos, onde muita gente os contemplava de modo mais admirado do que curioso. Eu sabia que todos ali compreendiam o significado de três estátuas de pessoas. Mas, eu não compreendia o que era representado por três esculturas de homens. Mas, eu saberia imediatamente. </p><p>-O que significa esse homem com uma tocha na mão?</p><p>-Representa o ser humano esportista. </p><p>-É sempre bom praticar esportes. Faz bem para a saúde do corpo. –afirmei.</p><p>-Mas também pode tornar a pessoa competitiva, podendo levá-la á contar com suas habilidades físicas para tornar-se superior á outros seres humanos.</p><p>-E este com uma pena-caneta na mão?</p><p>-Representa a inteligência daqueles que buscam a evolução intelectual.</p><p>-Isto é fundamental para tornar-nos mais inteligentes. –falei o que era óbvio.</p><p>-Sapiência demais pode transformar os que á possuem, em pessoas orgulhosas e prepotentes. </p><p>-Então não devemos praticar esportes ou exercícios físicos, e nem a elevação intelectual? </p><p>-Sim, podemos e devemos, porque faz bem para o corpo e a mente. Portanto, devemos buscar ainda mais, aquilo que essa terceira estátua representa. –ela apontou para o lado direito.</p><p>Percebi que a terceira estátua era um homem de cabeça baixa, olhos fechados e com as mãos cruzadas sobre o coração.</p><p>-Eu não á entendo ainda. –admiti, brandamente.</p><p>-Esta estátua representa a elevação espiritual do ser humano. De nada adianta, ser competitivo e inteligente. Se não houver espiritualidade na pessoa ela não será completamente sábia.</p><p>Pensei em tudo que eu vivi para chegar até ali diante dos três monumentos que representam juntos, um ser humano completo em sua essência.</p><p>-Consuelo, eu não consigo compreender tudo isso que você quer me fazer entender. –confessei, com olhar tristonho, mas esperançoso.</p><p>-Tudo bem, eu serei mais clara. Durante um tempo você foi competitivo, e em cima da sua mobilete saiu em busca da democracia, e á encontrou, mas não tinha nenhum conhecimento sobre o que ela significava. Em seguida, você adquiriu inteligência para compreendê-la, e entrou em confronto com a religião e a ciência. Agora, neste exato momento, eu estou te mostrando o que falta para que você encontre a solução para a causa Gay.</p><p>-Mas... eu não tenho a resposta para a razão da homossexualidade das pessoas.</p><p>-No congresso nacional em Fragília, tramitam alguns projetos que, sendo eles aprovados, trarão resultados inesperados á causa Gay. Pense sobre isso. Mas, lembre-se da sua consciência quando tudo for esclarecido. Volte para a sua terra natal. Seu amigo Fumaça vai te revelar algo muito importante.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Eu esperava Fumaça na lanchonete do Vinícius que também está morando nessa belezura de cidade. Ele é fã número 1 do Rian Uibicha agora deputado depois de ter vencido o BBB.</p><p>BBB foi um concurso promovido por uma fabrica de sorvetes á seis anos atrás. O participante que conseguisse chupar a maior quantidade do Picolé Big Bom-Bom ganharia quinhentos mil Reais. Rian Uibicha foi o vencedor. A chupadeira seria televisionada ao vivo, como forma de promover o lançamento do picolé. Mas a defensoria pública censurou e não deixou que fosse exibido, para evitar que as crianças fossem induzidas á experimentarem daquela guloseima que poderia causar danos á saúde física delas, e á saúde mental dos seus pais. A fábrica de sorvetes entrou com uma ação na justiça para conseguir a liberação das imagens do Rian Uibicha devorando os picolés, mas a resistência contrária é forte. Coisas da concorrência. Ao assumir a “deputância”, Rian vem lutando pelo direito de o público sorveteiro poder viver livremente. Jadir Bolsorraso alega que ele é contra o comportamento deles, e não da existência da espécie. Pelo jeito de como andam as coisas lá no congresso, haverá muito deboche de um lado e cusparada do outro. Estava tudo lá na internet.</p><p>-Oi DJ! Me responde uma pergunta. Você já ouviu falar do deputado...</p><p>-E quem nunca... –cortei a fala para pensar. Eu vou me encontrar com ele e pedir ajuda á ele...</p><p>-Pois é! Ele é o máximo. E agora como deputado, ele está tentando, e vai conseguir aprovar o projeto KIT-FIL. Mas, o recalcado do Jadir Bolsorraro, tornou-se o maior empecílio para a homologação do projeto. Ai, eu odeio aquele homem.</p><p>Jadir Bolsorraro é conhecido por todos, como sendo um deputado que não aceita propina, e sempre usa do próprio sobrenome dele para garantir que em seus bolsos não entram dinheiro sujo do propinoduto. Sugerindo com isso, que bolsos iguais aos dele são raros de se achar no meio político fragileiro. –Se eu for até á ele, serei escorraçado.</p><p>-Lamento Vinícius, mas o Bolsorraso foi eleito com um número de votos bem á cima dos que o Rian conseguiu. </p><p>-Se o voto de cada um do nosso time valesse por dois, o Jadir não chegaria nem aos tamancos do Rirri em números de votos. Nós temos de conquistar o direito do voto duplo, afinal de contas, temos dupla natureza. –estufou o quase busto, com todo orgulho.</p><p>Rian Uibicha, também tem o ônus da honestidade. O problema, é que, por ele ser defensor dos direitos dos homossexuais, ele tem se mostrado um homossexual de personalidade muito explosiva, bem diferente do seu colega Gueidovil. E, cá entre mim e mim, o que torna uma pessoa indesejável, na maioria das vezes é a personalidade, não o caráter. Por exemplo, Robin Hood era um ladrão, - todo ladrão é mau caráter, - porém, ele era querido por muita gente. A presidente Cíuma Rosete é honesta, qualidade de quem tem bom caráter, mas a galera quer vê-la destronada. Sacô a parada?</p><p>-Do que se trata o tal KIT-FIL?</p><p>-São cartilhas educativas. Ao lê-las, as crianças poderão optar por (HA) ou (HO). Filho ou filha. Por isso é que o material didático se chama KIT-FIL.</p><p>-Então, vocês admitem que a boiolagem provenha da orientação sexual e opcional do indivíduo?</p><p>-Não sei. Deixe-me ir trabalhar. -foi. </p><p><br /></p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Desarmado e extremamente desperigoso, eu vim ao Afanalto Central. Há muitos populares e gente pró e contra o governo aqui hoje. Na região onde eu estou o que se vê é políticos chegando e saindo em seus carrões. Para cada um que para, uma maleta é entregue ao ocupante do veículo, e uma papelada é deixada nas mãos de um suposto cidadão comum. Por enquanto, eu só observo o movimento sem estranhar o que vejo. </p><p>Esta cidade toda foi projetada para ser construída em 50 anos, porém, milagrosamente, 5 anos depois do início das obras, ela surgiu fulgurante e portentosa. Acontece que, o investimento orçamentário para os gastos com a construção de tudo isso aqui, era suficiente para pagar as mãos de obras de todos os que aqui trabalhariam por 50 anos ininterruptos. Digamos que o montante total do dinheiro era equivalente á cada ano de trabalho. Ou seja, hipoteticamente falando: Um bilhão á cada ano de trabalhado. Somando então, 50 bilhões. Menos 45 anos, vezes um bilhão são igual á 45 bilhões extraviados dos cofres públicos da união. Para onde foi essa grana, ninguém dá notícia. </p><p>Continuo observando o movimento vai-e-vem de carrões e maletas que entram, e papéis que saem de uma mão e passa para outra.</p><p>Outro detalhe que me deixa encucado é o formato das vias de acessos á cada complexo predial deste lugar. È parecido com um avião teco-teco, mas com certeza, o dinheiro usado para pagar o designer deste monomotor, devia ter dado para comprar uma frota com mais de trezentos aviões de caças dos mais modernos. Eu fico admirado com tanta inércia da população que não protestam exigindo benfeitorias públicas, mas ficam feitos palhaços levantando cartazes com as caras de candidatos á serem os próximos á enfiar as mãos no nosso dinheiro.</p><p>Fora fulano. Entra ciclano. É o que eu escuto das centenas de pessoas que tremulam seus cartazes com os diabinhos estampados nos versos, e uma palavra de ordem no reverso. </p><p>-Ô picolezeiro, me dá um picolé de banana.</p><p>-Beleza. –abriu a tampa do carrinho. – Tá aqui chefia. Experimenta pra você ver se não é o melhor da região.</p><p>Rasguei a embalagem e experimentei.</p><p>-Muito bom. Quanto custa?</p><p>-50 paus.</p><p>Eu não disse? Só tem ladrão por aqui. A corrupção não escolhe idade e nem época. O moleque não passa de um colegial, e já é um az na arte do roubo. Mas tem razão, ó onde fica a escola que ele marca presença constante.</p><p>-Fica com o troco. –falei, ao pagá-lo.</p><p>-Que troco? Você só me deu 50 centavos. </p><p>-A professora que te ensinou á roubar, foi eu quem á contratou para o serviço docente.</p><p>-Eu sabia. –disse, enfiando a moeda no bolso. –Aqui só tem gente esperta. Eu vou é voltar para o Arranhão. Olha o picolé. Quem vai querer. –saiu gritando.</p><p>Na verdade, eu ainda não tinha uma opinião formada sobre a tal democracia, mas, pelo que eu pesquisei na tal internet, ela é tida por alguns formadores de opinião, como sendo gay em sua essência. No dizer popular isso quer dizer que a democracia corta para os dois lados, não sendo uma coisa e nem outra. A ala religiosa do governo á considera promíscua e muito nociva ás famílias fragileira. Já a ala aboialada quer a prevalência de seus estatutos. Mas, eles estão em desvantagens contra os machões no congresso. Bom, é de minha natureza, ser imparcial em minhas opiniões, mas como eu não tenho opinião formada á esse respeito, eu teria que procurar alguém, fora do congresso para que pudéssemos discutir sobre o assunto. E ele é da tribo dos héteros e religioso também. Enquanto eu caminho em direção á empresa do eloquente pastor evangélico, vou fazendo uma breve analogia sobre a relação entre Deus e o homem.</p><p>No princípio, Deus criou o homem e interagia com ele. Depois veio os profetas e tomaram o lugar dele. Em seguida veio a lei e sobrepôs os porta vozes de Deus, os profetas.</p><p>Finalmente veio jesus e por ele a graça ao homem foi dada. Então veio as instituições religiosa, - estas, que foram consumadas no calvário de cristo. Mas, o sistema religioso deu um jeito de se reconstituir, aí bagunçou tudo. Ninguém mais é capaz de amar ao próximo incondicionalmente. Membros de igrejas, apenas suportam uns aos outros e fingem um falso amor, se são da mesma denominação. Se não for, ou deixou de ser, o indivíduo desligado da membresia, passa á ser ignorado e muitas das vezes considerado como á um elemento desprezível. Vejo pessoas que eu as conheci antes mesmo de serem religiosas, e tínhamos uma relação de amizade respeitosa e sem nenhum problema, porém agora, eu não sou digno nem de receber dele ou dela, um simples bom dia. Ainda bem que eu tenho Deus em minha vida, pois, antes de profetas, leis e igrejas existirem, Deus já o era. Ou por acaso, cristo morreu debalde (em vão) pela minha vida? Ora, pois, se tenho que crer em cristo e me tornar religioso para alcançar graça e misericórdia de Deus, então, o sacrifício de Cristo na cruz, nada adiantou. Esta foi a minha opinião, mas pode ser que o religioso bom de lábia me convença do contrário.</p><p>Seguindo em frente.</p><p><br /></p><p>Mal cheguei e já notei que as dificuldades que eu teria de enfrentar eram muitas. Mas, por sorte, eu o encontrei descendo do carro e indo ao á entrada da empresa... Merda, ele é tão assediado por repórteres, quanto eu sou por mulheres. </p><p>Encosto minha moto condução em uma árvore, sim, condução, se comparando ao “Rolis róice” do Relígio. O carrão dele foi conduzido pelo motorista ao estacionamento subterrâneo.</p><p>Dou um toque no cabelo, ajeito a calça Jeans e a camisa branca no meu corpo, respiro fundo e... Cadê o homem? O vejo dentro do saguão da empresa, mais uma meia dúzia de assessores que colhem as assinaturas dele, e alguns repórteres fazendo perguntas.</p><p>CCC. Morre em Pânico e outros mais estão aporrinhando o religioso. Aproximo-me e espero a minha vez ouvindo as indagações. Se o Relígio não tomar cuidado, a refeição do dia dele será uma porção de microfones, e de sobremesa as folhas de formulários.</p><p>-Relígio, qual é a sua opinião sobre os projetos do Rian Uibicha e...</p><p>-Ele é promíscuo e vergonhoso...</p><p>-Eu perguntei sobre os projetos...</p><p>-Ora, minha filha, não colhem figos de espinheiros...</p><p>-O senhor quer dizer que ele é imoral e incorrigível?</p><p>-Ah, mas vem cá, meu filho. Não ponha palavras na minha boca. Eu conheço vocês.</p><p>-Mas, não foi isso que o senhor quis insinuar?</p><p>-Eu não insinuei nada. Apenas usei uma citação...</p><p>Eu reflito: Hipocrisia quer dizer, esconder o verdadeiro sentimento motivador de seus atos, palavras, e pensamentos. Mesmo que tecnicamente eu esteja enganado, eu posso garantir que o Relígio quis dizer mesmo, que o Rian é um sem vergonha. </p><p>As perguntas continuavam sendo feitas por repórteres homens e mulheres. Os assessores tentavam fazer um círculo de isolamento entre os jornalistas e o patrão. Continuarei apenas ouvindo.</p><p>-Relígio, o senhor concorda com o seu colega Matos Febriliano em respeito às discórdias dele com o Rian?</p><p>-Olha aqui, minha filha, o Febriliano não é meu colega. Ele é deputado. Eu sou um homem de Deus como ele, sendo assim, nós somos irmãos em...</p><p>-Como religiosos, vocês dois não deviam ser mais pacíficos com os diferentes?</p><p>-Ah, mas, mas, vejam só a má fé de vocês. Nós não entramos em guerra contra ninguém. Apenas defendemos os nossos princípios...</p><p>-Atire a primeira pedra quem não tenha pecado. –pus os dedos em riste e gritei a frase que todo religioso á conhece, mas, na maioria das vezes, á ignoram. Recebi a atenção de todos. Relígio me olhou, com um sorriso desdenhoso. Terei que ser categórico. –Este homem é um defensor dos oprimidos, e é tambem o baluarte da esperança para aqueles que buscam servir ao altíssimo. –microfones próximos aos meus dentes. Relígio, agora sorriu prazeroso. –Todo ser humano tem direito á defender suas convicções, com unhas, dentes e cunhões se for o caso. Relígio é coerente á seus princípios morais e...</p><p>-Tristãos. –emendou, vindo para o meu lado. –É, é, é, que vocês da imprensa querem me perseguir em tudo que eu faça e fale. </p><p>-Assim fizeram com os Tristãos primitivos, mas, este homem é um remanescente que resistirá os ferrolhos á ele prometidos.</p><p>-Você também faz parte de uma denominação evangélica? –microfones lá. -Qual igreja você representa? –microfones cá.</p><p>-Libertação os bons. –respondi. Lembrei-me dos meus amigos. –Eu já conto com mais de 10% de fiéis em toda população fragileira e com um grande número de afeiçoados e praticantes, pelo mundo todo. –pensei nos boiolas que eu não os conheço. –Agora, me deem licença, porque eu tenho hora marcada com o irmão Relígio. –Relígio apalpou meu ombro esquerdo, e mostrou os dentes á mim e aos repórteres.</p><p>-Sou eu. O espetáculo terminou para vocês. Procurem outro para perseguirem.</p><p>O consultório psicológico dele não funciona nas dependências da empresa. –ele me informou no corredor, aquilo que eu já sabia. </p><p>-Então senta e me diga como começou, e, onde começou a sua carreira pastoral brilhante para arrebanhar tão grande número de ovelhas.</p><p>Sentamo-nos.</p><p>-A minha labuta missionária, teve início em Dogoma e Somorra, quando a história dos antepassados dos meus irmãos, foi introduzida em um...</p><p>-Não seria Sodoma e Gomorra?</p><p>-Não, estas cidades ficam aqui no nordeste do estado de Toiás. Lá onde Judas perdeu as meias, porque os sapatos já haviam se perdido á mais de mil quilômetros atrás.</p><p>-Eu pretendo iniciar um ministério por lá. </p><p>-Sim, leve o ministério público até àquelas bandas, o ministério da educação, da saúde...</p><p>-Voltemos no tempo. –ele sugeriu.</p><p>-Prontamente. Dogoma e Gomorra estão tão paradas no tempo, que, se voltarem um pouco mais, elas regressarão ao período Paleolítico.</p><p>-Lamentável. Quem são os seus irmãos?</p><p>-Ora, somos todos.</p><p>Ele olhou para o cromo alemão em seus pés e tateou a ponta do nariz.</p><p>-Isto é indiscutível. Mas, qual é seu problema?</p><p>-Bom, eu não consigo lidar com a minha riqueza e pretendo me curar desse pecado.</p><p>Limpou a garganta pressionando os dedos, fazendo-os estalarem. Eu notei um brilho em seu olhar no momento que ele botou os cotovelos sobre o tampo de vidro da mesa e olhou em meus olhos. Tio Patinhas toiano. Quero dizer, Tarioca.</p><p>-Riqueza não é pecado, sabemos disso. Alguns fatores contribuem para a sua negação á sua riqueza. O maior deles é a má interpretação de textos bíblicos feitos por algumas pessoas que dizem que o dinheiro é a raiz de todo mal.</p><p>-Então, a bíblia pode levar ás pessoas a julgarem umas ás outras e fazê-las acreditarem que são erradas ou doentes? –incisivo e direto fui ao ponto. </p><p>-O problema não é a bíblia, sim os seus interpretadores. –sério feito um porteiro de velório. </p><p>Chegou a hora do conflito teológico entre mim e ele.</p><p>-Relígio, quando um homossexual democrático te procura, você o ajuda á encarar os conflitos que os afligem por razão de como alguns julgam sua homossexualidade, e, não por ele achar que é pecado, não é isso? -ele si tocou que eu fiz a pergunta para imprensá-lo contra a parede que está á uns dez metros distante das costas dele. </p><p>-Ah, meu filho, você acha que eles não sabem que o homossexualismo é uma prática vexatória e desmoralizante? Eles se debatem contra si mesmos, por saberem que são imorais, obscenos e pervertidos. Eu não caio nesses joguinhos de sentimentalismos e transferência de culpa que você está armando para me convencer de que eles são os incompreendidos, e nós héteros somos os culpados por taxá-los como sendo pecadores. -as mangas da camisa foram parar á cima dos cotovelos. Relígio é muito enérgico em suas falas como psicólogo e eloquente como pastor.</p><p>A cabeça dele fica zanzando para lá e para cá enquanto ele fala.</p><p>-Eles afirmam ao senhor que eles têm consciência de que eles são imorais, obscenos e pervertidos?</p><p>-Não me confessam, mas reconhecem seus pecados e se arrependem.</p><p>-Tudo bem, mas atos errados são inerentes á todo ser humano. </p><p>-Eles são pecadores, mas são poucos os que querem se corrigir. </p><p>-Para haver arrependimento, é preciso que se reconheça como á um pecador e se arrependa. Mas, não são eles que os veem como pecadores. Não seria culpa dos que interpretam erradamente a bíblica?</p><p>-As escrituras são bem claras á esse respeito. Temos em Gêneses, a destruição de Sodoma e Gomorra por Deus, por causa da manifestação desse pecado entre as pessoas daquelas cidades.</p><p>-Na bíblia não se fala da homossexualidade de nenhum personagem...</p><p>-Ah, meu filho, aqueles homens queriam ter relações sexuais com os anjos enviados á Ló.</p><p>-Não está escrito lá, dessa forma...</p><p>-Eles queriam “Conhecer” os anjos. Você sabe o que isso significa...</p><p>-Eu também queria conhecer o senhor pessoalmente. Não vejo nada de errado nisso. Pessoas querem conhecer pessoas á todo momento. </p><p>-Biblicamente falando, “Conhecer” significa fazer sexo.</p><p>-A palavra é, Conheçamos. Os anjos eram forasteiros, e, mulheres e homens queriam conhecê-los. Haveria ali então, uma orgia sexual pública envolvendo sexo entre héteros e homossexuais, e com anjos. Mas, que interpretação absurda. </p><p>-Conhecer é igual, á relacionar sexualmente.</p><p>Penso: Quanta distorção mentirosa. Deus já tinha determinado destruir a cidade, antes de os anjos irem ter com Ló. E no diálogo entre Deus e o primo do Ló, que intercedia pelos justos daquela cidade, Deus falava da corrupção do Gênero humano, mas não especificou quais pecados eles cometiam. Apenas Enoque é quem poderia dizer. Mas, onde estará o livro de Enoque? Daqui á pouco ele diz que eu o estou assediando para dar uma com ele. –eu sou cueca.</p><p>-O termo Conhecer, era usado apenas para referir á condição de virgindade das moças não casadas. Se se considerar que Conhecer signifique fazer sexo, o que dizer de Jonas que conheceu á Davi e o amou muito. Os dois se amavam. E o discípulo que Jesus amava. A palavra Amar é mais sugestiva á ato sexual, o senhor não acha?</p><p>-Não deitarás homem com homem. Homens abandonaram as relações sexuais naturais com suas mulheres Levítico. 20-13. Romanos. 01-27. E por aí vai. Existem bíblias mais objetivas á esse respeito. </p><p>-Mas, quem pode julgá-los, é o próprio Deus, não os homens que nunca conheceram a verdadeira vontade de Deus. Estes conceitos foram repassados por aqueles os quais o próprio filho de Deus os chamou de filhos do diabo.</p><p>-A sua bíblia deve ser arcaica. -eu notei um tom mais brando na fala dele.</p><p>-Talvez seja porque ela é um livro que vai se adaptando de tempos em tempos.</p><p>-Mas o contexto sempre será o mesmo. Os pervertidos trocariam as moças vírgens pelos anjos.</p><p>-Relígio, quais são os pecados que impedem os homens de chegarem á Deus? </p><p>-Pecado é tudo aquilo que é contra os mandamentos divinos.</p><p>-Perseguir, denegrir e inflamar pessoas contra uma minoria para oprimi-la, também é pecado contra Deus.</p><p>-Ah, mas, olha aí quem tirou o dia para vim destruir o meu. Eu estou vacinado contra vocês. -foi á mesinha abarrotada de prataria. -Você aceita um café? </p><p>Malícia número 1500. Sempre faça de conta que você está gravando a sua conversa com um homem conhecido por ser polêmico. Ele vira um doce. Eu trouxe no bolso da minha camisa, o celular. Não tem crédito, mas está com a bateria carregada. Deixei-o ligado permanentemente, e a luzinha acesa faz parecer que ele está gravando áudio. </p><p>-Obrigado. –agradeci pegando a xícara de louça portuguesa. </p><p>-Tem outros livros que falam contra o homossexualismo. –disse, sentando.</p><p>Bico o café, faço careta e preparo para a retórica.</p><p>-Jesus disse: amai-vos, uns aos outro. Enquanto que, antes dele, tudo era opressão em observância á lei. Depois dele, tudo é intolerância, por má interpretação do que ele ensinou. </p><p>-Eu amo á todo ser humano, incondicionalmente. –disse o que eu queria ouvir.</p><p>-Então me ajude á libertar um povo necessitado de liberdade. </p><p>-Eles estão perdidos nos vícios, na prostituição...</p><p>-Estão perdidos na ignorância. Ignório Eterno os mantém reféns.</p><p>Ele voltou á mesinha para devolver a minha xícara á bandeja. Eu dei apenas um bico no café. Eu acho que ele não gostou da proposta.</p><p>-Sinto muito. - disse, de lá mesmo. –Eu não posso me manifestar contra as ordenanças dos maiorais. O Ignório é muito ignorante, e os seus amigos não farão bem á ordem pública democrática...</p><p>-Vocês religiosos deviam espelhar-se na democracia que vocês tanto á defende. Gays democráticos e héteros conservadores podem viver como á iguais.</p><p>-Ah, ma, ma, mas o que é isso rapaz? Esse negócio de considerar á todos como á iguais é pretexto para virar um baitola. Traduzindo, qualquer um ou uma serve para acasalamento.</p><p>-Eu já esperava pela sua omissão, afinal de contas, a omissão faz parte de suas doutrinas. </p><p>-Você está nos julgando...</p><p>-Quando foi que vocês se uniram em prol da justiça e do bem estar comum á todos. Enquanto vocês oram em suas igrejas pedindo á Deus que vos abençoe e vos protejam, uma grande parcela da humanidade está sofrendo neste mundo as agruras causadas por toda sorte de injustiças. A população fragileira está precisando de ajuda, e mesmo assim você se omite á ajudá-la.</p><p>Ele inclinou-se para servir outro café. Açúcar que é bom, nada. Eu até senti o gosto parecido ao do óleo queimado da minha antiga Mobilete, na primeira e única golada.</p><p>-Como eu já falei, eu não posso interferir... aceita outro café?</p><p>Ah, vai se ferrar. Despeja esse café amargoso no reto do seu rabo. –pensei em dizer.</p><p> Vazei.</p><p>Relígio Muralha é mesquinho, pão duro, - sim, ele economiza o açúcar do café -, e insensível com o sofrimento dos outros. Primeira incursão missionária. Conclusão: Não devo contar com os religiosos. </p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Um dia, eu tive uma conversa com um bambino que é “Guedes” desde a fase infantil. Ele me contou que ele si descobriu aos três aninhos de idade. A tia dele havia levado o priminho dele para a casa dele. Resumindo. Na hora do banho, os dois foram para o chuveiro, e, lá, eles brincaram de escorrega-sabonete. Ambos queriam catar o sabonete. Para resolver o impasse entre os dois, eles decidiram com um desafio matemático. Mas, tinha um detalhe: Quem acertasse a soma, não pegaria o sabonete no piso do banheiro. Preste atenção, quem acerta, perde, entendeu?</p><p>Eis o desafio entre o meu amigo, hoje rapaz Murilinho, e Julinho: </p><p>-Julinho, quanto é 1+1? –Murilinho perguntou. </p><p>Julinho pensou um tempinho e depois contou usando os dedos. Então, ele respondeu:</p><p>-1+1= 3. Três. –respondeu satisfeito. –Julinho errou porque ele queria ficar de quatro pés para pega o sabonete. Mas, Murilinho sacou a velhaquice do seu priminho, e respondeu:</p><p>-Acertou, acertou. Sou eu quem pego os sabonetes.</p><p>Então, eu acredito que ser gay, pode ter origem no nascimento do indivíduo. </p><p>Próxima parada, consultório médico de biologia.</p><p>Esperteza número 5.3000: Quando for á um centro médico, seja ele da rede pública ou particular, finja que está á ponto de bater as bielas... -por falar em bielas, a minha Mobí, nunca teve o motor recondicionado. Só não sei até quando ela vai aguentar a correria. </p><p>Eu vim especificamente á um laboratório onde eu pudesse ser consultado por um especialista em biologia. Na sala de espera havia muita gente adulta e crianças também. Fiquei com pena da maioria daquela gente. Alguns estavam amarelos feitos açafrões. Deduzi que estes sofriam de anemia profunda. Mas, ao me aproximar da recepcionista para perguntar á ela, á que horas eu seria atendido, ela me perguntou se era pelo SUS. Eu quis saber o motivo da pergunta.</p><p>-Se for pelo SUS, aguarde junto aos outros. </p><p>-Que outros?</p><p>-Aqueles lá. –apontou em direção aos açafronados.</p><p>-Particular. –falei, paguei com a merrequinha que me restava, e fui direcionado ao consultório. </p><p>Promessa número 85. Quando eu terminar a minha missão, eu partirei para cima dos pilantras da secretaria da saúde. Os coitados, coitadas e coitadinhas, estavam amarelos de fome por ter de esperar tanto.</p><p>Olhando-me por sobre os aros dos óculos, o médico Fidéias escutava as minhas reclamações. O doutor em ciências biológicas, ainda não descobriu a utilidade de um Prestobarba. Ou então, ele o utiliza apenas para raspar o centro do cocuruco da cabeça dele. A barba do homem parece um ninho-de-guacho infestado com aquelas abelhinhas que enroscam nos cabelos das pessoas. </p><p>-Você é médico e deve me diagnosticar com seriedade e profissionalismo.</p><p>-Quem possui enfermidades clínicas e patológicas, são os médicos clínicos e patologistas.</p><p>-Mas, eu não sou um pato, e você pode me ajudar á descobrir se a minha enfermidade é genética hereditária. </p><p>-Nesse ponto eu te serei útil. –disse, pondo-se ereto, se...</p><p>-Então me explique o motivo de minha homossexualidade democrática. </p><p>-Eu não gosto de ser interrompido quando estou á falar. Portanto, fale e me deixe falar.</p><p>-Então me expli...</p><p>-Vamos ás explicações biológicas. Esta categoria de seres e sistemas transmutáveis por deliberações próprias e pessoais, não podem ser classificadas como portadores de anomalias genéticas. Só um momento, escute bem o que eu quero lhe fazer saber. A concepção da vida só se dá através da associação entre espermatozoides masculino e feminino, democrático ou ditador, e nascem homem ou mulher, ditadores ou democratas. Com uma ressalva, espere, deixe-me concluir a minha fala. A fecundação se dá em um organismo feminino, o sistema só se funda em uma constituição, ou seja, de uma fêmea mulher, e instituição constitucional, convenhamos, com todo respeito á sua capacidade cognitiva para entender as minhas colocações, e, não existe argumento contra o fator cromossomo e constituição.</p><p>Eu não tentei interrompê-lo em momento algum.</p><p>-Isto não são doenças?</p><p>-O que, para você significa doenças? É a sua vez de falar.</p><p>-Esse negócio de, – não-sei-o-quê sômica e não-sei -o-quê -lá -tuição, é uma doença?</p><p>-Eu acho que eu enalteci demais a sua inteligência. Pois, veja bem. Só existem dois cromossomos que definem o sexo de um ser humano, embora exista outros tantos que nada têm á ver com fator sexual, não me interrompa, até que eu conclua a minha dissertação. O cromossomo YX representa o sexo masculino, o XX, o feminino, mas para sua melhor compreensão eu gostaria de simplificar dizendo que só existem cromossomos macho e fêmea. Quanto á regimes políticos, são as iniciais DMC ou DTR. Eu acho que você não seria tão ignorante á ponto de não distinguir o que eu estou lhe informando. </p><p>O capitão caverna fala tão rápido, que seria impossível acompanhar o raciocínio dele.</p><p>-E o que os outros cromossomos e iniciais determinam...</p><p>-Isto não vem ao caso, e, o que interessa aqui, é que os cromossomos YX e XX tem a função de determinar a definição sexual de um ser humano, portanto, não existe possibilidade de você querer rebater o meu conhecimento, porque eu sou formado em biologia, tenho mestrado, doutorado e outras especializações no ramo da ciência médica, não adianta querer rebater as minhas colocações, porque elas são cientificamente comprovadas, e até nos animais irracionais se constata a veracidade de minhas afirmações. Sou também cientista político e posso esquadrinhar os perfis desses dois períodos de nosso história, com propriedade de quem já lutou contra a ditadura e atualmente colhe os louros da democracia que eu ajudei á conquistá-la. </p><p>Eu particularmente acho que a dita dele nunca foi dura. Por isso ele á odeia tanto.</p><p>-Deixe-me falar uma...</p><p>-Pois, se disponha e esteja á vontade...</p><p>-Eu farei uma pergunta ao senhor, pautando apenas a concepção da vida humana, para não bagunçar muito as minhas ideias, e quero uma resposta curta e objetiva. –ele uniu as mãos e calou-se. - O ser humano é constituído de quê? – perguntei, enfim.</p><p>-Pergunta de nível de colegial... pois bem, cabeça, tronco e membros inferiores e superiores e órgãos internos e externos.</p><p>-Incorreto. -esbugalhou os olhos. –O ser humano tem também, espírito, alma e reações psicossomáticas, e, isto, os cromossomos não conseguem definir. Cromossomos determinam macho e fêmea. Definindo orgãos genitais, formato de corpo, orgãos mamários, traços faciais e todo o complexo da anatomia humana. Porém, sem os fatores espírito, alma e mente, seríamos humanos vegetais. O que comanda o ser humano está alojado em nossa massa cefálica. </p><p>-O que você está querendo insinuar eu estou tentando captar. Continue. –pela primeira vez ele me deixa falar mais que oito palavras.</p><p>Esfreguei as mãos e... </p><p>-Empreste-me a sua caneta e os seus óculos.</p><p>-A caneta eu lhe concedo, mas sem os meus óculos eu ficarei impossibilitado de te enxergar.</p><p>-Tudo bem, eu me viro com esse copinho descartável. Digamos que as máquinas que fabricam esses dois objetos, sejam os cromossomos. O copinho é o cromossomo Masculino. A máquina que faz a caneta é o cromossomo feminino. </p><p>-Prossiga, eu estou canalizando a sua ideia.</p><p>-Continuando. As máquinas apenas fabricam os objetos da forma que eles são anatomicamente. Mas, as máquinas não podem definir as cores destes objetos. </p><p>-Traga para o campo da existência humana ou política, por favor. –educadamente, e se pôs atento.</p><p>-Esquece a política. Quem cria sistemas de governos são os seres humanos.–falei com segurança. </p><p>-Voltemos ás máquinas então, se isso facilita o seu entendimento e a sua capacidade para argumentar. Mas eu devo lhe advertir de que eu sou operador de máquinas industriais, no entanto, na minha juventude eu fui auxiliar de torneiro mecânico e...</p><p>-E, o senhor foi o primeiro maquinista de trem á vapor da história das locomotivas. Mas como eu ia dizendo, as máquinas não podem definir as cores, porque depende de quem ás opera e adiciona os pigmentos para dar cores aos objetos. Assim sendo, os cromossomos não podem definir se a pessoa será ateia ou religiosa. Feliz ou infeliz. Inteligente ou imbecil. Porque isto, doutor Fidéias, depende de quem criou os seres humanos: Deus. Existem pessoas que já nascem ateias, religiosas, felizes, infelizes, inteligentes, idiotas, ditadores, democratas e vivem a vida inteira assim ou assado. </p><p>Ele me pediu a caneta de volta e se pôs á analisar alguns papeis sobre a mesa. Será que eu o convenci?</p><p> -Tratar de assuntos científicos do ramo da biologia humana ou de cunho político, não é tão simples assim, mas saber lidar com as opiniões contrárias de terceiros á respeito do meu conhecimento é uma das minhas características. Eu não tenho autonomia para fazer com que o paciente, saia do meu consultório ciente de que homossexualismo humano ou de sistema de governo é consequência da imoralidade humana e da ineficiência política. Não somos irracionais como os animais. Portanto, Ser ou não ser é uma escolha deliberadamente pessoal do indivíduo. –parecia falar com as folhas de papel.</p><p>-Os animais são irracionais, mas existem uns que nascem bichinhas e também os que marcam territórios. Isto quer dizer que não se trata de uma escolha, pois só os racionais conseguem ter este privilégio.</p><p>-Por favor, por favor, me deixe trabalhar sossegado.</p><p>Fim de consulta.</p><p>Fique aí Urtigão. Acabe de perder os cabelos da cabeça com seus estudos sem resultados.</p><p>Há quem acredita que nós, seres humanos, somos superiores aos animais. Eu não entendo em que os superamos. Os nossos sentidos da visão, olfato, audição, paladar e tato, são completamente inferiores ao deles. Por eles não serem racionais, não existe entre eles essa busca desenfreada de querer se realizar na vida, deixando se corromper pela ambição que leva os seres humanos á se enfrentarem físico/intelectualmente na tentativa desonesta de superar um ao outro. Sem contar que nós humanos somos escravos dos animais e não ao contrário, pois, observa o seu bichinho de estimação, ele vive na boa, enquanto você rala para proporcionar á ele, conforto, alimentação e assistência médica, aliás, veterinária. Richard Darwin errou ao dizer que o ser humano é á espécie evoluída porque nós não temos moral pra nos considerar iguais, ou, melhores do que os animais.</p><p>Da racionalidade humana surgiram, as ciências, as filosofias e a razão. Da religiosidade nasceram as teologias, doutrinas e dogmas. Os homens da área científica procuram com afinco explorar e conquistar o espaço cósmico e o universo humano. Eu tento ser útil aos meus semelhantes. –bom, nem todos são meus semelhantes, devido a minha, digamos pobreza excessiva.</p><p>Os religiosos tentam decifrar os mistérios de Deus para então morar com ele no céu. Então surgiu o egoísmo separando e posicionando tais virtudes em estremos opostos.</p><p>Estaria o cosmo comprometido com as tragédias as quais os seres humanos cometem e são acometidos por elas? Ou ele restitui á nós os efeitos das nossas ações desenfreadas?</p><p> Estaria Deus interessado em que a humanidade desvende seus mistérios? Ou ele prefere que nós nos reconheçamos como á irmãos? Se não somos capazes de amar uns aos outros, então que ao menos nos respeitemos e criemos condições para vivermos em paz na terra e com o universo.</p><p>A despeito disto, vivemos entre guerras, preconceitos, discriminação, fome, miséria, alienação, poluição, desequilíbrio climático, e toda sorte de mazelas provocadas pelo próprio homem. Sabemos que toda ciência e toda crença nunca terá fim, mas antes de termos encontrado a ponta do novelo, o nosso tempo já terá se esvaído. </p><p>Faltou-nos, uma terceira via de compreensão que nos fizesse entender que a soma de um todo é melhor que a divisão de dois. Por que não aproveitar o nosso curto espaço de tempo nesse plano material e terreno para encontrarmos a solução para os nossos problemas existenciais? Talvez assim conseguíssemos levar a humanidade á viver em harmonia em si mesma e com o cosmo. Se os racionalistas não quisessem sobrepujar os religiosos que por sua vez não tentasse suplantá-los, seria possível engendrar um elo entre as duas linhas de compreensão humana? -eis a questão. Se recorrermos á história da humanidade encontraremos inúmeros eventos documentados que poderão nos dar base para traçarmos um paralelo entre religiosidade e racionalidade. E, descobriríamos que somos capazes de construir um mundo melhor, onde gays e héteros si respeitem. Brancos e negros se relacionem bem. Pobres e ricos si considerem como á iguais. E todos si ajudem mutuamente. Ahhh! A gente tinha tudo para dar certo. </p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Já não fazia mais sentido para nós e nem para as sociedades fragileiras decidirem se que o certo seria o sistema democrático ou o regime ditadura militar. Sabíamos que tudo era questão de bom senso e respeito, referente ás pessoas. Quanto á um ou outro sistema de governo de estado, tanto faz, contanto que as ações de ambos os lados fossem humanas, honestas e pacíficas, tudo ficariam nos conformes. Não se devem temer sistemas de governos de um país, sim, quem o governa. </p><p>-DJ.</p><p>-Fala Fumaça.</p><p>-levanta do sofá e vem até aqui no computador.</p><p>Desanimado me levanto e vou até á ele.</p><p>-Olha só. Religião e Ciência juntam força para encontrarem o gene da homossexualidade. Veja a data dessa informação.</p><p>-Hoje. </p><p>-Agora. A parceria foi realizada á poucos minutos atrás. E foram acordados por Relígio e Fidéias Biol.</p><p>-Eu estive falando com os dois. Mas eu senti certa falta de boa vontade nos dois. Será que essa notícia não é tão falsa quanto os elogios á aquela pizzaria?</p><p>-Olha aqui quem é que está compartilhando um vídeo de convocação á classe gay.</p><p>-Puxa vida, é o Vinícius. Eu passei essa ideia pra ele na panificadora. A coisa aí anda rápido hem?</p><p>-Virou um viral. Eu vou fazer um vídeo convocando os maconheiros para irem aos orfanatos, hospitais... </p><p>-Eu sei o que mais você vai mandar que eles façam. Cultivar flores entre as plantações de maconha.</p><p>-Dá um...</p><p>-Me dá isso aí... –tomei dele o bagulho.</p><p>-Não joga fora nãooo...</p><p>-Eu vou só dar uns pegas... –puxei e prensei... o bagulho é...</p><p> </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Dezembro do ano 2016.</p><p>Depois de uma boa noite de sono, eu me levantei para sair. </p><p>Êh, êh ainda está passando a Voz do Brasil. Mas que programa comprido. É tanta sacanagem em Brasília e no Brasil, que para dar notícia de tudo, são precisos mais de trezentas horas de Voz do Brasil no ar sem intervalo comercial. </p><p>Vou dar umas voltas por aí.</p><p><br /></p><p>Sempre que eu preciso me espairecer, eu vou á panifichonete. Lá é o lugar onde eu busco inspiração para prosseguir levando a vida adiante. A vida de um rapaz pobre como eu, pode até ter certas desvantagens no ponto de vista de poder aquisitivo, mas, eu sou pobre de dinheiro, não perspectiva de vida. Um dia eu ficarei rico, e comprarei uma panificadora que produza as melhores quitandas e inúmeros alimentos, só para mim. </p><p>Fui ao banheiro conferir o meu visual no espelho. –é que os únicos que eu tenho são os dos retrovisores da minha Mobí, e, estão um pouco embaçados pela poeira do tempo.</p><p> -Beleza! Agora é só dar uma molhadinha nos cabelos, para eles ficarem brilhando e passar a ideia de que eu acabei de me arrumar e vim correndo me encontrar com um cliente. É melhor que a Soraia pense que eu sou um profissional liberal muito solicitado pela clientela. Devo dizer que eu sou multifuncional. Eu trabalho de qualquer coisa... Sendo honesto é o que importa. A minha nova missão mal começou e eu já estou ficando sem reserva financeira. Se bem que eu nunca tive reserva de dinheiro, porque o que eu ganho está sempre sendo titular em minha carteira.</p><p>Rente ao balcão da panificadora, eu espero a atendente. E, enquanto ela não chega, eu confiro na minha cadernetinha de anotações, o que eu vou fazer no dia seguinte para descolar uma graninha extra e dar continuidade á missão. –pedir emprestado... </p><p>-Oi DJ! -ela perguntou com as mãos sobre o balcão de vidro. </p><p>-Oi Paola!</p><p>-O que você manda?</p><p>-Eu nunca mando Paola. Apenas obedeço á ordens. -respondi.</p><p>-Então. Hoje você vai beber o que eu quiser. </p><p>-Se é você quem manda, eu tomo até lacto purga com leite de mamão. -galanteei pra eu vê-la rindo novamente. Consegui. Ela foi buscar a laranjada engarrafada. Eu á observo e fico convencido do motivo da clientela ter aumentado tanto, depois que ela passou a ser a balconista. Se não fosse o jaleco comprido que vai até ao joelho dela, a fila de fregueses chegaria até ao ponto de taxi que fica á uns cem metros de distância da panificadora. Ela estava demorando trazer o meu refrigerante. Um camarada com cara de quem não queria comer nenhuma das muitas guloseimas da vitrine, parece estar escrevendo alguma coisa usando a caneta para fazer um desenho usando a tampa da BIC como molde. O desenhista sem talento e imaginação terminou o plágio desenhístico e entregou á ela. </p><p>-Obrigada!-ela agradeceu e guardou o desenho dentro do bolso do jaleco capa de chuva, branco. –Babaca. -disse ela vendo o impostor de Pablo Picasso se dirigindo á fila do caixa.</p><p>-Está aqui o seu refrigerante, DJ.</p><p>Ela sempre tenta me fazer engolir o que eu não quero. Eu pedi Soda Limonada, ela me trouxe Fanta. Eu gosto do jeito faceiro dela, porém, não sou de acordo com o seu fascismo.</p><p>-Você não gostou do desenho? Empreste-me a caneta. -pedi pra não ouvir a resposta. Eu a vi embolando o papel e o jogando no cesto de lixo.</p><p>-Vê se capricha em um desenho meu.</p><p>-Paola. Eu só sei desenhar coisas redondas, e mesmo assim, se você me emprestar a tampinha do Refri. -confessei vendo-a se inclinando para me ver anotando em minha caderneta as minhas tarefas de amanhã.</p><p>-O que aquele cara desenhou e te entregou? –testando a sinceridade dela.</p><p>-Deixe-me te dizer. -cochichando ao ouvido. –O meu corpo, salientando o meu quadril. -não era o quadril, sim os peitos piramidais. Paola tem a mania de mudar a verdade.</p><p>-Eu também tentaria te desenhar, mas não existe forma geométrica que possa representar a beleza do seu corpo. -filosofei para ganhar tempo com a caneta dela, mas fui sincero. Ganhei dela um sorriso e uma caretinha. Até fazendo careta ela é mais bonita do que á Paula Fernandes. Vejo-a com as mãos na cintura.</p><p>-DJ, Por que tudo pra você tem que ser anotado?</p><p>Não respondi por que ela já estava indo atender outro freguês. Mas se eu respondesse, eu teria que mentir. Regra número 02: Jamais revele as suas anotações, sejam elas quais forem, á uma garçonete que jogou no lixo o desenho que um camarada boa pinta fez, pretendendo mostrar que os peitos dela são parecidos ás pirâmides do Egito. Tentei devolver a ela a caneta depois de ter anotado o que eu precisava, mas o Vinícius é quem veio pegá-la. </p><p>-Olá Dejotinha! O que você manda?</p><p>-Eu não mando e nem obedeço á ordens Vinícius. Eu estou aqui porque espero que algo de bom aconteça comigo esta noite. -respondi saindo e levando a Fanta.</p><p>-Nossa!-ele exclamou com a mão no queixo. -A noite é uma criança, bofe. </p><p>Deixei-o só, limpando o balcão.</p><p> Olhei no meu relógio e constatei que a Flor-de-lis estava correta. Ainda era cedo da noite</p><p>Lá vem ele de volta.</p><p>-DJ, você está por dentro do que tá rolando na câmara dos deputados. –com a flanela deslizando suavemente na mesa limpa como a cara dele.</p><p>-Eu não sou chegado á política.</p><p>-Então, eu vou te passar em primeira mão o babado mais recente da atualidade. -a ponta da flanela quase tocou meu olho esquerdo.</p><p>-Fala Vinícius, e vê se deixe essa flanela longe de sua mão e do meu rosto.</p><p>-Relaxa. Você anda muito cricri hoje. –sentou-se de frente á mim. –Você já ouviu falar no deputado Jean Willis, aquele que ganhou o BBB, e se elegeu deputado?</p><p>-Sim, Vinícius. Qual é a prosa sobre ele, dessa vez? </p><p>-Nossos argumentos já se esgotaram. Teremos que partir para a atitude.</p><p>-Argumentos errados geram atitudes erradas, Vinícius. Se o projeto do Jean for aprovado, aí sim, vocês serão repudiados de vez.</p><p>Flor-de-lis cruzou uma perna sobre a outra e erigiu o tórax e a cabeça. </p><p>-E ainda, pra fazerem a gente tropeçar nos tamancos, juntaram-se ao Jair bobofóbico: Silas Malafaia. E o Marcos Feliciano e algumas asneiras de alguns biólogos, como as do falecido Enéias. </p><p>Eu que o diga, eu que o diga. –penso.</p><p>-Estes indivíduos são parasitas que sugam para si mesmos o néctar mais puro contido no núcleo da mais formosa Flor do jardim. E depois de colherem toda á seiva que dá vida á esta Flor, eles á processa e extraem dela, todo o pólen fecundante e revigorante. Havendo eles transformado esta tão preciosa essência em esterco, á distribui aos insetos que fazem uso dos detritos inaproveitáveis que lhes sobram da Flor mais bela em seu estado natural, para polinizarem o Jardim que em seu solo farão brotar ervas-daninhas e arbustos danosos á todos os botões de rosas que esperam desabrochar com virtuosidade e beleza também. </p><p>-Nossa DJ!... eu não entendi as cores dessa pintura. No meu estojo de maquiagens não contém esse batom, esse blanche e nem essa base.</p><p> -Eu também não saco nada de maquiagem.</p><p>-Primeiro me explica esse babado de parasitas, flor e jardins.</p><p>Ajeito o colarinho e...</p><p>-Parasitas são os que conhecem a Flor que é a verdade. Uma vez que, eles sabem da verdade, eles á manipulam, ás distorcem e á devolve adulterada aos seus discípulos insetos que por não terem acesso á verdade em seu estado natural, semeiam mentiras pelo mundo que é o Jardim, e este por sua vez, é um terreno fértil onde germina tudo que nele se planta. A semente da mentira faz brotar entre as Rosas que são as pessoas boas, as ervas-daninhas que são pessoas brutas amparadas pelos arbustos que são os líderes que ás lidera. </p><p>-Quem são os líderes?</p><p>-Religiosos. Cientistas da medicina biológica e Psicólogos. São esses os parasitas que lançam suas doutrinas, teses e teorias para condenarem a classe dos homossexuais. </p><p>-Mas, eles sabem da verdade, não é, DJ? –seus olhos, embaçados.</p><p>-Sim, eles sabem. Eu sei que eles sabem. –o vejo querendo chorar. -Não fica assim, Vinícius. –falei, condoendo-me com a dor dele. –Apenas seja sempre esse bom caráter que você é, e mantenha a sua personalidade tranquila e pacata. Quando vocês for á paradas gays, levem flores, visite os orfanatos, façam com decência e ordem sem profanar a religião de ninguém. Um dia essa história muda. </p><p>Ele desanuviou os olhos com os dedos, polegar e indicador da mão esquerda. Seu semblante, agora era outro.</p><p>-Sugestão. –pediu sorrindo, fazendo a flanela lamber meu rosto mais uma vez.</p><p>-Eu ainda não tracei uma linha de raciocínio á esse respeito porque eu não ligo pra isso. Mas, eu acho que com um pouquinho só de conhecimento sobre significado dos termos discutidos sobre essa questão, a gente consegue perceber que os homossexuais já entram no jogo perdendo de 03 á 0. </p><p>Ele se levantou e ensaiou um esquete com sapateadas birrentas. Alguns clientes notaram a cena.</p><p>-Ai DJ! Seja mais claro. Puxa vida, viu!</p><p>-Sente-se. –pedi, ele obedeceu com toda classe feminina. –È o seguinte Vinícius, se o Jean, e você também, admitem que ser gay, é simplesmente por opção ou orientação sexual, logo, vocês estarão assumindo que são pervertidos. Quando você e os da sua classe forem á paradas gays, levem rosas brancas, não prevarique a fé de ninguém, visite hospitais e orfanatos, façam diferentes, e, as pessoas tratarão vocês de modo diferente também.</p><p>-Ah! –exclamou suspirando. –E os políticos, Jotinha?</p><p>-Eles são maleáveis. Basta um incentivo. –no momento, eu tentava me livrar da coceirinha nas pontas dos meus dedos, causada pela umidade da garrafa de Fanta.</p><p>-Só existe um projeto o qual, Jadir Bolsonaro e o Jean concordam, e provavelmente conseguirão aprovar.</p><p>-Qual projeto, Vinícius?</p><p>-Lei do aborto. </p><p>Dei de ombros. </p><p><br /></p><p>Eu não tinha mais nada de bom para falar com o Vinícius, á respeitos do homossexualismo. Sentindo-me um inútil, fui embora chutando tampinhas e latinhas pela avenida.</p><p>De repente, me assustei. Um clarão formou-se sobre mim, e uma mulher toda vestida de branco em um vestido longo, flutuava em minha frente.</p><p>-Quem é você.</p><p>-Eu estive com você o tempo todo enquanto você dormia por alguns minutos.</p><p>-Eu dormi quase vinte e quatro horas. E não me lembro de você em meus sonhos. Aliás, eu não me lembro de nada.</p><p>-É que em sonhos, o passar do tempo não faz sentido.</p><p>-Me diz quem você é.</p><p>-O seu amigo tem a resposta para todas as suas perguntas, sobre mim e as causas Gay e Democracia. Ditadura e heterossexualidade. -espalmou as mãos á frente do meu rosto e tocou suavemente os meus olhos.</p><p>Sinto alguém aproximando de mim, por trás.</p><p>-DJ.</p><p>-Fala Fumaça.</p><p>-Cê fumou maconha? Tava aí de cara pra cima no meio da rua. Vamos embora.</p><p>Andamos.</p><p>-Fumaça, - abraço-o por sobre os ombros. –O que você acha dos gays?</p><p>-Eu não tenho nada contra, se for um gay como você. Gente boa e amigo verdadeiro. Só que eu te digo o seguinte, tem gente por aí, que, se ao menos desconfiar que os gays já nascem gays, eles aprovam a lei do aborto e até a eutanásia induzida.</p><p>-E se você soubesse a verdade, o que você faria?</p><p>-Não sei DJ, tudo é questão de consciência, mas ás vezes nós deixamos as nossas consciências viraram um estábulo de animais.</p><p>-Tudo é questão de boa consciência humana, não é isso?</p><p>-É isso aí amigão. Vou te confessar um segredo meu. Eu fumo maconha. E você, é gay?</p><p>-Não, não sou gay e nem fumo maconha. Mas eu manterei o seu vício em segredo.</p><p>-Pode crê.</p><p>-Fumaça, o que você acha da religião e da ciência médica? </p><p>-Nada. Mas dos religiosos e dos cientistas da medicina, eu acho que eles querem o bem para toda a humanidade. E você?</p><p>-Eu tenho certeza que você está certo. –afirmei convicto.</p><p>-Fumaça, o que você acha da democracia?</p><p>-É como eu sempre acho, ditadura ou democracia, tanto faz, é questão de consciência do ditador e do democrata. </p><p>-Fumaça, o meu pai é o ditador da família, já a minha mãe, é democrata, mas são as pessoas mais amáveis que eu conheço.</p><p>-É isso aí, DJ, meu amigão.</p><p>Continuamos seguindo abraçados pela rua movimentada de gente.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> Fim.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p>O aprendizhttp://www.blogger.com/profile/05427010805464309038noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7443999538246198630.post-68472820394888986642022-08-16T14:55:00.002-04:002022-08-16T20:02:45.612-04:00O último Rivera<p> <span> </span><span> </span><span> </span></p><p><br /></p><p>Autor João Ribeiro.</p><p>Goiânia- GO</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>Goiânia-GO</p><p> 2014</p><p><br /></p><p>DIREITOS RESERVADOS</p><p>É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito do autor. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo</p><p>artigo 184 do Código Penal.</p><p>Impresso no Brasil</p><p>Printed in Brazil</p><p>2014</p><p>João Ribeiro </p><p> O último Rivera. - JoãoRibeiro. - Goiânia: /</p><p>Kelps, 2014</p><p>240 p.</p><p>ISBN:</p><p>1. Literatura brasileira. Romance. I. Título.</p><p>CDU:</p><p>CIP - Brasil - Catalogação na Fonte</p><p>BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL PIO VARGAS</p><p>Índice para catálogo sistemático:</p><p>CDU: </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> <span> </span><span> <span> </span><span> </span> </span></span>O último Rivera</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>O último Rivera traz a história de um adolescente que cresceu sem conhecer seus pais biológicos, e fora adotado aos dez anos de idade, por um senhor solitário que o tem como seu neto estimado.</p><p>Na busca para descobrir sua verdadeira origem e encontrar seus pais, ele deixa Goiânia e vai á São Paulo e se depara com o drama de mulheres que conviveram com o filho do senhor que o adotou.</p><p>Revolvendo as cinzas do passado, Ângelo se vê numa misteriosa história de traições, seduções, ambições, mortes e segredos á serem revelados.</p><p><br /></p><p>“meu amiguinho, através das sombras se chega ás cabeças que ás guiam e aos corpos que se movimentam” – Ângelo recordou abraçado á ela.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> 01</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>Monsenhor Olavo era descendente de uma linhagem feudal. Quem o conhecia sabia que seu pai, Monsenhor Bento, como era chamado por todos que o conheceram, era um homem cruel, impiedoso, que explorava seus funcionários com trabalho árduo em suas plantações de café e cana de açúcar, e que tomava para si suas mulheres, para com elas conseguir ter filhos herdeiros de seus bens. Tanta riqueza não era suficiente para dar á ele a tranquilidade e bem estar.</p><p>Com uma das muitas mulheres, Monsenhor Bento teve Olavo, seu único filho. Aos dezoito anos de idade, Olavo tornou-se órfão de pai e mãe. Monsenhor Bento e Monsenhora Gertrudes morreram após comerem a alimentação noturna envenenada. Olavo herdara de Monsenhor Bento toda a fortuna acumulada, adquirida sem empreendedorismo ou trabalho honesto. Algumas pessoas da época diziam e afirmavam que Olavo teria sido o responsável pelas mortes dos seus próprios pais.</p><p>Olavo conferia as planilhas do rendimento mensal de suas indústrias de metalurgia. A mesa de madeira de lei bem talhada, com pernas torneadas, feita por mãos hábeis de um talentoso artesão, estava forrada de papéis que informavam seus ganhos, despesas e lucros, quando uma ordem de pagamento de um valor irrisório o chamou a atenção.</p><p>-Mas o que é isso que eu vejo? –perguntou a si mesmo ao conferir o valor pago por aquela mesa espaçosa e bem talhada. –Cinco contos por uma mesa tão bem feita. Do que Plates Rivera sobrevive? De comer serragem e lascas de madeira, só pode.</p><p>Para ele, Cândido Plates Rivera era de origem desconhecida. O mais que Monsenhor Olavo sabia á respeito do artesão caprichoso era que ele seria um mero lenhador que vivia em uma região de difícil acesso.</p><p>-Recebedor Cândido Plates Rivera. –levantou-se da cadeira e foi ao arquivo de notas, pegou todas as pastas e seguiu procurando tudo que fizesse menção de pagamento á Plates Rivera.</p><p>Duas horas depois, já com a mesa abarrotada de folhas de pagamentos, Monsenhor conferiu todas e encontrou registros de pagamentos na ordem de valores baixos, mas na soma de todos eles, o total era exorbitante, podendo fazer do simples lenhador o homem mais rico de todo o estado de São Paulo.</p><p>Quando terminou a conferência ele constatou que todos os móveis de seu escritório, as máquinas, a lenha que era queimada nas fornalhas, a terra prensada e processada que moldava as peças produzidas, e até a água utilizada nas caldeiras de suas indústrias, eram fabricados e fornecidos por Plates Rivera.</p><p>-Como pode... –disse, levando as mãos aos cabelos que cobriam sua testa já úmida do suor provocado pela estupefação causada pela descoberta. –Cândido Plates Rivera. –falou recostando-se a cadeira almofadada. -Maldito. -praguejou ele se levantando. –Ele é mais rico do que eu. -pegou a bengala e o chapéu e abandonou o escritório.</p><p>Quando ele chegou sozinho em seu casarão, encontrou Gorete com três de seus quatro filhos jogando cartas e bebendo conhaque na sala em volta de uma mesa de madeira que também havia sido feito por Cândido Plates Rivera. Seu filho Galdino não estava entre eles.</p><p>De cara amuada entrou e mandou que seus filhos saíssem.</p><p>-Alguma coisa te preocupa?</p><p>-Sim Gorete. Plates Rivera. Um deus qualquer o ensinou o segredo para ter o domínio dos elementos.</p><p>Gorete ficou encucada, mas em silêncio se levantou e foi á cozinha e chamou Otero, Norato e Ferreira para se reunirem com eles á mesa novamente. Olavo pigarreou limpando a garganta, e todos entenderam que ele não estaria disposto á compartilhar suas descobertas com seus filhos.</p><p>-Saiam vocês três. E não me dêem as caras aqui hoje.</p><p>Nenhum dos filhos contestou a ordem do pai. Gorete os viu deixando a sala e, uma curiosidade instigante entrou de súbito na mente dela.</p><p>-Anda homem, diz logo o que é que tem te deixado tão aborrecido. Eu tenho que passar algumas ordens á criadagem.</p><p>-Sente aqui e se aquiete mulher. E vê se preste sentido no que eu vou dizer á você. –disse, levando a mão á garrafa de conhaque.</p><p>Gorete sentou na cadeira na outra extremidade da mesa, deu um nó nos cabelos lisos e os jogou ás costas para então expressar sua falta de fé na conversa de seu marido.</p><p>-Homem, homem, não me diga que você já está bêbado antes de começar á beber. –ela o alertou.</p><p>-Cale essa boca, mulher, e me escute. – ordenou e mandou a mão nas cartas do baralho, jogando-as ao piso. -O segredo terá de ser repassado de geração á geração. Isso quer dizer que existe um manuscrito guardado á sete chaves, e, ele está em poder de Plates Rivera. - levantou-se procurando o chapéu e a bengala, mas se lembrou de que os havia deixado aos cuidados do seu serviçal.</p><p>A pele branca igualmente á agua de arroz, de Gorete, ganhou um tom ainda mais embaçado. Ela ajuntou a saia preta de tecido pesado entre as pernas, e arqueando as sobrancelhas finas como risco de esferográfica, bateu na mesa com as duas mãos.</p><p>-Eu sou quem devia ter ido pra cama com Cândido Plates Rivera.</p><p>-Ora, sua muxibenta, Plates Rivera não te levaria pra cama nem que você fosse a única mulher nesse mundo. –falou e fez algumas cartas do baralho lamberem o rosto dela. Em seguida engoliu uma boa dose de conhaque.</p><p>-Pois fique sabendo que eu só preciso de um macho reprodutor para...</p><p>-Feche a matraca, rabugenta. Eu não posso falhar.</p><p>-Larga a mão de acreditar em desejos que não se cumprem, homem.</p><p>-Está se aproximando o grande dia de eu ser mais rico do que Plates. –disse batendo palmas e se apressou em engolir o último gole.</p><p>-Eu vou ao encontro de Cândido Plates Rivera para dormir com ele e me engravidar de um filho dele.</p><p>-Relaxe os ânimos. –disse Monsenhor Olavo disfarçando o ódio que lhe corroia por dentro. –Darei uma festa e providenciarei para que todos os moradores, desde o Braz á divisa com o Paraná, estejam presentes nessa festança. -ele girava dentro da sala, e, em cada móvel que ele olhava parecia ter as digitais de Cândido Plates Rivera.</p><p>A lenha na lareira ardia em chamas, entre as labaredas ele via a imagem ilusória do possuidor do segredo da prosperidade.</p><p><br /></p><p>As ruas do bairro já fervilhavam de pessoas subindo e descendo. A maioria das pessoas estava indo em direção a festa na casa de Monsenhor Olavo. O quiosque ficava com as mesas e cadeiras ocupadas. Denilton, o festeiro contratado por Monsenhora Gorete, sempre começava a festa com música agitada para os festeiros dançarem, suar e esgotar o estoque de bebidas. Como chamariz de clientes, Olavo contratou Luana, uma loira provocante para ser a garçonete. Com esta estratégia comercial ele conseguia vender muitas doses de bebida. As pessoas se apinhavam na pista de dança. Nas laterais do lote, garotas e rapazes trocavam ideias e faziam comentários sobre os demais que ali estavam. Alguns dançavam em qualquer ponto fora da pista de dança. Na rua, pessoas surgiam feito formigas em formigueiros. Carros com superlotação paravam e desembarcavam os passageiros loucos para caírem na farra, garotos faziam de espelho o vidro do carro, para ajeitar as roupas no corpo, as garotas conferiam o visual umas das outras.</p><p>Dolores, moça recatada e cobiçada pela maioria dos rapazes que viam na beleza dela a oportunidade para agradar seus pais dando á eles a nora perfeita, no ponto de vista de formosura e índole moral. Ela passou a sua irmã Iolanda alguns detalhes sobre Plates, até porque, tudo que ela sabia sobre o enamorado era que ele era um rapaz surpreendente no ponto de vista intelectual. Ele tinha uma boa conversa, sabia se expressar muito bem e estava escrevendo uma história á qual ela não ficaria sabendo o conteúdo do manuscrito, mas deu para ela notar que Plates tinha certo conhecimento sobre a vida em geral.</p><p>Ela usara meias verdades com Iolanda, dizendo apenas que os dois haviam se conhecidos no domingo, mas que eles não tiveram muito tempo para conversar. Com certeza, ela já se sentia realmente feliz. Depois de mais um pouco de conversa com uma amiga, Dolores se juntou aos outros, no quiosque da festa.</p><p>-Olá pessoal. –Dolores cumprimentou aos que ocupavam ás cadeiras em voltas das duas mesas.</p><p>-Até que enfim você resolveu dar o ar da graça. –disse Antônia pegando no braço dela.</p><p>Ao olhar para todos em volta da mesa, ela notou a ausência de Iolanda e Plates.</p><p>-Onde está a Iolanda. –Dolores perguntou esperando que alguém pudesse responder onde estava o Plates também.</p><p>-Ela está dançando com o Rivera. –Doralice respondeu. – Olha lá, eles dançando. – mostrou os dois á Dolores.</p><p>Ao ver os dois dançando, Dolores sentiu um choque e um enrubescer no rosto, mas se conteve para que ninguém percebesse o seu mal estar, e se sentou ao lado de Doralice. Minutos atrás ela estava adorando aquela noite. Estar com suas amigas e os novos amigos em uma festa bacana, ao lado de pessoas bacanas, e de sua mãe que também fora bacana por não censurar o seu envolvimento com Plates. Enfim, estava tudo perfeito. Mas de repente tudo virou uma droga, sua irmã dançando uma droga de música romântica, com á droga de um rapaz. – não ele não é uma droga, mas que droga de irmã eu tenho?–Indignou–se.</p><p>Só lhe restou á difícil tarefa de ficar vendo Plates e Iolanda dançando coladinhos.</p><p>Plates Rivera era um dos muitos jovens presentes no baile. Seu aspecto gentil, de feições dóceis, juntamente com seu estilo de se vestir: calça de linho bem engomada, na cor bege, camisa de viscose cor de beterraba, tornava-o um personagem em destaque em meio à multidão. Ele já havia passado por experiências que ele jamais sonhara passar. Nos primeiros minutos da festa, uma garota chamada Soraia segurou em sua mão e, ela parecia querer passar a noite com ele, só não passou porque á irmã gêmea dela passou mal depois de ingerir algumas bebidas, por isso elas tiveram que ir embora mais cedo, mas ficou marcado entre Plates e Soraia que numa próxima ocasião, os dois se conheceriam melhor. De repente ele deparou com Dolores, e numa abordagem despretensiosa, ele conseguiu entender que ela ficara interessada nele. Na mesa do quiosque, a garçonete mais provocante, mais sensual, mais bonita e mais outras coisas que ele já teria visto, se sentou na frente dele de minissaia, que causava frisson até em criança de dois anos de idade, não a minissaia, mas sim o que ela não cobria, e, aquele pedaço de bom ou mau caminho, chamado Luana, deu lhe três beijos no rosto, e depois insistiu para lhe ensinar a dançar, e quem sabe, até, como degustar batom vermelho cereja direto dos lábios dela. Bem que o Galdino me disse que eu sou mole.</p><p>Mesmo se sentindo traída pela irmã e por Plates principalmente, Dolores não quis entrar no jogo de cena de ciúmes. Seria baixeza de sua parte, e por outro lado, os dois só estavam dançando, não houve beijos, nem afagos. Foram apenas duas músicas, a terceira estava começando. –pode ser que depois da terceira, acabe essa droga de música Bonequinha de seda e eles voltem para as mesas, e talvez, quem sabe, o Plates me chame para dançar e me esclareça tudo que meus olhos veem.</p><p>-Vamos dançar Dolores? –José a convidou.</p><p>-Não. Obrigada.</p><p>-Quê isso? Só essa.</p><p>Diante da insistência dele, Dolores ia dizer que estava esperando o Plates, mas ela mudou de ideia.</p><p>-Sabe o que é José? É que meus pés estão doendo muito. –mentiu.</p><p>-Tudo bem então. Tchau.</p><p>-Senhorita Dolores, vamos dançar que eu quero te falar um negócio. –Tarcísio propôs.</p><p>-Não Tarcísio, eu não quero dançar. Abaixa aqui, me deixa contar o por quê. Tarcísio aproximou o ouvido á boca dela. Ela cochichou alguma coisa e o fez entender o motivo por ela não querer dançar com ele.</p><p>-Ah sim. Entendi. –Tarcísio se sentou ao lado de José, deixando desocupada a cadeira do lado de Dolores.</p><p>-Dolores, por que você não vai dançar um pouco? –Matilde perguntou.</p><p>Dolores inclinou-se em direção á mulher para ninguém ouvi-la dizer baixinho.</p><p>-Senhora Matilde, você sabe que eu não sei dançar direito.</p><p>-Aprende, oras! – Matilde sussurrou se inclinando também.</p><p>-Não. –decidiu se ajeitando na cadeira e acomodando os cabelos atrás das orelhas.</p><p>Um homem vestindo camisa de mangas longas abotoadas até aos pulsos e calçado em sapatos incolores, elegantemente se aproximou.</p><p>-Licença. –pediu á Gervásio e Antônia. –Vamos dançar senhorita. –convidou á Matilde.</p><p>-Perdão, mas eu sou uma mulher casada.</p><p>-Mil desculpas. Eu pensei que você fosse solteira.</p><p>A educação do cavalheiro Monsenhor Olavo fez com que todos olhassem para Matilde e antes que ele se retirasse, ela resolveu aceitar o convite.</p><p>-Tudo bem. –levantou–se. –Vamos dançar sim. –ajeitou a saia e a blusa no corpo, deu a mão á Monsenhor e o acompanhou até a pista. Os dois se aparelharam de forma respeitosa. Monsenhor colocou uma mão no quadril de Matilde. Ela segurou em seu ombro com a mão direita e com a esquerda segurou a mão direita dele. Seus corpos não se tocavam e eles dançavam.</p><p>-Pessoal, abrem alas porque Monsenhor Olavo está na pista com uma linda dama, provando á todos que ele também sabe viver a vida. –Denilton anunciou os pés de valsas.</p><p>Gervásio e senhora Antônia até estavam dançando igual à Matilde e Monsenhor Olavo.</p><p>Plates observou os dois casais por alguns segundos. Aquele jeito de os casais dançarem não lhe parecia correto. Principalmente o par Olavo e Matilde. Matilde estava quase que hipnotizada olhando para o rosto dele. Ele movimentava os lábios, mas não como quem cantava a música Bonequinha de seda, que os dois dançavam.</p><p>Iolanda quis imitá-los, porém, Plates disse que ele não podia acompanhar o compasso dos dois, e foi logo puxando-a pelo braço em direção ao quiosque.</p><p>Quando Plates e Iolanda chegaram ocupando as cadeiras, Dolores se sentiu aliviada ao ver Plates se sentando ao seu lado. O sufoco queria ir embora, mas apenas uma explicação convincente de Plates poderia expulsá-lo de vez. No entanto, antes que ele começasse a dizer algo, eis que surgiu a garçonete. Ela inclinou-se á ele.</p><p>-E aí Plates, aprendeu como se dança? –perguntou juntando os copos vazios.</p><p>Dolores ouviu a voz quase sussurrada da loira e entendeu a pergunta.</p><p>-Aí gente, vamos embora daqui. Já é tarde. –disse ela se levantando.</p><p>-Espera Dolores. Agorinha a gente vai. -pediu Plates pegando na mão dela.</p><p>Dolores sentou-se novamente evitando olhar para alguém. A garçonete Luana continuava em pé ao redor da mesa, parecia não perceber que sua presença estava desagradando. Ou ela era uma “songa monga” ou era uma tremenda provocadeira de êxtase e confusão. A segunda opção seria mais cabível á ela.</p><p>Tarcísio olhou para Luana.</p><p>-Tem cliente lá no balcão. –avisou.</p><p>-Ah... –se ligou. –Tchau!</p><p>Plates cruzou os braços e manteve-se ereto sobre a cadeira. Dolores ainda estava tensa, seus calcanhares não tocavam o piso, suas pernas tremiam. Sua mão direita servia de apoio para o cotovelo esquerdo. A mão esquerda deslizava por toda parte de seu rosto. Ela estava nervosa.</p><p>Plates resolveu agir por impulso</p><p>-Vamos dançar Dolores.</p><p>-Não. –secamente não, foi o que ela disse. –Eu não quero dançar com você. Definitivamente não.</p><p>Plates se levantou e saiu sem dizer nada á ela e nem á ninguém.</p><p>Otero, Norato e Ferreira foram atrás dele.</p><p>-O que foi Dolores?</p><p>-Iolanda, chega. Eu quero ir embora.</p><p>-Ah Dolores, a festa está tão boa.</p><p>-Senhora Doralice, a festa está uma droga. Tudo aqui está uma droga.</p><p>A noite ainda era uma criança. A festa estava lotada de gente dançando a primeira seleção de música romântica.</p><p>Plates, Otero, Norato e Ferreira, ficaram encostados no carro. Plates observava em silêncio o vai e vem das pessoas. Entre as que passavam, havia muitas garotas bonitas e outras nem tanto. Ao pensar no fora que ele levou de Dolores, desejou ser como José que não escolhia as garotas para abordá-las e conquistá-las, por achar que todas as meninas eram lindas, sem exceções.</p><p>Talvez ele pudesse também ser igual a Tarcísio, o bom de lábia que não levaria mais que dez minutos para conquistar uma garota e ainda se dava ao trabalho ou ao luxo de avaliar se o comportamento dela era compatível ao dele, liberal e não procurava relacionamento sério.</p><p>Ele não ia pedir desculpas para Dolores e assumir que estava errado, afinal de contas, ele nem fazia ideia de onde foi que errou. Se tratando de garotas e paqueras, ele não tinha malicia suficiente ou quase nenhuma para compreender se havia feito algo de errado e que fosse tão grave assim para Dolores ter lhe dito não daquele jeito.</p><p>-O que foi Plates? –Otero perguntou preocupado.</p><p>-Não se preocupem comigo. É besteira. A festa ainda não acabou. Vamos aproveitar a noite.</p><p>-A senhorita Dolores está vindo para cá. –Norato o avisou.</p><p>-Rivera. –Dolores falou chegando á ele. –Me perdoe, eu jamais direi não á você.</p><p>Os três amigos de Plates resolveram deixá-los á sós, e voltaram para o baile.</p><p>-Dolores, eu vou te falar algo e quero que você me acredite...</p><p>Ela interrompeu a fala dele e o beijou.</p><p>Uma noite de festa, a qual tinha tudo para ser uma noite comum para Rivera, que não se sentia nem um pouco ansioso para dançar pela primeira vez, pegar na mão de uma garota pela primeira vez, ganhar três beijos no rosto da garçonete mais bonita que ele viu na vida, e beijar a boca de Iolanda com sabor de chiclete. E tudo isso em uma noite apenas. Seria o suficiente para fazer qualquer iniciante na arte das conquistas, ficar satisfeito e não querer nada mais. Mas Rivera queria mais. Se fosse possível, ele trocaria todas as conquistas daquela noite por aqueles breves instantes, que ele tinha Dolores em seus braços. Os lábios e a boca de Dolores não tinham sabor nem cheiro de menta, como a de Iolanda. Ele não sabia ao certo qual era o sabor, mas sua boca se movia para um lado e outro, procurando o encaixe perfeito na boca de Dolores que estava sendo beijada por um rapaz encantador e muito interessante.</p><p>Por alguns segundos, todo o pescoço de Cândido se achou envolto nos braços de Dolores. Ele a abraçou, não do modo que abraçara Iolanda. Seus braços pressionavam o corpo de Dolores, fazendo-o unir mais ao seu. Suas mãos deslizavam nas costas dela em movimento suaves e às vezes de modo a deixar as marcas dos dedos na camiseta branca que ela vestia. A emoção do momento fazia com que os dois desejassem nunca ter fim aquele abraço.</p><p>Terminando o beijo, Dolores confidenciaria algo á ele.</p><p>-Não se culpe por isso.</p><p>-Dolores, vamos menina!– Antônia a chamou. Vem com a gente, Rivera!</p><p>-Ficarei um pouco mais. Tchau senhora Antônia. – disse Rivera acenando com a mão.</p><p>-Já vou. –disse Dolores, e foi.</p><p>Passado alguns segundos Galdino chegou á Rivera.</p><p>-Rivera, não deixe que Iolanda vá de carona naquele carro sem você. A trava da porta do lado dela não funciona.</p><p>Rivera chamou Iolanda que estava sentada no banco traseiro do automóvel. Ela o escutou e voltou até á ele.</p><p>-Fique mais no baile. Eu te deixarei em sua casa.</p><p>-Mas, as senhoras estão me esperando, e...</p><p>-Iolanda, você não vem com a gente, mocinha?</p><p>-Ela ficará comigo só mais um pouquinho, senhora Matilde.</p><p>-Então tchau para vocês.</p><p>-Que bom. – disse Iolanda muito feliz, e o abraçou.</p><p>Dolores voltou aos dois.</p><p>-Oi Iolanda! – disse ela enxugando as mãos suadas em seu vestido.</p><p>-Oi Dolores, é você.</p><p>Iolanda deu um beijo no rosto de Rivera e colocou um bilhete no bolso dele.</p><p>-Tchau Rivera.</p><p>Dolores ficou de braços cruzados, olhando para ele, com cara de quem não gostou do que viu.</p><p>-Rivera, me desculpa. – ela pediu abraçando-o. –Nós dois não podemos namorar. Você pode namorar a Iolanda. Eu conversei com ela e estou ciente do que terei que fazer por mim, por você, por ela e... só Deus sabe por quem mais.</p><p>-As senhoritas Matilde, Doralice, uma delas é a mãe de vocês duas?</p><p>-Não. Elas são nossas vizinhas. Agora eu tenho que ir. Rivera, eu sempre amarei você. –Dolores confessou e o beijou, de lábios nos lábios.</p><p>Quando ela se foi, ele leu o bilhete que Iolanda havia colocado no bolso da camisa dele. “Rivera, eu estou grávida e...”</p><p>Então ele viu Antônia, Doralice e Matilde entrando no carro para irem embora também.</p><p>Naquela noite, num trecho da estrada, as três senhoras casadas, bem novas, mães de filhos pequenos, todas elas morriam, vítimas do acidente com o carro que Matilde dirigia. Os esposos das três mulheres eram sócios de Monsenhor Olavo. De modo misterioso, Jerônimo, Sebastião e Anastácio, os esposos das respectivas mulheres, também foram encontrados mortos apunhalados em um canavial.</p><p>Numa noite de festa, seis pessoas, sendo três casais, tiveram suas vidas ceifadas de modo trágico e misterioso.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span></span>03</p><p><br /></p><p>Outubro do ano 1965</p><p>Monsenhor Olavo já gordo, surrado pelo tempo, e sanguíneo desde a pele enrugada aos olhos afogueados, em seu escritório, sentado detrás de sua velha, porém conservada mesa, recordava dos inúmeros assassinatos que ocorreram para que ele pudesse tomar posse do que pertenciam aos mortos, mas, ele nunca assumiu a autoria dos crimes. Ele não se abastava de dinheiro e, toda a herança herdada de seu pai, ele não queria que fosse dividida com Galdino, o mais velho dos seus quatro filhos. Ele nutria grande admiração por Cândido Plates Rivera. No baile realizado anos atrás em sua residência, ele pretendia estabelecer um vínculo de amizade entre ele e Cândido Plates Rivera que estava no baile se entretendo com as mocinhas solteiras que por ali estavam também. Mas, Monsenhor Olavo perdera a oportunidade de conhecer Cândido pessoalmente, e de ter uma conversa com ele, por uma mera displicência da parte dele.</p><p>Monsenhor deu ordens ao gerente, de não comprar matéria prima ou qualquer outro produto fornecido por Plates Rivera. Dessa forma ele asseguraria sucesso com a proposta que ele faria ao grande empreendedor. Com estratégia elaborada, determinado á conseguir descobrir o segredo da prosperidade que o levaria ao mais alto patamar de riqueza, convocou os três de sócios em negócios escusos, que conheciam o caminho para se chegar ao possuidor da sabedoria inesgotável. E juntos, eles foram ter com Plates Rivera onde ele habitava em uma de suas propriedades na zona rural da cidade, dalém de vales e regiões rochosas.</p><p>Pelos caminhos íngremes e acidentados, quatro homens seguiam viagem traçando planos para arrancar de Plates Rivera o segredo da prosperidade que estaria com ele guardado á setes chaves.</p><p>-Se ele não quiser nos revelar o segredo, nós teremos que arrancar dele á força. –Fulgêncio garantiu.</p><p>Risadas debochadas se propagaram dentro da mata fechada.</p><p>-Ele tem um herdeiro que se chama Augusto e é casado com a filha de meu filho Galdino.</p><p>-A sua esposa Gorete é bela, Olavo, mas, de nós quatro, só você tem herdeiros homens. –Amâncio o fez lembrar.</p><p>É uma rabugenta imprestável. Monsenhor pensava assim.</p><p>-Deixem de muita conversa. Levem-me até á ele, e eu incluirei todos vocês no negócio. – Monsenhor Olavo ofertou.</p><p>Depois de superarem muitos obstáculos, eles se depararam em terra coberta por vegetações verdes, árvores frondosas e de frutos saudáveis. Os quatro constataram tais riquezas de solo no final da travessia de uma ponte de madeira sobre um rio de água caudalosa circundando as férteis terras daquela região.</p><p>Cavalgando com facilidade mais alguns equitares de campo aberto e sem obstáculos naturais, os quatro admirados negociadores apearam dos animais e amarraram suas rédeas em um tronco aforquilhado transversalmente, próximo á um gigantesco barracão de madeira laminada, ao lado de uma humilde casinha também de madeira coberta de palha.</p><p>Cândido Plates Rivera era já um homem maduro, bem conservado em idade, aparentemente inofensivo. Ele estava no último degrau de uma escada sobre a plataforma de madeira que sustentava o monumento piramidal. Ele batia o martelo numa hélice de um moinho de vento. Ao ver chegando os homens bem agasalhados por compridos casacos pretos e botas de canos longos, Plates Rivera questionou a si mesmo o porquê de os estranhos estarem usando roupas de frio, num meio de tarde, quando ainda se podia sentir o calor do sol á aquecer seus corpos.</p><p>-Solte os animais cansados, sedentos e famintos, para que eles bebam água, comam e descansam. –disse Rivera já de pés sobre o tablado.</p><p>Os homens se entreolharam meio que abismados pela observação.</p><p>-As terras, águas e pastos por onde passamos não nos pertencem, e por isso nós não o fizemos. –Monsenhor anunciou.</p><p>-Ora. –disse ele pulando ao chão. –O que os senhores viram por onde passaram, e o que vêem agora, pertence á mim.</p><p>Surpreendidos, os quatro visitantes giraram em si mesmos para enxergarem toda a vastidão da planície circundando a pequena casa com chaminé e as acomodações para os animais e barracões, – talvez, para maquinários agrícolas, todos eles concluíram assim.</p><p>-Eu vim tratar de negócios com você. –adiantou Monsenhor.</p><p>-Vejo que montaram um consórcio, mas você fala por si só.</p><p>Monsenhor fez soar a garganta e cofiou o queixo. Os três homens cuidaram de soltar seus cavalos. Plates Rivera juntou o martelo, torquês, prumo e o esquadro no canto do tablado e se posicionou ereto na frente dos quatro homens. A postura imponente dele, com sua pele clara, porém amorenada pelo sol, e cabelos dourados, esvoaçantes ao vento, diante de quatro figurões robustos e temidos pelos moradores da cidade, os deixava incomodados, pois, Rivera não demonstrava estar com medo, mas, também não parecia tê-los como possíveis negociadores honestos.</p><p>-Digam o que querem de mim.</p><p>-Falar sobre sua técnica de empreendedorismo. Soubemos que você é um grande empresário, e, é sogro de minha neta, apesar de você ser novo ainda. –disse Monsenhor.</p><p>Plates Rivera olhou para o horizonte azul e em seguida fechou os olhos permanecendo em silêncio por uma curta fração de segundos. Quando seus olhos foram abertos novamente, ele via três pares de olhos a olhá-lo com admiração. Os olhos de Monsenhor transmitiam ódio misturado á pura inveja e espírito traiçoeiro. Cândido conhecia o mau caratismo e o espírito cruel de Monsenhor Olavo revelado á ele através de um simples toque de dança que Olavo e a senhora Matilde dançavam á 21 anos idos.</p><p>-Os seres humanos têm a natureza das coisas á seu dispor. Basta á eles saberem administrar os elementos. Vejam, sintam o ar que nos envolve. A terra que nós a pisamos. A água que corre no rio. Pensem no fogo nas lareiras que aquece seus corpos em tempo de frio. –finalizou de braços abertos e olhando para o céu infinito.</p><p>Três dos ouvintes o seguiram com os olhares. Monsenhor se pôs de cabeça baixa á refletir. Para Monsenhor Olavo, o tempo seria mais que uma mera fração de horas, dias, meses e anos. Às vezes, dizia ele, o tempo sem dúvida seria a força criadora e aniquiladora; deus. Pois o tempo fere e também cura á ferida. Ele mata e dá a vida. É invencível e imortal. O tempo nunca envelhece e nem passa. Na verdade, tudo passa por ele, mas o tempo permanece para sempre. –Monsenhor concebia assim. “No princípio o tempo criou o vento. Do vento formou-se a água e ao espalhá-la surgiu a terra, e da terra o fogo se fez brotar. É isso, ele sabe o segredo.”</p><p>-Ensina-nos á administrar o tempo e os elementos. –Monsenhor pediu.</p><p>-Ora, senhores, será preciso dedicar suas vidas e se sacrificarem ao máximo para obterem os resultados almejados.</p><p>Monsenhor cuspiu no chão e montou no cavalo.</p><p><br /></p><p>***</p><p><br /></p><p>Com os cavalos reabastecidos os homens cavalgavam de volta á cidade, mas dessa vez por um caminho com precipitações e grotas capazes de engolir um eqüino e o montador. Monsenhor era o último da fila de cavaleiros. Alguém enfiou o ferrão na anca do animal á frente. O cavalo ferido empinou a dianteira, e, Genésio não conseguiu se segurar indo á cair em uma cratera. Foi o primeiro á ser descartado.</p><p>O caminho era longo, e, mais adiante, Fulgêncio sentiu sede, mas nenhum deles havia se provido de água. Na beira do rio ele se agachou para beber água. Bastou que alguém o empurrasse para que a água do rio caudaloso o levasse.</p><p>Era já noite quando Olavo e Amâncio embrenharam no escuro da campina e houve a necessidade de acender o lampião. Amâncio procurava o fósforo na bruaca, quando então ele sentiu uma pancada na cabeça dele, deixando-o desacordado. Querosene fora derramado em seu corpo e o fogo e transformou-o em uma tocha humana.</p><p><br /></p><p>Ao chegar a sua casa bem cedo do dia, o gerente veio informar á Monsenhor Olavo, que os operários não foram trabalhar no dia anterior e nem compareceram ao trabalho pelo segundo dia.</p><p>-Eu irei á morada dele novamente e apossar-me-ei do segredo que com certeza está mofando dentro de um baú.</p><p>Depois de pronunciar palavras de maldição ele montou em seu cavalo e foi outra vez ao encontro de Plates Rivera e o encontrou ainda consertando o moinho de vento.</p><p>-Os meus funcionários se amotinaram contra mim, e a culpa é sua. –acusou, ainda sobre o lombo do animal.</p><p>Rivera, no topo da escada apertava um parafuso da hélice e dali mesmo ele daria o parecer dele.</p><p>-Tudo que eu aprendi eu ensinei á pessoas de boa conduta e sã consciência. Você e os homens que vieram com você ontem compravam produtos dos meus associados. Eu sobrevivo do pouco que cada um deles me repassa. Não preciso mais do que isso.</p><p>-Basta de enganação, Rivera. Tudo que me era fornecido era extraído de suas terras. E, eu não vejo depósitos, fábrica, tampouco uma carroça para o transporte.</p><p>-Veja o rio e as grandes árvores. –apontou com a torquês para o horizonte.</p><p>Torcendo o corpo sobre a cela do cavalo, Monsenhor olhou para a direção indicada.</p><p>-O que isso importa? Eu quero o segredo.</p><p>-Não existe segredo. Eu corto as árvores e ás jogo na água do rio que as conduzem as madeireiras. O que me sobra são as lascas das árvores que eu ás envio ás carvoarias. Abri canais na terra formando braços do rio para abastecer os reservatórios de água na cidade.</p><p>-O que isso tem á ver com o abandono de serviços, dos meus funcionários?</p><p>Rivera desceu da escada para a plataforma de sustentação do monumento. Com paciência ele tirou o avental que ele usava para guardar pregos e parafusos, o dobrou em quatro dobras e o colocou sobre o tablado.</p><p>-Vamos, responda. Por que eles não foram trabalhar?</p><p>-Ao cancelar as compras, você impediu que os fornecedores produzissem os produtos que os seus funcionários processam em suas indústrias. Rivera não é apenas um sobrenome, mas sim, uma sociedade de homens de boa vontade. Você não merece unir–se a nós. Á 21 anos atrás você provocou as mortes de três casais de pessoas boas, para se apropriar do que pertenciam á eles.</p><p>-As vidas dos meus companheiros foram sacrificadas, para agora você me dizer que eu não me dediquei ao máximo. E, você usou os elementos para o mal. A terra você a fez de cova para engolir Genésio. Na água você provocou o afogamento de Fulgêncio. E com o fogo ceifou a vida de Amâncio. Reservar-te o vento para quem?</p><p>-Enganas-te em tudo que falas e acreditas.</p><p>A ira se acendeu em Monsenhor Olavo, e enfurecido ele desceu do cavalo empunhando um punhal e, completamente enlouquecido avançou contra Rivera. Rivera, esguio e ágil feito leopardo, subiu novamente ao tablado.</p><p>Monsenhor montou no cavalo, acendeu uma tocha e botou fogo na paioça de Plates Rivera. Havendo feito o fogaréu ele intentou deixar o local, mas foi tarde demais. Ventos fortes vindos de todas as direções formaram um redemoinho no chão. O cata-vento girou em alta rotação, uma das hélices escapuliu e num vôo rasante e veloz foi de encontro ao pescoço do cavaleiro em fuga, decepando lhe a cabeça. A cabeça de Monsenhor foi cair dentro uma vala onde Rivera arrancara uma árvore com raiz para fazer uma única coluna do tampo de uma mesa redonda. O cavalo disparou na invernada levando sobre seu lombo o corpo de Monsenhor pegando fogo. Sobre a ponte o animal deu um espalho, e o acéfalo Olavo caiu dentro do rio. Sua busca por mais bens perecíveis o levou á morte, ficando á seus filhos todo o resultado de suas crueldades ininterruptas de exploração de trabalho de seus funcionários em sua indústria e assassinatos de seus sócios.</p><p>-Seu deus era o tempo. E sua personalidade era vento. De todos os elementos, o vento é o mais temível. É ele que descontrola a chuva e provoca as tempestades. É ele que, assoprando o fogo causa destruição. Quando o vento penetra na terra, desastres ditos naturais causam assolações. Pobre homem rico. Não sabias tu, que não tinhas o domínio sobre o tempo, que o tempo nada faz, mas que tudo se faz á seu tempo</p><p>Cobriu com terra a cabeça do ambicioso e sanguinário Monsenhor Olavo e foi ao celeiro.</p><p>-Como estão vocês? –perguntou aos três homens feridos, deitados em colchões de capim.</p><p>-Nos recuperando, graças aos seus cuidados. –Amâncio falou. –Agora que nós estamos nos recuperando, você poderia nos dizer com foi que você soube que eu estava me queimando?</p><p>-Ora. –O fogo clamou por ti meu amigo. –disse Rivera passando ungüento de ervas nas queimaduras no rosto do homem. –Agora descanse. –recomendou e foi ao segundo enfermo.</p><p>-Obrigado por ter me resgatado do rio. –Fulgêncio quis saber.</p><p>-A água te trouxe á mim. Não se esforce tanto. Seus pulmões precisam se esvaziar por completo. –disse aumentando o volume do sisal debaixo da cabeça do paciente.</p><p>Para Genésio, o terceiro homem, Rivera preparou uma porção de mastruz e untou todo o pescoço deslocado e o enfaixou com folhas de bananeiras. Ele não poderia agradecer pelos tratos que Rivera dispensava á todos eles, mas na expressão de seus olhos podia-se notar todo o sentimento de gratidão pela hombridade e nobreza de espírito de Cândido Plates Rivera.</p><p>-Rivera. –disse Amâncio, do estrado. –Éramos sócios de Monsenhor Olavo. As nossas esposas são bem novas ainda e também serão ludibriadas pelos filhos dele. Se tivermos que deixar a cidade para não sermos acusados de termos matado Monsenhor Olavo, quem cuidará delas?</p><p>-Vocês não têm filhos homens para cuidarem de suas famílias e herdarem suas riquezas?</p><p>Menearam fracamente as cabeças indicando que não.</p><p>-Conhecem a tradição?</p><p>Os três concordaram.</p><p>-Elas estavam na casa do Monsenhor esperando o nosso regresso. Tenho medo que Gorete e seus filhos planejam sabotar o carro que elas estão. –disse Amâncio.</p><p>-Tentarei encontrar as suas esposas. Agora, descansem. –disse Cândido recolhendo as sobras dos ungüentos.</p><p><br /></p><p>***</p><p><br /></p><p>Cândido montou no cavalo e saiu em disparada, atrás do carro que conduzia as mulheres, tão rápido quanto os flashes lampejando em sua mente as cenas de pessoas que morreriam. O carro estava superando um longo aclive e não andava tão rápido. Ele acenou para que a motorista parasse o carro. A motorista tentou frear, mas o pedal não a obedecia.</p><p>-Pare de acelerar. –ele gritou da lateral do automóvel.</p><p>Ela o obedeceu. Por falta de aceleração o carro começou á voltar para trás. Ele sacrificaria o animal fazendo-o se deitar na estrada de terra atrás do carro como á um calço. Funcionou.</p><p>-Desçam todas vocês.</p><p>Assustadas e sem nada entenderem, as mulheres bem novas desceram do carro e assistiram á Cândido esterçando o volante ao máximo. Jogou querosene no estofamento do carro e lançou dentro dele um pavio de algodão, aceso. Em seguida ele assoviou. O cavalo se levantou da posição de calço. O carro foi ganhando velocidade andando de ré, e, com as rodas esterçadas foi cair no despenhadeiro.</p><p>Com as três mulheres, a pés, Plates Rivera embrenhou na mata fechada. Ao Amanhecer o dia, chegaram a casa dele no vale Plates Rivera.</p><p>Depois de preparar um chá de ervas para as mulheres beberem, Cândido ás viu dormindo, releu o bilhete entregue á ele por Iolanda e foi ao celeiro reencontrar com os seus pacientes. Mas, eles já não necessitavam de serem medicados por ele.( )</p><p>Voltando à casa ele encontrou as mulheres já despertas do sono, e vômitos esparramados pelo piso.</p><p>-Onde estamos. –uma das mulheres perguntou estranhando tudo á sua volta.</p><p>-Estão seguras. Eu preciso fazer algumas perguntas á vocês. –disse Cândido se sentando numa cadeira, tendo as três mulheres á observá-lo. –Vocês são casadas?</p><p>Elas não sabiam o que responder. Olharam para os copos vazios sobre a mesa tentando rebuscar as recordações anteriores á chegada delas ali. Mas, foi em vão. Ficara apenas o sabor amargo do chá de ervas que elas supunham acertadamente, terem bebido e o lançado fora em seguida. Suas lembranças teriam sido apagadas.</p><p>-O que nós estamos fazendo aqui, e quem é você? –outra delas quis saber.</p><p>-Os seus noivos estavam esperando vocês, mas o carro que conduzia vocês á igreja deu uma pane no sistema elétrico e não poderia chegar na hora marcada. Vocês tentaram ir á pés, mas o cansaço causado pela longa caminhada ás venceu e vocês dormiram na mata. Eu ás encontrei e ás trouxe para essa humilde casa. Os seus esposos já foram avisados e virão buscar vocês. -Eu acho que estamos recebendo visita. –falou á elas e foi receber os visitantes.</p><p>Ele encontrou um visitante.</p><p>-O tempo nos reservou algumas surpresas, Galdino. Três homens ricos mortos. Três viúvas bem novas. Faltam filhos homens para herdarem as fortunas deixadas pelos pais falecidos.</p><p>-O que você sugere?</p><p>-Nós dois não faremos nada. Apenas garanta a segurança das mulheres. Otero, Norato e Ferreira são seus irmãos?</p><p>-Sim.</p><p>-Você tem voz de comando sobre eles, como tem sobre a sua filha?</p><p>Galdino assentiu.</p><p>-Não me leve á mal, Cândido, mas, eu não acho certo envolver-me neste seu negócio.</p><p>-Entendido. Talvez os seus irmãos aceite a minha proposta.</p><p>-Eles estão chegando. Trate desse negócio com eles, mas me deixe fora disso.</p><p>Chegavam ali três homens em seus cavalos de pelos afogueados, bem selados. Apenas Otero apeou do cavalo e foi ter com seu irmão Galdino e Cândido. Tirou o chapéu em saudação á Cândido. Quanto á Galdino, ele o ignorou por não gostar do irmão mais velho, assim como os outros dois irmãos e Monsenhor Olavo também não o considerava como á um membro da família.</p><p>-Vão ter com as viúvas, e, cada um de vocês escolha uma delas para ser a esposa de cada um de vocês. –Cândido deu a ordem.</p><p>Os três obedeceram.</p><p>Quando Otero, Norato e Ferreira rumaram para a cidade, Galdino dirigiu a palavra á Plates Rivera.</p><p>-Imagino que você queira que o Augusto engravide as viúvas.</p><p>-Ele fará apenas o que precisa ser feito. Lembre-se de que ainda temos que conseguir os herdeiros. Nós teremos que nos ausentar dessa cidade por algum tempo. Augusto ficará na cidade. –disse Cândido.</p><p><br /></p><p>No dia seguinte surgiu na cidade um homem de barba farta, de boa envergadura corporal, vestido em roupas típicas dos antigos profetas e portando um cajado na mão, com eloqüência no modo de falar, ele obteve a atenção de todos que assistiam os enterros naquela hora, para ouvi-lo afirmando ser um enviado de Deus para restaurar a religiosidade cristã, a qual, em sua própria concepção, havia sido deturpada pela influência do maligno, e que ele era o messias ressuscitado que ao alcançar sublimidade divina, irou-se com os judeus e se teleportou para São Paulo com o intuito de arrebanhar 666 ovelhas obedientes aos seus mandamentos e levá-las para as pastagens celestiais. Sobre o pretexto de ele ser aquele que recebera diretamente de Deus a incumbência de estabelecer uma nova ordem religiosa, ele incutiu aos seus ouvintes suas ideias, das quais, uma delas era a esperança de um porvir não muito distante, em que os adeptos de sua religião morreriam á cada ciclo de 666 luas novas, mas em fração de seis minutos e seis segundos ressuscitariam em plenos vigores físico e cheio de experiências adquiridas por terem passados os ínfimos trezentos e sessenta e seis segundos ao lado de Deus.</p><p>Apesar de o profeta ter sido criticado por alguns ali, de que o tal número representava a pessoa do iníquo, ele os persuadia á aceitar que foram os copistas que adulteraram as escrituras, demonizou tudo aquilo que era santo e transformou o sagrado no profano. Então ele profetizou á seus ressabiados expectadores, que havia um iluminado que conhecia os segredos para uma vida próspera e duradoura. E assegurou que os iluminados seriam de origem desconhecida, que todos os seus descendentes seriam contemplados com o dom da sabedoria, poder e riqueza. Indo mais além, ele garantiu que, no dia 06-06-1966 nasceria o terceiro e último iluminado, filho do segundo que já estaria entre os moradores daquela cidade, neto do primeiro. E, quem ainda vivesse até o ano 1984 conheceria o último Rivera.</p><p>Então, o profeta desapareceu das cercanias da cidade.</p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> <span> </span></span>O último Rivera. Parte II</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Logo que Otero, Norato e Ferreira tomaram para eles as três mulheres que perderam seus verdadeiros esposos, Galdino os convidou para uma reunião familiar. Em volta de uma mesa de madeira tosca quatro figuras conversavam sobre uma pessoa que para eles seria a peça chave em seus planos maquiavélicos.</p><p>-Vocês fazem ideia de quem é Cândido Plates Rivera? – Galdino perguntou com o copo de conhaque próximo á boca.</p><p>Ferreira permanecia calado de braço sobre a o tampo da mesa com forro roxo, girando o copo vazio. Ele já sabia de quem se tratava. Foi ele quem investigou o personagem.</p><p>-É um homem rico que vive no campo. – Otero respondeu.</p><p>-Você está mal informado á respeito dele. –falou e secou o copo. –Cândido resolveu virar invisível depois da morte de nosso pai e dos três idiotas que o acompanhou ao encontro dele.</p><p>-Eu vou até ao banheiro. –Norato avisou e saiu.</p><p>-O que foi com ele Otero. –Ferreira quis saber olhando-o sair.</p><p>-Deixe-o. –Galdino ordenou. -O que eu quero te fazer saber é muito mais importante.</p><p>Ferreira foi atrás de Norato, deixando Otero e Galdino á conversar á sós.</p><p>-Então vamos logo com isso porque hoje eu quero sair pra me distrair. –disse Otero reabastecendo o copo com o Conhaque da garrafa, enquanto Galdino preparava o monólogo sobre Cândido.</p><p>-Cândido é um homem muito importante. Profundo conhecedor de todas as artes reais que todos conhecem apenas na teoria. Através da arte musical ele consegue influenciar pessoas e, ás faz lutar contra o regime autoritário do governo. Suas letras e poesias contêm mensagens subliminares que induzem os ouvintes á se tornarem revolucionários, mesmo sem causas para defenderem. Muitos cantores gravaram suas músicas, mas á maioria ou, talvez todos eles, tiveram suas canções censuradas e proibidas de serem tocadas nas rádios Brasileiras. Quando o governo soube de quem era as inspirações que punha em risco a estabilidade do sistema governamental, por fazer com que a multidão fosse às ruas protestando e entoando as músicas composta por Cândido, eles se viram na obrigação de manter Cândido em seu seus domínios. Mas ele faz parte de uma ordem filosófica que o protege de tudo e de todos. Sabe por quê?</p><p>Ao ser interrogado, Otero recostou-se no encosto da cadeira e se deu conta de que Cândido não seria apenas um homem qualquer.</p><p>-Não sei. –respondeu, correndo as mãos nas coxas.</p><p>-Porque ele é o grande idealizador e formador de conceitos sobre o desenvolvimento intelectual. Isso faz dele, o intocável. Através do seu conhecimento sobre psicologia humana ele pode conhecer suas intenções mais ocultas até mesmo pelo seu modo de andar ou ficar parado. O homem é mesmo um manipulador e controlador de mentes humanas. Na música ele decodifica sinais gráficos da escrita musical, e usa desse talento apenas como pano de fundo para educar aqueles que ele capta honradez em seu caráter.</p><p>-Esse negócio de pano de fundo pra ensinar seus...</p><p>-Você não entendeu. –cortou, bebendo outro gole. –Ele ensina á arte da vida e como decifrar pessoas. </p><p>-Muito enigmático aquele figurão. –Otero reconheceu, virando o copo de boca para baixo.</p><p>-Para fugir da polícia e não ser preso por ter sido causador das mortes do nosso pai e dos maridos de suas agora esposas, ele evaporou.</p><p>-Mas o que tem á ver todo esse privilégio do homem com essa minha vinda aqui á essa hora? –Otero quis saber, reutilizando o copo.</p><p>Galdino encheu o copo do irmão e também o dele.</p><p>-Você se lembra do nome e sobrenome dele?</p><p>-Cândido Plates Rivera.</p><p>-Esse mesmo. –confirmou e só molhou os lábios. –Surgiu na cidade um rapaz chamado Augusto Plates Rivera. Deve ser filho dele.</p><p>-Quem te disse isso?</p><p>-Augusto Plates Rivera é o único morador dessa cidade a possuir o sobrenome Plates Rivera.</p><p>-Então o que nós devemos fazer?</p><p>-Bebe o conhaque. –disse Galdino com ar maquiavélico. –Suas esposas são mulheres muito bonitas e respeitadas. Homens fazem coisas terríveis por uma mulher com essas qualidades. -com uma mão ele levou o copo á boca, com a outra ele dedilhava a mesa, e observava o rosto de Otero corar de raiva.</p><p>-O que você está querendo sugerir?</p><p>-Por crimes passionais o júri é bem benevolente com o acusado, ainda mais se o traído tiver provas factuais. E quando um rapaz do nível deste Augusto perde a honra, ele perde tudo. Mas tem que ter provas irrefutáveis. Não façam sexo com suas mulheres. Devemos fazer com que Augusto seja o amante delas e as engravide. Mataremos muitos coelhos com uma cajadada apenas.</p><p>-Como faremos isso, sendo que elas foram entregues à nós por Cândido?</p><p>-Imbecil. –disse Galdino, sacando do bolso da calça um frasquinho de remédio. -Mantenham-nas sempre próximas à Augusto e sob efeito desse remedinho. – entregou à Otero. –Se o Augusto fizer filhos nelas, Cândido será o avô. Então, nós nos livramos dos dois, e adotaremos as crianças. Assim teremos direito à fortuna de Cândido.</p><p>-Entendi. Mama Gorete está chegando. Eu estou indo. – bebeu o último gole, pegou o frasco da droga e foi saindo.</p><p>-Que pressa é essa, Otero. –quis saber Gorete.</p><p>-A noite é uma criança. –disse, jogando o frasco para cima, o aparando e o embolsando em seguida.</p><p>Galdino fez sinal para que Gorete o acompanhasse até ao quarto.</p><p>Chegando ao quarto, Gorete deu um giro tirando a roupa e as estendeu na cabeceira da cama.</p><p>-Eu vi um aviso de precisa-se de empregada no portão da casa do filho e nora do Cândido Rivera. –ela informou.</p><p>-Eu acho que você não poderá trabalhar para o casal. –falou á ela. –Valquíria será a empregada perfeita.</p><p>Gorete avaliou a sugestão, tragou forte o cigarro e jogou a guimba no canto do barraco. Valquíria estava em abstinências sexuais, porque Galdino exigiu que ela encontrasse homens ricos para com eles, vulgarmente falando, copular e dar á elas filhos que, após tirá-los da miséria, seriam sacrificados juntamente com seus pais.</p><p>-Dê sua vaga á Valquíria. Ela saberá cuidar da patroa e do patrão.</p><p>-Por que ela tomará o meu lugar? –perguntou se sentando na cama.</p><p>-Relaxe. Eu só estou evitando que o Cândido saiba que você seja a empregada de Fátima e Augusto. Valquíria mudou muito depois que eu á expulsei da minha casa. Mas, agora ela servirá aos meus propósitos. Deite-se e relaxe minha Mama querida.</p><p>Ela se deitou abrindo pernas e braços para que Galdino começasse com as carícias. Ele deslizou as mãos nos seios e barriga dela com tato e suavidade não costumeira. Em seguida, com calma iniciou os preliminares fazendo sexo oral nela. De olhos fechados, sentindo a língua esponjosa de Galdino lubrificando os lábios de sua vagina, ela não pôde perceber que ele levava a mão direita debaixo do colchão.</p><p>-Rivera, Rivera, Rivera. – ela gritava antes de Galdino cravar-lhe o punhal no coração. –Urgh. –foi seu último gemido, não de prazer, mas de dor imensurável.</p><p>Apertando o cinto na cintura da calça, Galdino olhava o corpo sem vida estirado na cama. O sangue fresco escorria encharcando os lençóis. Gorete o chamava de Rivera nos primeiros minutos de núpcias entre ele e ela, os quais não se respeitavam como á mãe e filho. E morreu desejando estar sendo possuída por Cândido Plates Rivera e por ele sendo levada ao seu último orgasmo. </p><p>Galdino lavou o corpo de Gorete com água e sabão, o enxugou com uma toalha encardida e a enterrou numa cova rasa no fundo do quintal de terra para que o cão vira-lata faminto a encontrasse e a comesse. Não havia remorso no espírito de Galdino. Apenas a sensação de ter feito o que ele devia ter feito desde a noite que ele contraiu sua própria mãe como sua mulher.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span>06</p><p><br /></p><p>Valquíria era faxineira diarista. Mulher que não conhecia as dificuldades da vida. Foi possuidora de muitas posses, mas ao se envolver com os irmãos do seu pai, foi deserdada e escorraçada de casa, vivendo insatisfeita com a sua situação de pobreza. Passara a dividir um barracão decrépito de três cômodos no bairro do Braz com seus três tios.</p><p>Ao se levantar bem cedo naquela manhã, ela fez sua reza matutina e saiu para procurar trabalho, na certeza de que o encontraria por ter tido um direcionamento fornecido pelo seu guia espiritual enquanto rezava. Deparou com um sobrado com grades de ferros torcidos. Para chegar á porta de entrada, uma passarela de degraus de um metro por um de largura e comprimento, com superfície de granito em acabamento rústico que acessava as pessoas até á varanda com espaço suficiente para acomodar os dois carros novos e mais um, caso o proprietário quisesse adquirir outro.</p><p>“Precisa-se de empregada.” Pagamos bem. – leu a placa no portão. “São podres de ricos.” – pensou. Ao tocar a campainha, uma voz feminina á atendeu no interfone.</p><p>-Eu procuro emprego. Será que você poderia me arranjar trabalho ao menos por uma diária?</p><p>-Sim. Você chegou numa boa hora. –disse a mulher. –Eu vou destravar o portão, e você, entre, por favor.</p><p>Ultrapassando o portão, Valquíria se ateve olhando a beleza da grande residência. As janelas do andar de cima do sobrado eram de esquadrias de alumínio na parte externa e vidros coloridos. Uma porta com largura de 1 metro e meio padronizando com o mesmo material das janelas, dando acesso á sacada descoberta para receber á luz do sol da manhã. Entre o sobrado e o muro lateral do lado direito da residência, sobrava um espaço de oito metros de largura por quinze de comprimento, indo do portão de entrada até ao portão de acesso ao fundo do quintal. Quisera ela morar em uma casa como aquela. Sua pobreza extrema a impedia de desfrutar de tal beleza arquitetônica.</p><p>Uma mulher jovem e com um sorriso amigável veio atendê-la na entrada da varanda.</p><p>-Olá, bom dia. –disse de braços abertos.</p><p>Valquíria ensaiou um sorriso, mas se conteve.</p><p>-Bom dia.</p><p>-Eu sou Fátima. E você, como se chama?</p><p>-Valquíria.</p><p>-Valquíria, foi Deus que te mandou aqui.</p><p>-Foi a minha necessidade, senhora.</p><p>-Tudo bem. De qualquer forma, eu estava mesmo precisando de uma funcionária para me auxiliar com os afazeres domésticos. Vamos entrar.</p><p>Da varanda, na parede do lado esquerdo Valquíria via através da janela de pequena largura, porém, de altura exagerada, um piano e um violino.</p><p>-Você ou o seu esposo toca algum instrumento daqueles ali? –perguntou.</p><p>-Ninguém. É que o Augusto mandou fazer essa sala de musica. Ele adora música, mas não toca instrumento algum. –Fátima respondeu abrindo a porta de entrada.</p><p>Essa sala é maior que o meu barraco. Pensou Valquíria, admirada ao acessar primeiro o living de jantar da residência.</p><p>-Essa aqui é a sala onde nós comemos as nossas refeições. Vamos á cozinha.</p><p>Fátima á conduziu até á cozinha passando por um hall de acesso entre o living e a cozinha. O brilho do lustre de cristal á cima da mesa de oito cadeiras em madeira almofadadas, contrastou com o embaçamento nos olhos de Valquíria.</p><p>-Aqui é a cozinha.</p><p>Valquíria reparou a pia enorme, com balcões de granitos e armários, embutidos nas paredes. Ela não dizia nada, apenas comparava o luxo e o conforto da mansão com as más acomodações no barraco onde ela morava.</p><p>Depois de ter mostrado á Valquíria a parte interna do primeiro piso, Fátima, radiante de alegria por ter sido procurada por uma doméstica em sua casa, seguiu com Valquíria até as partes do fundo do seu imenso quintal que contava com uma piscina, o quarto da empregada anexo á lavanderia e churrasqueira de tijolinhos envernizados. Para Valquíria, era tudo muito sofisticado e condizente ao padrão de vida luxuoso de uma mulher chique, bonita e, sobretudo, bem afável.</p><p>-Nós duas vamos nos dar muito bem, por isso eu quero que você more aqui.</p><p>-Eu preciso saber quais serão as minhas obrigações.</p><p>-Então me siga de volta á sala de música.</p><p>Chegando à sala de música, Valquíria vislumbrou o que para ela era um sonho. Ao ver o piso quase todo carpetado com material sintético, uma mesinha ao centro do cômodo, com tampos de vidro transparente sobre a armação de aço inox. Encostadas as paredes laterais, havia sofás de madeiras com assentos e encostos estampados de flores, com um toque clássico.</p><p>-E os seus pais, seus sogros, eles moram com vocês? -Valquíria perguntou.</p><p>-Não. O meu sogro e a minha sogra eu não os conheço ainda, nem por fotografias. Os meus pais não ficaram contentes com o meu casamento. Mas, me fale de você. É religiosa, evangélica, católica?</p><p>Valquíria fez asco demonstrando total aversão ás duas linhagens religiosas. Praticante de um segmento religioso não conhecido pelas pessoas, suas práticas ritualísticas não condiziam com os costumes característicos dos adeptos do cristianismo.</p><p>-É espírita?</p><p>-Eu não tenho religião. Mas, respeito á todas. Eu fico muito agradecida á senhora...</p><p>-Pode me chamar de você apenas. Eu tenho pouco mais de vinte anos. Quanto á dinheiro, não se preocupe. Você será bem recompensada. Estamos combinadas?</p><p>-Tudo certo, mas eu tenho que ir a minha casa para dar a notícia aos meus... lá em minha casa.</p><p>-Vá, mas volte ainda hoje.</p><p>Valquíria pensou um pouco para então responder:</p><p>-Eu moro longe daqui. Só poderei voltar de tardezinha.</p><p>-Está combinado.</p><p><br /></p><p>Quando a noite chegou Augusto estava sozinho em casa, a campainha tocou e ele imaginou que fosse Fátima que já estaria de volta, mas, quem chegava era Valquíria que, produzida para a ocasião, era outra mulher, jovem e de beleza incomum.</p><p>-Boa noite. Você é o Augusto? Você estava de saída? –perguntou como se ela lamentasse por viagem perdida.</p><p>-Boa noite. Agora entre porque aí fora está frio.</p><p>A surpresa em vê-la na porta o fez ensaiar um sorriso e passar a mão no cabelo jogando-os para o lado esquerdo da cabeça. Esse gesto fizera com que Valquíria o encarasse diretamente nos olhos e sentir que verdadeiramente ele tinha aparência bonita, charmosa, agradável e envolvente. Com a mão esquerda Augusto tocou o ombro dela, com a direita abriu espaço para ela entrar. Por sua vez, Valquíria adentrava a sala como se estivesse escolhendo aonde pôr os pés com cuidado para não pisar em brasa, pois, a libido dela já estava em chamas.</p><p>-Fique á vontade Valquíria. Eu vou deixar a porta aberta e as luzes acesas.</p><p>Ela o olhou e sorriu docemente, porém seus olhos verdes faiscavam de desejo por ele.</p><p>-Lá fora está frio. –disse ela esfregando os braços.</p><p>-Entre e se sente no sofá. Eu vou preparar um chá quente para nós dois.</p><p>-Augusto, espere. –pediu segurando no antebraço dele. –Você está sozinho aqui? –perguntou olhando no tórax largo dele. Já que os olhos são o espelho da alma, Valquíria queria que ele descobrisse o quanto ela estava segura de sua atitude. A pergunta que ela fez foi para ouvir uma resposta obvia, porque ela sabia que Augusto estava sozinho. Ela temia ouvir dele uma resposta bem simples: sim, estou. Volte outra hora.</p><p>-Estou, mas não ia dormir á essa hora. Eu estava passando algumas roupas. Lá para as nove horas eu resolveria o que fazer essa noite.</p><p>-Se eu te atrapalho, eu posso voltar amanhã para começar no trabalho. –voltou seu olhar para a porta, deu as costas á ele para voltar. Era duvidosa e insegura a expressão da voz e retirada dela Augusto pôde perceber desde a boa noite que ela deu.</p><p>Valquíria sentiu sua mente turvar-se, e daquele momento em diante seu comportamento seria outro.</p><p>-Ah Augusto! O que eu estou fazendo? –perguntou abraçando-o e pondo a cabeça no ombro dele. –Eu ainda tenho muitas dúvidas. Tudo que eu queria era me libertar do inferno matrimonial imposto pelo meu marido que me enclausura dentro de mim mesma, me fere e me machuca físico e emocional. Mas eu jamais pensei que me sentiria atraída por outro homem, e muito menos por você. –confessou apertando-o no abraço.</p><p>Augusto atonizou-se diante da confissão. O que ele teria á ver com a infelicidade dela? Ele iria se deixar levar pelas investidas dela. Talvez assim, ele se isentava da culpa.</p><p>-Eu tenho que terminar de passar algumas roupas. A Fátima teve que sair. O ferro de passar já deve estar pegando fogo. –falou se levantando e indo a tábua de passar.</p><p>Valquíria reparou tudo ao redor. Os móveis estavam limpos. O piso também. Realmente, estava tudo organizado. Fátima sabia cuidar de uma casa. Um pouco meio sem jeito ela seguiu em direção á ele engomando a camiseta branca.</p><p>-E dizem que os homens não sabem passar roupa. –ele comentou estendendo a camisa no ar. –Eu acho que quem diz isso está completamente certo. Eu sou péssimo para...</p><p>-Eu posso te ensinar. –falou pondo o copo sobre a plataforma de passar roupas. Deixe-me pegar o ferro. –pediu se pondo na frente dele. –Agora segura em minha mão.</p><p>Augusto a obedeceu e colou a parte frontal do corpo dele ás costas dela, e segurou na mão dela sobre o cabo do ferro. O rosto dele ficou lateralmente colado ao rosto dela.</p><p>-Agora é só você deslizar devagar. –foi sussurrado que ela disse. –Assim. Bem devagar. -lentamente ela ia roçando a parte traseira dela na dianteira dele. Seu pescoço ia procurando a boca dele como se estivesse querendo que ele sentisse o cheiro do perfume e o sabor da pele amendoada dela.</p><p>-Você está aprendendo?</p><p>-Muito.</p><p>Valquíria fez com que ele a abraçasse com o braço que estava livre, e ela segurou a mão dele, fazendo-a deslizar por sua barriga.</p><p>-Então continue bem mansamente. Isso, assim, para frente e para trás!</p><p>-Senhorita.</p><p>-O quê. –com a voz sumindo aos poucos.</p><p>-Você está me deixando excitado.</p><p>-Eu também estou. –sussurrou virando-se de frente para ele. –Me beija.</p><p>O beijo aconteceu, demorado e frenético.</p><p>Ao ouvirem o barulho do carro chegando à garagem, os dois se apartaram, e Valquíria foi se sentar no sofá da sala, Augusto continuou passando a camisa.</p><p>Fátima achou que a nova empregada Valquíria era muito bonita e apresentável, com tributos de beleza ideal para uma secretária de escritório. O Manequim, perfeito. A trança raiz de seus cabelos permitia que qualquer um notasse que o rosto dela, de traços refinados. A boca de lábio inferior salientemente mais grosso do que o superior, muito apreciável.</p><p>Inocente, ela não notou nenhuma reação de encantamento em Augusto no momento em que Valquíria foi reapresentada á ele por ela. Mas, sentiu um fisgar no peito quando Valquíria deu a mão á ele, seguido de um piscar cúmplice e umedecida de lábios extremamente provocante.</p><p>A noite chegou, Valquíria preparou o jantar, sobremesa de salada de frutas e suco de laranja. Comeram juntos, os três. Minutos depois da ceia, Fátima sentiu sono e foi se deitar. Mas quem foi para a cama com Augusto foi a empregada.</p><p>-Vamos! Eu estou louca pra ser toda sua. –disse Valquíria puxando-o em direção á cama. De joelhos, tendo o tronco dele entre suas pernas, Valquíria a massageava o tórax de Augusto. Em seguida, seus peitos fartos se revezam na boca dele, fazendo-o saborear seus mamilos petrificados com sabor de óleo corporal de amêndoa. As mãos dele deslizavam ás costas dela, e ele a beijava na boca com suavidade. Augusto foi se entregando aos poucos á ela que tirou toda a roupa dele, se despiu por inteira. Deitado nu, com as mãos cruzadas á nuca, ele contemplava um estonteante corpo de mulher que escalava o corpo dele, molhando-o da cabeça ao umbigo. Com gula, ela abocanhou o ponto diferenciador entre o sexo masculino dele e o feminino dela. Ele dava urros abafados á cada golpe de sucção aplicado pela boca dela em seu órgão genital. Ao terminar a salivação, Valquíria levou a mão no falo dele ereto ao máximo. Ela gemeu prazerosa no momento em que os lábios genitais dela tocaram o mastro dele.</p><p>-Ah! Eu estava doida pra conhecer você. Ai que gostoso! –ela exclamava no início da penetração. -Unh, ai, que delícia! –balbuciava pressionando o tórax dele com as mãos ao sentir quase inteiro o membro dentro de sua vagina. Augusto seguia quase que comendo os seios delas. Valquíria se contorcia toda.</p><p>Por uma fração curta de tempo, ele viu que ela fechou os olhos, e mordia o lábio inferior.</p><p>-Você está gostando, hem? Diz que eu sou gostosa, diz, diz. Oh, eu estou gozando. –e desabou sobre ele, sufocando-o com seus cabelos cobrindo o rosto dele, e se movimentando como se estivesse troteando no lombo de um manga-larga, e então... - Ah, ahh, ahhh. Oh, Oh, Ahhhhhhhhhhhhhhhhh! - rápido intensamente.</p><p>Depois de beijar a boca de Augusto por alguns segundos, Valquíria juntou os cabelos num molho só e os jogou ás costas.</p><p>-Eu quero mais. E você, quer mais também?</p><p>Augusto não respondeu. Simplesmente a colocou de joelho sobre a cama e se posicionou ás costas dela. Ela encostou sua parte traseira na dianteira dele e levou as mãos aos seus cabelos. Ele deslizava as mãos em toda a zona frontal dela.</p><p>-A noite é só nossa. Faça o que você quiser comigo, e como você quiser. –ela sussurrou com o rosto colado ao rosto dele. –Você quer assim? –perguntou inclinando-se para frente. –Eu te quero todo dentro de mim agora. –disse ela apoiando as mãos na cabeceira espelhada da cama, e se preparando para ser possuída em posição canina. –Vai, me faça de sua potranca, me come gostoso! Aiiiiii! Chame-me de xoxota gulosa!</p><p>Segurando no quadril dela ele a penetrava. No início ela gemeu prazerosamente. Ao meio, Augusto via através do espelho, que ela fechou os olhos e espremeu os lábios.</p><p>-Ai, que delícia! Mais, mais. Põe sem piedade. Eu o quero inteiro. Urgh! Gostoso, gostoso! –ela grunhia remexendo feito uma desesperada.</p><p>Ao fim da penetração, ela grasnava roçando o rosto de um lado e outro no lençol, se movimentando pra frente e pra trás num ritmo acelerado.</p><p>Vai e vêm frenéticos, gritos roucos, gemidos lancinantes.</p><p>-Ah, ah, ah! Gostoso, gostoso, gostoso! Me come, come, come! Aiiiiii, delícia. Goza comigo. Ahhhhhhhh! -e orgasmo dela acontecia de modo á fazê-la espalhar-se sobre a cama.</p><p>-Você está cansada? –Augusto perguntou beijando a nuca dela.</p><p>-Um pouco, mas eu quero mais. Você é maravilhoso.</p><p>Toda relaxada, ela se deitou de barriga para cima para que ele a possuísse numa posição mais confortável para ela. Augusto agasalhou o travesseiro debaixo das nádegas dela e penetrou-a.</p><p>-Mexe gostoso. Isso. Ai! Morda-me, me come toda. Vai, chame-me de saborosa, gostosa e deliciosa me faz gozar outra vez.</p><p>-Ah, ah, aaaah...</p><p>- Unhnnn! -Isso Vai, vai, derrame tudo dentro de mim.</p><p>-Ahhhhhh, deliciosa. -e refestelou-se exausto e saciado.</p><p>Augusto vestiu a calça e sentou-se na cama após o ritual de sexo avassalador com Valquíria.</p><p>-Foi demais. Eu gozei rios. –disse ela se sentando atrás dele, e o abraçou.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> DARLENE</p><p><br /></p><p>No trabalho, Darlene afundaria a cabeça de vez para esquecer o sufoco que era viver com Otero acusando-a, todos os dias e noites, de tê-lo traído com um homem o qual, ela não tinha nem lembranças de quem ele pudesse ter sido ou significado para ela.</p><p>Ela considerava que eram dias de casamento conturbado por razão da desconfiança e do ciúme exagerado de um marido inconsequente, infiel e incorrigível. Foi quando Augusto chegou acompanhado por Fátima.</p><p>-Então tudo bem. –disse Fátima. –Agora, eu vou contratar o pessoal para fazerem a reforma. Quanto á você Augusto Rivera, cuide de voltar para o trabalho, e vê se não incomoda a corretora. -ela deu um beijo no rosto dele e o deixou no escritório.</p><p>-Eu aprecio muito as residências com aspectos grotescos. –disse ele demonstrando entusiasmo contagiante. Qual é o seu nome?</p><p>-Darlene...</p><p>-Pode me chamar de Augusto. Você não deve ser casada. Se for, o seu marido não se importa de ver você exibindo essa beleza toda? Seria impossível não sentir ciúmes de uma mulher linda como você.</p><p>Darlene sentiu-se apreciada, e isso á deixou lisonjeada por receber tais elogios. Com toda sua beleza ela jamais fora elogiada pelo marido dela. Tudo que ela queria era se vê livre do Otero. Mas por obrigação, talvez, ou para não perder o status de mulher casada e honesta, ela ainda se deitava, com ele sem querer e não deixando que ele á tocasse, pois, para ela, fazer sexo com Otero estava fora de cogitação.</p><p>-Você está me assustando. –disse ela mordendo o lábio inferior.</p><p>-Se não estiver gostando eu posso parar de te chatear. Mas, se, atenção e amor te fazem falta, eu posso lhe proporcionar sem nenhum embaraço.</p><p>–Meu Deus! –ela exclamou baixinho. –Você é louco, eu... – pensou em não dar resposta alguma. –Você é muito corajoso. –e continuou pensativa batendo a ponta da caneta na folha em branco. –Eu terei que me acertar de que não haja nenhum embargo jurídico á respeito da residência. Parece–me que há uma parte requerente dos direitos sobre a casa.</p><p>-Eu conto com o seu profissionalismo. Assim que estiver tudo certo com a papelada, a construtora iniciará as reformas.</p><p>-Vou ver o que posso fazer.</p><p>Augusto pegou uma caneta para escrever alguma coisa em uma folha de papel sem pauta que estava sobre a mesa dela.</p><p>-Pegue e leia. Se você não gostou do meu jeito, rasgue, queime ou jogue fora. Ao contrário me responda pessoalmente, quando você tiver decidido. –se levantou. –Estou indo.</p><p>-Não precisa esperar que eu o responda.</p><p>-Você ainda não leu. –Eu já vou indo. –disse ele dando de costas á ela.</p><p>Ajeitou alguns papéis, caneta e grampeador num lado da mesa e em seguida recostou–se na cadeira e pegou o bilhete que Augusto escrevera, e finalmente o leu em silêncio. No começo da leitura, ela deslizava a mão em seus cabelos. No segundo parágrafo, a mesma mão acaricia o seu próprio rosto. Na parte final, Darlene deu um sorriso e tirou o pequeno estojo de maquiagem da bolsa. Olhando no espelhinho do estojo de maquiagem, ela umedecia os lábios com a ponta de sua língua enquanto corria o dedo nas sobrancelhas. Ao terminar de conferir sua beleza nórdica, foi ao arquivo de notas e abriu a gaveta. Antes de pegar a pasta arquivo, ela respirou profundamente, abriu então a gaveta e a fechou novamente sem tirar dela nenhum documento, e voltou á sua mesa.</p><p>“Quer jantar comigo, qualquer noite dessas suas noites de sufoco?”</p><p>Augusto, quem é você? – se sentando, perguntou a si mesma. E, se o jogo virar Otero, você encarará a situação com naturalidade? - ela pensou. E decidiu ir ao restaurante.</p><p>Ela estava encantadoramente linda em seu vestido justo de linho pérola, sem decotes, com alças um pouco mais largas do que as alças longas de sua bolsa de tamanho reduzido. Os cabelos com frises dourados fixados por gel spray conferia-lhe uma beleza sem muito deslumbre, porém sem nenhuma tendência a vulgaridade.</p><p>-Olá. Demorei? –perguntou.</p><p>-Uma eternidade. –disse Augusto beijando–lhe a o rosto para em seguida ajeitar a cadeira para ela sentar–se.</p><p>-Obrigada. –agradeceu tirando a bolsinha e á colocando sobre a mesa redonda, forrada com seda vermelha.</p><p>Augusto também se sentou ao redor da mesa num ponto que o permitia ficar de frente á ela.</p><p>-Faz tempo que você está aqui?</p><p>-Há alguns minutos.</p><p>-Eu não quero me arrepender de ter vindo ao seu encontro. –disse ela se ajeitando na cadeira.</p><p>Que tal eu começar dizendo que você está maravilhosa. Só não entendo como pode uma mulher linda como você não ter se casado ainda.</p><p>Para disfarçar que não ficou sem jeito com a afirmação errada que ele fez, Darlene passou a mão na gola do vestido e deu um sorriso maroto.</p><p>-Nem toda mulher bonita como você diz, tem que ter um marido. –ela observou.</p><p>Ele sorriu.</p><p>-E, viva a independência feminina. –falou com um brilho no olhar sério.</p><p>Eles se olharam por alguns segundos e, Augusto vislumbrava um rosto lindo da mulher com um aspecto de moça nova. Darlene por sua vez, se sentia á vontade na companhia dele, um belo rapaz, que se passaria muito bem por um casinho de uma mulher casada e um jovem atraente. Um amante perfeito. Mas para quê deixá-lo saber que ela era casada? Era o que passava na mente dela.</p><p>-Eu nunca quis ter um homem controlando a minha vida. Por isso, o altar não será o meu palco tão cedo.</p><p>-Eu só tenho a agradecer a minha sorte pela sua escolha.</p><p>-Eu te agrado tanto assim? –ela perguntou alisando o forro da mesa.</p><p>-Bom, eu sou um pouco difícil de ser agradado por uma mulher, mas eu pensei em você o dia inteiro.</p><p>-Você pensou em como faria para me agradar com as suas observações, ou em como faria para ter coragem de vir ao meu encontro?</p><p>-Pra ser sincero, eu tive um dia tão corrido hoje, que nem tive muito tempo para pensar em um bom diálogo. Mas, antes que você me critique, eu quero que você saiba que eu passei a tarde inteira procurando um bom restaurante que fosse digno da sua presença em minha companhia.</p><p>Sentindo a mão dele tocando a sua, Darlene o encarou e percebeu que ele se comportava com muita naturalidade em relação á ela e, isso a deixava ainda mais á vontade.</p><p>-Você me surpreendeu. Eu gostei.</p><p>O garçom chegou trazendo a carta de pedidos. Augusto indica sutilmente com um olhar que a honra do pedido é da acompanhante. O garçom obedeceu.</p><p>-Madame! –disse o garçom entregando a carta á Darlene.</p><p>-Senhorita. Por favor. –Augusto orientou.</p><p>-Perdoe–me senhor.</p><p>-Augusto, por favor. – Darlene orientou.</p><p>Dessa vez o garçom não disse nada, apenas fez um gesto com á mão, como quem dizia: “Pois não, senhorita”.</p><p>Ele pegou a carta de volta e retirou-se.</p><p>-Algum problema com a madame? – Darlene perguntou deslizando a mão suavemente no antebraço dele.</p><p>-Algum probl</p><p>ema com o “senhor”? –Augusto devolveu, segurando em sua mão.</p><p>Os dois fizeram alguns comentários sobre o modo que os garçons tratavam os clientes. Á educação e gentileza puramente comercial dos profissionais daquela categoria. Depois de um breve silêncio, Darlene desviou o olhar para o senhor e a mulher bem mais nova do que ele. O homem se parecia um pouco com o seu esposo, mas ela constatou que não era o Otero. Embora a aparência física do homem á fizesse se lembrar do seu indesejado marido, ela preferiu não se deixar levar por nenhum sentimento de culpa por uma provável infidelidade da parte dela. A noite estava agradável para ela que tinhas seus dias, noites e madrugadas completamente sufocantes por dividir a casa com um homem que não á satisfazia em nenhum aspecto marital. Quando ela voltou á olhar para Augusto, notou que ele estava escrevendo um bilhete. Em seguida ele chamou o garçom com um movimento de dedo.</p><p>Antes que o garçom chegasse, Darlene o interrogaria:</p><p>-Por que você não me falou pessoalmente tudo àquilo que você me escreveu?</p><p>-Só um momento. –disse ele esticando o braço para entregar o bilhete ao garçom. –Por favor, entregue ao pianista.</p><p>-Sim senhor, senhor Augusto.</p><p>Ao pegar o escrito, o garçom seguiu rumo ao músico.</p><p>-O que é que você quer saber? –ele perguntou cruzando as mãos sobre a mesa.</p><p>-Sobre o porquê de você não ter me dito aquelas coisas pessoalmente.</p><p>-É que eu tive medo de receber uma negativa sua assim de cara á cara. Mas, eu posso repetir agora, palavra por palavra.</p><p>Novamente Darlene levou suavemente as mãos em volta de seu pescoço.</p><p>-Repita.</p><p>Segurando as mãos dela, ele começou a declamar:</p><p>-A cada nascer do sol é um começo de um novo dia. A cada pôr do sol pode significar o início de uma noite feliz, ou de oportunidades perdidas. Se, do raiar do sol ao cair da noite, você não tiver se decidido em vir ao meu encontro, saiba que eu não deixei passar a oportunidade de lhe dizer o quanto você é linda. Porém, se você decidir vir me encontrar, então eu direi... –O pequeno intervalo na fala de Augusto, representando a reticência no final do bilhete foi o tempo que durou a pressionada que Darlene emocionada, deu nas mãos dele.</p><p>-Termine. Eu estou aqui. –com o rosto próximo ao dele, sussurrando ela pediu.</p><p>-Então eu direi o quanto essa noite está sendo maravilhosa para mim.</p><p>Sem hesitar um só segundo ela beijou os lábios dele com suavidade. Imóvel, Augusto apenas sentiu o sabor da boca dela.</p><p>-Eu estou te agradando? –Darlene perguntou depois do breve beijo.</p><p>-Muito.</p><p>Dessa vez, ela teve iniciativa de repetir o beijo um pouco mais demorado.</p><p>O garçom trouxe os pratos.</p><p>-A sua música será executada daqui á alguns minutos senhor Augusto. –o garçom avisou.</p><p>–Você não vai beber? –perguntou deslizando o dedo na borda da taça já quase vazia.</p><p>-Não... Eu estou evitando álcool.</p><p>-Importa–se se eu beber? É que eu adoro vinho.</p><p>Augusto fez um movimento com a mão como quem dizia “fique a vontade”, depois se ajeitou na cadeira de modo que seu corpo ficasse um pouco pendido para o lado esquerdo, e com o cotovelo sobre o braço da cadeira e a mão tocando o seu próprio queixo, á observava se esbaldando no vinho.</p><p>Depois de outro gole, Darlene ajeitou os cabelos que ela supunha estar sobre os olhos.</p><p>-Você fuma?</p><p>Ele entendeu que a pergunta foi um tanto quanto desconexa, pois ninguém fumaria em um restaurante como aquele. Ela já estava embriagando-se.</p><p>-Não, não fumo. –disse segurando a mão dela antes que ela alcançasse a garrafa e repetisse a dose. –Que tal você se sentar aqui do meu lado?</p><p>Darlene aceitou o convite, mas ao se levantar...</p><p>-Opa! – tropeçou nos seus próprios pés. –Eu odeio esses saltos.</p><p>Augusto percebeu que o culpado pelo tropeço não teria sido a sandália de salto não muito alto que ela estava usando. Então, ele a abraçou ternamente, assim, de lado. Ela encostou a cabeça no ombro dele, Augusto acarinhava o os cabelos dela.</p><p>-Você gostou do jantar? –ela quis saber.</p><p>-Sim. O jantar está sendo muito revelador.</p><p>-Revelador... –repetiu abandonando o ombro dele. –Como assim, revelador?</p><p>-Revela que você é encantadora, mesmo estando sobre o efeito de álcool. – respondeu e chamou o garçom fazendo sinal com a mão.</p><p>Darlene se sentiu descoberta e que ela teria que confessar á ele que ela é uma mulher mal casada. Porém, a resposta dele á fez prosseguir com o segredo mantido.</p><p>-Pois não, senhor Augusto.</p><p>-A conta, por favor.</p><p>-Como disse senhor?</p><p>O garçom não entendeu que ele havia pedido a conta, pois no momento da fala Augusto tentava evitar que Darlene tomasse mais um gole de vinho. Tentativa em vão.</p><p>-A conta e, por favor, leve a garrafa de vinho.</p><p>-Sim senhor Augusto.</p><p>-Senhor não... Augusto. –disse Darlene com uma voz que denunciava a sua embriaguez.</p><p>O garçom não disse nada e se retirou.</p><p>Augusto a abraçou mais para evitar que ela tropeçasse em seus próprios pés, do que para demonstrar carinho e afeto. Darlene o abraçou pela cintura de modo que fazia parecer que os dois fossem dançar a música pedida por ele. Abraçado a Darlene, Augusto notou os olhares de alguns clientes que pareciam condoer–se ao perceber a expressão de desapontamento dele com o estado de embriagues dela, e pela frustração daquele encontro que tinha tudo pra ser um jantar romântico.</p><p>O garçom trouxe a conta. Augusto pagou em dinheiro.</p><p>-Senhor Augusto... O troco.</p><p>-Apenas Augusto. – Darlene balbuciou ao garçom com a voz nitidamente grogue.</p><p>-O troco é seu. –Augusto apalpou o ombro do garçom e segue com ela cambaleante segurando sua mão.</p><p>-Obrigado senhor.</p><p>-Augusto. –disse Darlene corrigindo o garçom novamente.</p><p>Augusto quis abraçá-la. Mas, sentindo uma desagradável sensação de embrulhamento no estômago, ela foi às pressas para a toalete.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> 07</p><p><br /></p><p>No momento em que Fátima estava sozinha em seu quarto, ela se via na liberdade de se olhar no espelho, vestida apenas de roupa intima, por ter acabado de tomar banho. A imagem refletida era de uma mulher de beleza notável.</p><p>“Eu acho que vou cortar os cabelos.” – pensava enquanto os escovava.</p><p>-Fátima. –disse Augusto ao entrar no quarto. –Você vai á algum lugar?</p><p>-Não Augusto. Eu não tenho para onde ir sem você ir comigo. –respondeu indo ao closet. –E você, veio para o jantar?</p><p>Ele não respondeu a pergunta que ela fez e continuou dobrando as mangas da camisa. Fátima por sua vez percebeu que ela não significava para ele o mesmo de antes. E se ele estava em casa, quando deveria estar em Limeira, não seria por causa dela.</p><p>-Sente aqui, que eu tenho uma notícia para te dar.</p><p>-Eu só vou me vestir.</p><p>-Então me escute daí mesmo.</p><p>-Pode falar. –disse ela escolhendo uma peça de roupa.</p><p>-Eu hipotequei a nossa casa.</p><p>A notícia fez com que ela escolhesse rapidamente uma simples camiseta de algodão e uma calça de cotton. Ela não se conformava em saber que a casa fora hipotecada.</p><p>-Eu não acredito no que você está me dizendo, Augusto. –falou se vestindo.</p><p>-Querida, eu á penhorei para o nosso próprio bem.</p><p>-Como para o nosso próprio bem, Augusto? –perguntou brandamente.</p><p>-Olha, minha querida, o meu ramo de trabalho está indo mal. – disse ele se sentando na cama.</p><p>-Amor, você não devia ter feito assim. Eu podia falar com o meu pai, e ele resolveria essa situação.</p><p>Augusto se levantou lentamente apoiando as mãos nas próprias pernas, e com jeito de quem estava profundamente magoado com o que acabara de ouvir, começou á jogar na cara da esposa todas as suas boas intenções e desconfianças.</p><p>-Eu só fiz pensando em nós. Nós precisamos de um futuro garantido.</p><p>Fátima permanecia desnorteada sobre a cama.</p><p>-E você preocupado com o futuro resolveu vender a casa. Não precisava meu amor. –contrariada, mas não querendo feri-lo com palavras negativas, ela tentou deixar o quarto.</p><p>-Fátima eu queria que fosse surpresa, mas um bom marido não deve guardar segredos da esposa.</p><p>-Não se considere um bom marido por ter agido dessa maneira. – disse com brandura. –Você só precisa se livrar desse orgulho e deixar que eu o ajude com as finanças. O meu pai é um muito rico. De onde ele vive ele pode me mandar o que for preciso...</p><p>-Olha aqui, mulher, o Amaro é seu pai, mas não meu padrasto. –disse ele pegando no braço dela. –Você sempre se considerou a especial, e por causa do seu jeito orgulhoso, o nosso casamento acabou...</p><p>-Nosso casamento não acabou, mas eu acho que você já não me ama mais.</p><p>Ferido ele baixou o tom da voz para fazê-la sentar-se ao seu lado.</p><p>-Eu investi em planos de seguros de vida para toda nossa família, incluindo um filho que nós o teremos um dia. –revelou olhando-a de lado.</p><p>-Seus investimentos sempre deram em prejuízos.</p><p>Tapando as orelhas com as mãos, Augusto fez cara de arrependido.</p><p>-Eu arrisquei e perdi, mas agora eu estou seguro de que tudo vai dar certo.</p><p>-Eu espero que dê mesmo, dessa vez.</p><p>Augusto iniciou á tirar a roupa, Fátima percebeu qual seria a intenção dele ao vê-lo olhando para ela com malícia, mas, ela não queria ser tratada por ele como a um objeto de prazer.</p><p>-Eu não vou fazer amor com você.</p><p>Augusto zangado vestiu-se e calçou os sapatos.</p><p>-Aonde você vai? –ele quis saber segurando-a pelo braço.</p><p>-Eu vou-me embora dessa casa.</p><p>-Senta aí. –disse ele jogando ela de volta na cama.</p><p>-Olha aqui, seu estúpido. –disse nervosa, se levantando. –Você acha que eu sou uma rapariga de ponta de rua que você compra com dez cruzeiros? Pois você está muito enganado. Eu sou sua esposa e mereço respeito. -vestindo as roupas ás pressas, ameaçou deixar o quarto.</p><p>-Eu vou sair e não volto para casa hoje. Você fica em casa.</p><p>-Só porque nós não conseguimos ter um filho você me trata desse jeito. Outros casais também não conseguem porque as esposas não podem, mas os esposos delas não ás maltratam como você faz comigo.</p><p>-Você é que não consegue gerar... pelo menos, um filho meu. Mas com outro homem você conseguiria. Não é isso que você está tentando dizer? –a fala dele foi seguida de uma explosão de nervos e, ele esmurrou a cabeceira da cama com muita raiva. –Droga, você está me traindo.</p><p>-Não Augusto, eu nunca te traí, mesmo sabendo que você tem um caso com a Maria. Por isso ela não veio trabalhar para nós. –disse enxugando os olhos, indo para de joelhos aos pés dele. –Vamos tentar de novo. O que está acontecendo com a nossa vida? Eu te amo...</p><p>-Veste logo uma roupa. –ordenou jogando nela as roupas para cobrir-lhe o corpo.</p><p>-O que está havendo entre nós não é normal. –disse ela assanhando os cabelos tentando não se estafar ainda mais. Quando ela bateu a porta, Augusto abriu e a alcançou.</p><p>-Venha cá. –disse ele avançando no braço dela, e puxou-a para a cama.</p><p>-Me solte Augusto. –ela se desvencilhou dele e foi descendo escada abaixo.</p><p>Ele conseguiu detê-la no patamar central.</p><p>-Se você tivesse me dado filhos nós não estaríamos nessa situação.</p><p>-Eu tentei e não tenho culpa por tê-lo perdido.</p><p>-Não. Você é a culpada sim.</p><p>Aos prantos, Fátima deslizou as costas á parede e sentou-se no largo degrau. O lindo rosto dela ganhou um aspecto sofrível e, as lágrimas escorriam dos seus olhos aos cantos de sua boca com os lábios retraídos por força da dor que dilacerava seu coração naquele momento.</p><p>-Eu vou sair. –Augusto avisou e a deixou chorando, e descia a escada abotoando a camisa, visivelmente contrariado.</p><p>Valquíria viu a patroa chorando no meio da escada. Ela foi até á ela. Ainda na escada ela encontrou com Augusto descendo ás pressas. No patamar central os dois se esbarraram, ela maliciosamente passou a mão no roso dele.</p><p>-Vá para a sua casa que não tem morador. Agorinha eu te encontro lá. -indicou com o braço esticado dedilhando os lábios trêmulos dele. E, subiu ligeiro para ir ter com Fátima.</p><p>-Patroa. –disse Valquíria curvando o corpo para segurar nos ombros de Fátima e levantá-la do piso. –Ah meu Deus! A senhora está queimando em febre. Engula alguns analgésicos sem água mesmo. Eu estava apavorada e vim correndo sem poder trazer...</p><p>Fátima descontrolada avançou no frasco e engoliu uma dosagem extra do remédio e deixou o frasco cair e rolar escada abaixo. O medicamente seria para fertilidade feminina misturada á remédio para dormir. Valquíria a levantou para conduzi-la ao quarto, onde ela á pôs sentada na cama.</p><p>-Não chore patroa. Ele só está um pouco preocupado com o trabalho dele.</p><p>-Não, não, enquanto eu não conseguir engravidar será sempre assim.</p><p>-Tente se acalmar.</p><p>-Obrigada, Valquíria.</p><p>-Agora deite e fique quietinha.</p><p>Ao beber os remédios, Fátima foi aos poucos se relaxando e ficando sonolenta. Valquíria cuidou de tirar-lhe toda a roupa. Em alguns segundos, o corpo nu de Fátima caiu mole, sobre a cama já dormindo um sono profundo.</p><p>-Assim... durma.</p><p>Valquíria foi ter com Augusto.</p><p>-Oi Patrão, não vá falar com ela agora. A patroa está muito nervosa com você. O Senhor Otero saberá cuidar dela.</p><p>-Eu sempre pensei que ela pudesse me dar filhos.</p><p>-Ah, você só está um pouco contrariado também. –disse ela indo á geladeira.</p><p>Augusto, atormentado esperou que ele trouxesse o calmante.</p><p>-Tome. Beba de uma vez.</p><p>Ele pegou o copo cheio e foi se sentar em uma das cadeiras no living de jantar, enquanto Valquíria terminava de lavar as louças do jantar.</p><p>Quando ela chegou á mesa, Augusto estava menos tenso e com um ar agradável no semblante.</p><p>-A Fátima é muito bonita. Mulheres como á ela não querem ter filhos, tão novas. Se eu pudesse daria á você esse filho que você tanto quer. Pena que eu não seja bonita como a patroa. Mas, se você quiser, nós podemos tentar ter um filho nosso.</p><p>Augusto deu um tempinho para reparar, assim, meio de soslaio, o corpo dela coberto pelo longo vestido de seda preto. Ela era uma mulher muito atual e queria se sentir a esplendorosa e invejada na alta sociedade paulistana.</p><p>-Você vai á uma festa?</p><p>-Não. –ela respondeu abrindo mais o decote em V.</p><p>-Você nem se parece com uma empregada doméstica. –Augusto observou se levantando.</p><p>-O patrão me acha bonita? Se você quiser, a gente pode ir lá fora e, aí você poderia me avaliar com mais exatidão sem que a patroa nos interrompa.</p><p>-Vá andando na frente e me espere no deck da piscina.</p><p>-Estou indo. Não demore. - deu uma piscadinha, um leve sorriso e foi.</p><p>Ele olhou para a extensão da escada conferindo se Fátima não os tivesse visto e ouvido. –ela não poderia estar. –e, ele foi atrás da empregada.</p><p>No deck, Augusto e Valquíria entravam em choque elétrico. A coxa da perna direita dela já esfolava a calça do lado esquerdo da coxa dele. E a boca dela queria engolir a dele.</p><p>-Você é sempre assim com as mulheres? –Valquíria perguntou enquanto quase o descabelava.</p><p>-Só com as que me despertam interesse. –respondeu beijando o pescoço dela.</p><p>–Eu quero fazer amor com você em cima da cama da Fátima todas as noites.</p><p>-Eu gosto desse jeito.</p><p>-Ahhh! -exclamou extasiada. –Eu sou todinha só sua.</p><p>-Eu tenho uma casa aqui perto, e ela está sem moradores, mas mobiliada. A gente pode ir morar lá.</p><p>Antes de dar a resposta, Valquíria fez com que Augusto baixasse a boca até a divisão dos seios dela.</p><p>-Ai que delícia, lamba-me toda!</p><p>Satisfazendo-a, ele fazia com que ela gemesse de prazer olhando para as estrelas daquela noite bem escura de lua minguante. Não se contendo mais de tanto desejo, Valquíria subiu o vestido e desceu a peça íntima guardadora da sua intimidade que estava sempre lubrificada e pronta para ser invadida.</p><p>-Me possua agora pra eu engravidar de você. Vamos para o seu quarto.</p><p>-Não. Aqui fora mesmo.</p><p>-Então vem. Preencha-me agora. –disse abrindo bem as pernas e encostando-se á coluna do deck.</p><p>Valquíria era assim. Suas fantasias sexuais a inebriava desde os seis anos idade, período em que ela era policiada pelos pais delas, que exigia com autoridade irrevogável a preservação de sua virgindade. Obediente ao pai e sua mãe, ela não ia para a cama com nenhum garoto do seu grupo de amigos, nem desconhecido. Porém, devassa desde sua idade infantil ela se satisfazia com legumes e lambidas de seu pequeno pônei de pelo malhado. Quando a senhora mãe dela flagrou-a cometendo tais obscenidades no celeiro, ela pediu segredo e á ameaçou prometendo matar a própria mãe quando ela estivesse dormindo. A mãe atemorizada contou ao esposo, que, por sua vez á escorraçou de casa juntamente com o pequeno animal. A avó a acolheu em sua casa. Anos depois, ela assistia á uma grotesca cena de sexo protagonizado por Valquíria e o pônei já adulto, no celeiro. A avó, horrorizada e temerosa, relatou tudo á Otero. O tio decidiu tirar proveito da natureza pervertida da menina. Otero iniciou relações sexuais com Valquíria ainda na fase de sua puberdade.</p><p>Augusto a tomou nos braços e a deitou no piso para satisfazer a tara dela por sexo a luz da lua.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> DÉBORA</p><p><br /></p><p>Era domingo, dia de culto em outubro de 1965. Detrás do último banco do grande e largo salão de culto, Augusto escutava atento toda a pregação do dirigente. Vez em quando, Débora ia até o local onde ele estava e dava-lhe um abraço e um beijo no rosto. –Eu estou tão feliz de te ver aqui tão bonito desse jeito. Essa camisa de manga longa branca e essa calça preta te fazem parecer um obreiro da obra do senhor. –depois ela voltava ao seu lugar de ordem.</p><p>-O Augusto é muito decente, não é irmã Carmem? –Débora perguntou enquanto batia palmas acompanhando um cântico de encerramento da ceia. Depois viria mais meia hora de pregação e mais uma oração sem hora para acabar.</p><p>-Ele é um amor. –respondeu olhando de lado para Augusto.</p><p>Alguns jovens e moças estavam também de pé dos lados de Augusto, mas a aglomeração se fiéis em volta dele não era suficiente para fazer que Débora não o conseguisse ver, pois ela sempre dava um jeito de acompanhar os movimentos dele.</p><p>-Ele está batendo palmas, mas será que ele está cantando corretamente? –ela observou. –Eu vou levar a harpa cristã para ele. Com licença Sara, Leandro, Renato, me deixem passar aqui entre vocês. Eu quero entregar uma harpa para o visitante. –disse Débora se contorcendo para chegar á Augusto.</p><p>-Olá Augusto! –disse ela.</p><p>-Vem se revestir com o sangue do senhor. Só ele te guarda do astuto tentador. –ele cantava batendo palmas, e não ouviu o que Débora lhe havia dito e nem a percebeu chegando.</p><p>Débora deu um sorriso a uma irmãzinha de pescoço um pouco avantajado que a olhou por cima e cutucou no braço do visitante.</p><p>-A irmã Débora está falando com você. –disse a jovem.</p><p>-Sim. O que foi que você falou? –ele teve que olhar para cima para ao menos distinguir o que a moça lhe falou. Ela era mais alto do que ele, pelo menos do começo do pescoço para o topo da cabeça.</p><p>Débora não quis esperar que a moça fizesse o favor de avisar ao animado visitante cantador, que ela queria a atenção dele. Era seu dever cuidar bem de todo visitante, e, ela cumpria bem o papel de cuidadora, mas algo especial foi brotando nela por ele, e era preciso que ela se controlasse para não botar os pés adiante das mãos.</p><p>-Augusto, eu vim te trazer a harpa para você seguir os cânticos. –falou mais alto.</p><p>-Tudo bem, eu consigo seguir os que cantam. Eu os decorei ouvindo você cantar lá em casa.</p><p>A aproximação da boca dela ao ouvido dela, a fez sentir um arrepio tomando o seu corpo, e, ela perdeu a postura e a coragem de também falar á ele ao pé do ouvido dele. Augusto percebeu.</p><p>-Por que você não vem mais aqui na igreja? É muito bom te ter conosco.</p><p>-Desculpe-me, mas eu não estou conseguindo te ouvir...</p><p>Novamente ela sentiu o corpo estremecer. Os pelos de sua pele se eriçaram fazendo-a se sentir como se o vestido branco de meia manga que ela usava, estivesse laceando em seu corpo. Talvez fosse o hálito puro e refrescante dele que ela sentia, ou podia ser que seria um aviso para que ela não se aproximasse tanto assim daquele jovem que atraiu a atenção de muitas moças ali, no momento em que ele chegou ao átrio da igreja e ficou em posição corporal ereta como um soldado na posição de sentido, fechando os olhos e aspirando o ar. –foi assim que fez antes de entrar nos domínios internos da casa de adoração.</p><p>-Mas no limiar de sua consciência, Débora tinha ciência de que ela sentiu a mesma sensação quando ele tocou a mão dela num cumprimento na casa dele e não quis soltá-la.</p><p>A cantoria continuava, e os cantantes seguiam cantando e batendo palmas. O Dirigente se fez de maestro sem batuta usando a bíblia como extensão das mãos para regência rítmica do cântico jubiloso.</p><p>O coração de Débora disparava á cada vez que ela, com a harpa cristã nas mãos, pensava em passá-la á Augusto, mas teria que se pôr mais próxima dele para que ele pudesse entender o que ela dissesse. Ela estava casada com o líder evangélico Norato. Em suas missões Débora sempre acompanhava o núcleo das irmãs, e sobre sua liderança, as religiosas eram sempre exortadas a não dar motivos e razões para as maledicências das pessoas permitindo que o povo as visse se misturando à homens, ainda que eles fossem seus irmãos em cristo.</p><p>-Eu quero beber água. Onde eu posso encontrar um bebedouro? –Augusto perguntou gesticulando.</p><p>-Me acompanhe que eu e levo até lá. O bebedouro fica próximo à entrada dos banheiros masculinos.</p><p>Ela devolveu a harpa à um rapaz vestido de calça social preta, camisa branca de manga abotoada até os pulsos, com gravata vermelha, e com Augusto saiu pela porta de entrada e foi com ele até ao fundo lateral da igreja. Andaram até alcançarem o bebedouro do lado dos homens. Seguindo na dianteira dele, Débora permitia que Augusto notasse toda região traseira dela. Não que ele a estivesse cobiçando, mas não tinha como deixar de reparar o corpo escultural dela. Seus olhos da cor de âmbar, e olhar profundo dava-lhe um semblante sereno e meigo em seu rosto de formato oval e traços delicados.</p><p>-Eu não sabia que sereias viessem à igreja. –Augusto alfinetou.</p><p>-O que você disse? –ela perguntou chegando ao bebedouro.</p><p>-Será que as sereias são convertidas à religião cristã, são morenas e de cabelos grandes desse jeito?</p><p>-Eu vou fingir que não ouvi o que você acabou de dizer.</p><p>-Se eu te ofendi me perdoe, mas você é muito apresentável.</p><p>-Por que você diz isso? -esperando pela resposta, ela ficou passando a mão na testa para enxugar as gotículas do suor que se formavam na pele dela naquela região. Estava quente naquela manhã e o calor do sol não era evitado pelas ralas folhas dos coqueiros plantados rente ao muro ao redor da igreja.</p><p>-Porque você não deixa de ser. –falou inclinando-se à torneira para beber água gelada do bebedouro.</p><p>-Eu só queria entender por quê. –disse ela, e entregou a ele um papel toalha.</p><p>-Pra quê isso?</p><p>-Pra você escrever o que você acha de mim, e depois me entregar quando acabar o culto.</p><p>-Eu gosto de dar elogios pessoalmente e frente a frente à elogiada.</p><p>-Aqui não. –disse ela olhando para a portaria da igreja.</p><p>-Lógico que não. O culto já está para terminar, e eu não gosto de esperar pelo fim.</p><p>-Aonde você quer se encontrar comigo? –ela perguntou olhando meio por baixo entre o vidro da janela basculante da igreja. Alguns jovens manifestavam as virtudes do alto.</p><p>-Está com medo de quem? -Augusto perguntou, enxugando os lábios.</p><p>Débora emudeceu por uns segundos.</p><p>-Do meu esposo.</p><p>-Estou indo embora. – disse Augusto, e foi-se.</p><p><br /></p><p>Havia sinal de esgotamento na fala e na postura de Débora. Ela massageava os ouvidos com as pontas dos dedos e olhava para o teto em gesso da sala de sua casa e movia o pescoço como quem precisava se relaxar. O texto que ela acabara de ler em sua bíblia dizia justamente a respeito de que a mulher prudente edifica a casa. Isso ela fazia sempre e, da melhor maneira possível. Mas ainda assim, Norato a tratava às vezes com brandura e cuidado, mas não em todos os momentos, ocasiões e situações da vida a dois. Algumas mulheres, e até mesmo alguns homens, ao serem abordados por ela que os levava a mensagem do evangelho, já haviam tecido comentários do tipo: - Lá vai a esposa do pastor comilão, referindo à boatos de que ele não deixava escapar uma irmãzinha bonita e inocente que frequentasse sua igreja.</p><p>Muitas e muitas vezes Débora enxugou dos seus olhos suas lágrimas, usando os seus próprios cabelos longos após haver sido surrada por seu esposo ao chegar à sua casa depois de um comentário despretensioso de irmãs que diziam que o irmão Norato podia levantar as mãos para o céu e agradecer à Deus por ter uma esposa tão linda e preciosa.</p><p>Novamente ela entristeceu o espírito e se pôs a chorar em silêncio e recordar de quando Augusto Rivera surgiu na vida dela levando-a a ser acusado pelo marido de estar com ele cometendo o pecado do adultério. Não seria justo dizer que existisse igualdade de imoralidade entre Débora e Norato, pois, nunca ficou claro que ela tivesse tido um caso extraconjugal. Em suas missões ela sempre acompanhava o núcleo das irmãs, e, sobre sua liderança, as religiosas eram sempre exortadas a não darem motivos e razões às maledicências das pessoas ao permitir que as pessoas às vissem se misturando à homens, ainda que eles fossem seus irmãos em cristo. Quanto à Norato, havia muitas dúvidas sobre a procedência dele fora da igreja. Ela admitia a si mesma que estaria nutrindo um sentimento muito forte por Augusto Rivera, e a cada dia o sentimento de amor, estranho amor por ele, ia enraizando no coração dela, e sempre que Norato a deixava sozinha, ela o procurava.</p><p>Quando Débora chegou à casa de Augusto Rivera a porta estava totalmente aberta, ela entrou e o encontrou sozinho tomando um suco de laranja e lendo um livro próximo ao calor da lareira. Ela se via como á uma intrusa invadindo a privacidade de um rapaz de hábito requintado e de aparência confiável.</p><p>Sempre que Débora o via chegando à casa dele, ela dizia à Norato que ela tinha que ir falar com uma irmã para tratar de assuntou sobre a programação da igreja. Mas, naquela noite, ela simplesmente ligou no trabalho de Norato e falou que iria a um encontro entre senhoras que se reuniria na casa de uma família para o trabalho de evangelização.</p><p>-Oi Débora, entre. –disse Augusto. – Você não quis ir ao culto agora á noite?</p><p>-Não. Agora á noite o culto será em outra cidade. Augusto, eu preciso falar com você.</p><p>-Outra hora a gente conversa. –tinha seriedade na voz dele.</p><p>-Então fique com Deus. –disse, e permaneceu no mesmo lugar. Dando um breve suspiro ela não chegou á ultrapassar a porta para voltar para casa.</p><p>Augusto balançou a cabeça consentindo.</p><p>-Decida o que você quer comigo...</p><p>-Eu tenho feito isso. –beijou o rosto dele, esperando qualquer reação diferente da parte dele. Ela não veio como o esperado.</p><p>A cor da pele morena dela era de tom único, dos pés á testa, e de textura hidratada. No rosto a suavidade das expressões a deixa com ar de mulher carente de carinho e atenção.</p><p>-Você está bem diferente hoje. –falou se sentando no outro assento. –Muito atraente.</p><p>-Você diz isso porque está me vendo de vestido curto. É estranho, não é?</p><p>-Não. Eu não acho. Depende muito do seu ponto de vista em relação ao que você pensa de algo diferente que você faz.</p><p>-É que eu me visto sempre de vestidos longos. Talvez você tenha me achado indecente. – passou os cabelos para as costas, e o movimento de sua cabeça fez seu busto avançar para frente. O gesto e mudança de posição a deixou com ar de quem já estaria decidida á ouvir todos os elogios que ele quisesse fazer á ela. Ela se recompôs baixando a barra do vestido até aos joelhos, junta os cabelos num molho só e os passa para frente do corpo. Seus olhos âmbar revelavam o grau de sua expectativa. -Você acha que sou muito oferecida?</p><p>-Não acho nada Débora, é que... eu estou te estranhando. Dias atrás, você me contou que desde a sua juventude você é crente, e que ainda era virgem. Mas você é casada.</p><p>-Sim Augusto, eu sou casada sim, com um homem que eu não o amo. Ainda hoje eu me pergunto se isso seria certo.</p><p>Augusto deu uma olhada pela sala conferindo se estava tudo em ordem. Faltava-lhe fazer a mesura de convidá-la á se sentar. Débora, não pensou duas vezes e se aconchegou no assento cruzando uma perna sobre a outra. Seu cabelo tornou-se como um cobertor cobrindo seu colo. Augusto observou que ela vestia um vestido simples de malha azul. Um pouco curto á ponto de deixar á mostra uns quatro centímetros á cima de seus joelhos com marcas de orações prolongadas, constantes. Débora percebeu a observada, mas não mudou de posição. Então ele passou as mãos nos cabelos, na calça e a convidou para se sentar do lado dele e uma cadeira de madeira envernizada, assento almofadado e com estampas florais. Débora deixou que ele pousasse o braço esquerdo sobre os ombros dela. Em seguida, o copo com o suco que ele bebia foi levado á boca dela. Ela bebeu.</p><p>O corpo dela pendeu para o lado do dele e, minutos depois, ela acordou na cama dele, sentindo que havia passado momento de prazer absoluto não experimentado com seu esposo Norato. Á partir de então, Débora passou á sentir os sintomas de sua gravidez.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> 08</p><p><br /></p><p>Durante o tempo que a empregada trabalhava para Fátima e Augusto, com Fátima tudo acontecia nas noites em que Augusto não estava em casa, e, ela não fazia ideia de que um impostor se passava por seu marido.</p><p>Com a patroa sempre inconsciente, incapaz de poder dizer sim ou não, ela foi ao imenso guarda-roupa, escolheu um vestido e o estendeu na em direção á patroa.</p><p>-Nossa, que chuva-de-prata, lindo. Você me empresta ele patroa? Ah, mas é claro, você vai ficar linda usando-o.</p><p>Do closet, ela trouxe um calçado.</p><p>-E esse tamanco Luiz xv pérola? Eu posso usá-lo também?</p><p>Com todo deboche, ela nem percebeu que alguém estava de braços cruzados olhando-a, com um sorriso cínico nos olhos e lábios.</p><p>-Cheguei. –disse Otero surpreendendo-a.</p><p>-Ai, você me mata de susto.</p><p>Descorando do portal da porta para dar passagem á ela, Otero fez sinal para que ela o deixasse á sós com Fátima.</p><p>-Eu cuido dela.</p><p>-Vê lá o que você vai fazer com a minha patroa. –ela o alertou e saiu levando vestido e tamancos.</p><p>O tamanho da cama daria para acomodar Fátima e Otero, se não fosse a grandiosidade da ânsia voraz dele roubando-lhe a noção de espaço físico. Primeiro, ele queria sentir a textura da pele macia do rosto dela. Com jeito, ele a ajeitou colocando a cabeça dela sobre suas pernas, para em seguida lamber o rosto dela de modo á umedecê-lo degustando-a de maneira animalesca. Depois da salivação, Otero debruçou-a para passear as mãos por toda região lombar do corpo de pele firme e curvas sinuosas. A sensação de estar na cama com a mulher de Augusto, o seu segundo maior desafeto, causava-lhe gozo sem ejaculação. Ele a virou de lado, de costas para ele, e despido colou o membro ereto dele entre as nádegas dela. Os dedos da mão direita se revezavam na cavidade central do corpo dela. Tal posição e toques, o faziam dar gemidos extasiados e emoções ímpares, mas também fez com que Fátima desse sinal de estar se despertando. Otero pulou da cama e apagou a luz.</p><p>-Augusto, é você?</p><p>Ele não respondeu. Fátima não estava em suas condições normais para perceber que o homem que acariciava suas partes íntimas seria o marido dela ou não. A dor de cabeça havia passado, mas seus sentidos desajustados, e seu psicológico abalado. Apenas a fragrância do mesmo perfume que Augusto usava foi o suficiente para fazer que ela se entregasse ao impostor de seu esposo. Mesmo sem querer e poder, mais pela obrigação, talvez, ou para não perder a postura de mulher que amava e pensava na satisfação sexual do marido, ela se deitou assim inteiramente sem querer, permitindo que ele se satisfizesse, pois, para ela, fazer sexo com ele, - Augusto. - naquela situação não passava de uma obrigação. Tudo que Fátima queria era dar prazer a ele.</p><p>Os minutos que passavam eram sem dúvida, muito prazerosos para Otero doente por sexo á qualquer hora do dia e com qualquer mulher que suportasse praticá-lo com um homem que só queria se vingar de seu próprio irmão, dando um neto á ele para arrancar uma lasca na fortuna repassada ao rebento ao completar dezoito anos de idade. Se fosse netas ela ás sacrificaria sem nenhum peso na consciência. Otero se comportava como se Fátima fosse uma cadela no cio, louca para ser atracada por um cão virulento.</p><p>Ai Augusto, você está me machucando. – ela tentava dizer, mas a voz não saía por razão de o efeito do sedativo ainda estar agindo no cérebro dela e a deixando quase inconsciente.</p><p>Ah, você é uma mulher e tanto – Otero avaliava em pensamento.</p><p>Numa explosão de êxtase ele começou a urrar feito o animal que ele era, e, Fátima sentia o jorro torrencial inundando suas entranhas.</p><p>Querendo aproveitar mais daquele momento tão esperado e satisfatório, Otero a virou com indelicadeza, e pondo-a de joelho e cotovelos sobre o colchão, ele se posicionou às costas dela. A segunda posição seria para que ele conseguisse penetrá-la com mais facilidade e não deixar que ela se conscientizasse de que não era Augusto que a violava numa posição que, para ela era indecente.</p><p>Fátima não tinha experiência como mulher e desconhecia tais desdobramentos para a prática de sexo entre ela e Augusto na hora do amor. Ela movimentava para frente e para trás por ter as mãos fortes de Otero abarcando seu quadril, forçando o corpo dela á se movimentar para frente e para trás. Termine logo com isso meu bem. – era o que discorria na mente dela, enquanto que o monstro se movimentava freneticamente por trás dela na posição canina. Nós vamos conseguir, meu amor! – pensava ela, com o rosto e os seios indo e voltando riçando o lençol.</p><p>Me sinta todo dentro de você, mulher deliciosa. Ahhh! – ejaculou e deixou sua cabeça e peitoral cair cansado sobre as costas dela.</p><p>Felizmente, a pouca potência sexual do insistente, não permitiu que ela se amaldiçoasse por ser possuída por ele. A segunda ejaculação, somente dele, aconteceu de modo á ter que trocar os lençóis. Otero estava satisfeito e saiu antes que Fátima acendesse a luz para enxergar quem sobrepujou o direito reservado apenas á seu marido Augusto. Quando ela finalmente pôde se ver claramente ela estava enojada por sentir o esperma dele escorrendo sobre as pernas dela. Até que finalmente conseguiu se livrar daquele líquido gosmento em suas coxas, ela se levantou e foi ao chuveiro para tomar banho.</p><p>Na manhã seguinte, tomando uma xícara de café, Fátima olhava pela vidraça da janela e viu que Augusto saía para o trabalho. Do portão ele acenou um tchau á ela. Fátima correspondeu Imediatamente ao aceno com um beijo jogado e um gesto insinuando que aquele beijo devesse tocar o coração dele. Era da parte dela o gesto mais íntimo e indicador do sentimento de amor que ela guardava dentro do coração. Olhou para o fundo da xícara e sentiu que havia se esquecido de adicionar o açúcar. Só então veio a sua memória, que ela sentia um cheiro forte de perfume enquanto sobre os lençóis na noite anterior ela fazia amor com ele, com a luz do quarto, apagada... –Augusto. –dissera ela indo correndo ao portão. –ao chegar, não o avistou mais. Voltava para dentro de casa quando viu a sacola de pão e leite deixada pelo Otero no pé da coluna do portão gradeado da casa. Ao pegar o embrulho o abriu e então viu um bilhete. E nas linhas estava escrito: – ontem nós fizemos amor como sempre temos feito. Você estava deliciosa como nas noites passadas. Assinado: Eu.</p><p>Fátima leu, releu, e mesmo não sabendo como foram as noites de amor, mas jamais passaria por sua cabeça, que ela havia estado com um demônio que a enganou e a tragou com seus enganos e encantos demoníaco, a tratou com falsa ternura, á ouviu com brandura fingida e a tocou com delicadeza e carinho. Para ela era o Augusto, pois, outro homem não a incomodaria em sua cama. Ela acreditava assim. No período da tarde de um dia no mês de novembro do ano 1965, ela foi buscar seus exames médicos. Voltou para casa e esperou pela chegada de Augusto. Quando o viu entrando na casa, ela o abraçou e Insinuou que queria passar a noite com ele novamente. Augusto alegou que precisava ficar sozinho no quarto para resolver alguns assuntos com o pai dele. Ela entregou á ele os resultados dos exames, deu-lhe um beijo de leve nos lábios e foi para a cozinha radiante de alegria. Augusto conferiu os resultados e foi á ela ao redor do fogão, a xingou, acusando-a de mulher traidora, safada, vagabunda e de outros adjetivos que a fez chorar muito naquela tarde do mês de novembro de 1965.</p><p>Ela havia conseguido engravidar e já estava na sexta semana de gestação.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> </p><p><br /></p><p> 10</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Quando Valquíria soube de sua gravidez, seria muito simples dizer á Augusto, que ela não fazia sexo com o marido dela, mas, ela não era uma mulher casada, e sim insaciável na arte do sexo. E por isso ela se submeteria á um exame para saber se ela estaria grávida. Então, ela foi à clínica especializada e exclusiva para as mulheres. Na parede de um corredor de acesso ás salas de exames, ela leu um cartaz de prevenção contra uma doença sexualmente transmissível. –previna-se, faça sexo seguro. Realmente as mulheres. –sérias-, estavam preocupadas com a possibilidade de contraírem doenças através do ato sexual com os seus esposos puladores de cercas. E essa doença maldita começava á se espelhar pela capital. E os médicos já alardeavam a população contra os riscos da infecção que afetava sistematicamente o sistema imunológico das pessoas, de maneira que as deixavam vulneráveis á qualquer outra enfermidade, e as levariam á morte sofrida. O perigo maior seria a proliferação da doença, pois a cura dela ainda era um grande desafio para a medicina da atualidade.</p><p>Exaustivas três horas depois, ela saiu de lá minuciosamente examinada.</p><p>Eu não acredito que o Augusto possa ter contraído doença sexualmente transmissiva. –ajeitou a alça da bolsa no ombro e saiu pisando firme em direção ao carro. Então, ela ligou o motor e saiu do estacionamento da clínica. Após alguns quarteirões superados na avenida, ela deparou com uma multidão em greve, -eram os metalúrgicos-. A manifestação na circular da praça á fez desviar para outra rua. Logo que manobrou o veículo para á esquerda, ela passava próxima á Confeitaria. Teve então que tirar os óculos de sol com lentes marrons para ter certeza de que era o Augusto quem estava andando com outra mulher. Maneirou a velocidade, e lentamente passou acompanhando os dois, sem que o casal a percebesse.</p><p>*Cafajeste.</p><p>Se sentindo traída pelo amante, ela estacionou e desceu do carro. Seu rosto estava vermelho de ódio. Olhou sua imagem no vidro lateral do automóvel, recolocou os óculos e entrou na loja de doces.</p><p>Alguns clientes estavam ali comendo bombas de chocolates e doces de morango e chantili. Augusto e a mulher estavam de costas para a porta de entrada. Não comiam nada, apenas bebiam refrigerantes. Valquíria não estava ali para deliciar-se com os doces. Então ela disfarçou a ira olhando e cumprimentando os fregueses com um olhar e um arquear de sobrancelha e seguindo até ao conquistador e sua acompanhante.</p><p>-Olá Augusto! –disse ela ignorando a mulher. –Eu estava te procurando. Que coincidência, a gente se encontrar aqui.</p><p>Sorrindo, ele se levantou.</p><p>-Oi Valquíria! –disse aproximando o rosto dele ao dela. –Eu estava falando de você.</p><p>-Por favor, não seja cínico. –falou baixo ao ouvido dele. –Eu não sou uma idiota.</p><p>-É claro que não. Você é a mulher mais bonita e elegante que eu já conheci. Sente-se. Essa é a Valquíria...</p><p>-Não seria a sua esposa também? –perguntou mostrando total á acompanhante dele.</p><p>-Nós estávamos falando sobre você...</p><p>-É! Eu imagino que sim. - ironizou. - O que ele te dizia sobre mim? Por acaso ele te disse que ele havia marcado um encontro comigo aqui?</p><p>-Valquíria...</p><p>-Tudo bem Augusto. Eu sei que eu fui uma...</p><p>-Valquíria Olha e veja onde você está. Se acalme. –fez sinal de baixa o tom. –Agora, sente do meu lado. Eu estou com saudade do seu abraço.</p><p>Agitada, mas se controlando para não explodir e dar um escândalo, ela levou as mãos trêmulas ao rosto e as deslizou ás orelhas e pescoço.</p><p>-Ai Augusto! O que você está fazendo comigo e com a minha vida? –sentou-se.</p><p>Vendo-a com as mãos no rosto corado de raiva, a outra resolveria ir embora.</p><p>-Eu vou ver o que eu posso fazer, mas você sabe que será muito complicado. Eu não consigo fazer nada sem antes ter o resultado dos exames. Ainda mais, se tratando de algo tão melindroso. –falou se levantando para sair. Com cara de contrariada e saiu sem dar um simples até mais aos dois.</p><p>Valquíria iria mesmo ao encontro dele para os dois poderem conversar sobre como estava sendo difícil para ela, ter que suportar a barra que á cada dia se tornava pior depois que ela passou á dar atenção e cuidado especial ao feto que ela trazia em seu ventre.</p><p>Quanto ao inusitado encontro era aquela típica situação a qual toda mulher alega não querer explicações, e diz contra a vontade: - eu não quero saber de suas desculpas. Dane-se você e essa vagabunda. - porém, ela se encontrava numa situação bem mais complicada. Qualquer cena de ciúme protagonizada por ela naquela hora seria uma demonstração clara de que Augusto a estava preterindo por outra mulher. Sentiu-se péssima por não ter avançado nos cabelos da outra e não tê-los arrancados com unhas e dentes. De qualquer forma, só lhe restava ouvir ás explicações de Augusto.</p><p>Ele foi até ao balcão e pediu duas mouses de maracujá. Sendo ele servido, ele voltou á mesa onde Valquíria ficara de perna direita cruzada sobre o joelho e balançando o pé de tanta ansiedade. Ele sentou-se de frente á ela.</p><p>-Eu entendo a sua desconfiança. –disse ele ao passar a guloseima á ela.</p><p>-Eu não quero comer. –disse ela afastando o pratinho. -Quem é ela? –perguntou ajeitando os cabelos detrás das orelhas.</p><p>-Uma mulher qualquer. –falou, mastigou e engoliu.</p><p>Valquíria não engoliu a desculpa, conhecia bem á Augusto, mas preferiu mudar de postura em relação á tudo.</p><p>-Eu só queria te dizer que os exames foram feitos. –puxou o pratinho para o seu lado e tascou o primeiro pedaço do rocambole.</p><p>Augusto á observava mastigando sem degustação.</p><p>-Mas, com certeza, eu estou grávida.</p><p>-Quando você for pegar os resultados dos seus exames, pegue os meus também. Eu estive no laboratório do lado da clínica, antes de você. Eu quero que você veja os resultados dos meus exames.</p><p>Valquíria afastou novamente o pratinho e o encarou nos olhos.</p><p>-Por que tudo isso Augusto?</p><p>-Não é por desconfiar de você.</p><p>-Então porque é?</p><p>-Coma primeiro. Depois a gente conversa sobre esse assunto.</p><p>-Eu estou evitando comer doces.</p><p>Tudo estava indigesto á ela. Não bastasse o fato de na madrugada ela ter feito sexo imaginário com uma legião de espíritos, ainda se segurar para não ter orgasmo sentindo o instrumento cilíndrico penetrando suas entranhas para colher o material para exames ginecológicos. E, tudo isso, para chegar ali e flagrá-lo com outra mulher.</p><p>-Tudo bem, então não coma. –pegou nas mãos dela e as cruzou ás dele sobre a mesa. –Eu tenho pensado muito em nós dois. Então eu quero que sejamos abertos um ao outro.</p><p>-Eu entendo você. –disse apertando as mãos dele. –Eu só me senti um pouco insegura. É difícil lidar com essas situações de gravidez.</p><p>-Eu sei, é sempre muito amedrontador passar por todo esse processo. Mas, você precisa ter certeza de que eu sou uma pessoa que não te oferece risco á sua saúde.</p><p>-Eu nunca desconfiei de você. Mas eu tive que fazer todos aqueles exames. Isso me deixou...</p><p>-Eu sei, eu sei. Não se preocupe com isso. Quando tudo ficar esclarecido, aí então nós teremos a oportunidade de nos entregar um ao outro, ou de sumirmos da vida um do outro.</p><p>-Assim você me deixa mais confusa em relação á nós dois. –disse soltando as mãos dele.</p><p>-Valquíria, você tem que entender que eu não quero que você pense que possa estar cometendo o maior erro da sua vida.</p><p>-Eu já pensei sobre tudo. Eu estou pronta para viver com você para o resto da vida. Se você quiser a gente pode mudar de cidade, ou eu posso mudar para a sua casa, se você não quiser ir para a minha. -ela abandonou o lugar dela e se sentou do lado dele. –Eu estou apaixonada por você e esperando um filho seu. E não me importo se outras mulheres poderão dar filhos á você também.</p><p>Augusto acarinhou os cabelos dela sobre o ombro e fez uma reflexão sobre tudo que estava acontecendo com ele.</p><p>-Val, eu preciso saber dos meus resultados de exames. Fátima, Darlene e Débora também terão filhos meus.</p><p>Como predito pelo profeto, na noite do dia 06/06/1966, mulheres enlouquecidas gritavam dentro nas dependências do sobrado que após aquela se chamaria A casa Maldita.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> O último Rivera. Parte III. Ano 1976. Goiânia</p><p><br /></p><p><br /></p><p> 11</p><p><br /></p><p>O clima estava frio, havia chovido na madrugada fazendo a manhã de segunda feira ficar embaçada e um leve vento frio fazia com que as pessoas usassem seus agasalhos. Na calçada da Avenida Goiás em Goiânia, entre uma multidão de pedestres que trafegavam num vai e vem constante, lá estava uma figura de corpo franzino, cabelos anelados cobrindo as orelhas, com uma caixa de graxa nas costas, andando veloz como quem não queria perder o ônibus. Era Ângelo apressado indo em direção à lanchonete para fazer o que ele mais sabia fazer: comer. Vivia a maior parte do tempo nas ruas engraxando sapatos, carregando sacolas de compras das mulheres aos apartamentos delas no centro da capital.</p><p>Quem eram seus pais, ele não podia responder. Sua própria existência era um mistério, o qual deixava as pessoas que o conheciam, um tanto quanto admiradas e ao mesmo tempo perplexas á tal fato. Alguns vizinhos comentavam entre eles o surgimento de um menino que de repente apareceu no bairro, sem a companhia de um adulto, um alguém que pudesse ser um parente próximo ou distante. Simplesmente surgiu, e, de onde viera ninguém saberia dizer.</p><p>Ângelo costumava dizer que apesar de ele não estudar em colégio convencional, - ainda que ele não soubesse o significado da palavra convencional, - fazia das ruas e avenidas suas salas de aulas, da vida, sua professora, e sobreviver, sua matéria mais importante.</p><p>–Ô seu Osvaldo, me dá um pão de quêjo e um café cum leite ai. –pediu, para depois se sentar num banquinho giratório sem encosto, fixado no piso por um cano cilíndrico de ferro, rente ao balcão.</p><p>–Frio ou quente Ângelo? –o atendente e sócio da lanchonete, perguntou terminando de lavar alguns copos, talheres e pratos na pia. –Frio ou quente? –repetiu enxugando as mãos numa flanela branca.</p><p>Ele não respondeu, pois estava de olho nos sapatos sujos de um cliente na mesa ao lado.</p><p>–Quer ingraxá ai freguês?</p><p>–Obrigado. –respondeu o cliente, e continuou lendo o jornal.</p><p>Ângelo girou sobre a banqueta, de volta ao balcão.</p><p>–Ô seu Osvaldo, me dá meu lanche ai. –pediu, erguendo as mãos.</p><p>–Agora, espera. –disse Osvaldo, que servia um café fumegante a outro cliente.</p><p>Ângelo ficou com os braços sobre o balcão.</p><p>–Pronto Ângelo. Quente ou frio?</p><p>–Quente.</p><p>O garçom o serviu.</p><p>Esfregou as mãos, tateou o copo conferindo a temperatura do misturado.</p><p>–Nossa! Esse trem esquenta memo!– exclamou enquanto ele olhava Osvaldo depositar as duas vasilhas de metal-inox dentro de um recipiente metálico cheio d’água fervente.</p><p>-Esquenta mesmo.</p><p>-Tanto faz seu Osvaldo. Cadê o meu pão de quêjo?</p><p>–Já vai, já vai. –respondeu preenchendo uma ficha-caixa para o freguês que pedira a conta. Recolheu copos, limpou o balcão com uma flanela cor de cenoura, e então serviu a quitanda á Ângelo.</p><p>–Correria hem seu Osvaldo!</p><p>–É, hoje eu estou só no atendimento... O bocão não veio.</p><p>–Deve tê pirdido o ôimbus.</p><p>–Ou então bebeu todas ontem, aquele lá bebe igual funil.</p><p>–Qué que eu ajudo o sinhô?</p><p>–Quero. Vai limpando o balcão e os tamboretes.</p><p>–Pera ai. –levantou, foi ate á calçada, encostou a caixa de graxas na parede e voltou para ajudar o bom atendente.</p><p>–Me dá um pano ai.</p><p>– Pega. –Osvaldo lançou á ele outra flanela umedecida.</p><p>Jenarinho, sócio de seu irmão Osvaldo, repunha balinhas, chicletes e cigarros nos expositores de vidro do caixa, vez e outra ele olhava para Ângelo limpando e ajeitando os assentos rentes ao balcão. E dizia consigo mesmo, se Ângelo fosse um pouco maior e mais velho, poderia lhe dar emprego na lanchonete. Gostava dele. Era um bom menino. Conhecera-o em um dia que ele estacionou seu carro na Avenida Goiás, e na pressa esqueceu o vidro aberto. Um elemento tentou roubar-lhe o toca-fitas. Ângelo o impedira dizendo que chamaria o dono do veículo. O malandro desistiu e Ângelo foi avisar ao descuidado dono: “Seu moço, o mala quiria roubar seu som, mas eu num deixei.” Jenarinho acreditou na conversa dele porque um transeunte confirmara a versão: “se não fosse esse engraxate, o seu toca-fitas já era.” Jenarinho perguntou á Ângelo sobre os pais dele, e Ângelo respondeu: “sei não. Eu vivo sozim nesse mundão de meu Deus.” Jenarinho farfalhou os cabelos dele e disse que ele era um bom menino. “Me dá um lanche, intão.” Desde então, Ângelo tornara seu apadrinhado, com direito de comer e beber sem pagar nada.</p><p>–Limpei tudo, agora mim dá a bassôra que eu vou barrê.</p><p>–Pega. –disse Osvaldo lançando a vassoura de cerdas macias.</p><p>Alguns minutos depois...</p><p>–Pronto. Cabei. Agora eu vô ingraxá.</p><p>–Poxa Ângelo, valeu pela força.</p><p>–Falô, seu Osvaldo. Tchau.</p><p>Com a caixa nas costas ele saiu oferecendo seus préstimos.</p><p><br /></p><p>Ele já havia já ganhado alguns trocados, pois o dia estava frio, mas não chovia. Num dado momento ele cogitou ir ate o mercado livre da cidade, mas desistiu da ideia ao saber que já estava chegando ás 11h30min e ele precisava se ver livre daquela sensação de vazio no estômago. Passou por uma loja e ao ver um corpo de material plástico, estático, vestido com roupas de grifes famosas, ele deduziu que fosse ali que Irmão Robson comprava suas roupas e calçados. E recordou de Frangão dizer em volta da fogueira que ele não “garrava” nem manequim de loja.</p><p>“Então é isso” Já sei. Vô cumê lá na viela da Cademia Hugo Nakamura. Nossa! E a minina que o biloca cunvessô cum ela sábado? Será que ela luta lá mermo? Vô passá lá, é bão que eu fico sabeno. Ih... E os cheracola?</p><p>*Banca de revistas*</p><p>–Moço, conto que é o gibi?</p><p>–Qual deles?</p><p>–Esse aqui ó. –apontou para o gibi do Homem Aranha.</p><p>–5 cruzeiros.</p><p>–Me dá ele intão. -desamarrou o dinheiro que estava amarrado pela cordinha do calção, pegou cinco cruzeiros, pagou ao homem da banca e seguiu.</p><p>Encostou a caixa de graxa na parede debaixo da marquise de um estabelecimento comercial, se sentou sobre a caixa e põe-se á ler. Decidiu que daquele momento em diante ia aprender a ler, escrever e falar corretamente, sozinho. Dali em diante, ele descobriria o beneficio da leitura.</p><p><br /></p><p>Da cerca de arame farpado que tinha um portão de madeira, Ângelo observava seu amigo ancião com um rodo na mão rapando a água da chuva que molhara o alpendre de sua pequena residência. Cândido Plates Rivera, um senhor de, cor clara, cabelos grisalhos lisos, olhos castanhos de olhar nostálgico, sua voz mansa e bem articulada transmitia sobriedade e um profundo conhecimento sobre os temas da vida. Ângelo gostava muito de escutar ele falar suas experiências vividas.</p><p>Cândido era um homem muito importante nos anos da ditadura militar. Profundo conhecedor de todas as artes reais que todos conhecem apenas na teoria. Através da arte musical ele conseguia influenciar pessoas e, ás fazia lutar contra o regime autoritário do governo. Suas letras e poesias continham mensagens subliminares que induziam os ouvintes á se tornarem revolucionários, mesmo sem causas para defenderem. Muitos cantores da época gravaram suas músicas, mas á maioria ou, talvez todos eles, tiveram suas canções censuradas e proibidas de serem tocadas nas rádios Brasileiras.</p><p>Quando o governo soube de quem era as inspirações que punha em risco a estabilidade do sistema governamental, por fazer com que a multidão fosse as ruas protestando e entoando as musicas composta por Cândido, eles se viram na obrigação de manter Cândido em seus domínios. Mas Cândido também fazia e, faz parte de uma ordem filosófica que o protege de tudo e de todos, porque ele ainda é o grande idealizador e formador de conceitos sobre o desenvolvimento intelectual. Tal prestígio o tornou intocável. Para fugir do assédio do governo, ele abandonou esposa e filho. Temendo pô-los sob ameaça, eles tiveram seus sobrenomes trocados. Então ele deixou o estado de São Paulo e se mudou para Goiânia, e desde então, ele abriu mão de tudo que possuía para viver uma vida simples e discreta, mas ainda seria o nome de maior respeito no meio da sociedade de poderosos. Através de seu conhecimento sobre psicologia humana, ele conhece as intenções mais ocultas de um ser humano pelo seu modo de andar ou ficar parado. Na música ele decodifica sinais gráficos da escrita musical, e usava desse talento apenas como pano de fundo para educar aqueles que ele captasse honradez em seu caráter.</p><p>-Seu Cândido, cumé que tá o sinhô?</p><p>-Ângelo, vem pra cá.</p><p>Ele seguia lentamente em direção do velho amigo, olhando de um lado e do outro o quintal de 12 metros de largura por 30 metros de comprimento, que seu Cândido trazia sempre carpido e bem varrido.</p><p>-O sinhô tá bão?</p><p>-Melhor agora que você chegou. -respondeu estendendo a mão á Ângelo em forma de cumprimento. -Senta. -apontou para uma cadeira de fios tipo espaguete que fazia par com outra idêntica.</p><p>-Brigado.</p><p>-Vejo que você pretende jogar bola.</p><p>-Quiria, mas num vai dá não.</p><p>-É... o tempo não está para futebol.</p><p>-O campim tá só o barro. O sinhô jogava bola?</p><p>-Sim. Eu fui ponta canhota.</p><p>-Ponta canhota ou ponta esquerda?</p><p>-Canhota.</p><p>-Ah, tanto faz, é a mesma coisa.</p><p>-Não Ângelo. Esquerda é relativo á direção e lado.</p><p>-Cumassim?</p><p>-Bom, vamos lá. Deixe-me te explicar. Quando você quer direcionar alguém você diz vai para a esquerda, ou então para a direita, não é?</p><p>-Hã, hã.</p><p>-Então. Mas se você não é destro de pé ou mão então você é canhoto.</p><p>Ângelo fez cara de quem ficara ainda mais confuso.</p><p>-Quê que é destro?</p><p>-Por exemplo, com qual pé você chuta a bola?</p><p>-Cus dois.</p><p>-Não. Com os dois você cairia.</p><p>-Cum corqué um é do mermo jeito.</p><p>-Então você é ambidestro.</p><p>-Piorô. Agora cumplicô mais ainda. -disse Ângelo coçando a cabeça com as duas mãos.</p><p>-Destro é direito, ambidestro é canhoto e destro, entendeu agora amiguinho?</p><p>-Intindi.</p><p>Cândido pediu licença e foi guardar o rodo. Ângelo o acompanhou com os olhos e notou que acima do batente superior da porta que era via de acesso da sala para a cozinha havia na parede um retrato tamanho 30x40 com quatro personagens. Ele deduziu que eram Cândido, sua esposa e seu casal de filhos.</p><p>O velho voltou trazendo duas laranjas e uma pequena faca de cozinha.</p><p>-Quer que eu descasque para você?</p><p>-Pricisa não. Parte ela em quatro que eu como até o bagaço.</p><p>-Sem desperdício. Você é inteligente.</p><p>Cândido partiu as duas laranjas como Ângelo sugeriu. Cuidadosamente ele tirava as sementes das partes da laranja antes de levá-las á boca. Ângelo não se dava ao trabalho, abocanhava o gomo, prendia-o com os dentes, com a mão desprendia a casca e numa espécie de trituração seletiva ele engolia o bagaço e cuspia na terra as sementes. Tudo isso observado pelo velho que, com um mudo sorriso dizia: coisas de criança.</p><p>Depois de um breve silencio.</p><p>-Seu Cândido, por que o sinhô mora sozim?</p><p>-Porque eu moro sozinho? –pigarreou. Bem, amiguinho, eu deixei São Paulo em 66. Minha esposa e meus filhos ficaram lá. Então eu vivo só. -Cândido relatou apoiando os cotovelos nos joelhos e com os dedos das mãos unidos formando uma espécie de pirâmide.</p><p>Ângelo notou no olhar distante de Cândido, que, aquela pergunta havia trazido á tona lembranças que o velhinho preferia não recordar.</p><p>-Que ruim néh!-Ângelo exclamou condoído.</p><p>Cândido permanecia imóvel olhando para o vazio do Horizonte.</p><p>-Seu Cândido, eu vô imbora. - avisou despertando-o de seu estado divagante.</p><p>-Sim... não Ângelo, fique mais.</p><p>-Eu tenho que i.</p><p>-Tudo bem, volte outro dia pra conversamos mais. Se você quiser aprender música, eu vou te ensinar.</p><p>-Tá bão.</p><p>Ângelo saiu novamente como saíra de casa, chutando uma bola imaginária.</p><p>Do terreiro, com uma mão sobre o portão e a outra na cintura, Cândido observava seu pequeno amigo se afastando, fazendo da rua enlameada seu campo de futebol imaginário.</p><p>-Vai amiguinho, fantasie o tempo de palhaço. Ria, se alegra, seja feliz o quanto pode porque o tempo na realidade é severo. -filosofou em silêncio.</p><p>“E você, que de tão burro que é, nem sabe falar direito” Ângelo recordou de todas as ofensas que ele e o coleguinha trocaram naquele dia e sentiu-se humilhado no momento em que o garoto o chamou de analfabeto.</p><p>Girou nos calcanhares.</p><p>-Seu Cândido, eu quero aprender musga.</p><p>-Então venha. Você tomou a decisão correta.</p><p>-Eu vô aprender á cunvessá direito?</p><p>-Sim, e muito mais.</p><p>Então, o pequeno Ângelo estava na casa de Cândido Plates Rivera para a sua primeira aula de música, quando naquela hora, de um Landau preto desceram duas pessoas, sendo um homem vestido em um terno preto, andando com o auxílio de uma bengala de madeira envernizada. Seu acompanhante era um menino loiro de olhos verdes. Ele andava lado á lado com o homem, em passos lentos, calculados.</p><p>Cândido os recebeu no alpendre.</p><p>-Mestre Cândido. – disse Amaro, com total respeito a autoridade de seu superior.</p><p>-Esteja livre de toda subserviência. Temos aqui igualdade de posições, camarada Amaro.</p><p>Amaro assentiu com um leve movimento de cabeça.</p><p>-Senhor Cândido, a sua bênção. – com a cabeça baixa o menino pediu.</p><p>-Que o grande e amável Deus universal o abençoe, Jorge. – respostou estendendo a mão em direção ao menino.</p><p>-Que assim seja, senhor Cândido.</p><p>-Entre e faça companhia ao coleguinha no círculo. – Cândido ordenou ao garotinho.</p><p>Jorge deixou transparecer em seus olhos toda alegria contida dentro de si, e foi depressa ao encontro de Ângelo.</p><p>Amaro viu-se surpreso com a notícia. Ele tinha que seu neto Jorge fosse o preferido e único aluno de Cândido. Todavia, ele não ousaria contestar nenhuma das determinações do líder-mor da Ordem Rivera.</p><p>Ângelo permanecia sentado no piso da sala, com as pernas cruzadas em x. Sua mente estava em estado imaginativo.</p><p>-Essa aula podia acabar logo, pra eu ir jogar bola no campim...</p><p>-Ei menino, eu conheço você.</p><p>De pé, Ângelo examinava o engomadinho</p><p>-Eu também te conheço.</p><p>-Quantos anos você tem?</p><p>-Quase dez.</p><p>-Toca aqui. – disse Jorge estendendo a mão.</p><p>Ângelo aceitou a proposta. Pegou na mão dele e abandonou o círculo. 0s dois meninos deram as mãos um ao outro e então teve início uma parceria que tinha tudo para dar errado. Jorge, garotinho bem afeiçoado, educado e rico. Ângelo nunca havia freqüentado uma sala de aula. Fazia das ruas a sua escola. Nas lições da vida nas ruas e avenidas da cidade ele aprendeu que devia defender seu território de possíveis intrusos, e, Jorge estava com seu jeito todo alinhado invadindo seu ponto de estudo musical.</p><p>-Vamos brincar. – disse Jorge com empolgação.</p><p>-Vambora... não. Com esse terno e essa gravata você não pode jogar bola.</p><p>-Quem disse?</p><p><br /></p><p>Naquela hora da manhã o sol já aquecia a terra e os corpos dos descamisados, pois na falta de uniformes as equipes eram divididas em de camisas e sem camisas. O terno branco do garotinho Jorge ganhou uma cor vermelho terra. Ângelo aplicou dribles desconcertantes e marcou algumas dezenas de gols no campinho, com seu coleguinha Jorge sendo o goleiro do time dele.</p><p>Mas, a turma de meninos foi se dispersando aos poucos, até os dois fujões perceberem que já estava na hora de irem embora também. Jorge tinha quase a mesma idade de Ângelo, um pouco mais magro. A maior aventura dele era passar horas nadando na piscina em sua mansão, e, em alguns intervalos da aula de música, Cândido dava á ele o direito de subir no pé de abacates para colher alguns frutos. Numa tarde de domingo ele viu Ângelo que vinha do campinho de futebol, e passou na casa de Cândido para conversar um pouco com o velhinho. Jorge perdeu a oportunidade de fazer amizade com um menino de classe social diferente da dele. Desde então, o filhinho de papai percebeu que seus eram dias monótonos e chatos. Quando ele jogava videogame, ele desejava estar brincando com aquele menino pobre, todo sujo e feliz.</p><p>-Você viu que golaço que eu fiz lá do meio do campo, Jorge?</p><p>-Ah, que nada, você tentou foi lançar para aquele neguinho.</p><p>-Foi nada. Eu vi o goleiro adiantado, e só cobri com categoria.</p><p>-Nossa, ele é ruim demais, no gol, e levou cada frango.</p><p>-Né não. É porque o nosso time hoje estava bom. Eu, você, o Bigú e os outros lá que eu num sei os nomes, jogamos pra caramba. Mas, você viu o tanto que o Fernandinho é bom?</p><p>-Aonde é que ele mora? Ele parece o Zico. - Jorge comparou.</p><p>-Parece mesmo. Ele mora lá no Jardim Progresso. Vamos jogar no campo de lá?</p><p>-Eu não posso. O meu pai vai me dar um castigo por eu ter perdido a aula de hoje. Beleza. Agora nós dois somos amigos para sempre.</p><p>-Só o tempo dirá, como diz o senhor Cândido.</p><p>-Ângelo, você vai continuar estudando música com o Senhor Cândido?</p><p>-Claro que vou. E quero ser professor de muitos alunos.</p><p>-Boa sorte então.</p><p>Ângelo despediu-se de seu amigo Jorge e seguiu para sua casa.</p><p>-Bateu, chutô e... Goool! Golaço de Ânzico. Camisa número 10.</p><p><br /></p><p>Na casa de Cândido tudo já estava preparado para o início do aprendizado do menino. No piso havia um círculo desenhado á pó de giz branco. Dentro do círculo, quatro desenhos de seres humanos, um copo cheio de água, um punhado de terra, uma tocha de fogo e uma biruta. O último desenho, Ângelo não conseguiu determinar o que seria. Cândido pediu para que ele se sentasse no centro do círculo. Ele se sentou e começou a indagá-lo.</p><p>-Isso aqui é um coador, seu Cândido?</p><p>-Não, amiguinho. É que eu não sei desenhar o ar e nem o vento.</p><p>-O que isso tem a ver cum musga?</p><p>-Com música, tudo. A estrutura da música é o Som, nas seguintes vozes: Soprano, Contralto, Tenor e Baixo. Os e elementos físicos da estrutura do universo são: Terra, Água, Ar e Fogo. Numa representação simbológica do universo musical com o universo planetário, podemos correlacionar os elementos de um e de outro universo.</p><p>-Cumassim?– perguntou por não ter entendido nada.</p><p>Cândido sentou-se de frente a ele, mas fora do círculo.</p><p>-Veja a água. Ela representa o soprano porque ela é o elemento de maior volume no nosso planeta, assim como o Soprano é o som de maior consistência em uma música. O ar representa o Contralto porque assim como o ar penetra em todo orifício, brecha e aberturas, o contralto tem a função de preencher as lacunas deixadas pelas outras vozes em uma música em execução. O Fogo significa o Tenor. Estes elementos são encontrados, tanto no planeta, como também na música. Há de se tomar cuidado com a maneira de soprar um instrumento. O ar empregado não pode ser mal dosado.</p><p>-Eu sei que o vento forte estraga tudo e faz uma disgrameira danada. - disse, com as unhas riscando o couro cabeludo. – E esse montim de terra aqui?</p><p>O velho riu achando engraçado.</p><p>-Sim, a terra. Bem, amiguinho, a terra simboliza o Baixo, pois, a terra é que dá sustentação aos outros elementos na estrutura terrestre. E, é o baixo que dá base para as outras vozes. Por exemplo: sem a terra, a água não segue seu curso ordenadamente. O fogo não tem base sólida para sustentar sua chama. O Ar se torna rarefeito. Tal como, sem o Baixo, o Soprano fica sem a marcação pulsativa. O Contralto não pode se espalhar de modo a reparar e oxigenar lacunas entre os outros elementos. O Tenor fica sem base para a propagação de sua expressividade sonora.</p><p>-Beleza, eu aprendi.</p><p>Daquele dia em diante, Ângelo tornou-se aprendiz direto do Cândido Plates Rivera que o disciplinaria usando seus manuscritos como manual de moral e conduta.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p> 1984</p><p><br /></p><p>Para Ângelo, o simples manuscrito seria mais um conto inspirado e escrito por algum desocupado que não teria nada de melhor á fazer do que compor uma “estória” de amor transcendente entre um rapaz e uma moça que não podiam se coabitar formalmente numa união conjugal. No entanto, as mortes de três casais, no ano 1945, o surgimento de um profeta afirmando a existência de um iluminado entre os moradores da cidade, profetizando os nascimentos de mais dois iluminados de segunda e terceira geração oriundas do primeiro, para ele não teria sido apenas uma introjeção de personagens fictícios para incorporar ao conto uma expectação de mistério ao entendimento de quem o lesse, afinal de contas, os únicos á possuírem os manuscritos eram Ângelo e Jorge Guilher Vidigal. Alguns pontos cruciais contidos nos dois manuscritos a respeito dos ditos iluminados, o que Ângelo pôde constatar, era que o profeta não fora assertivo em ralação ao caráter pessoal, moral e espiritual do segundo membro da filiação dos iluminados. Cada cabeça é seu guia, e os atos de cada indivíduo estão sujeitos as suas vontades e desejos. Quanto ao terceiro, talvez ele fosse a prova cabal de que o profeta teria mesmo feito profecias á revelias.</p><p>A partir do dia em que ele fora adotado por Cândido, ele teve que ler e procurar entender o que lhe estaria sendo passado através do manuscrito que contava um pouco do tempo em que Cândido era ainda jovem e se apaixonara por uma moça chamada Dolores, mas que, por vias do destino, a união entre os dois não pôde se consolidar.</p><p>Numa noite chuvosa de inverno do ano 1980, Ângelo estava no círculo ao centro do cômodo onde ele meditava de olhos fechados sobre as ilusões humanas. Depois de uma hora e meia de meditação sobre o sentimento Paixão, ele formalizou uma dissertação á ser apresentada á Cândido Plates Rivera. Em poucas palavras ele disse que Paixão seria a cegueira aos olhos sadios, a surdez aos ouvidos saudáveis, a insipidez ao paladar perfeito, a insensibilidade ao tato sensível, a inolência ao olfato funcional, em síntese, a inoperância dos sentidos.</p><p>“Bravo” -disse o auditor satisfeito com o desenvolvimento filosófico do pequeno aprendiz.</p><p>Ângelo indagou o que Cândido queria passar a ele. O velho revelou que por ele estar apaixonado por Dolores, seus sentidos foram estorvados de compreenderem a iminência de uma tragédia anunciada. Ângelo observou: “Mas, o senhor ouviu o aviso do senhor Amaro que o alertou sobre o defeito no cinto de segurança.”</p><p>Pegando de volta o manuscrito, ele disse: “Sim. Ele me avisou a respeito do cinto. Amaro me alertou sobre o defeito com o cinto de segurança.” – repetiu de modo emblemático.</p><p>Ângelo voltou a meditar. – “O defeito no cinto” - balbuciou.</p><p>Cândido franziu o cenho e entregou á ele outro manuscrito. Parecia ser relatos que contava um pouco da juventude de outro jovem, mas continha também participação de terceiros e aspectos de sentimentos das demais pessoas envolvidas no que pareceia ser a narrativa de outro drama familiar.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>Ele estava com a consciência limpa quanto ao que ele faria e com quem faria algo para descobrir sobre si mesmo, mas profundamente estarrecido pelo que lhe foi apresentado pelo amigo Jorge, teria ele que levar á sério o que ele julgava ser apenas um manuscrito de contos de amores e horrores.</p><p>O corredor do hospital estava repleto de pessoas querendo ver um parente enfermo. Algumas pessoas choravam por saber que a morte rondava seu ente querido. Entre os visitantes, estava Ângelo esperando chegar o momento de encontrar seu velho amigo Cândido, e dessa vez gozando um pouco mais de saúde, embora a palavra saúde não combine nada com um leito de hospital, mas a esperança era de que ele estivesse melhor.</p><p>-Oi, bom dia! –disse ele ao funcionário da recepção. –Eu vim visitar o senhor Cândido Plates Rivera.</p><p>Antes que o funcionário lhe respondesse, um médico se aproximou.</p><p>-Bom dia, meu rapaz! De onde vens?</p><p>-Bom dia! Venho de não muito longe.</p><p>-O que trazes contigo?</p><p>-Esperança. –Ângelo concluiu.</p><p>Eles se cumprimentaram com abraço e apertos de mãos, e seguiram para a unidade de tratamento intensivo.</p><p>-Ele está melhor hoje doutor?</p><p>-Sim. Vem tendo melhoras á cada dia, desde a sua ultima visita, mas é melhor que você mesmo veja. –o médico abriu a porta.</p><p>Ângelo caminhou rápido em direção ao leito.</p><p>-Seu Cândido! –quase gritou ao vê-lo sentado, com os olhos abertos.</p><p>-Meu amiguinho. –falou abrindo os braços. –Eu estava com saudades de você.</p><p>-Eu estive aqui, dias atrás. –pronunciou abraçado á ele.</p><p>O médico ficou observando os dois que estavam muito felizes com a agradável surpresa. Ângelo se sentou sobre a cama ao lado de Cândido, e os dois ficaram conversando. Enquanto isso, o medico foi á outros pacientes.</p><p>-Seu Cândido eu trouxe algumas amigas nossas para visitar o senhor, mas na portaria eles me informaram que apenas eu poderia entrar.</p><p>-Diga á Eduarda, Eunice e Vanessa, que eu ás agradeço por tudo.</p><p>-Acertou em cheio os nomes das nossas amigas que vieram comigo. Eu vejo que o senhor está muito bem seu Cândido.</p><p>-Eu tenho tido melhoras sim Ângelo, mas dentro de um hospital em uma UTI, tudo é muito incerto. É como uma caixa d’água. Quando ela está vazia, a tendência é encher, porém, quando ela está cheia a tendência é esvaziar. Você me entende?</p><p>-Sim, entendo. –respondeu com voz triste.</p><p>Ângelo conhecia bem a metáfora de seu amigo, por isso o semblante dele decaiu no momento que o velho á proferiu. Mesmo não ouvindo mais o barulhinho dos aparelhos que não estavam mais ligados em Cândido, ainda assim, Ângelo sentia-se inseguro quanto á saúde dele, e depois do que ele disse, ficou ainda mais em estado de alerta.</p><p>-Seu Cândido, dias atrás eu estava arrumando algumas coisas na casa do senhor...</p><p>-Na sua casa, meu amiguinho Ângelo. –o velho o corrigiu. –A Débora está passando bem também?</p><p>-Está tudo bem com ela. Aí eu encontrei uma foto com três pessoas.</p><p>-Um era o Augusto...</p><p>-Fátima e Dolores. –o velho completou.</p><p>Lágrimas brotaram dos olhos do ancião, e por um instante ele não queria falar sobre sua família. Ângelo permaneceu em silencio procurando evitar que seu amigo viesse á ficar ainda mais abatido. Seu Cândido nunca havia dito nada sobre sua família á Ângelo que só perguntou uma vez á ele quem seria aquelas três pessoas da fotografia na parede, recebeu apenas uma resposta de que os personagens eram filho, nora e esposa dele, mas ele não revelou lhe o nome de nenhum deles.</p><p>-Seu Cândido, o senhor sabe o que aconteceu com eles?</p><p>-Talvez seja melhor que eu viva e morra sem a resposta.</p><p>Foi como se uma flecha atingisse o coração de Ângelo.</p><p>-O senhor quer se deitar? –perguntou tomando a mão do velho e segurando no ombro dele.</p><p>-Eu consigo me deitar.</p><p>-Sim, seu Cândido, eu cuidarei de seguir os seus conselhos.</p><p>Ângelo olhou para a pequena mesa do lado da cama do velho e viu que ela estava ocupada por uma folha de papel com as inscrições dos elementos da estrutura terrestre.</p><p>-Você é um bom garoto.</p><p>Ele apenas assentiu com um movimentar de cabeça.</p><p>-Obrigado, seu Cândido. Mas por que, terra, água, ar e fogo?</p><p>-Você entenderá no momento certo. Saberá também, como administrá-los.</p><p>-Sim, seu Cândido. Eu entendo bem.</p><p>-Tudo bem com o velho mestre? –o médico perguntou ao se aproximar.</p><p>Conferindo a pulsação e a temperatura do paciente, o médico constatou que seu quadro ia aos poucos melhorando, mas por precaução era melhor que ele descansasse um pouco mais.</p><p>–Eu acho que ele agora precisa de um repouso.</p><p>-Tudo bem doutor, então eu já vou indo. Seu Cândido, domingo que vem eu virei visitar o senhor outra vez.</p><p>-Vai amiguinho... ainda nos veremos outras vezes.</p><p>Ângelo se levantou para ir embora e foi acompanhado pelo médico até a porta de saída.</p><p>-Ângelo. –disse o médico. -Da bagagem de um homem bom se extrai toda sorte de bens preciosos...</p><p>-Se o seu coração não se corrompe, justiça e honra são seus bens mais valiosos. -Ângelo completou.</p><p>Eles se abraçaram novamente e se despediram com o aperto de mão incomum.</p><p>Ângelo foi embora, o doutor voltou ao leito de Cândido.</p><p>-Lapidação é um processo lento, mas esse garoto parece estar bem polido, velho mestre. –disse á Cândido.</p><p>-Quando a pedra é muito bruta o cinzel se faz mais útil. Porém, o meu amiguinho não deixou se macular com as arestas mundanas.</p><p>-Sábias palavras. Agora descanse. –o médico ordenou cobrindo-lhe as pernas.</p><p>O que estava escrito naquela folha de papel sobre a mesinha era nada mais nada menos que um pequeno trecho musical com modulação de compasso, do quaternário inicial para o ternário. Haviam fermatas sobre as barraras de compassos, para a parte harmônica, apenas. E também mudança de tom, e referências à substituição da escala maior pela menor. Ângelo ocupar-se-ia de pensar à respeito dos nomes contidos no pentagrama, numa outra hora. </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p>O senhor Amaro teria muito que contar à ele sobre Jorge e Augusto.</p><p>Entre as poucas pessoas que andavam de um lado e outro na sala de exposições de pinturas plásticas e esculturas, ele encontrou senhor Amaro em pé, com as mãos para trás segurando a bengala de madeira ocre combinando com a cor do terno dele. Amaro, o segundo homem na hierarquia do poder da Ordem Rivera. Nasceu em São Paulo e continuava vivendo na mesma cidade á 63 anos. Homem de sobriedade notável e caráter admirável. Embora, ele fosse descendente de linhagem germânica, nasceu no Brasil e não herdou nenhuma característica física dos escandinavos, nem a crueza dos Vikings em seu aspecto facial. Olhar sereno, analítico, porém. Pálpebras formando bolsas, rosto largo, bochechas fartas e já um pouco caídas. Um autêntico conservador das marcas deixadas pelo tempo. Viera à Goiânia para acompanhar o estado de saúde de Cândido Plates Rivera, seu superior.</p><p>Ângelo o observou por um instante enquanto ele tateava os traços faciais de uma escultura em mármore. Ao terminar de tateá-la, ele deu dois passos para o lado e ficou paralisado diante da tela de Lasar Segall. Depois de analisá-la por mais cinco minutos exatos, cronometrado em seu relógio, Ângelo colocou-se do lado dele e ficou em silêncio respeitoso. Amaro. permanecia imóvel.</p><p>“Dois seres” - Ângelo leu na plaquetinha abaixo do quadro.</p><p>O expressionismo representado na tela não impressionava Ângelo tanto quanto a expressão de profundo encantamento nos olhos do grande homem da Ordem Rivera. Seus olhos abertos brilhavam como os de alguém que vislumbrava algo mágico. Ângelo não conseguia entender tamanho encanto. Então Amaro segurou no ombro direito dele. Por alguns segundos, Amaro só queria sentir a presença do garoto de ouro que ele muito desejava poder revê-lo.</p><p>Ângelo permaneceu calado recordando do dia em que Amaro o tocou pela primeira vez. Foi numa noite de inverno muito chuvoso e frio de Goiânia. Amaro fora convidado a ir á casa onde ele morava com Cândido para a comemoração do seu décimo aniversário, logo assim que ele tornou-se pupilo do brilhante Cândido Plates Rivera.</p><p>–Você cresceu e se tornou um rapaz precocemente amadurecido.</p><p>–Tive o melhor tutor que se pode ter.</p><p>–Lembra-se de mim?</p><p>–Sim. O senhor me deu a minha primeira bola de capotão.</p><p>–E também fui o culpado pela sua primeira torção no dedo do pé direito.</p><p>–No meu décimo primeiro aniversário, o senhor me deu o livro.</p><p>–A sua inteligência já na idade infantil, bem cedo demonstrava que você seria um livre pensador.</p><p>–O senhor sempre foi um homem de personalidade altruísta e um eterno aprendiz em busca de conhecimento. Tudo que o senhor me deu significava para mim apenas um presente de aniversário, mas o senhor Cândido me revelava o verdadeiro significado de suas ações para comigo. Mas no meu décimo quinto aniversário, o senhor me deu um bonequinho feito de cera, e, ele parecia triste e abandonado. Quanto a esse presente, o senhor Cândido não quis me dar uma explicação. Por que, senhor Amaro?</p><p>–Eu devo isso a você. –se dispôs com sincero ato de solidariedade. –Mas, não fui eu que o presenteou. Talvez fora Cândido. – e calou-se.</p><p>O que Ângelo soube foi que Iolanda era artesã e fazia objetos parecidos aos que ela imaginava e os cobriam com cera. Cândido havia contado que aquele bonequinho foi feito anteriormente ao nascimento de Ângelo. E que foi mesmo uma pena ela ter partido sem tê-lo conhecido.</p><p>-O senhor sabe quem o deu a mim?</p><p>Amaro meneou a cabeça de forma negativa, segurando a bengala às suas costas, tendo do seu lado Ângelo que mantinha as mãos para trás e de cabeça baixa em sinal de respeito e submissão à ele.</p><p>Ângelo achava que havia muito mais para ser descoberto. Sua filiação era um mistério. Dos seus pais biológicos nenhuma fotografia ficou. Nenhum parente de primeiro ou qualquer que fosse o grau. Seu nome Ângelo Ráusen júnior parecia não possuir sobrenome. Por que toda fortuna em dinheiro e propriedades de Cândido Plates Rivera pertenceria a ele, mesmo com ele ainda vivendo? Tanto prestígio entre os membros da Ordem Rivera esparramados pelo país inteiro, e, todos os privilégios por ele usufruído. Para Ângelo, ao ir ter com Amaro lhe seria revelado o real motivo de sua existência.</p><p>–Eu sou neto legítimo do senhor Cândido?</p><p>Com um simples gesto braçal e balançar de cabeça, afirmou que ele não tinha certeza de nada.</p><p>–Algo mais, senhor Amaro?</p><p>–Foi verdadeira a minha demonstração de companheirismo quando eu estendi a minha mão a você caído no calçamento do quintal e falei que se por acaso você caísse outra vez, teria sempre uma mão amiga para te ajudar à se levantar.</p><p>–Sim senhor. Porém, eu tenho algo muito importante a resolver e preciso de sua permissão.</p><p>–Eu quero que você saiba que todos os nossos irmãos, do mais simples ao mais elevado em posição, são compromissados com a verdade.</p><p>–Eu jamais duvidaria do bom caráter de nenhum de nós. No entanto, não poderei mais viver sem conhecer a verdade sobre minha própria existência.</p><p>–Você tem o direito de usar todos os métodos legais para se chegar á uma conclusão sobre a impossibilidade de você ser filho do Augusto. Augusto Rivera era um sedutor inveterado e teve muitas mulheres. Era insaciável e não se satisfazia sexualmente com uma mulher apenas. Eu vivo dizendo aos nossos irmãos, que você não tem as características morais dele. Tente evitar as suas colegas de trabalho, e, sobretudo, Gisele. Eu soube que ela tem feito terapias para superar um sentimento reprimido, e acredito que diz respeito à sua relação com ela.</p><p>–Não seria por ela não ter um bom relacionamento com o Alceu e o Jorge?</p><p>Amaro inflou os peitos fazendo os ombros se erguerem. Conteve-se á dizer algo sobre os dissabores da vida de Gisele em convívio com Alceu e o filho.</p><p>–O senhor Cândido e a senhora Dolores deserdaram Ângelo?</p><p>–Cândido e Iolanda não se conformavam com as depravações do pervertido. Quanto á você, ele não pôde assinar a carta circular que estipula os seus limites de deslocamentos. Sem essas diretrizes por escrito e assinadas por ele, você desfruta de livre arbítrio no tocante ao seu caráter moral imaculado. No entanto, eu peço á você que não nos decepcione.</p><p>–O que o impediu de assinar?</p><p>–Por telefone ele me disse que a mão direita dele já não consegue mais nem ao menos tatear o baú.</p><p>Ângelo assimilou bem a mensagem. Mas, tal como ele, Cândido era Ambidestro de pés e mãos.</p><p>-Eu noto que você deseja muito saber sobre mim e Cândido. Eu me tornei amigo dele logo assim que ele tornou-se o principal suspeito de ter assassinado alguns homens muito importantes da sociedade paulistana. Cândido os conhecia desde os anos 40...</p><p>-Não me leve á mal, mas, eu já conheço essa história. O livro que o senhor Cândido me deu, também conta sobre esse episódio envolvendo o senhor e ele. Eu preciso que o senhor me conceda liberdade para gastos extras. Existem algumas pessoas que eu terei de garantir total segurança á elas, mas, eu não quero que o senhor Cândido saiba que, se algo de ruim acontecer com elas, ele é quem terá que arcar com...</p><p>-Certo, eu entendo. Não se preocupe com a estrutura financeira disponibilizada á você, da minha parte.</p><p>-Agradecido. E, até mais ver, senhor Amaro. -e saiu deixando-o em seu estado contemplativo.</p><p>****<span style="white-space: pre;"> </span></p><p><br /></p><p>Débora tomou banho e foi para o quarto dela procurar uma roupa para vestir, mas ela mudou de ideia e, não se vestiu. No espelho da penteadeira, ela se via completamente nua, avaliando os contornos de seu corpo. Ela fora à loja de cosméticos, comprou maquiagens e guardou-as na penteadeira.</p><p>Seria a hora de ela deixar de lado os exemplos das santas mulheres servas do senhor, para experimentar um pouquinho só da vaidade e luxúria de Jezabel. O batom vermelho deixou os lábios dela ainda mais atrativos. O rímel, a sombra e a base foram por ela comprados desnecessariamente, pois ela não sabia como usà-los. Apostaria suas fichas usando suas únicas cartas: seus atributos físicos, e, a aparição de um inseto causador de pavor à quase todas as mulheres.</p><p>–Ângelo, socorro, corre aqui. Corre Ângelo.</p><p>–O que foi, Débora? –perguntou gritado e correndo.</p><p>Quando ele entrou no quarto ela estava sapateando em cima da cama.</p><p>–Uma lacraia... ela estava na minha roupa de dormir.</p><p>Ângelo ajoelhou sobre o piso e conferiu debaixo da cama... no abajur. Nem sinal da lacraia. Arredou a penteadeira e constatou que o inseto não estaria por ali detrás do móvel. Colocando-se de pé, deparou com Débora com a frente do corpo virado para a parede dando a ele a oportunidade de vislumbrar sua retaguarda sem nem ao menos a cobertura dos cabelos dela. Aproveitou o ensejo para se certificar de que Débora fora contemplada com a dàdiva da beleza física dos pés à cabeça, frente e verso. E, que ele teria vindo ao mundo com a missão de se sacrificar para não aproveitar das oportunidades que a vida lhe oferecia.</p><p>–Achou a lacraia, Ângelo? –ela perguntou virando-se para ele.</p><p>–Não Débora. –respondeu abafando a respiração com as mãos. –Por que você faz assim comigo? –foi ter com a parede, colou os antebraços nela, demonstrando todo seu esforço para não perder o controle da situação, chutava fraco o rodapé da cerâmica.</p><p>Ela desceu da cama e se pôs entre ele e a parede. Deixando marcas de batom no rosto dele, ela guiou as mãos dele por todas as vias anatômicas do corpo quente dela.</p><p>–Eu sei que você me quer como eu te quero.</p><p>–Não Débora. –negou-se indo sozinho se sentar na cama.</p><p>–Por que não Ângelo? –quis saber jà impaciente.</p><p>–Você pode ser a minha mãe. Será que não dà pra entender que você e eu podemos estar cometendo um sacrilégio. Para mim, uma mãe é o que há de mais sagrado nesse mundo.</p><p>–Eu não sou sua mãe. Deixe de se apegar à essa impossibilidade.</p><p>Ele se levantou sentindo seus nervos dando à cabeça. Veio-lhe novamente a recordação do que houve com os dois, quando Débora lavava roupas no tanque. Ela estava vestida em uma camiseta branca de malha bem fina e saia rodada de tergal, amarela. Ângelo à ajudava estendendo as roupas no varal, vestido em bermuda jeans e camiseta cavada cinza. Alegando estar sentindo calor, Débora despejou um balde d’àgua no corpo dela. A camiseta fundiu–se a pele dela se transformando em uma película transparente. Ele parou rente ao tanque com o balde cheio de roupas torcidas, e ficou reparando aquele apetitoso meio corpo praticamente nu. Os peitos volumosos com os mamilos quase furando o tecido da camisa molhada. A barriga lisa como tronco de bananeira. Tudo aquilo à vista dos seus olhos causou-lhe certo deslumbramento turvando os seus sentidos. Como se não bastasse a provocação, Débora o enlaçou com os cabelos e despejou àgua sobre os dois abraçados. “ai que refrescante Ângelo”</p><p>Ele sacudiu a cabeça e voltou ao presente momento.</p><p>–Veste logo essa roupa, Débora. –falou alto e com autoridade.</p><p>–Tà Ângelo... eu vou me vestir. –prontificou-se abrindo o guarda-roupa. –Eu só pensei que você sentisse atração sexual por mim.</p><p>–Sim, eu sentia. Mas agora, você me fez sentir vergonha de mim mesmo.</p><p>Sem escolher uma peça ela pega uma blusa de lycra e saia longa de algodão sem se lembrar de vestir uma calcinha e sutiã. Estava envergonhada e com medo de perdê-lo por razão de ela ter sido tão ousada.</p><p>–Assim está bom? –perguntou tirando os cabelos de dentro da blusa.</p><p>–Está, mas, por favor, não chegue perto de mim enquanto nós não tivermos a certeza de que eu não sou seu filho. –disse e saiu do quarto.</p><p>Débora foi atrás dele tentando segurà-lo pelos braços, implorando que ele não passasse à tratà-la com desprezo. Chegando à sala, Ângelo a jogou no sofá para então expor as questões referentes aos dois.</p><p>–As suas insinuações me provocam sensações que eu procuro refreà-las para não fazer sexo por sexo com você, porque eu quero continuar nessa ilusão que você é a minha mãe.</p><p>–Ângelo, eu também não sei quem eram os meus pais. Não sei de onde eu vim, onde nasci, nem onde eu vivia. O senhor Amaro me encontrou em algum lugar, me trouxe para Goiânia, e eu fui contratada para cuidar de você.</p><p>Ele sumarizava seus sentimentos por Débora para conviver com ela uma união longe de ser matrimonial, apesar de ele ter de vê-la chegando do culto e indo direto para o quarto dele, fazê-lo assistir à ela tirando toda a roupa para se embrenhar com ele debaixo dos lençóis.</p><p>-O Jorge não conheceu os pais dele? –perguntou Ângelo.</p><p>-Não. –ela disse secamente. – Eu tambem não tenho descendente, sou igual à vocês. Talvez nós sejamos descendente dos Monsenhores da ordem do tempo.</p><p>A estrutura física de Ângelo se abalou e ele não pôde se segurar de pé. Sentando no centro da sala, ele dobrou as pernas e apoiou os cotovelos nos seus joelhos, sem conseguir acreditar no que Débora acabara de lhe revelar. Foi o maior dos baques que jà o teria atingido em toda a sua vida. Ele iria á São Paulo.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p> São Paulo</p><p>Parado em frente ao portão de um casarão cercado com grades de ferro, antes de entrar ele recordava de tudo que passou até chegar ali. Recordou do momento em que ele reunido com seus amigos mais achegados, na sala da casa do pastor Gonçalo e a missionária Dirce, o casal abraçado á ele sentados no sofá o ouvia anunciar a todos, que no dia seguinte ele iria para a maior cidade do país á procura dos filhos de seu querido amigo e mentor Cândido.</p><p>No final do expediente de trabalho ele foi ao escritório de Valquíria e pediu á ela que lhe providenciasse uma passagem de avião no primeiro voo com destino á São Paulo. Enquanto ele descia as escadas, foi informado que o próximo voo sairia às 21h00min e que, quando ele viesse para Goiânia, que ele ligasse com 24 horas de antecedência para que lhe fosse providenciado passagem de volta. Não teve tempo de agradecê-la. Pediu ao motorista particular de Alceu, que o levasse até a sua casa. O chofer o levou em casa e disse que o levaria também até ao aeroporto. Ângelo o agradeceu, mas a missão ficou para Murilo com sua moto.</p><p>Dentro do avião, traçou o plano de que ao desembarcar seguiria de táxi até a estação do metrô e então ele colocaria a Xerox de uma única fotografia que ele tinha de Cândido, Dolores e o casal de filhos. –achava ele.</p><p>Chegando à estação ele percebeu que seria inútil colar os cartazes com a foto. O menino tinha no máximo doze anos, a menina também: ninguém os reconheceria. Ainda assim, os colou nas paredes e colunas da estação com esperança de que eles pudessem passar por ali, vissem os cartazes e talvez os reconhecessem vendo a foto de quando eles eram ainda novinhos.</p><p>Ficou na estação até pegar no sono. Dormiu ali mesmo, no banco de madeira, duro e frio. Sua bagagem era só uma mochila colegial com uma calça, cuecas uma camiseta de mangas longas e uma blusa de frio. Soube com antecedência que São Paulo era uma cidade fria por ser a terra da garoa.</p><p>Acordou na manhã de terça, com um dos varredores da estação tocando os pés do banco com a vassoura. Foi até a lanchonete da estação, comeu um pão de queijo, tomou leite quente com café. Ia sair sem pagar por pensar que estava na lanchonete de seu amigo Jenarinho em Goiânia. Voltou, pagou a conta e pediu informação ao garçom, sobre como chegar a Praça da Sé, imaginando que chegasse ao centro da capital paulistana ele teria acesso mais rápido ao bairro do Braz. O garçom deu a ele a informação que ele precisava. Não queria ir de metrô, pelo fato de ele nunca ter andado naquele tipo de transporte publico. Tomaria um ônibus que baldearia lotado de gente. Lembrou–se de Joãozinho perguntando a ele o ônibus que tomaria para ir para sua casa. Á Joãozinho naquele dia, ele respondeu que seria qualquer um, mas ali, no lugar que mais parecia um formigueiro, com tanta gente transitando num vai e vem que o deixava tonto por ficar girando para um lado e outro por causa dos esbarrões que recebia das pessoas que andavam mais apressadas do que ele, ele não saberia que ônibus tomar. O garçom da lanchonete na estação foi supimpa ao lhe apontar com a mão segurando o boné, aonde era o ponto e qual a linha do ônibus que ele tomaria. Como forma de gratidão, Ângelo deixou o troco com o garçom. Quando ele viu que o troco que Ângelo deu a ele daria para pagar três vezes o lanche que ele havia comido, o garçom se arrependeu de tê-lo dado informação errada, e o chamou de volta:</p><p>“Hei GO!” –gritou. –Hei goiano. –gritou outra vez.</p><p>Ângelo rodopiava, mas o escutou.</p><p>“Olha, goiano. Pega o metrô, e no máximo vinte minutos você chega ao Braz.”</p><p>Locomoveu pela primeira vez em um transporte de linha férrea. Na noite anterior fizera o translado Goiânia/São Paulo dentro de um avião.</p><p>Como foi previsto pelo garçom, em no máximo vinte minutos ele chegou à estação do Braz.</p><p>São Paulo sempre fora uma cidade que desperta fascínio e admiração aos seus habitantes e muito mais ás pessoas que a visite pela primeira vez. Já nas primeiras horas da manhã naquela mega metrópoles, Ângelo percebeu que ali era o lugar para as pessoas que queira ir à busca da realização de seus sonhos de consumo e até mesmo se aventurar na vida artística, empresarial, formal e informal. Ainda na estação ele via grupos de jovens negros, usando roupas esportivas folgadas no corpo, ouvindo e dançando musicas de ritmos agitados, fazendo-os realizarem acrobacias difíceis de serem imitadas até mesmo por cada membro do grupo que se reunia em volta de um aparelho de som portátil. Lembrou-se de Bianca, a loirinha moradora da casa da esquina de sua rua, ensinando-o a dançar música romântica pela primeira vez, na festa de quinze anos, dela, na casa dela.</p><p>Enquanto caminhava rumo ao ponto de taxi ele via um homem na faixa dos quarenta anos de idade, tocando um sax–alto. Ao notar um violão encostado á parede detrás do brilhante saxofonista, ele entendeu que o músico podia ser um multi-instrumentista. “se estivéssemos em Goiânia eu arriscaria fazer a base harmônica com o violão para dar consistência no solo que ele executa” A melodia: Neil Armstrong “Wonderfull world”</p><p>Ângelo não estava ali com a intenção de tornar o seu mundo melhor, ou o dos outros. Fora para São Paulo na tentativa de devolver a força e o sentido de viver á um velhinho que descascava laranjas com uma rapidez jamais vista por ele, e de descobrir sobre si mesmo. Por isso, nada do que ele via na grande cidade São Paulo poderia deter seus passos. Cada minuto usado para apreciar as novidades culturais e sociais daquela cosmopolita cidade seria correr o risco de ter que guardar na memória á ultima imagem que ele tinha de seu velho amigo sem forças no leito do hospital. Lembrou–se de quando conheceu Cândido, depois de ter chutado a bola suja de lama no alpendre de sua casa que ele trazia sempre muito bem limpo, Ângelo pensou que ele cortaria a bola de capotão com seu canivete afiado como navalha, mas ao contrario do que ele imaginava, Cândido trouxe um balde d’água, lavou a bola e disse: “–Pega, amiguinho”.</p><p>A primeira impressão nem sempre é a que fica. Porém, a última pode ser traumatizante.</p><p>-Taxi!</p><p>Ele entrou no veículo e entregou um pedaço de papel escrito nele o endereço da residência de Augusto e Fátima. Endereço este que, Cândido nunca havia repassado a ninguém. Ângelo, só o descobriu quando foi pegar os documentos pessoais do velho enfermo, e na gaveta do criado mudo estava o endereço escrito em papel velho e cheirando á mofo. O transcreveu para uma pequena folha de caderneta e o manteve o tempo todo em sua carteira até o momento que o entregou ao taxista.</p><p>-Beleza chefia. Rapidinho nós estaremos lá. –garantiu o taxista.</p><p>Rápido. Tudo na vida de Ângelo acontecia muito rápido. Bem rápido ele aprendeu a ler e escrever. Teve rápido amadurecimento pessoal. Aprendeu a dançar musica romântica em uma festa onde tudo aconteceu muito rápido. Os três primeiros beijos no rosto, o primeiro abraço, o primeiro beijo na boca. Tudo isso em apenas uma noite.</p><p>Absorto, dentro do veículo ele ia reparando as residências que se faziam minúsculas, se comparadas aos grandes templos religiosos existentes naquela região.</p><p>-Pronto, chegamos, chefia.</p><p>-Fique com o troco, e, muito obrigado.</p><p>-Valeu goiano. Ganhei o dia.</p><p>Ele caminhava numa rua ladeada por casas de alpendres visíveis por razão de os muros serem, na maioria, baixos, de alvenaria rebocada, colunas salientes e molduras piramidais nos cimos. Não eram grotescas, mas uma pequena minoria das moradias ainda conservava o estilo colonial. Sentiu que aquela rua possuía aspecto paisagístico melancólico. O céu era de um azul areado, e parecia vestir o tempo com um manto cinza á tremular por força do vento frio que espalhava as folhas ressequidas das árvores de troncos retorcidos.</p><p>Então, Ângelo estava ali, em frente ao portão da velha mansão que já não era mais a mesma de dezessete anos atrás. Vendo a pintura desbotada, alguns vidros das janelas quebrados, o jardim tomado por pragas e capim, a varanda empoeirada, sentiu um aperto no peito por achar que a casa à muito fora abandonada. Sentia novamente as expectações sombrias a surrupiar-lhe a paz de espírito. Mulheres desesperadas gritavam dentro de algo em movimento. Outras, em uma casa chamavam por seus filhos. Só ouvia vozes femininas pedindo socorro.</p><p>Mentalmente ele percorria de um lado ao outro do quintal do sobrado à procura de alguns que ali estivessem. Muitos estavam mortos. Um turbilhão de imagens desfocadas faziam menções à pessoas mortas e outras à beira da morte certa. Seu corpo estremecia. Seus olhos não se abriam, e mesmo que ele se esforçasse para apagar de sua mente aquelas visões, seu cérebro teimava em produzir cenas de horrores. Mães perdiam filhos, filhos ficavam órfãos. Mulheres enviuvavam, homens desesperavam por perderem suas famílias. Prendeu a respiração e mergulhou mais profundamente nas projeções. Seriam períodos alternados de tragédias. Presente e futuro. Início de um domínio do mal. Fim de um legado honroso?</p><p>Com as mãos comprimindo os lados da cabeça, ele buscava livrar-se dos relances das imagens indistinguiveis de pessoas enlouquecidas, e das vozes equalizando em seus ouvidos.</p><p>“Socorro. tire-nos daqui” “Meu filho. Eu quero o meu filho”</p><p>Em silêncio ele permaneceu parado e pensando em como acreditou em vão que encontraria Augusto e Fátima.</p><p>Por entre as grades, sobre o muro de meia parede revestida com pedras, da casa ao lado, ele viu uma senhora já na terceira idade, branca e de feições mórbidas, sentada na cadeira de balanço, vestida em um vestido florido. Ela se movimentava para lá e pra cá num vai e vem lento e hipnotizante. Seus olhos paralisados refletiam a aridez de uma alma vazia, sem alegria. Ela olhou para ele e moveu sutilmente os lábios. Ângelo também sorriu suavemente, arqueando as sobrancelhas. Então escutou o ranger das dobradiças da porta de entrada. Uma garota bem nova vestida em trajes de empregada doméstica saía da casa com um regador de plantas.</p><p>–Olá, bom dia. –disse ele se aproximando da grade.</p><p>–Bom dia. Pois não. – enxugando as mãos no avental branco, ela o correspondeu.</p><p>–Você poderia me dizer se alguém mora nessa casa?</p><p>–É a maldita. Vive dormindo</p><p><br /></p><p>de dia e só sai á noite. –e deu as costas á ele, para molhar o vaso de flores amarelas na mureta do alpendre. A feição séria da menina após a fala revelou que ela não encarava a questão como sendo meramente uma estória contada por terceiros, carregada de fantasias e de fatos improváveis.</p><p>Ao invés de espanto, Ângelo deixou escapar um sorriso discreto. Passou pela mente dele a ideia de saber dela o motivo pelo qual a moradora seria digna de ser chamada de maldita. No entanto, ele julgou que não devia interrompê-la em seus afazeres para ir mais á fundo sobre maldição e amaldiçoada.</p><p>Ela terminou de regar as flores e caminhava para a porta. Ângelo percebeu que ela não estaria disposta á falar sobre a amaldiçoada. Acreditando ele, que, toda história de maldições envolvesse crianças inocentes indefesas, Ângelo colocaria o psicológico dela á prova apenas para obter ao menos uma informação mais contundente sem ter ele que se mostrar muito interessado em saber sobre a tal maldita.</p><p>–Por favor. –disse, fazendo-a virar-se para ele. –Eu tenho que voltar para a minha casa pra eu cuidar da minha filhinha, e não vou poder esperar ela acordar. Quando você a vir, diz á ela que eu quero contratá-la para ser babá da minha princesinha.</p><p>–Cruz credo. –disse, fazendo o sinal da cruz. – Ela foi culpada pela morte do filhinho dela e do marido, e matou outras pessoas.</p><p>Foi desolador para Ângelo. Ele voltou os olhos á senhorinha. O sorriso continuava nos lábios dela. Então ele notou que aos pés da anciã tinha um recipiente de madeira permeado de terra, um copo com água dividindo o espaço de uma cantoneira de madeira com uma vela acesa dentro de outro pequeno copo de vidro. Ângelo deduziu que ela passasse horas á fio ali, tomando ar fresco, e por não ter mais mobilidade normal, aqueles acessórios estaria á disposição dela.</p><p>A terra seria a coletora de cuspes da velhinha. O copo d’água era para poupá-la de pedir à empregada que a trouxesse água quando ela sentisse sede. A vela acesa não teria serventia alguma naquela hora da manhã, á menos que a velhinha fosse uma religiosa devota á algum santo. Mas, não havia nenhuma imagem de santo algum.</p><p>–Ás vezes o remorso toma conta da alma da maldita e a faz ficar gritando que ela não é a culpada. O padre nem realizou uma missa para o filho e o marido dela.</p><p>Atingiu Ângelo em cheio.</p><p>–Muito obrigado. Eu volto em outra hora.</p><p>O sorriso permanecia nos lábios da senhorinha.</p><p>A versão da vizinha sobre a tragédia não foi convincente, embora tivesse sido parcialmente contada por uma mocinha doméstica, séria e aparentemente ajuizada, na opinião dele.</p><p>Caminhando pelas ruas do bairro movimentado ele não tem pressa de encontrar a pensão. Queria sentir a aura religiosa manifestada em cada ponto daquela região de São Paulo, com uma ponta de esperança de que o filho de Fátima estivesse mesmo vivo, e, talvez fosse ele mesmo.</p><p>Na suntuosa catedral, o sino no cimo do templo badalava ao findar da tarde. Ele admirava a fé dos devotos que, mesmo apressados, faziam o sinal da cruz em seus corpos ao passarem em frente á catedral. Ângelo jamais entrou em uma igreja católica, tampouco esteve em um centro catequético, mas em respeito á supremacia do poder papal, a autoridade dos padres e a submissão dos católicos, ele sempre se mantinha neutro e de modo respeitoso diante de tudo que viesse á caracterizar catolicismo.</p><p>A igreja era opulenta, de aspecto antigo, arquitetura românica. Cabisbaixo e com a mochila nas costas ele a adentrou. O padre Ovídio havia acabado de realizar a cerimônia de batismo de uma menininha de pele alva e olhos tão azuis quanto á louça da pia batismal. Felizes, os pais da criança deixavam as dependências do batistério, acompanhados pelo padre que lhes recomendavam á observarem e exemplarmente incumbir á pequena á seguir os preceitos da santíssima igreja católica.</p><p>Para Ângelo era muito enigmático o poder imanente no interior de uma igreja. Era como que, ao entrar porta adentro, os fiéis fossem invadidos por sentimentos de culpas por todos os seus atos errados cometidos conscientemente, e até por aqueles que eles não tenham ideia de tê-los cometido. Então, o rele mortal se sente acusados por simplesmente existir.</p><p>No extenso corredor, entre quatro fileiras de bancos enormes, Ângelo caminhava em direção ao altar, indo de encontro ao padre no momento em que ele se levantou após ter reverenciado a imagem do Cristo crucificado. Um serviçal menor de idade no alto de uma escada limpava os candelabros, com esmero e toda a paciência do mundo, em ritmo do cântico Ave-Maria em Poco-hall.</p><p>Pondo-se de pé sobre o piso em azulejo preto e branco, o padre voltou-se para o corredor e notou a presença de Ângelo sentado no banco mais próximo do altar.</p><p>–Veio receber as bênçãos de Maria e a proteção do menino Jesus, filho? –Ovídio perguntou dobrando cuidadosamente a estola.</p><p>–Eu não sigo os costumes católicos, padre.</p><p>–Maria e o menino Jesus são benevolentes para com todos os filhos de Deus.</p><p>–E sua santidade, também é benevolente com os fiéis da igreja romana, padre Ovídio?</p><p>O sacristão sentiu a ambientação augusta da igreja acusando-o por omissão. Franziu o cenho, mas o suavizou correndo a mão de dedos finos na testa.</p><p>–Nosso senhor nos ensinou á não fazermos acepção de pessoas. –afirmou, de mãos para trás e postura ereta.</p><p>–Se o senhor crer que Jesus Cristo ainda vive, deveria ter dito que ele ensina, e não que ele ensinou.</p><p>Ovídio conferiu a gola da batina e fez soar a garganta já enfeitada por estiras de pele devido à idade á beira dos setenta, como se á salivasse para então treplicar a fala pertinente de seu interlocutor.</p><p>–Pequenos erros de tempos nas palavras não nos tornam omissos ou negligentes com os nossos semelhantes. Eu devo dizer que tenho sido zeloso com todos eles, sim.</p><p>Era o que Ângelo queria ouvir.</p><p>–Quando foi que o senhor usou a estola preta em ritual adequado á situação da família de Fátima? Ela era católica praticante.</p><p>Ovídio incomodou-se, mas mantinha-se impávido.</p><p>–Não foi possível realizar os funerais nos domínio da igreja e em nenhuma outra repartição, devido às circunstâncias das mortes. O demônio os matou e os consumiram.</p><p>–Convenhamos, padre. –disse se levantando, pondo-se de frente á Ovídio. –Vocês são os religiosos mais céticos quanto á existência desse ser.</p><p>–Nossas crenças são fundamentadas nas sagradas escrituras. –disse colocando a estola no antebraço esquerdo.</p><p>–Foram quantos concílios até que se adequassem as escrituras ás suas crenças.</p><p>Padre Ovídio olhou para a pintura no teto que iludia os observadores á sentir que a abóbada se abria criando um caminho de acesso direto ao céu. Seus olhos pareciam querer encontrar entre as inúmeras imagens de anjos, um mensageiro celeste que pudesse dar-lhe o direcionamento para conversar com um garoto muito enfático no falar com ares céticos.</p><p>–Você não sabe o que está dizendo. –disse ainda calmo. –Você veio á serviço de quem?</p><p>–Do meu mentor Cândido Plates Rivera.</p><p>A postura altiva do padre declinou-se de modo á fazê-lo se sentar do lado esquerdo de Ângelo, bem próximo dele. O ar superior de quem estaria pronto á esconjurar um herege, foi substituído por uma serenidade acolhedora, compreensiva. Afrouxou a gola da batina para então reiniciar á conversa.</p><p>–Á muitos anos, surgiu aqui em São Paulo um indivíduo afirmando que ele era um enviado de Deus para restaurar a religiosidade cristã, a qual em sua própria concepção havia sido deturpada pela influência do maligno.</p><p>–Eu conheço a lenda. A profecia não passou de crendices tolas, pois na data profetizada nasceria um menino iluminado.</p><p>–Cândido Plates Rivera sempre foi considerado um iluminado por todos daqui de São Paulo. Augusto Rivera era filho dele.</p><p>-E o que se soube mais á respeito do tal profeta? –Ângelo perguntou.</p><p>-Alguns ainda achavam que ele teria morrido naturalmente como á todo ser humano e não tivera a dádiva da ressurreição. Outros mais confiantes afirmavam que ele ascendera ao céu como ele próprio teria garantido, e que a profecia de seu retorno á vida no dia, mês e ano predito por ele, se daria na data 06-06-1966, com toda certeza, assim como se deu o nascimento de Augusto na data profetizada por ele.</p><p>-Para Monsenhor, sem dúvida, Cândido era o primeiro iluminado, e, seguramente, Augusto Rivera o segundo e o filho de Fátima e Augusto seria o terceiro.</p><p>-Correto, filho. O profeta havia garantido aos seguidores dele, que na noite de 06–06–66 nasceriam crianças concebidas por virgens desposadas por um homem de origem superior. Nós acreditávamos piamente que se tratava de filhos do Augusto. As tragédias ocorridas com as mães e seus bebês aconteceram profeticamente no dia 06–06–66.</p><p>–Bobagens. Augusto era um pervertido. As datas foram mudadas com a comprovação de profecia enganosa. –disse Ângelo pondo a mochila em seu colo. –Seriam todas as crianças filhos ou filhas de Augusto Rivera com Fátima e com as amantes dele?</p><p>–Talvez fossem. Devido a tantas mortes ocorridas naquela noite, nós entendemos que as crianças pudessem ser filhos da maldição.</p><p>Ângelo meneou a cabeça indicando seu ceticismo em relação á heranças malditas. Á seu modo racional de encarar a vida ele acreditava que cada ser respondesse por seus atos, corretos ou incorretos.</p><p>–Mas, e quanto á família do tal Monsenhor, o que o senhor me diz?</p><p>Ovídio traçou o sinal da cruz em seu corpo.</p><p>–Monsenhor Olavo teria sido visto pela última vez, com três homens cavalgando em terras de Cândido Plates. Desde então, os três nunca mais foram vistos. Eu não posso afirmar nada.</p><p>–O senhor acha que foi o senhor Cândido que matou os três companheiros de Monsenhor Olavo?</p><p>-Não, não acho. Monsenhor Olavo era a pessoa mais vil que se pode imaginar. Quanto á ele, eu não tenho dúvida de sua crueldade. Os filhos eram como ele.</p><p>–Como uma espécie de mal hereditário...</p><p>–Os homens eram ou ainda são de origem pagã, profanos, cruéis, sagazes e capazes de se porem á serviço do maligno em tempo integral. Não foram batizados e nem sequer possuíam registros de nascimentos.</p><p>–O senhor pode me dizer algo sobre Dolores?</p><p>–Dolores, ela era de origem nobre, mas acreditamos que ela houvesse perdido o juízo depois que Cândido á trocou por Iolanda irmã dela.</p><p>–E alguém diz para onde Dolores e Iolanda se mudaram?</p><p>–Não. Tal como Cândido, que ninguém sabe de onde ele veio e nem para onde ele foi, assim aconteceu com Dolores e Iolanda. Eu me tornei padre no ano 1967. Desde então, rezo dia e noite pedindo á mãe santíssima que me conceda a graça de um dia poder ver todas aquelas mulheres e suas crianças, que foram dadas como mortas naquela noite do dia 06/06/1966. Acreditando ou não, a profecia se cumpriu.</p><p>–O senhor acha que elas não morreram?</p><p>–Nenhum corpo de pessoas adultas foi encontrado. Soube-se, que recém-nascidos teriam morrido ao nascer. Os maridos das mulheres, e também Augusto morreram naquela mesma noite. Infelizmente não houve velório e nem missa em favor de suas almas. Os membros da igreja pentecostal Templo da misericórdia, também não realizaram culto em solidariedade á Norato que foi vítima daquela trágica sorte. Como você, muitos não crêem que o demônio ás tenha levado. Mas, fé em Deus e medo do diabo andam lado á lado e não restringe seguidores de uma ou de outro segmento religioso.</p><p>Ângelo se levantou e fez um gesto de gratidão ao padre Ovídio por tudo que ele se dispôs á lhe revelar. Jogando a mochila ás costas ele tomou caminho de volta para fora da igreja seguindo pelo corredor entre duas fileiras de bancos do lado esquerdo, no corredor central.</p><p>–Voltaremos á nos ver em breve, filho?</p><p>–Trarei boas novas padre. Tenha fé. –seguindo em frente. respondeu sem se virar para o homem do ofício divino.</p><p>Na contra esquina da avenida ele encontrou uma pensão e combinou as diárias. Fez questão de assinar o formulário com o nome Ângelo Ráusen Rivera. Não deixou em aberto a conta, pois queria apenas tomar um banho. Era tudo muito modesto o quarto acrescido com banheiro, uma minúscula cozinha. Uma cama de solteiro, um criadinho com abajur e uma pequena cômoda. O piso encerado com cera vermelha trouxe-lhe uma recordação apresentando á ele um motivo á mais para prosseguir em busca da verdade escondida atrás de tanto mistério sobre a maldição de Fátima, as mortes de Augusto e de tantas mais pessoas em uma só noite trágica. Numa noite fria de inverno, Ângelo escutava atentamente os conselhos de Cândido advertindo-o por tê-lo flagrado lendo um manuscrito intitulado: Os quatro elementos e suas aplicações. – Aplique-se ao dever de aprender tudo ao seu tempo. -disse o velho tomando o manuscrito das mãos do menino de ouro. Cândido o advertiu dando á ele a tarefa de encerar o piso naquela noite. Ângelo iniciou por lavar a casa. Cândido o interceptou entregando á ele uma vassoura de cerdas macias. “se desejas descobrir as sujeiras mais ocultas, comece eliminando a poeira” “mas seu Cândido, se eu lavar vai ficar tudo limpo” “eliminando a poeira saberás se há necessidade de lavar e encerar o piso” Ângelo varreu toda a casa e notou marcas de encardimentos que não eram facilmente visíveis. “seu Cândido, eu sabia que eu teria de lavar o piso” – disse com ar de quem só havia perdido tempo e trabalho. “assim fazem os preguiçosos desatentos. Somente agora você percebeu que para remover certas sujeiras é preciso que use sabão. Ao contrário, a cera apenas encobrirá o encardimento.”</p><p>Depois do banho, Ângelo se sentou na cama, sacou da mochila o exemplar do manuscrito e se pôs novamente á ler o manuscrito, com a certeza de que ele encontraria mais uma pista para conseguir elucidar aquele mistério. Calculou que todo o tempo o senhor Cândido quis que ele encarasse aquele escrito, como sendo uma espécie de seu orientador para que ele trilhasse o caminho que o lavaria á origem de sua existência.</p><p>As profecias sobre os iluminados que nasceriam em tempos diferentes não o convencia nem um pouquinho só. Mas, ele teria que espargir as cinzas para encontrar ao menos uma fagulha ainda fumegando.</p><p>Com atenção redobrada ele pôs-se á ler outra vez sobre a tal profecia e encontrou um trecho relatando que, sete dias após o nascimento do menino que nascera no dia 06-06-1946, acontecia uma festa comemorativa ao nascimento dele, realizada no salão paroquial da igreja, com a permissão e boa vontade do padre, das comadres e compadres do casal de pais. Entre as centenas de comparescentes, o pai não estava presente no momento em que o sino da igreja badalou anunciando seis horas da tarde. Mas, um profeta surgiu de braços abertos, cajado na mão, diante da cruz de madeira no terreiro da paróquia e, triunfante, sendo assistido por muita gente, muito mais crente que em dúvida com as suas previsões, ele profetizou que o recém-nascido segundo iluminado daria continuidade á linhagem de descendentes iluminados. E que ele, o próprio profeta, morreria, mas ressuscitaria décadas depois para contemplar a face da última criança iluminada que nasceria na noite do dia 06/06/1966.</p><p>“O pai do menino não está em casa, e eis que surge um profeta” - exclamou em baixa voz a si mesmo. Chegou a conclusão de que teria que ir á casa da maldita.</p><p>*</p><p>Era tempo de remover a poeira que o impedia de enxergar aquilo que ao seu olhar natural estaria encoberto por uma camada espessa de mistérios e segredos. Centralizaria todo o seu esforço para desvendar o motivo da mortandade na casa da maldita que não seria a única á ter perdido de forma trágica seu marido e filho, e não seria a única á ser castigada pela dor de ter perdido uma filha adulta, uma irmã, uma mãe, talvez. Ele tinha que falar com a mulher que vivia solitária naquele casarão, entre os escombros de uma vida arruinada.</p><p>Ângelo avançou os braços por entre as grandes do portão e bateu palmas seguidas de oh de casa, tem alguém aí, e recuou para o meio da calçada.</p><p>–Pois não, rapaz. Quem é você, e o que quer?– disse a mulher que acabara de abrir a porta, vestida num vestido curto e preto, cabelos repicados e claros.</p><p>Surpreso, Ângelo á encarou e sentiu uma aura obscura á envolvê-la.</p><p>–Eu venho de Goiânia á procura dos moradores desta casa.</p><p>–Quem mora aqui sou eu. –disse aproximando do portão.</p><p>Ele notou o rosto sem rugas e sem marcas de expressão que pudessem denotar que ela fosse alguém que fora castigada com a labuta da vida. Loira, corpo em forma, rosto esteticamente digno de nota. Embora ela estivesse usando maquiagem em tons fortes, havia algo estranho no olhar dela. Para Ângelo, era como se ela tivesse acabado de despertar de uma noite mal dormida.</p><p>–Se eu puder entrar eu esclareço á você o motivo de eu estar aqui.</p><p>–Não. Eu não conheço você. E, por favor, vá embora.</p><p>Ele a observou dando ás costa á ele, voltando para dentro da casa.</p><p>–Eu voltarei logo mais á noite para marcarmos um programa. –disse ele em alto e bom tom.</p><p>Fátima, estupefata virou-se para ele.</p><p>–Olha, se você quer fazer sexo comigo não precisa se esforçar tanto.</p><p>Ele notou que ela não estava disposta á conversas.</p><p>–Basta apenas que eu chame um taxi para nos deixar num motel, pra gente beber, fumar e passar a noite inteira fazendo sexo. Na manhã seguinte eu vou–me embora te deixando na ressaca e com a frustrante sensação de mais uma vez ter sido usada como objeto de prazer por um estranho que lhe pagou uma cerveja e te chamou de gostosa. E na solidão da sua casa você vai para o chuveiro e se esfrega com bucha e sabonete tentando se livrar do cheiro de tabaco, álcool e suor masculino que ficara impregnado em seus poros depois de uma noite de sexo tórrido, porém, sem prazer para você e nenhum sentimento de amor um pelo outro.</p><p>Ela viu-se sobremaneira desnudada, mas ao mesmo tempo, deslumbrada por efeito da resolução acertada de um garoto, em relação á suas sessões de sexo mal pagas com qualquer um que a procurasse para a promiscuidade á qualquer hora do dia ou da noite.</p><p>–Se não é isso que você quer de mim, então me diga, o que um garoto como você quer com uma mulher como eu.</p><p>Sentindo que ele precisava empregar um ar sombrio na conversa para poder ter a atenção dela, ele aproveitaria o ensejo.</p><p>–Eu pretendo penetrar em seu mundo, fazer parte da sua vida e então descobrir porque razão você deixou-se ser vencida e se rendeu á esse modo de vida tão leviano.</p><p>–Não, não queira fazer parte do meu mundo. Olha – disse ela, unindo as mãos. –Você é muito novo ainda e não vai entender o que eu tenho pra falar sobre mim e as pessoas que moravam e freqüentavam essa casa amaldiçoada. Vá embora.</p><p>–Eu preciso saber de tudo relacionado á essa casa e da pessoas que aqui vivem e das que já viveram.</p><p>–Já que você insiste, empurre o portão e entre.</p><p>O portão já não mais destrancava por controle.</p><p>A mulher seguiu andando na frente, tendo o visitante á acompanhá-la, um pouco atrás dela. No percurso até a porta de entrada, Ângelo percorreu o olhar em todas as direções no perímetro externo da propriedade. As plantas pareciam terem sido regadas somente com a água da chuva do inverno passado, – e era começo de outono. O gramado transformou-se numa forragem de pasto para gado. O granito da passarela de acesso á varanda já não exibia mais o mesmo brilho, e sim uma opacidade que, mesmo sendo exageradamente densa, não conseguia camuflar o encardimento.</p><p>Parada na porta, ela o observava analisando o local.</p><p>–Consegue sentir uma sensação de maldição nesse lugar?</p><p>–Não. Acho apenas que a casa precisa de uma boa reforma e o jardim, de um janeiro. –disse ele, meio que rindo.</p><p>Ela soltou um sorriso comedido e continuou andando em direção á varanda.</p><p>Chegando á porta ela quis dissuadi-lo de entrar, alertando-o de que talvez ele fosse acometido por um mal-estar por razão de a casa ter sido o local da grande tragédia familiar no dia 06/06/1966. Ângelo demonstrou equilíbrio emocional fazendo com que ela deduzisse que ele fosse cético ou, no mínimo, insensível á fatalidade ocorrida com as pessoas que ali viviam e estiveram.</p><p>Ao passar pela porta, após a mulher, no living de jantar, Ângelo fitou a mesa posta para refeição, o grande lustre candelabro á cima da mesa, a cristaleira e o armário encostados á parede, com teias de aranhas e muito pó de poeira do tempo por toda parte. Ele fechou os olhos, inclinou a cabeça para baixo, e então perguntou:</p><p>–O que houve com as seis pessoas que deveriam estar á mesa naquela noite?</p><p>Um torpor súbito tomou conta da mulher ao ser indagada, á ponto de fazê-la escorar-se á parede para não vir á cair.</p><p>–Seis pessoas – disse ela, demonstrando assombro total.</p><p>–Tudo bem com você. –ele quis saber segurando no ombro dela.</p><p>–Quem é você? Como soube que outras pessoas viriam para o jantar? Como soube que...</p><p>–Que tudo aconteceu em uma noite. – ele antecipou. –Os talheres são apenas colheres, a concha funda e a sopeira indicam que a refeição era noturna. Á menos que, seis pessoas em uma casa concordassem em comer sopa na hora do almoço, esta mesa foi posta para a refeição noturna.</p><p>–Quem, quem é você?</p><p>–Uma pessoa comum, Fátima Nunes...</p><p>–Não! –ela exclamou, deslizando suas costas á parede até se sentar no piso.</p><p>Ângelo também se sentou do lado direito dela.</p><p>–Você disse o meu nome e sobrenome.</p><p>–Eu sei que você pode estar pensando que eu sou um bruxo com o poder da adivinhação, mas na verdade eu sou apenas um observador. Não se perturbe mais do que você já foi perturbada durante todos esses anos.</p><p>–Então me diga, como...</p><p>Ele á interrompeu colando o rosto dele ao dela.</p><p>–Olhe para a mesa. Seis pratos de porcelana. Seis colheres de prata e seis lencinhos. Eu gosto de sopa de legumes, mas não fui convidado para esse banquete dos nobres.</p><p>A maçã do lado esquerdo do rosto dela se contrai.</p><p>–Está rindo, não está? Assim é melhor.</p><p>De rostos unidos, os dois contemplavam a mesa e todos os objetos que seriam usados na refeição daquela noite fatídica.</p><p>Fátima se sentia bem acompanhada, como á muitos anos não se sentia. Sua mão é envolvida pela mão de Ângelo que, com delicadeza entrelaça seus dedos aos dela.</p><p>–Como você soube o meu nome e sobrenome? –perguntou com suavidade.</p><p>–Você não mudou muito desde a sua viuvez. Na cristaleira tem a sua imagem desenhada e o seu nome e sobrenome escrito em uma garrafa de azeite. Eu achei bem criativo e de muito bom gosto.</p><p>Ela olhou para a garrafa de azeite na cristaleira... e parecia perdida nas lembranças. A garrafa fora confeccionada sobre encomenda por Augusto que a presenteou em um dia qualquer do ano 1965, sem data comemorativa. Ela não passava um mês sem ganhar presentes dele.</p><p>–Ele te amava, Fátima? Fazia parte da agradabilidade dele para com você? Era a perguntas que ela não podia respondê-las. Ela arriscaria uma resposta depois de tentar recordar da amabilidade do finado esposo.</p><p>–Sim. Nós nos amávamos. O Augusto era tudo para mim. – ela disse, mas, não estava segura de si.</p><p>Ângelo correu a mão nos cabelos dela, jogando um molho volumoso para o lado esquerdo da cabeça dele.</p><p>–Eu vejo que você é uma mulher que está a pouco tempo andando pelos bares da vida.</p><p>–Por que você diz isso?</p><p>–Seu cabelo está com o mesmo corte feito recentemente. Apesar da maquiagem, seu rosto ainda contém suavidade e boa textura. Não vejo flacidez na pele dos seus braços, nem varizes nas suas pernas, e, com certeza não há estrias em sua barriga.</p><p>Ela pressionou um pouco mais a mão dele. Estava feliz por não ter sido desqualificada e chamada de vagabunda como ela era tratada por seus clientes.</p><p>–Estou apenas á pouco mais de um mês no mundo da prostituição.</p><p>–Como foi que o Augusto morreu?</p><p>–Em um acidente de carro. Numa noite de sexta feira ele voltava do trabalho com os operários da construtora onde ele era engenheiro. Ele sempre voltava cedo pra casa. Mas eles passaram num bar para beber.</p><p>–Com certeza ele não era muito chegado á bebida.</p><p>–Não. –disse ela num tom um pouco mais intenso. –Quando ele bebia era apenas uma cerveja com os amigos dele...</p><p>–Você disse os amigos dele? –perguntou sem demonstrar muito espanto ou surpresa.</p><p>–Sim, ele tinha muitos amigos. Ele era muito sociável.</p><p>–E, eles estavam no carro no momento do acidente?</p><p>–Não sei e não me lembro.</p><p>–E como foi o acidente, Fátima?</p><p>–Augusto havia dirigido apenas uns 200 metros de distância do bar. Depois de fazer a rotatória da avenida, ele acelerou na reta e bateu em uma árvore na calçada.</p><p>–Mas você falou que ele não demorou no bar, sendo assim, ele não estava embriagado.</p><p>–O resultado da autópsia revelou que ele havia ingerido uma substância alucinógena misturada á cerveja. Apesar de a quantidade de álcool encontrada no organismo dele ter sido irrelevante, a droga que ele tomou se potencializou mesmo com o baixo índice de álcool.</p><p>–Tudo bem. Não precisa continuar. Eu não sou policial investigador. Você não teve culpa, apenas foi enganada. –condoeu-se dela passando a mão em seus cabelos.</p><p>–Eu não acredito mais numa vida feliz com um homem, por isso eu me entrego ao primeiro que me pague uma cerveja e uma carteira de cigarros.</p><p>–Você vale muito mais do que isso.</p><p>Fátima não disse nada.</p><p>Abraçados, não houve beijos. Apenas ternura e sentimento de amizade que começou na sala de jantar de uma casa marcada por uma tragédia em família, onde Ângelo entrou pela primeira vez e encontrou Fátima que fazia daquele lugar o seu ponto de encontro com qualquer tipo de homem para ter com ele uma noite de sexo promiscuo em qualquer lugar, sem prazer, sem carinho, sem beijos ou abraços. Era dessa forma que ela procurava preencher o vazio se sua vida vazia, sem amor, sem afeto, sem carícias. Transar por transar... Nada mais que isso.</p><p>–Sempre haverá uma saída Fátima. –disse ele com brandura.</p><p>–È, há sempre uma luz no fim do túnel. –disse ela virando-se para ele.</p><p>–Siga essa luz e deixe que ela ilumine a sua vida. –disse, afagando o rosto dela.</p><p>–Você tem namorada, não tem?</p><p>–Não. Eu vou pensar nisso em outra hora.</p><p>–Quando encontrar uma, faça ela feliz como você me fez essa noite. Obrigada Ângelo.</p><p>–Você me promete mudar de vida a partir de agora?</p><p>–Sim. Você foi um anjo.</p><p>–Quantos anos você têm?</p><p>–Quase trinta e 38.</p><p>–Parece ter menos que isso. Você é muito bonita.</p><p>Ela não disse nada, apenas fechou os olhos e apertou a mão dele em seu seio, sentindo-se grata por tudo.</p><p>–Esse foi o meu melhor programa. –confessou dando um beijo no rosto dele e outro abraço carinhoso.</p><p>***</p><p>Saindo da casa, um carro de polícia o abordou. Ele não percebeu que os policiais o havia mandado parar. Continuou andando, e só parou quando o policial deu segunda ordem e o mandou entrar na viatura. Ele não questionou e nem ao menos perguntou por que ele estava sendo levado pelos homens da lei.</p><p>Minutos depois ele já estava frente á frente com o delegado de polícia do Braz.</p><p>–Você queria roubar algum objeto daquela casa?</p><p>–Não senhor, senhor delegado. Eu sou de Goiânia, e só fui lá para...</p><p>–Invadir e furtar patrimônio alheio. Você tem noção do que significa isso, rapaz?</p><p>–Sim senhor. Mas aquela mulher estava ensandecida gritando que queria...</p><p>–Não me venha com essa conversa, garoto. –bradou pegando as algemas em cima da mesa e colocando na gaveta.</p><p>–Senhor delegado. –disse Ângelo olhando para as mãos cruzadas do homem autoritário sobre a mesa. –Eu só fui...</p><p>–Em local proibido. Você deve saber o que significa desobedecer a uma ordem de proibição e por ser suspeito de se relacionar com uma culpada por algo muito pior? -o delegado não deixava Ângelo concluir sua fala, sempre interrompendo ele num tom áspero de voz e frieza no olhar.</p><p>O muito pior o intrigou, mas ele não queria fazer perguntas extras.</p><p>–Eu sei o que significa senhor delegado, mas também sei por que eu fiz a isso, porque eu também espero encontrar o que eu...</p><p>–Então você deveria estar lá, naquela noite.</p><p>Ângelo não teria tempo para pensar, pois o delegado não o deixa fazê-lo, e ele sabia que se ele fosse discutir sobre leis proibitivas com uma autoridade como o delegado, ele acabaria dentro de uma cela da delegacia.</p><p>–Delegado. –disse ele. –Eu vejo que o senhor é um homem casado e com certeza tem filhos.</p><p>–O que isso tem á ver com a minha esposa e minha filha, moleque?</p><p>–A primeira pergunta o senhor já me respondeu. O senhor e a sua família gostam de peixe? –quis saber, tentando sua ultima cortada.</p><p>–Olha rapaz, é melhor você ir embora antes que eu mande te prender por perturbar e abusar á uma autoridade.</p><p>–Eu entendo que perturbar a autoridade ou qualquer pessoa que seja não é algo legitimo de se fazer senhor. –disse Ângelo dando pausa. Não sendo ele interrompido, continuaria com seu raciocínio. –Mas eu entendo também que se eu não ofendo direto ou indiretamente o senhor ou qualquer membro de sua família, então eu me vejo no direito de expor o que penso.</p><p>O delegado estava em pé, mas resolveu se sentar e jogar os cabelos lisos para o alto da cabeça. Apesar de ser um homem de estopim curto, Valdir tinha a aparência jovial na casa dos quarenta e alguns anos. Fora empossado delegado por vias de circunstância. Ele não possuía graduação de carreira militar. De um raso pracinha, tornou-se substituto do seu antecessor que deu baixa em sua carreira militar justamente dois dias após a tragédia na casa de Fátima.</p><p>–Vamos rapaz. Diz logo o que você pensa. -Valdir amenizou a expressão de contrariedade e deu lugar á uma postura mais receptiva. Se sentando e devolvendo as algemas á gaveta, ele deu liberdade para que Ângelo expusesse suas ideias.</p><p>–Seu delegado, eu não vou mais lhe importunar com minhas perguntas, mas eu quero dizer ao senhor que, enquanto muitos comem peixe por opção aos domingos ou em qualquer dia da semana, talvez por gostarem mesmo dessa especiaria, ou por ter condições de comprá-los quando e onde quiserem, aquela coitada só queria comer um peixe, mas não tinha dinheiro para comprá-lo.</p><p>–Quem te garante isso? –inquiriu um pouco mais brando.</p><p>–Eu, senhor delegado. Como eu já falei, eu já pesquei no bosque dos buritis em Goiânia com a única intenção de não ter que chegar á minha casa e ter que comer arroz com cebola frita pra servir de mistura ou com extrato de tomate para dar uma cor diferente e um sabor melhor.</p><p>O delegado escutava de cabeça baixa, sem conseguir olhar para ele.</p><p>–Falemos sobre Fátima. Sente-se. –apontou-lhe a cadeira.</p><p>Ângelo o obedeceu.</p><p>–Eu sou de Goiânia.</p><p>–Diga-me em o que eu posso te ajudar.</p><p>–Tudo bem. É sabido por todos daqui do Braz, que aquela mulher que vive naquela casa, foi e continua sendo considerada culpada por uma tragédia acontecida em 1966.</p><p>–Você é muito novo para bancar o detetive. –observou e bebeu o café.</p><p>Ao fazê-lo, Ângelo percebeu que ele tinha toda liberdade para contar o que ele sabia.</p><p>O soldado trouxe mais dois cafés frescos. O delegado acenou com a caneca para que Ângelo bebesse o dele.</p><p>–Cabo Gerson, vá procurar á quem prender.</p><p>–Sim senhor, delegado. –foi-se, levando a caneca já vazia.</p><p>–Esteja á vontade Ângelo. E me chame de Valdir.</p><p>–Obrigado. Em 66 uma mulher perdeu o marido num acidente de carro e, ela é suspeita de ter matado ele e mais algumas mulheres e seus bebês.</p><p>–A maldita. – disse o delegado. O meu pai era agente de policia civil na época, e investigou aqueles crimes. Aquela mulher foi considerada louca, pelo psiquiatra de então. Ela dizia que estava em trabalho de parto em sua casa com mais mulheres grávidas envolvidas naquela situação.</p><p>–Ela, o marido dela e mais quatro pessoas comeriam a refeição noturna na casa dela naquela noite.</p><p>–Pura paranóia. Três homens vinham com o Augusto na hora do acidente. Outras mulheres que morreram já estavam na casa. Mais uma mulher que não se soube se existiu, também esteve lá. Fátima quis convencer á todos com suas maluquices. Mas, ela se safou por ter sido considerada doida de pedra.</p><p>–Ela me disse que os amigos do Augusto não estavam com ele no carro.</p><p>–No depoimento dela, duas pessoas estiveram na casa na hora dos partos. Ao psiquiatra, alguém foi jogado pela janela do segundo andar.</p><p>–Não poderia desarquivar os casos...</p><p>–Só com mandado do juiz, e se a promotoria requerer o procedimento. Nem o nome dela era mencionado nos inquéritos e depoimentos.</p><p>Ângelo pensou por um momento e percebeu que a conversa dos dois só estava fazendo com que ele soubesse como seria difícil conseguir uma revisão nos casos que já teriam sido criminalmente solucionados sem ao menos serem investigados.</p><p>–Uma mulher que fora culpada por mortes estranhas e não teve nem seu nome revelado! Muito misterioso tudo isso.</p><p>–Mas foi o que ocorreu.</p><p>–Então deve dar como caso encerrado?</p><p>–E arquivado. São 17 anos. –o delegado emendou.</p><p>–E esse mistério ainda lhe tira a paz, delegado Valdir. –disse Ângelo com toda certeza de que ele estava coberto de razão.</p><p>Valdir balançou a cabeça em sinal de concordância, mas se levantou porque Ângelo já estava de pé.</p><p>–Tens lido os evangelhos?</p><p>–Parei de ler. –respondeu descrente.</p><p>–Eu sei que você é um rapaz honrado e não deixará que esse caso termine assim. Compre uma casa. Volte á estudar. Será uma honra ter você em minha jurisdição. E saiba que o velho mestre escondeu o baú, e muitos estão á procura dele até hoje.</p><p>Ângelo consentiu com um gesto indicando que ele havia entendido as sugestões feitas pelo delegado.</p><p>Estabelecer–se naquela cidade e vasculhar os escombros de um passado nebuloso, seria sua missão.</p><p>–Eu agradeço pela sua disposição em me ajudar.</p><p>–Eu vou rever os arquivos sobre o caso. Mas comunicarei somente á você. Em terreno minado... –disse o delegado. –começou.</p><p>Ângelo o encarou antes de emendar a frase.</p><p>–O caminhante deve sobrevoar sobre ele.</p><p>Eles deram as mãos num cumprimento de despedida.</p><p>Lá fora, ele reencontrou Fátima que o esperava na esquina.</p><p><br /></p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p>Ele decidiu que levaria a amiga paulistana para morar com ele em uma casa maior que o quarto da pensão localizada em frente ao velho sobrado. A negociação com o proprietário da casa não demorou mais de quinze minutos de conversa ao telefone. O desfecho do negócio ficaria á cargo da imobiliária local, no entanto, o novo dono já podia desfrutar do direito de se mudar para a residência adquirida.</p><p>O vendedor desfez da cassa simples: três quartos, sala, cozinha e dois banheiros, por uma bagatela em dinheiro á ser depositado em conta corrente. O homem disse á ele, que ele, a esposa e uma filha viveram naquela casa durante vinte anos. E que mudou de endereço em 1966, menos de um mês após as mortes no casarão. Sua mulher sempre dizia que ela e sua filha não morariam mais naquela rua tendo como vizinha a viúva negra. Naquele mesmo ano o homem conseguia a aposentadoria e comprou um sítio em Sorocaba. A antiga casa estava á venda desde então.</p><p>Fátima se estatizou sentindo o coração se abrir feito uma rosa á desabrochar. Seus olhos reluziram como as estrelas no céu. Ela já estava amando Ângelo de um jeito único e exclusivamente dela. Talvez incompreendido para quem não saiba que existem muitas formas de amar. E, a de Fátima era assim: inocente, puro e sem amarras para prender aquele que ela o amasse. Amor igual ela dedicou á Augusto por todo o tempo que eles viveram juntos.</p><p>–Vamos. –disse ele pegando no ombro dela. Se você tivesse entrado comigo na delegacia vestida desse jeito o delegado te chamaria em namoro. Ou, te convidaria para ser a estilista da mulher dele.</p><p>Fátima deu uma paradinha para ver no vidro do carro parado, como ela estava bonita com uma calça Hollywood vermelha e uma jaqueta preta sobrepondo à camisa branca.</p><p>–Você acha que eu estou bonita mesmo? –ela perguntou ajeitando os cabelos longos e repicados.</p><p>–Desde o dia em que você nasceu até o seu último respirar nessa vida, você será sempre linda. –falou abraçando ela. –Agora, vamos embora. –tomou-a nos braços e saiu carregando-a e girando com ela pela calçada da avenida.</p><p>–Não me deixe cair. Eu já estou ficando tonta.</p><p>–Que tal a gente ir comer alguma coisa naquela panificadora? –perguntou á ela depois de pô-la de pés no calçamento.</p><p>–Ângelo.–disse ela, manhosa. –Você me ama?</p><p>–Eu amo você Fátima, acredite. –foi sincero, ele a amava de um modo muito especial.</p><p>–Vamos, meu príncipe. –disse ela atracando-se á cintura dele.</p><p>Debaixo da marquise da panificadora Ângelo parou e segurou nos ombros dela para informar o que ele obteve do delegado á poucos instantes.</p><p>–Fátima, eu terei que viver a minha vida sem a esperança de encontrar os meus pais, ou quem foram os responsáveis por tirá-los de mim.</p><p>–Tudo bem. Eu só quero que você viva a sua vida em paz. Não se preocupe e nem sofra tanto. Eu me sinto redimida por ter te encontrado e não quero ver você sofrendo também.</p><p>–Você é um amor Fátima. Prometa que você vai esquecer tudo que aconteceu, e seguirá uma nova vida ao meu lado.</p><p>–Sim, eu prometo que não vou te decepcionar.</p><p>Outro abraço terno dos dois.</p><p>Minutos depois os dois estavam no portão da casa da vizinha.</p><p>–Olá, a senhora pode me ouvir? –ele perguntou á velha, sentada na cadeira.</p><p>Ela não respondeu, mas um novo sorriso se formou nos lábios dela. A vela está acesa sobre á cantoneira, o recipiente com terra e o ventilador também estão lá. O copo com água já não mais está. A senhorinha trazia um novelo de linha branca para tricô. No rosto dela continuava aquele sorriso que parecia mostrar á Ângelo, que ele estaria sendo bem–vindo á vizinhança da rua onde o mistério de Fátima á transformou na rua da casa amaldiçoada.</p><p>–Ângelo – disse Fátima ao ouvido dele. – Eu a conheci quando viemos morar aqui... eu e o Ângelo. Ela não era assim... Oi Alice! –disse Fátima á empregadinha que apareceu no alpendre da casa.</p><p>Antes de corresponder ao cumprimento a menina esquadrinhou o sinal da cruz em seu corpo.</p><p>–O que você quer? –perguntou entregando uma flanela á velhinha. –Será que você não...</p><p>–Eu quero te contratar para um trabalho. –disse Ângelo intervindo á ofensa dirigida á Fátima. –Eu comprei aquela casa ali – apontou. –E preciso de uma faxineira para dar uma organizada nela.</p><p>–Sou eu que zelo daquela casa uma vez por semana. As chaves estão comigo. Está até mobiliada, com colchões, mas sem lençóis. Você a comprou?</p><p>–Sim, eu a comprei e já fui informado de que as chaves estão com você.</p><p>–Tá... mas eu não recebo o pagamento das mãos dessa aí. Pega, dona Dasdores.</p><p>Ângelo notou que ao pegar a flanela, a senhorinha olhou seriamente para a empregada, e ao olhar para ele, novamente ela sorri.</p><p>–Então a arrume hoje para nós. Logo mais á noite a gente acerta tudo.</p><p>Depois de comerem alguma coisa, os dois foram para uma praça. Havia pessoas caminhando pelas ruas nas mediações, mas a praça era um espaço só deles. Bom local para uma brincadeira. Ele pensava assim. Ângelo notou que ela estava ansiosa para fumar e, se continuassem com a mesma conversa, logo ela sairia correndo para comprar mais cigarros. Tomou o maço de cigarros das mãos delas.</p><p>–Vamos fazer o seguinte, se você conseguir me tomá–los...</p><p>Antes de terminar de falar, Fátima avançou na carteira de cigarros, mas ele se esquivou.</p><p>–Vem. Tenta pegar. –disse jogando o maço pra cima. –Não pegou. Opa! –Jogou por cima da cabeça dela e pegou do outro lado.</p><p>–Ah é assim? Então espere. –disse ela tirando os saltos. –Agora eu consigo. –avançou tentando segurar o braço dele.</p><p>Sobre o gramado da praça os dois parecem duas crianças brincando de pega–pega. Ângelo lançava o maço para um lado e outro e, ela tentava pegar. De vez em quando eles riam, e ás vezes ela disfarçava para pegar ele despercebido, mas ele se safava e ela agarrava na cintura dele. Ângelo erguia os braços, Fátima tentava puxá-los para baixo, ele se livrava dela e saía correndo. Na brincadeira, foram parar na borda da fonte de água da praça.</p><p>–Ultima chance. –disse ele com os cigarros para o alto. –Se você não conseguir, o maço vai parar dentro...</p><p>–Não. Não faça issooo...</p><p>Ângelo caiu dentro d’água.</p><p>–Tá vendo? Você me fez me molhar todo. E os cigarros também.</p><p>–Ah que pena! Vem, eu te ajudo á sair. –ela deu a mão á ele.</p><p>Ele passou a camisa no rosto e deu a mão á ela, mas ela também caiu na agua.</p><p>–Ai seu maluco! Olhe o que você fez.</p><p>–Você fica mais bonita ainda, toda molhada. Existem loucuras maiores que podemos fazer sem nos destruir... Tomar banho ao ar livre é uma delas. –disse ele jogando mais água nela.</p><p>–Mas estamos em local proibido sabia?</p><p>–Ser infeliz também é proibido. Vem, vamos deitar na grama.</p><p>Os dois se deitaram sobre a grama. Fátima ficou olhando as estrelas, visivelmente feliz.</p><p>–Você me promete mudar de vida a partir de agora?</p><p>–Os cigarros que você jogou na fonte não vão me fazer falta e, o alcoólico que bebia foi o último. Você verá.</p><p>–Combinado. Eu vou levar você para conhecer a minha companheira de lar lá em Goiânia. Ela é evangélica. Daí, você aproveita e assiste um culto, quem sabe...</p><p>–Se aquela evangélica me visse molhada desse jeito, e, com você...</p><p>–Você diria á ela, que você se batizou. Vamos. –se levantou e deu a mão á ela.</p><p>-Carregue-me nos braços.</p><p>–Com todo prazer, patroa. –e a pegou nos braços.</p><p>–Ai, não me deixe cair. E, me diz uma coisa, você tem apenas dezessete anos de idade?</p><p>Semblante entristecido, olhar firmado na extensão da avenida, continuou carregando Fátima sem querer dar resposta á pergunta que ela fez. Seu nascimento, seu passado, sua origem, se resumia em apenas uma afirmação: tudo que sei é que eu existo.</p><p>–Ângelo... eu te fiz uma pergunta. Ponha-me no chão.</p><p>–Pronto, madame.</p><p>Fátima o abraçou pela cintura e fez com que ele a abraçasse por sobre os ombros dela.</p><p>–Eu não acredito que você tenha apenas dezessete anos.</p><p>–Digamos que eu tenha vinte, trinta, ou que seja cinqüenta anos, o que importa é que eu existo nesse mundão de Deus.</p><p>–E está ocupando um espaço aqui. –disse ela apontando para o coração dela. –Estou cansada. Carregue-me mais um pouco até á minha casa. –pulou nos braços dele. –Eu também não conheci a minha mãe.</p><p>–Deixemos nossas infelicidades de lado. Eu prometo ser seu amigo para todo o sempre.</p><p>–Será bom ter você como amigo.</p><p>–Me fale sobre como é difícil para você, viver longe de sua mãe.</p><p>Foi a vez de Fátima calar-se por não ter nenhuma lembrança de seus pais.</p><p>–Vem minha gata arrasa quarteirões, doçura e tudo de bom que se possa qualificar. -e a tomou nos braços.</p><p>Os dois foram ao mercado fazer compra de alimentos, roupas novas, pares de calçados para a viúva sofredora, e roupas de cama, mesa e banho, e passaram na casa da vizinha arrumadeira para pagar pelo trabalho dela e pegar as chaves da casa.</p><p>–O seu Bráulio e a família dele não quiseram levar nada dessa casa. A maldita freqüentava aí, e por isso a dona Gertrudes comprou tudo novo. –foi o que a diarista disse á ele entregando–lhe a chave.</p><p>–Obrigado moça. Antes que eu me esqueça, eu precisarei sempre dos seus préstimos.</p><p>–Tá bom. A dona Dasdores mandou que eu deixasse o lampião com você, até que você mande instalar energia elétrica novamente.</p><p>–Diz á ela que eu á agradeço muito.</p><p>–Tá bom. Ah, ela resolveu falar hoje, e disse que você é muito bonito.</p><p>–Fico feliz com o elogio e com a notícia de que ela conseguiu conversar.</p><p>–Você está namorando ela? Nossa... você tem muita coragem!</p><p>Ângelo não deu resposta porque ele olhava um carro parado entre dois postes de luz na rua. Os faróis estavam acesos.</p><p>Fátima o esperava, escorada ao muro de meia parede e grades de ferro com pontas tipo flechas. Enquanto isso, ela conferia os presentes e admitia a si mesma que ela estaria vivendo um sonho, pois, algumas vezes, após as mortes na casa dela, ela vasculhou o guarda–roupa e o closet procurando algum objeto de uso pessoal dela, ou um bilhetinho de dedicatória revelando que pudesse ter sido dado á ela pelo Augusto. Nada, nem mesmo uma tiara de cabelos.</p><p>–Desculpe–me, eu preciso entrar. –disse Ângelo á mocinha.</p><p>–Tá bom. Tchau... Ah, pegue a caixa de fósforos. –entregou á ele.</p><p>–Obrigado mais uma vez.</p><p>–Tá bom. –e foi-se.</p><p>Fátima abraçou-o pela cintura e só o soltou para que ele destrancasse o portão. Ela estava encantada e muito feliz.</p><p>Em sua nova moradia Ângelo encontrou a mobília deixada em perfeito estado de conservação. No sofá marrom da sala iluminada pelo lampião, ele cantava uma canção que expressava o sentimento que estava preso em seu peito. Fátima conhecia a canção e o acompanhava com sua voz meio soprano.</p><p>–O que importa é ouvir a voz que vem do coração. Pois, seja o que vier. Venha o que vier eh, eh, eh. Qualquer dia amigo eu volto á te encontrar. Qualquer dia amigo a gente vai se encontrar.</p><p>Ângelo prometeu não chorar, pois, seu amigo e sogro de Fátima, um dia lhe ensinou a ser forte. Mas, como não chorar, sendo que talvez ele visse seu velho e mais que querido amigo partindo para nunca mais voltar?</p><p>Ele chorou em silêncio um pranto sincero.</p><p>–Ângelo, eu quero conhecê-lo. –Fátima pediu, em soluços.</p><p>–Você o conhecerá no momento certo.</p><p>Ele ia se levantar para ir ao quarto levando os lençóis e cobertores, quando a porta de entrada emitiu um ruído prolongado e cadenciado. Aos poucos foi se abrindo. Ele fez sinal para que Fátima fosse para outro cômodo. Ela se apavorou e foi parar nos braços dele.</p><p>–O que está acontecendo? –ela perguntou com visível pavor na expressão da fala. –Será um espírito mau?</p><p>–Espíritos maus não abrem portas quando querem entrar. –disse ele, em intensidade pianíssimo e fazendo sinal com o dedo indicador colado aos lábios.</p><p>Fátima calou-se, mas suas mãos estavam geladas como se houvesse estado dentro de um congelador.</p><p>O ranger das dobradiças não se ouve mais. A luz do lampião criava ribalta no centro da sala onde os dois estavam, e penumbra no local da porta. Ângelo permanecia estático e emocionalmente frio, acompanhando o movimento moroso da porta. A abertura se fez maior e uma sombra foi projetada na parede lateral. Ele avançou rumo á porta pisando estrondosamente, mas as unhas de Fátima cravaram no braço direito dele, impedindo sua investida.</p><p>Então a porta se fechou abruptamente.</p><p>–Você é uma estraga prazeres. – Ângelo virou-se para Fátima para dizer. E voltou á se sentar no sofá com as mãos cruzadas na nuca.</p><p>–Eu, eu estou com medo... eu senti o cheiro. -ela estava em choque.</p><p>Ângelo á abraçou de lado e acarinhava o seu rosto pálido.</p><p>–Que perfume você sentiu, Fátima?</p><p>–A fragrância era de bergamota, mas eu não me lembro mais do nome daquele perfume, e nem de quem o usava. Aquilo era uma assombração, Ângelo.</p><p>–Assombrações não usam Sweet honesty.</p><p>–Você também sentiu o cheiro? –perguntou, olhando nos olhos dele e sentindo que ela não estaria alucinando.</p><p>–Senti. Mas, eu prefiro esse seu cheiro femininamente de mulher linda que você é. –galanteou cheirando o pescoço dela.</p><p>–Então me abraça mais forte. Eu tô com medo.</p><p>–O que foi, Fátima? –Ângelo perguntou vendo-a esfregando os braços, muito assustada ainda.</p><p>Ela estava transtornada, sem poder assimilar bem o que ocorrera em 1965 e á minutos atrás. Mas tinha certeza que o cheiro amadeirado era o da mesma fragrância que Augusto e a empregada usavam, e, ela o fez parar de usar devido aos enjoos que ela sentia.</p><p>–Ângelo, me abrace e não me abandone nunca mais. –pediu chorosa.</p><p>Ele á acolheu em seus braços, com carinho. “meu amiguinho, através das sombras se chega ás cabeças que ás guiam, e aos corpos que se movimentam” – recordou abraçado á ela.</p><p>O cheiro do perfume trouxe á Fátima recordações á muito tempo adormecidas. E então, todos os seus sentidos estavam lá: no quarto do casarão em uma noite de outubro de 1965. Ela escovava seus cabelos longos, sentada na banqueta da penteadeira. Não ia sair, pretendia estar bonita para a chegada de todos os convidados que chegaria ás dezenove horas para a ceia naquela noite. Naquela hora, a empregada entrou no quarto.</p><p>Através do espelho Fátima via a empregada ás suas costas, com o semblante melancólico, deslizando as mãos desde á raiz ás pontas do cabelo dela.</p><p>“Seus cabelos estão caindo. Será melhor, cortá-los curto”</p><p>Fátima recusou á sugestão alegando que ela não suportava o cheiro que emanava de um salão de beleza. A gravidez á deixou enjoada.</p><p>A mulher cortou o cabelo dela, num corte ideal para homens, não fosse a franja loira caindo na testa dela.</p><p>“Ficou linda”– disse, com o rosto colado ao de Fátima.</p><p>Intimamente Fátima desaprovou o novo modelo, mas agradeceu á mulher por tê-la poupado da nauseante permanência dentro de um salão de cabeleireira. O perfume que ela usava, ficou impregnado nas narinas de Fátima, causando nela embrulhamento de estômago. E, naquela mesma noite de festa, ela adormeceu até acordar na manhã seguinte.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Foram frias as primeiras horas da manhã na sempre embaçada cidade São Paulo. Ângelo tirou o dia para levar Fátima á um médico. Temerosa ela passou por uma consulta médica. No ponto de vista clínico ela estava com saúde perfeita, mas o doutor achou por bem, que ela fosse submetida á uma bateria de exames laboratoriais. Para Ângelo e ela o médico adiantou que ela pudesse ficar tranqüila em relação á saúde dela e que os exames seriam para confirmação de que ele, o médico, estaria seguro de que ela tinha saúde de ferro. Para Ângelo em particular, o médico confidenciou que a loira bonita possuía um tipo raro de quadro genético, e garantia que a doença dela era uma raridade, porém não era nada para se preocupar.</p><p>Como a dois namorados, os dois passearam abraçados pelo centro da maior cidade brasileira. Tomaram sorvetes e comeram pipocas dividindo com os pombos na Praça da Sé. Ângelo, vestido em calça jeans e uma camisa social de manga curta num tom um pouco mais claro do que o da calça. Fátima preferiu uma vestir uma Pantalona preta e camisa em viscose bege, combinando com o tamanquinho de meio salto com correias apenas frontais, os dois perambularam pelas ruas.</p><p>A tarde foi chegando e o sol aparecendo timidamente entre as nuvens que se espargiam no céu. Os termômetros colocados em pontos estratégicos do centro da cidade anunciavam uma temperatura amena entre dezoito á vinte graus.</p><p>De volta á casa, debaixo do chuveiro Ângelo cantava uma música de seu repertório.</p><p>–O amor é um bichinho que rói, rói, rói. Rói o coração da gente, e dói, dói, dói... Fátima, minha linda, eu acho que encontrei uma pessoa muito especial. –ele falou gritando.</p><p>–Deu pra perceber. Quem é essa felizarda? –quis saber gritando e procurando alguma coisa na sala.</p><p>–Não vou dizer, mas ela é linda. Um passarinho me disse que ela era muito cobiçada quando mais nova e continua sendo.</p><p>–Então caia fora. Esse é o tipo de garota problemática.</p><p>–O meu nome é solução.</p><p>–Vai sonhando...</p><p>-Estou falando de você, minha linda.</p><p>-Acredito. Nossa, como eu acredito!</p><p>–Vai atender á quem bate palmas no portão. Eu estou todo ensaboado.</p><p>–E eu procurando um treco aqui para devolver ao batedor de palmas.</p><p>–Eu não estou te ouvindo. Entrou água do chuveiro nos meus ouvidos.</p><p>–Você é muito espertinho. Achei. Tô indo.</p><p>Da porta da área, Fátima se surpreendeu com a presença do delegado Valdir. Ela levava alicate que fora deixado pelo eletricista que havia religado a energia e esqueceu a ferramenta em cima da caixa do medidor.</p><p>Ao ver o homem de 1.90 de altura, cabelos lisos e castanho médio, caídos sobre as orelhas, com parte frontal partindo–se ao meio dando um efeito escamas, olhos também castanhos, Fátima se sentiu despreparada para ir recebê-lo no portão. Estava vestida com uma saia de poliéster estampada de cores fortes e camiseta regata branca. Chinelos de correias nos pés. Cabelos amarrado num molho só e sem maquiagem. Valdir, apesar de ser uma autoridade policial, não vestia roupas militares naquele momento. Camisa gola-polo amarela, calça caqui em sarja e Vulcabraz preto nos pés, descendo de sua moto CB 400 cc.</p><p>Fátima voltou para dentro da casa e se livrou da chave de fendas deixando–a sobre a mesinha de centro da sala. Soltou os cabelos e alisou a camisa na parte frontal de seu corpo, e só então foi atendê-lo.</p><p>–Olá, boa tarde. –disse ela á três metros do portão.</p><p>–Encontrei quem eu procurava. –Valdir falou apontando os indicadores na horizontal.</p><p>Fátima inflou o busto ao se sentir alvejada pelos dedos dele.</p><p>–Se eu der uma alfinetada no ombro dela, ela se murcha toda. –disse Ângelo que chegava por detrás dela.</p><p>Os ombros de Fátima caíram de modo á fazer com que seus braços ficassem frouxos rentes aos lados do corpo dela.</p><p>–Sem graça. –disse ela á ele, fazendo beicinho, deu ás costas aos dois e voltou para a casa.</p><p>–Vai pentear o cabelo, sua exibida convencida.</p><p>Valdir ria disfarçadamente, olhando para o sol das três da tarde.</p><p>Da porta, Fátima fez caras e bocas para Ângelo.</p><p>–Eu vi você andando por aí á paisano hoje, delegado. Você não me viu? –perguntou abrindo o portão. –Entre.</p><p>–Não, eu não vi você. Eu estava de bobeira, como dizem os desocupados por aqui. –e superou o portão.</p><p>Andando rumo á casa, Ângelo relia o bilhete.</p><p>–Eu preciso te ver novamente de um jeito qualquer. Vem matar esse desejo ardente, meu anjo mulher. Sem você sou como um barco perdido navegando sem rumo e sem direção. E a saudade atraca no porto do meu coração. Eu preciso te ver novamente do jeito que for. Te abraçar, te beijar e sentir seu corpo no meu. Sem você sou passarinho ferido que caiu do ninho e não sabe voar. Sem você, sou como um peixe jogado pra fora do mar. Vem me mata de amor, me leva ao céu. Eu quero sentir seu gosto de mel. Eu sou todo seu faça de mim o que quiser. Vem me deixe passar bons momentos ao teu lado. Eu quero em seus braços sonhar acordado. Eu sou todo seu, meu anjo mulher. –Então, eu tenho um camarada poeta. – Ângelo falou ao terminar de ler a poesia.</p><p>–Me dá isso aqui. –e se apossou da folha. –O que eu quis te passar era confidencial. Por isso eu entreguei ao policial essa melosidade toda. Homens respeitam o sentimento dos outros.</p><p>–Entendo delegado. Agora entre. –Ângelo convidou fazendo um gesto cortês com os braços.</p><p>Valdir se sentou e recostou-se no encosto do sofá levando as mãos na nuca.</p><p>–Que tristeza é essa?</p><p>–Você não entende nada de estado de espírito.</p><p>–Os únicos que eu conheço são de alegria e de tristeza. E você está triste.</p><p>–Não estou triste nada. È que eu me lembrei de que pisei na bola com uma mulher que eu havia marcado um encontro com ela anteontem. Eu tive que fazer hora extra na delegacia e liguei no restaurante onde ela me esperava e desmarquei o jantar.</p><p>–Tudo bem. Você avisou, ela vai entender. –disse Ângelo se sentando no outro sofá.</p><p>–Tomara que sim.</p><p>–Você tem o telefone dela?</p><p>–Tenho. É isso ai. Eu vou ligar para Arlete mais tarde.</p><p>Ângelo soube então, o nome da musa inspiradora de seu camarada e delegado Valdir.</p><p>–Arlete. –disse ele levando o dedo á ponta de seu nariz. –Esse nome rima não com tristeza.</p><p>–Já falei... era só inspiração.</p><p>–Você não disse que era uma inspiração. Quer falar sobre isso meu amigo?</p><p>Valdir se ajeitou no sofá, chegando até o braço do acento para desabafar com o insistente.</p><p>–No meu primeiro encontro com Arlete no refeitório, eu percebi que ela se mantinha na defensiva, e mesmo demonstrando interesse por mim, algo dizia em seu olhar que ela não era do tipo de mulher que vai para um motel com um homem logo no primeiro Happy hour.</p><p>–Mas não é de uma mulher tão fácil assim que você precisa.</p><p>–Não, não é. Embora Arlete seja uma mulher muito atraente e sensual, eu senti que ela não estava à procura apenas de sexo. O jeito ressabiado dela em relação á mim me mostrou que ela queria que viesse a ser um relacionamento sério entre nós.</p><p>–E você não á decepcionou.</p><p>–Começamos á namorar, e foi ficando sério. Eu já penso até em deixar de ser delegado para levar uma vida tranqüila ao lado dela e da filha dela. A mocinha é muito legal. A gente está se dando muito bem.</p><p>–Eu não vejo problema algum que possa impedir vocês três de serem felizes.</p><p>–Arlete ainda não se sente segura ao meu lado. -disse correndo as mãos nos cabelos e balançou a cabeça para os lados demonstrando que estava com a esperança esgotada.</p><p>–Traumatizada, eu diria?</p><p>–Sim, Conversamos sobre essa questão na semana passada. Por mim, teríamos terminado tudo, e, por ela, talvez não valesse a pena insistir em ficarmos juntos. A filha dela me contou que ela teve um namorado, mas numa noite ela o flagrou tentando abrir a porta do quarto da filha, então com seis anos de idade. E, ele tinha nas mãos uma seringa e uma vela preta. Enfurecida, Arlete pegou uma faca de cozinha e pôs o salafrário para fora de casa com as calças na mão.</p><p>–Talvez ele não tivesse certeza de que a menina fosse filha dele. Ela fez teste de DNA na filha para provar que ele era o pai dela?</p><p>–Fez.</p><p>–E deu positivo?</p><p>–Foi ele quem obteve o resultado do exame e não repassou á ela. Desde então, ela nunca mais quis vê-lo. O infeliz foi assassinado. Eu pessoalmente estive no local da ocorrência do crime. Ele tinha um punhal cravado no coração. Arlete não contou á filha esse episódio, e também jamais disse á ela quem era o pai dela.</p><p>Ângelo dedilhava seu próprio queixo enquanto Valdir relatava.</p><p>–Valdir, eu ainda não consigo acreditar que você tenha vindo aqui em minha casa para me confidenciar algo cabuloso, pessoalmente seu e da família de sua namorada.</p><p>–Talvez tenha algo á ver com o que você veio procurar aqui no Braz.</p><p>Ângelo cruzou os braços esperando que o delegado fosse direto ao que o interessava. Valdir olhou por toda a sala para assegurar-se de que Fátima não estivesse os ouvindo e chegou um pouco mais perto de Ângelo.</p><p>–O homem era enrolado de uma das envolvidas na tragédia na casa da sua nova companheira de lar. Coincidência ou não, naquele mesmo dia, mais dois homens que também eram dos que tiveram algum tipo de participação no incidente na casa, também foram assassinados no mesmo lugar, de forma idêntica. –falou baixo.</p><p>–Incidente uma ova. Extermínio, isso sim. Mas, a Arlete conheceu Fátima e Augusto?</p><p>–Não sei. Mas, a parte que te toca não é sobre a minha futura enteada e a Arlete. É de uma amiga das duas. O pai dela não á reconhecia como filha dele.</p><p>–Esse homem era o que morreu no mesmo dia que o ex dela?</p><p>–Não. O nome dele era Norato. O da garota eu não me lembro. A mãe e o pai dela freqüentavam a casa do casal Augusto e Fátima. O que eu estou te repassando sobre essa moça foi contado á mim pela Arlete, a minha futura esposa traumatizada.</p><p>–Eu torço por vocês. Mas, voltamos ao que me toca. A criança de Fátima nasceu morta. Pelo menos é o que se sabe até hoje.</p><p>–Tinham três crianças mortas. O meu pai era o delegado que acompanhou todo o caso. Ele recebeu um telefonema de alguém que passou á ele a localização de onde estavam os corpos dos bebês, mortos.</p><p>–E, onde estavam?</p><p>–Ele não quis ser acompanhado no descobrimento dos corpos, e sozinho os levou ao legista na madrugada na casa do examinador de defuntos. Havendo o legista confirmado as causas-mortes, tiraram fotos e, os corpos foram incinerados no quintal do próprio médico.</p><p>–E onde está o seu pai?</p><p>–Eu fui levá-lo na rodoviária agora á pouco.</p><p>–Não havia ninguém na rua naquela hora?</p><p>–Vizinhos da época diziam terem visto um carro preto com pessoas dentro dele saindo da garagem da casa minutos antes de tudo acontecer.</p><p>Para Ângelo era muita negligência da parte das autoridades criminalistas, deixar que não fossem apresentadas as provas cabais de assassinatos daquela espécie. Depois de esfregar o rosto deixando transparecer sua colérica contrariedade com todos os envolvidos nas apurações dos fatos do caso mal elucidado e desfechado de modo arbitrário e irresponsável, ele exporia algumas questões ao atual delegado.</p><p>–Considerando o fato de que as pessoas que estavam na casa naquela última noite não era apenas a grávida Fátima, não poderia ser desconsiderada pelas autoridades, que as crianças foram mortas por um terceiro ou mais elementos que ceifaram as vidas de todas elas por crueldade insana. Eu particularmente acredito que você não seria conivente com tais procedimentos escusos.</p><p>–Em 66 eu era soldado do exército e havia me envolvido com uma mulher barra pesada e me relacionei com alguns traficantes da cidade.</p><p>Foi então que Ângelo recorreu á uma vaga lembrança de ter lido algo á respeito de um militar que era um mero cabo de polícia no Braz e fora empossado delegado por vias de circunstâncias. “Ele não possuía graduação de carreira militar. De um raso soldado, tornou-se substituto do seu antecessor que deu baixa em sua carreira militar justamente dois dias após a tragédia ocorrida com os pais e filhos naquela noite tenebrosa.”</p><p>–E, para manter sua fama de homem de atitudes, você esmurrou até deformar completamente o rosto de um policial, só por ele ter passado a mão nas partes intimas de sua namorada numa abordagem policial rotineira num bar. Pagou seis anos de prisão. Cumpriu apenas um, por razão da influência do seu pai que também era delegado na época. Eu já ouvi falar da sua natureza explosiva.</p><p>Desdenhando, porém consentindo, Valdir ajeitou as barras da calça para dar continuidade ao caso Fátima.</p><p>–A ideia de que algo sobrenatural ocorreu ali para que elas fossem mortas de formas tão misteriosa, foi considerada e aceita pelas autoridades e por todos os moradores circunvizinhos.</p><p>–E então, a fantasmagoria começou. –Ângelo observou. –Mortes misteriosas sim. Sobrenaturais não.</p><p>–As mortes foram acidentais. Afogamento, queimadura e queda do segundo andar da casa, dentro de um buraco. Quem revelou onde estavam os corpos, por certo fora a mesma pessoa que provocou os acidentes no momento em que ela realizou os partos tendo a ajuda de outra pessoa. Mas eu discordo. Mulheres em trabalho de partos, uma parteira também grávida realizando a tarefa de tirar a criança das entranhas de uma parturiente, três possíveis auxiliares gestantes, que perderam suas crianças e suas vidas numa desastrosa participação de assistência á um parto indubitavelmente normal, para mim não passou de um extermínio premeditado, e negligência policial para não se chegar aos responsáveis pelos assassinatos.</p><p>-Afinal de contas, eram quantas mães e quantos bebês? -Ângelo indagou sem esperar por resposta. –Vítimas vão surgindo de modo á daqui á pouco, formar-se a lenda do casarão onde todas as mães de São Paulo perderam seus filhos. Parece-me que estamos diante de uma fantástica estória criada pelo imaginário humano.</p><p>–Eu concordo com você. Tudo foi muito mal esclarecido. Partos não seriam realizados sem profissionais com conhecimentos técnicos e em local apropriado. E por incrível que pareça, a amiga da minha enteada nasceu naquela mesma noite nas imediações do casarão. –Valdir assegurou e se levantou. –Bom, eu já vou indo.</p><p>–Eu te acompanho até á porta.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p>Durante a noite Fátima não conseguiu pegar no sono. Estava preocupada com seu estado de saúde. O dia amanheceu ela continuou na cama querendo dormir. Mas fora impedida pela chegada de uma estranha que espantou o sono dela e também lhe tirou a paz. Era Débora, que, á ser atendida pela loura esbelta vestindo um short vermelho bem preenchido por nádegas firmes e empinadas, com par de coxas perfeitas e tão lisas como pele de pêssego, não gostou de saber que Ângelo estava morando com ela, e a alertou de não se assanhar para o lado dele, porque ela não á aceitaria como namorada dele. Houve um começo de discussão entre elas, mas Fátima foi comedida, enquanto que Débora á desmereceu á ponto de fazê-la chorar. Débora achava que Fátima significava pedra de tropeço para o convívio entre ela e Ângelo. Fátima se viu extremamente magoada.</p><p>Em Goiânia, uma ligação interurbana deixou Débora com o peso da irresponsabilidade tirando-lhe o sossego. Aflita dentro de casa, andando de um lado e outro, juntando os cabelos em um molho só, sem os pentear, Débora procurava a bolsa para sair. Um chofer á aguardava dentro de um Landau preto estacionado em frente á casa. Desarrumada, despenteada e calçando uma sandália rasteira ela entrou no carro se sentando no banco de trás. “Para o hospital”. – disse ela ao chofer. No hospital ela se via diante de cândido no leito de uma enfermaria. Só restava á ela, esperar que Cândido Plates Rivera fosse complacente com ela.</p><p>“Cândido, o Ângelo...”</p><p>“Foi para São Paulo. Ele não iria sem vir ter comigo antes”</p><p>Ela conteve a surpresa.</p><p>“Eu não pude evitar. E, eu nem sabia dos planos dele”.</p><p>“Foi em busca daquilo que o fará feliz”.</p><p>“Mas, senhor Cândido, o senhor tem sido como um pai para ele”.</p><p>Cândido á olhou com tristeza no olhar, sentou-se, e com um movimento de mão ordenou que ela se sentasse do lado dele. Débora o obedeceu.</p><p>“Débora, você conhece a história do rei que escondeu o baú cheio de jóias e disse aos súditos, que o procurassem”?</p><p>“Sim, eu a conheço. Mas, o que significa as pedras que caíram pelo caminho, as jóias escondidas e o baú, senhor Cândido”?</p><p>“O meu menino conhece o significado de tudo. Providencie para que ele fique bem e protegido”.</p><p>“Eu prometo que eu mesma providenciarei”.</p><p>Ângelo havia acordado bem cedo para ir á região comercial do Braz para comprar alguns utensílios domésticos e agasalho para o corpo. Quando ele chegou já era começo de noite. Fátima foi logo participando á ele tudo que ocorrera entre ela e Débora. E ameaçou voltar para o casarão.</p><p>–Se você for morar lá novamente, eu mandarei um recado para alguns fantasmas. Aí, eles vão brincar de ciranda, cirandinha com você.</p><p>–Prefiro os fantasmas á àquela megera que está lá dentro.</p><p>Os dois entraram abraçados.</p><p>Débora estava sentada no sofá, com pernas cruzadas e balançando o pé, de nervosismo puro. No décimo aniversário de Ângelo, Débora foi apresentada á ele, e recomendada de dar á ele todo carinho e amor materno. Convivendo com ele, ela sentia-se desprezada, pois, Ângelo com respeito e submissão convivia com ela, mas ela achava que ele á considerava como á madrasta que desejava conquistar o enteado para então se posicionar como mãe e estabelecer suas regras de moral e conduta. Ela reclamou com Cândido sobre o comportamento do menino. Na varanda, em pé, olhando para o azul infinito do horizonte, Cândido á escutou para então manifestar sua opinião. “cuide do meu menino. Apenas cuide do meu menino” – foi o que ele de costa para ela á recomendou naquele dia.</p><p>Convencida de que ela era a culpada de tudo, Débora teve humildade para reconhecer o erro cometido por ela, e deixou Goiânia imediatamente.</p><p>–Débora, tudo bem com a senhora? –Ângelo perguntou e a abraçou.</p><p>–Eu estava até chegar aqui e encontrar essa mal... mal criada.</p><p>–Você não me conhece, sua... ai Ângelo eu vou me embora dessa casa. –Fátima ameaçou assanhando os cabelos.</p><p>–Sente aí e fique quietinha. Vocês duas não se conhecem. Portanto, apenas houve um mal entendido.</p><p>–Foi ela que começou. Já chegou jogando a mala no piso e me chamando de assassina oportunista.</p><p>O sentimento de culpa acompanhou Fátima durante dezessete anos, até que Ângelo apareceu e mostrando á ela uma nova perspectiva de vida. Mas, a presença de Débora a fizera desejar ter morrido junto com as demais pessoas naquela noite.</p><p>Ângelo fitou Débora com olhar de reprovação esperando que ela se retratasse, ou pelo menos expusesse a razão de tamanha ofensa dirigida á uma mulher que ela não á conhecia. No fundo ele tinha as suas dúvidas quanto á tal comportamento de Débora.</p><p>–A mocinha da casa da frente me contou sobre ela. –falou sem nenhuma demonstração de arrependimento por ter agido de forma intratável com Fátima.</p><p>Ângelo tinha certeza de que Débora simplesmente se justificaria.</p><p>–Tudo bem Débora, mas a Fátima mudou de vida, e...</p><p>–Mas não pode devolver a vida á todas aquelas pessoas.</p><p>Dos olhos de Fátima brotam lágrimas de amargura. Ângelo analisou o choro dela sentada na cadeira, de cabeça apoiada nos braços sobre a mesa da cozinha. E também observava a postura de Débora em pé, com as mãos na cintura e olhar altivo denotando o espírito de superioridade de uma religiosa diante de uma pecadora incorrigível. Então ele decidiria á qual das duas ele apoiaria.</p><p>–Dona Débora. –disse ele pegando a mala. –Eu não preciso que a senhora venha morar comigo. Já estou crescido e sei me cuidar. Pegue essa mala e arrume outro lugar para a senhora ficar ou volte para Goiânia.</p><p>Cansada da viagem de ônibus, e decepcionada com a recepção ela teria que ignorar toda a falta de consideração advinda de Ângelo ao sacrifício superado por ela para estar do lado dele. Ela contornaria a situação ou o abandonaria de vez, deixando-o com a infeliz causadora de desarmonia entre ela e o menino de ouro do patrão.</p><p>–Não Ângelo! –disse pegando a mala e a colocando no piso novamente. – Olha, eu acredito que ela mudou de vida. Inclusive, a sua vinda para esta cidade já fez acontecer um milagre. Talvez você não saiba, mas aquela senhora que mora na casa da frente, era muda, e, ela começou á falar depois que ela te viu. A empregadinha me contou... –relatou e esperou a reconsideração dele.</p><p>–Não foi só a mim que ela viu. Fátima estava comigo. Havendo acontecido um milagre como a senhora disse, então somos dois milagreiros.</p><p>–Essa daí...</p><p>–Dona Débora... –olhando sisudamente para ela.</p><p>Ela olhou para Fátima ainda chorando na mesa.</p><p>–Me perdoa Fátima. –pediu pegando a mala. –Qual será o meu quarto?</p><p>–O terceiro à direita no corredor. –Ângelo respondeu indo á Fátima. –Levante-se minha linda. –disse á ela.</p><p>Sobre o ombro dele o choro de Fátima se tornou soluços apenas.</p><p>-Vá para o seu quarto, minha linda. Eu preciso pensar um pouco.</p><p>Soluçando, Fátima seguiu para o quarto dela.</p><p>Pensativo, Ângelo seguiu para o quarto dele.</p><p><br /></p><p>Na soleira da janela do quarto, ele contemplava o meio arco de uma lua de fina espessura que anunciava o fim de seu ciclo minguante. Ele havia ido ao posto telefônico e ligou para Amaro. A empregada informou que ele tinha viajado para passar uns dias com alguns parentes dele. Depois ele ligou para Gisele, a patroa. Com ela ele conversou por alguns minutos. Gisele lhe contou que ela e o marido estavam passando por uma crise conjugal e teria algo á ver com o convívio dela com Jorge, o enteado que ela não o suportava. Nenhum homem havia despertado nela o que ela sentia por Ângelo.</p><p>“Isso passa” -disse Ângelo, e desligou.</p><p>Era muito fácil para qualquer um notar que ele era diferente de todos os adolescentes da idade dele. O diferencial estava manifesto em seu jeito de ser e nas diversas formas de interagir com pessoas de idades, costumes e naturezas diferentes. Ele que sempre fora um garoto frio, e que as coisas aconteciam tão naturalmente, se via agora invadido por uma sensação estranha, relativa a mocinha da casa vizinha. Olhou para o alpendre da casa e parecia querer guardar na memória a última imagem daquela garota de vestido creme rodado que a fazia parecer uma princesa de conto de fadas. Ele precisava administrar bem o que ele pressentia pela estranha.</p><p>–Oi Ângelo! Me perdoe por tudo que houve entre mim e a Fátima. –disse Débora ao entrar. –Posso chegar perto de você?</p><p>Naquele momento ela vestia uma blusa branca de gola em v, de mangas longas e uma saia preta de linho bem justa no quadril e pernas. Talvez, sem intenção de estar, ela estava sensual. Ele apenas esticou o braço esquerdo. Ela se agasalhou debaixo do braço dele e o abraçou pela cintura.</p><p>–Seu cabelo está molhado. –disse ele depois de dar um beijo no alto da cabeça dela. –Vai sair?</p><p>Débora não questionou e nem tentou fugir do modo que ele á recebeu com tanto carinho, apenas juntou os cabelos e os passou para frente do corpo.</p><p>Comentou a calmaria da noite e colou o lado do rosto dela no ombro dele.</p><p>–Eu tinha plano de ir para o culto exclusivo para o louvor especialmente para as irmãs do grupo de cantoras visitantes. Mas, se você quiser que eu fique eu fico.</p><p>Ângelo afagou os longos cabelos dela e pediu á ela que ficasse com ele na janela.</p><p>–Você está muito bonita Débora. Parece uma jovem mulher solteira em voto de castidade.</p><p>–Exagero seu. –disse ela, correndo as mãos ás próprias pernas.</p><p>–Você se parece muito com a Iemanjá.</p><p>–Ângelo, aquela mulher, apesar de ser um ídolo é muito bonita e parece uma moça.</p><p>–Bem... –disse ele deslizando a ponta do dedo indicador dele do alto da testa á ponta do nariz perfeito dela. –Diz a lenda, que, ela é tão velha quanto o surgimento das embarcações marítimas. Então, comparado á ela, a evangélica Débora ainda é uma mocinha e muito mais formosa.</p><p>–Você acha? –perguntou quase se explodindo de alegria.</p><p>–Tenho certeza.</p><p>–Eu faço você se lembrar da Iemanjá, ou é a Iemanjá quem te faz recordar de mim?</p><p>–Agora você me pegou. Eu vi a Iemanjá uma vez quando eu encontrei o quadro dela jogado em meio às coisas descartadas do senhor Cândido e me apaixonei por ela. Mas, o senhor Cândido disse que eu não devia me apegar á aquilo que não representa nada para mim. No outro dia ele consumiu o quadro. Depois ele me pegou vendo televisão pela primeira vez. No outro dia ele deu um jeito de dar a televisão para a vizinha costureira. Eu que nunca tinha assistido televisão na vida, continuei sem assistir.</p><p>–Ah, eu me recordo muito bem daquele dia. Eu fiquei sem assistir Amor com amor se paga, a minha novela favorita. O tempo passa ligeiro, não é Ângelo? –disse com nostalgia nos olhos, deslizando o dorso da mão no lado do rosto dele.</p><p>Ele assentiu e deixou escapar um suspiro de saudade.</p><p>–O senhor Cândido foi espírita algum dia?</p><p>–Não, Débora. Um dia eu perguntei á ele sobre as inúmeras religiões existentes no mundo. Ele me falou que para ele, tudo se resume em consciência, intenção e propósito.</p><p>–Eu queria anunciar o evangelho para ele. Mas, ele falou-me essas mesmas palavras. Só que ele não quis me dizer o porquê de tudo. Ele disse para você?</p><p>–Não só disse. Me convenceu á ser como ele.</p><p>–Você pode me dizer agora?</p><p>–Claro que posso. A consciência é a ligação direta do homem á Deus. As nossas intenções justificam ou não os nossos atos. Nossos propósitos determinam se somos dignos de honra ou desonra. Puro e simplesmente assim, Débora. –dissertou e se pôs á olhar para o horizonte escuro.</p><p>Por um pequeno instante Débora só queira estar ali do lado dele, aproveitando os momentos que ela teria a oportunidade de conversar com ele sem ser impedida por Cândido que a advertia sempre a não usar dos encantos e da beleza dela para descaminhar homens casados e rapazes solteiros. Ela com os seus preservados trinta e nove anos de idade, era muito bela e cobiçada por muitos aonde quer que ela fosse. Á despeito de tanto dissabor por ela sofrido, o tempo não deteriorou a esplêndida beleza dela.</p><p>–O que você fazia aqui tão calado e sozinho?</p><p>–Estava pensando no quanto a vida nos surpreende e nos escancara a insignificância de nossa existência.</p><p>–Não seja tão amargo Ângelo. Você significa muito para o senhor Cândido, Amaro e para mim também.</p><p>Ele segurou a mão direita dela e a beijou com sentimento de gratidão. Débora gostou do afeto e levou os braços em volta da cintura dele.</p><p>–Eu liguei para minha patroa em Goiânia e, ela me disse que eu faço muita falta na empresa dela. Os meus amigos sentem saudade de mim. Eu também sinto, de todos eles. Mas agora eu estou numa cidade distante de todos que significam algo para mim, conhecendo e me relacionando com pessoas que também têm seus sonhos, suas angústias, desejos, alegrias, tristezas, enfim, que vivem suas ilusões.</p><p>–A bíblia diz que tudo é ilusão, mas eu encontro forças na fé para continuar vivendo.</p><p>–A fé. –disse ele consentindo, movimentando a cabeça. – Você alimenta a fé de um dia encontrar um bom companheiro para com ele se casar e deixar de ser chamada de beata. Fátima ainda acredita que a filha ou filho dela esteja vivo. A fé e a intuição de mãe a permite suportar o desprezo, a má fama e o desrespeito das pessoas.</p><p>–E você, tem fé?</p><p>–Todos nós temos. Talvez eu não a conceba de modo religioso e operante, mas sem ela eu não viria á essa cidade com a esperança de encontrar aquilo que eu procuro. No entanto, sei que a fé não me garante êxito, mas me incentiva á seguir em frente.</p><p>Débora começou á massagear os ombros dele com a intenção de deixá-lo relaxado e afugentar o desânimo que demonstrava estar sentindo. Ela aconchegou a cabeça no ombro direito dele e fez com que todo o corpo dela se unisse ao dele. As mãos dela iniciaram uma escalada desde as laterais das coxas até ao pescoço dele. Ângelo pôde sentir o corpo aquecido dela dentro da blusa de algodão.</p><p>–Eu me recordo de eu ajudando você á vestir o terno branco no dia do seu aniversário de quinze anos. Você me dizendo que não gostava da cor, e eu dizendo que você havia ficado parecido ao James Dean, bem mais novo e de cabelos escuros. Ah, e calçado com sapatos pretos de frentes quadradas.</p><p>–Aí eu perguntei: quem é esse? Ele também usa terno?</p><p>–Eu disse, sim. Mas era mentira. Eu nunca o vi de terno branco.</p><p>–E eu lá, na frente de todos, parecendo um pato branco dos pés queimado. Os sapatos pretos também ficaram ridículos nos meus pés. As pontas quadradas deles eram como o pé da minha caixa de engraxar que eu usava.</p><p>–Ai Ângelo. –disse ela dando uma tapinha no ombro dele. –Como você era engraçado.</p><p>Os dois riram naquele raro momento de descontração. Ela ria escondendo o rosto entre o ombro e o pescoço de Ângelo. Ele fazia cócegas nas costelas dela, e também ria feliz... Então veio o silêncio e os olhos dos dois paralisaram no olhar um do outro.</p><p>–Eu gosto muito de você. –disse ela fitando os lábios dele. Os olhos dela iam se fechando.</p><p>–Débora, você não está noiva de um crente? –ele perguntou voltando para a janela.</p><p>–Eu queria falar com você sobre ele. Devido à doutrina da nossa igreja, a gente deve passar algum tempo sem ter convívio, para não sermos tentados a ter relações sexuais. Quando nos casarmos eu terei que me mudar para a casa dele e...</p><p>–Você não estaria segura do que está prestes á fazer. –Ângelo antecipou esfregando o rosto e seguidamente jogando os cabelos para o alto da cabeça.</p><p>Débora sentia que ela se sentiria ainda mais solitária e necessitaria de outras mentiras piores para poder se encontrar com Ângelo, estando ela casada. Então, ela o abraçou por trás.</p><p>–Se você quiser poderá morar comigo e com ele.</p><p>–Não daria certo. Ter a você como minha madrasta eu não teria nenhuma dificuldade. Mas ter como amigo alguém que eu não conheço...</p><p>–Não, Ângelo. Ele te conhece e gosta de você.</p><p>–Que bom. –consentiu e foi se sentar na cama dele.</p><p>–Ah meu Deus!–ela exclamou e foi se sentar do lado dele, e o abraçou forte. –Como eu queria que ele me deixasse, para eu ficar morando com você para sempre.</p><p>–Débora, – disse ele afagando os cabelos dela sobre as costas dela. –Eu sinto que você está em fel de amargura por viver uma vida reprimida e distante daquilo que realmente quer viver.</p><p>–Eu não sei o que realmente quero.</p><p>–Mas... – disse ele segurando o rosto dela. – Sabe o que não quer para a sua vida.</p><p>Foi como se ele tivesse tido uma revelação sobre o que se passava no âmago de sua alma atormentada e sedenta de respostas sólidas de alguém que não ensaiava de frente ao espelho para levar mensagens vazias aos seus ouvintes que após ouvi-lo fazendo promessas milagrosas ainda tinham que fazer uso da fé para que as promessas se cumprissem.</p><p>-Eu não sei que rumo tomar. –disse ela.</p><p>-Débora, o caminho que escolheres, siga-o. Quando se cansar dele, mude o modo de seguir nele. Levando em conta que a poeira e as pedras do caminho poderão sujar suas roupas e sua pele, mas o que não deve ser manchada é o bom caráter da caminhante.</p><p>-Você acha que eu deveria abandonar a igreja?</p><p>-A igreja não é o caminho. Ela é apenas a embarcação que você usa para seguir na estrada que você acredita que te levará á Deus. Se você se cansou dessa embarcação, mude para outra, mas não se esqueça de que muitos á jogarão pedras e te considerarão como sendo uma mulher suja e decaída da fé. Porém, saiba que você deverá mudar apenas de embarcação, mas perseverar no caminho que te conduzirá ao Deus da sua compreensão.</p><p>-Que caminho é este? Eu já me sinto tão confusa com tudo que eu ouço e vejo falar sobre o que nos leva á Deus.</p><p>Ângelo se agachou e segurou as mãos dela sobre as pernas dela.</p><p>-Débora, cada igreja dita suas regras, dogmas e doutrinas de acordo a concepção que cada um de seus líderes tem de Deus e de Jesus Cristo. Você aderiu á uma dessas visões de terceiros e viveu sobre a influência dos pontos de vistas doutrinários, sectários e dogmáticos desses homens. Pode ser que somente agora você esteja seguindo no caminho com os seus próprios pés, enxergando-o com seus próprios olhos e o entendendo de forma direta e pessoal, sem intermediários para á conduzir ao seu destino de chegada.</p><p>Ela levou as mãos ao rosto e refletia sobre o que ela sempre escutava de Mathias, e no que acabara de ouvir de Ângelo. Todavia, sua cabeça ainda não lhe permite chegar á uma conclusão sobre duas formas tão diferentes de concepção sobre as coisas do criador. Num relance, ela se lembrou do que Mathias disse á ela á respeito de suas pregações coerentes e convenientes com os evangelistas.</p><p>-Ângelo, você está sendo coerente e conveniente com o seu modo de entender Deus?</p><p>-Não. Eu não tenho uma ideia formada sobre ele, e não defendo um seguimento religioso. –respondeu se levantando.</p><p>-Sente-se na cama e me explique sobre coerência e conveniência.</p><p>Ele obedeceu.</p><p>-Eu estou me atrasando, mas tentarei ser breve e bem compreensível ao falar dessas vertentes á você.</p><p>-Tà bom.</p><p>-Olha. –disse ele unindo as mãos e as levando aos seus lábios. –É muito tênue a linha que divide o coerente e conveniente do correto e justo.</p><p>-Fale mais claro...</p><p>-Tudo bem. –olhou no relógio. –Ainda tenho um tempinho. Bom, se eu tenho uma opinião formada à respeito de determinado assunto ou causa, então, tudo que eu disser terá que estar enquadrado com ideia que eu defendo. Entendeu?</p><p>Ela meio que concordou com balançar de cabeça.</p><p>-Me dá um exemplo bíblico.</p><p>-Pois bem... –respirou e se lembrou de algo. –Os judeus pregavam a lei coerente às ideias de Moisés, e convenientes aos seus costumes religiosos.</p><p>-Isso, no velho testamento. E no novo?</p><p>-No novo? Me deixe eu me lembrar. –fez pausa. –Paulo de Tarso instituiu o cristianismo coerente às suas próprias ideias e convenientes aos costumes dos gentios e pagãos. Houve até discordâncias entre ele e os demais cristãos da época.</p><p>-Então, qual deles estava certo?</p><p>-Eu não posso fazer esse julgamento, mas posso assegurar à você, que os que se dizem cristãos, devem seguir o que foi dito e deixado de exemplo aquilo que o Próprio Cristo ensinou, porque o evangelho de Cristo não era coerente e nem conveniente à religião nenhuma. Ele foi correto e justo sem parcialidade.</p><p>-Eu ainda não entendi.</p><p>-Oh Débora! Jesus nunca falou que as mulheres têm que ter os cabelos crescidos, e os homens, cabelos curtos para terem o direito de orar e profetizar. Ele nunca falou que alguém não pode comer certo tipo de comida servida por outros, por causa da consciência dos outros. Ele não deu o direito à um líder de igreja para que ele julgue e nem condene os membros...</p><p>-Disso eu me lembro de ter lido. Está escrito assim? E disse Jesus, não julgueis para que não sejais julgados. –recitou e sorriu comedidamente.</p><p>-Então, minha linda e preciosa vizinha. –disse ele com ternura. –Segue o seu caminho sem se preocupar com o que os outros vão dizer. Eu só peço a você que não se deixe esquecer de que Deus contempla lá do céu o seu caminhar nessa vida. Por isso, não o decepcione.</p><p>-Você acha que eu devo me manter firme, apesar dos pesares, para eu não ser culpada pelos erros de alguém muito próximo a mim?</p><p>-Bem, Débora... - disse ele tocando o rosto dela com o dorso da mão direita. -Jesus jamais disse que a mulher crente santifica o marido descrente. Se for isso que você quer saber.</p><p>Ela sentiu uma força lhe tomar naquele momento, e se levantou para abraçá-lo. De olhos fechados, ela apertou-o no abraço e agradeceu em silêncio: Obrigada senhor!</p><p>–-Obrigada Ângelo! Apenas me abraça forte e não fale mais nada.</p><p>–Tudo certo, Débora. Mas não me ponha entre você e o seu noivo.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>REVISAR</p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p>Ângelo obteve uma informação através de um comentário feito pelo funcionário da companhia telefônica que instalou o telefone na sua nova residência. A vizinha do lado era moradora no mínimo à mais de vinte anos naquela rua. O instalador disse à ele, que a mulher, na casa dos quarenta anos de idade, era uma das mais antigas usuárias dos serviços prestados pela operadora de telefonia. O homem não passou à Ângelo o perfil físico dela, mas adiantou ao pé do ouvido dele, para Fátima e Débora não ouvir, que a vizinha era uma solteirona com tendência à beatice, e que ele teria coragem de se casar com ela, se ela largasse a mão de ser boba. Ângelo riu enquanto assinava a ordem de serviço prestado. A pretensão do quarentão solteiro com a antiga moradora não despertou nele nenhum interesse em ter uma conversa com ela, afinal de contas, a vizinhança era composta de muitas famílias pioneiras que ali viviam. Teria sido para ele apenas um dedo de prosa com um instalador de telefone que gostava de um fuxiquinho básico. Porém, ele resolveu lixar o portão preparando-o para receber tinta à óleo, varreu a calçada e assistia uma turma de meninos e meninas brincando de queimada no meio do asfalto. Em dado momento, uma menina errou o alvo e a bolinha acertou Ângelo. O coleguinha foi até à ele para receber a bolinha das mãos dele e disse: “Ei, eu vi você entrando na casa da maldita. Você é doido. Ela matou as amantes do marido dela” Ângelo o indagou se ele teria conhecido as mulheres. O menino afirmou que a vizinha poderia confirmar o que ele afirmara.</p><p>Ele já havia visto a mulher quando ele vinha do posto telefônico e passou por ela que estava com problemas com o pneu furado do automóvel dela na Avenida Ipiranga. Na traseira do carro, Darlene vestia as mãos com um par de luvas. Ângelo ofereceria ajuda a ela, mas um homem robusto e bem alinhado o antecedeu.</p><p>Ângelo entrou na casa e foi para o quarto. A mochila estava guardada no maleiro do guarda-roupa. Rapidamente ele a tirou de lá e apossou-se do manuscrito para conferir alguma referência à respeito de uma mulher que possuía a natureza representada pela voz Baixo na teoria musical, e personalidade do elemento Terra.</p><p>Ao findar da tarde ele viu Darlene chegar à casa dela, sem maquiagem e com cabelos presos por uma liga elástica formando bojos volumosos cobrindo as orelhas. Não dada à vaidade feminina, mas de aparência satisfatória à ponto de torná-la cobiçada por solteirões e até por moços, rapazes e adolescentes. Ela trazia um pacote de compras do supermercado.</p><p>“É ela”</p><p>–Quer ajuda com as compras, senhorita? –ele perguntou a ela que apoiava o pacote de compras sobre a coxa e procurava abrir o portão.</p><p>–Obrigada, mas não precisa.</p><p>–Eu faço questão de ajudar você. – disse indo a ela.</p><p>Darlene assoprou para o alto demonstrando que ela estaria precisando sim da ajuda oferecida. Estava mesmo sendo difícil destrancar o portão por causa do excesso de chaves em um só chaveiro. Pegando o molho de chaves, Ângelo notou que a maioria das chaves era de cadeados.</p><p>–Eh... eu seguro o pacote. Você conhece melhor as chaves.</p><p>Na troca de mãos o pacote de macarrão Madre massas acertou o nariz dele. Foi de leve, e, a reação dos dois foi rir um do outro. Analisando o riso dela, Ângelo o definiu como sendo espontâneo e revelador de uma personalidade forte, porém aberta ao contato até mesmo com um estranho.</p><p>–Perdoe a minha falta de tato. São tantas chaves, que até eu mesma me confundo.</p><p>–Dinamismo demais, às vezes causa alguns embaraços.</p><p>–Como disse? –perguntou enquanto procurava a chave certa.</p><p>–Que você é uma mulher muito ativa.</p><p>Darlene nada comentou sobre a observação, mas se mostrou àvida à dispensar um pouco do tempo dela para uma conversa mais demorada com ele, contanto que, teria de ser sob o critério da não intimidade. Por obséquio, o portão de vergalhões torcidos seria o divisor entre os dois.</p><p>–Você é o novo vizinho, e os meus gatos não estão deixando você dormir?</p><p>–Eu ainda não fui incomodado por nenhum deles. Até gosto desses animais. Se bem que eles são ingratos e não gostam dos donos. Só do conforto e da boa alimentação dada a eles.</p><p>–Pronto. –disse ela havendo destrancado o portão. –Obrigada. –postou os braços, pronta para receber o pacote novamente. -Os meus gatos são adoráveis.</p><p>–Ao menos com a dona, eu não duvidaria. Acho melhor eu levar as compras até à porta da sua casa.</p><p>Para Darlene, tanta gentileza e agradabilidade aparentemente despretensiosa proveniente de um estranho, significava perigo à vista. Passou à mente dela de não aceitar que ele adentrasse o seu domicílio, mas, pessoas ainda transitavam pela rua naquela hora e, sobretudo, qualquer proposta ou ato indecente da parte dele, bastaria ela gritar ou usar sua arma de proteção pessoal.</p><p>–Se isso não incomoda, me acompanhe, por favor. –e seguiu na frente.</p><p>A saia cinza de cintura alta e caimento balonê exibia suas pernas bem torneadas e não a estorvava andar rápido como se estivesse correndo contra o tempo.</p><p>–De onde você vem? –ela perguntou chegando à porta e escolhendo a chave.</p><p>–De Goiânia.</p><p>–Os goianos são todos prestativos como você é?</p><p>–Não sei. É que, eu sou filho órfão.</p><p>Enfiando a chave na fechadura, Darlene tentava assimilar bem a resposta que ele deu. Arriscaria fazer outra pergunta mais direta e sugestiva. Dependeria de Ângelo saber responder de modo a deixá-la mais confiante a seu respeito.</p><p>–Você é filho de viúva? –quis saber antes de convidá-lo a entrar.</p><p>–Sou filho de Deus todo poderoso, herdarei o que ele me queira dar. Da riqueza a mim deixada, só tirarei dela o sustento para jamais me vangloriar.</p><p>–Eu ainda não cheguei a esse grau e nível filosófico ainda. –disse ela escancarando a porta. –Entre e sinta-se em sua casa. Eu acho que não vou precisar desse amiguinho aqui.</p><p>Ângelo olhou na direção do olhar dela e se deu conta do que ela se referia.</p><p>Desde o incidente na casa da vizinha Fátima, Darlene adquirira o hábito de manter sempre um porrete do lado do batente da porta da sala de estar.</p><p>Parado próximo à mesinha de centro ele conferia a arrumação da sala.</p><p>Os sofás de madeira entalhada, revestidos de couro roxo estavam com as laterais afastadas das paredes, dando espaço para dois recipientes colocados ali detrás. Um coxinho quadrado comportando terra misturada à areia. Uma travessa rasa, quadrada, de vidro, contendo àgua limpa e cristalina, estava entre a parede e o assento de dois lugares.</p><p>–Não repare a bagunça. Por todo canto dessa casa você verà algo relativo às minhas precauções. Dentro da minha casa você só não poderá ver o vento. Eu mantenho sempre as portas e janelas fechadas para não ser surpreendida pela ventania que causa um tremendo estrago quando entra de arrombo. Coloque as compras em cima da mesinha de centro. Eu jà vou precisar de uma mercadoria. –disse num fôlego só, abrindo o janelão sem cortina.</p><p>–Eu acredito que seja o fogo. –disse ele sacando uma caixa de fósforos e depositando o pacote onde ela mandou.</p><p>Darlene se aquietou na frente dele, completamente admirada. Era como se ela estivesse frente à frente com alguém muito especial e almejado. Na mercearia da rua ela ouviu algumas pessoas comentando sobre a chegada do novo morador. Na loja de rações o casal proprietàrios do estabelecimento a interrogou a respeito do rapazinho corajoso que tirou a maldita do castelo mal-assombrado e a levou para morar com ele. Agora, a admiràvel criatura estava ali, à poucos centímetros dela, de braços cruzados, à olhá-la em silêncio analítico como quem procurava descobrir seus segredos e desvendar seus mistérios. Os olhos dele reluziam um brilho vívido e sobremaneira encantador.</p><p>–Sim, os fósforos. –disse ela se despertando e pegando a caixinha. –Eu vou preparar um café. –Você deve estar pensando que eu sou uma desajustada.</p><p>–Não. Ao contràrio, eu acho que você faz bom uso de todos esses elementos e sabe administrar muito bem o tempo. Eu diria que você é uma mulher pràtica, ativa e constante. Sugestiva também.</p><p>–Sugestiva... – repetiu ela chacoalhando caixinha com palitos. –Sente-se. Agorinha eu estarei de volta.</p><p>Ângelo se sentou no sofá menor e, apoiando as mãos nos joelhos fazia uma introspecção sobre tudo que fora exposto à ele desde o momento que ele entrou na casa. O coxinho com terra seria para os gatos defecarem ali. A vasilha com àgua podia ser para eles beberem. Porém, o comentàrio sobre a impossibilidade de ver o vento não teria sido uma citação óbvia e desnecessària. Assim como também a necessidade do fósforo naquele momento para o preparo do café não seria mera cortesia da parte dela em paga pelo favor que ele prestou à ela. Os elementos físicos expostos na sala, a abertura completa da porta e da janela, e a utilização do fósforo se sucederam numa ordem perfeita, semelhante à escala dos elementos componentes da estrutura planetària.</p><p>Ela voltou para a sala trazendo duas xícaras de cafés bem quentes.</p><p>–Você é bem rápida. –disse ele se levantando.</p><p>–É solúvel. Pegue esse. O meu é sem açúcar. -disse entregando à ele a xícara da mão esquerda</p><p>–Você jà foi casada? –ele quis saber voltando à se sentar antes de beber.</p><p>–Ah! –ela exclamou à despeito da marca de aliança no dedo dela. –Fui casada por algum tempo, mas estou solteira à um bom tempo.</p><p>–Você ainda é uma mulher bem nova. Eu acredito que o seu casamento durou pouco tempo, e, por isso você vive sozinha à um bom tempo. Mas, a marca da aliança está bem nítida no seu dedo. –deslizando o polegar na borda da xícara ele falou.</p><p>–Eu a usei até ontem. Para espantar os indesejados. –disse, jà com os lábios na borda da xícara, e deu aquela piscadinha cúmplice.</p><p>Ângelo a esquadrinhou. Ela seria uma mulher desiludida com a vida à dois, e teria razões para evitar à se relacionar com um homem. Mas, para tal postura optada por ela, Darlene teria sido infeliz enquanto estivera casada. Ele concluiu.</p><p>–Sabe, Darlene, eu aprendi que a melhor maneira para esquecer uma decepção sofrida, é remoê-la até que ela se dissolva.</p><p>Não falar à respeito de seu malfadado casamento a Ângelo foi o que ela determinou a si mesma enquanto preparava os cafés na cozinha. Mas, a decisão seria mudada tão depressa quanto o modo de ela se locomover e falar.</p><p>Ela pôs a xícara sobre a mesinha de centro deixando o café para depois e foi se sentar no outro sofá.</p><p>–Nos primeiros meses do nosso casamento eu tive que lidar com o jeito inseguro do meu marido. À época, ele era pedreiro de obras e eu fazia faculdade no meu primeiro ano de contabilidade. Houve o inicio de um cisma no nosso matrimônio.</p><p>–Por parte dele, por achar que não era conveniente sua linda e jovem mulher estudar.</p><p>–Eu entendi que era por ciúmes que ele era contra eu estudar. Eu pensava que ele deixaria de se preocupar tanto em me perder para algum colega de faculdade. Parei de estudar. Dali em diante, eu só me lembro de que uma mulher passou à estar sempre conosco em nossa casa, mas... –calou-se e se pôs à massagear as próprias mãos.</p><p>–E filho, você teve?</p><p>–Ai Ângelo, eu não quero e nem saberia o que dizer sobre ele. Por alguns meses eu tinha controle e ciência de tudo ao meu redor e em relação a minha vida de casada. Hoje eu só sei que eu não tenho o meu filho comigo, o meu marido foi encontrado morto, sei lá... e, os meus gatos são os meus únicos companheiros desde que eu me saparei.</p><p>Ângelo sentiu toda a angústia que ela sentia, e, ele não seria capaz de levar aquela conversa mais adiante. Entornou a xícara na boca, deu um estalido de língua e fez sinal de café aprovado.</p><p>–Depois do café você me leva para eu ver os seus coleguinhas?</p><p>–Sim. Eles estão presos em suas casinhas lá no fundo do quintal. Mas, um deles está solto por aí. Talvez aqui dentro da casa.</p><p>–Então, as provisões de àgua e privada portàtil foram deixadas na sala para uso e consumo exclusivamente dele?</p><p>–Foi um funcionàrio da Telesp que me passou essa ideia ontem. Como você mesmo disse, gatos gostam do conforto o de bom trato, e, eu não quero perder mais nenhum dos meus companheirinhos.</p><p>–Qual o nome do funcionàrio?</p><p>–Adamastor. Somos bons amigos. Ele vive me dizendo que eu espero por um príncipe que me levarà para morar em um castelo encantado.</p><p>–Adamastor. Um príncipe. Castelo encantado... Sei. –balbuciou e bebeu todo o café. –Bom, Darlene, eu jà vou indo...</p><p>–Espere. Você não quer conhecer os meus gatos?</p><p>–Quanta displicência a minha!</p><p>Saíram pela porta dos fundos e foram dar no canil dos gatos. No quintal todo cimentado havia gaiolas instaladas, suspensa do piso, fixadas à parede do muro alto. Dezoito gaiolas, algumas gatas gordas, bem tratadas, deixavam que seus filhotes sugassem de suas mamas o leite em abundância. Em apenas uma gaiola havia cinco animais.</p><p>–Nessa suíte aqui têm cinco hóspedes. Eu devo colocar ração em dobro?</p><p>–Estes são Vendaval e seus filhos, três machos e uma Fêmea. Terremoto, Tempestade, Ventania e... –pausou.</p><p>–E o quê?</p><p>–Ai, o nome é muito feio. –a voz saiu abafada porque ela usou as mãos para tapar todo o rosto dela antes de dizer rindo.</p><p>–Feio sou eu. Diz logo, boba.</p><p>–Tà bom. O nome da gata é Fogo-no-rabo. –e esperou a reação dele.</p><p>–Você é muito vergonhosa. Eu conheço mulheres que também tem fogo nos rabos.</p><p>Risos dos dois acompanhados das tapinhas que ela dava nele.</p><p>–Boto comida para os malvados e a borralheira, ou não?</p><p>–Triplique a ração, senão, eles se devoram. O Adamastor veio reparar o defeito em meu telefone ontem. Aí ele quis conhecer os meus gatos. Quando ele viu a selvageria desses cinco, ele deu esses nomes à eles. São todos maus e indomesticáveis.</p><p>–Eu pensava que eram quatro gatos para uma gata. No mundo animal também existe bigamia e incesto?</p><p>–Se existe não é levado em conta, pois os animais não agem por falta de respeito.</p><p>–Eu conheço a história de uma mulher que teve dois maridos ao mesmo tempo e convívio. O nome dela era Flor...</p><p>–Você está brincando com coisa séria. Os homens é que são uns cafajestes. –disse séria, mudando os cacos de lugares.</p><p>–Até parece que você entende de homens...</p><p>–O meu marido me traía com qualquer rabo-de-saia. –confessou trancando o cadeado de uma gaiola. –Eu preciso voltar para o trabalho. Farei hora extra hoje. -sem mais conversa ela espanou as mãos na saia e seguiu para dentro da casa.</p><p>Ângelo a acompanhou, mas nada disse à respeito da infidelidade do ex–marido. Os dois passavam pela cozinha quando ele notou que havia uma caneta e uma folha de papel em branco em cima da mesa que, no mais, havia apenas uma fruteira acrílica com laranjas e bananas. Ele pegou a caneta para escrever alguma coisa na folha de papel sem pauta, escreveu e entregou a ela.</p><p>-Pegue e leia. Se você não gostou do meu jeito, rasgue, queime ou jogue fora. Ao contràrio, me responda pessoalmente, quando você tiver se decidido.</p><p>E foi embora.</p><p>Darlene foi para a salinha de leitura, sentou-se na cadeira da escrivaninha, ajeitou alguns papéis, caneta e grampeador num lado da mesa e em seguida recostou-se na cadeira e pegou o bilhete que ele escrevera e, finalmente o leu em silêncio. No começo da leitura ela deslizava a mão em seus cabelos. No segundo paràgrafo, a mesma mão acariciava o seu próprio rosto. Na parte final, ela deu um sorriso e tirou o pequeno estojo de maquiagem da bolsa. Olhando no espelhinho do estojo de maquiagem, ela umedecia os lábios com a ponta de sua língua enquanto corria o dedo nas sobrancelhas.</p><p>“Quer passar comigo as suas noites de solidão?”Respirou profundamente.</p><p>-Ângelo, quem é você? – se sentando perguntou a si mesma.</p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p>Débora ia aos poucos se sentindo cada vez mais rejeitada, mas relutava em não querer deixar a casa e ir embora. No fundo, ela queria estar ali com ele e com Fátima, sem medo de se arrepender depois.</p><p>Na noite anterior, Fátima se sentou ao lado de Ângelo no sofá para saber dele sobre a desigualdade social em Goiânia, uma vez que a conversa entre os dois girava em torno da situação dos que viviam em favelas de São Paulo. Débora ouvia a conversa, e fora extremamente deselegante com Fátima ao dizer à ela, que a desigualdade social entre o padrão de vida da loira e a de Ângelo não seria de maneira nenhuma equilibrada, pois, ela não deixaria que Ângelo se penalizasse de nenhuma mulher interesseira e oferecida. Fátima não se deu por ofendida, por não ter entendido à indireta, mas, ao ser deixada pelo Ângelo na porta do quarto dela, ela perguntou à ele o que Débora quis dizer com aquela conversa. “Que você é uma mulher interessante e desinibida. Agora entra no quarto, deite e durma em paz.” Deu um beijo no rosto dela e voltou para a sala. Quando ele passava pela sala seguindo para o alpendre, Débora foi logo atrás dele dizendo que ela não queria magoar a “coitadinha”</p><p>“Magoou não, Débora. Ela é muito inocente e por isso está sempre feliz.”</p><p>“E você, está magoado comigo?” “Boa noite, Débora.”</p><p>Numa espécie de juramento Cândido segurou as mãos de Ângelo para dizer algo à ele no dia em que ele completou dezessete anos de idade: “Meu querido amigo, cuide da minha casa até que eu volte à habitar nela, e quando eu voltar, continue por lá. Depois, encontre aquela que te amará para sempre. Saiba, porém, jamais dê à alguém, aquilo que ele ou ela não mereça. O que é meu é também seu. O que for seu, em termos de bens materiais, deve ser partilhado com quem necessita. No entanto, não se entregue à mulher errada, pois, ela poderá minar o porta-joias e roubar seu tesouro. Quanto ao seu coração, nunca permita que ele se divida e siga em dois caminhos diferentes. Onde estiver o seu coração pulsando em vida, ali estará seu corpo, mente e espírito. Entenda também que, sua alma poderá ir para um lugar tenebroso ou para onde habita a paz. Seu espírito poderá ser inconstante e seguir caminhos diversos. Sua consciência é o seu vínculo constante e direto com o ser supremo. Portanto, viva com sabedoria.</p><p>Amanheceu o dia, Débora queria ter uma conversa com ele, mas perdeu a oportunidade de tê-la, por iniciar criticando Fátima, tentando estabelecer regras de convívio e divisão de afazeres domésticos entre as duas.</p><p>Quando Ângelo chegou, Débora foi logo contando à ele que ela tivera outro desarranjo com Fátima que a deixou sozinha resmungando muito e saiu rua à fora.</p><p>–E você, onde esteve esse tempo todo? –quis saber dando um nó nas pontas da trança, mas nada adiantou, e o cabelo voltou à cortinar as costas dela.</p><p>–Eu andei à procura de um homem, mas não o encontrei. Encontrei a casa, mas ele não estava lá. Aproveitei a caminhada e fui ao Parque Ibirapuera. Agora estou aqui dando satisfação à minha querida monitora. –disse, com sarcasmo e uma piscadela.</p><p>–Ângelo, você tem que parar de ficar conquistando as mulheres com quem você conversa. – disse ela sem perder o ar de zangada.</p><p>–Do que você está falando?</p><p>–A Alice da Dasdores me contou que a Dasdores disse é ela que o Augusto tinha o seu jeito de ser com as mulheres. O meu pastor, em Goiânia me falou que nós tínhamos que fazer uma campanha de oração pedindo à Deus que não deixe que você tenha herdado o mesmo espírito que acompanhava o senhor Cândido e o Augusto. -ela cruzou os braços esperando a retórica.</p><p>–Pelo menos, eu, respeito as pessoas com quem eu me relaciono. –disse sussurrado e indo para o quarto.</p><p>Débora sentiu-se ferida por tê-lo deixado triste.</p><p>–Ângelo. –disse ela indo à ele. –Me perdoa. É que a sua patroa me mandou te entregar um bilhete quando ela soube que estaria vindo para cá, mas ela é casada.</p><p>Ele parou debaixo do arco da abertura de acesso à cozinha e sala. Alguma coisa lhe dizia que ele não leria o bilhete.</p><p>–Cadê o bilhete Débora? –perguntou abarcando a cintura dela com as duas mãos.</p><p>Os pelinhos nos braços dela se eriçaram e, ela se viu revelando-se à ele. Ser tocada por ele era o desejo dela jà não mais secreto.</p><p>–Eu o rasguei. –e se livrou das mãos dele e foi rumo ao sofá. –Você não pode se envolver com uma mulher casada.</p><p>Ângelo inflou as bochechas e assoprou para o ar.</p><p>–O que você resolveu com a Fátima?</p><p>–Ela se emperiquita toda e sai por aí todos os dias. Você tem que dar um jeito nela.</p><p>–Débora, vocês são mulheres e devem se entender. Quanto à mim, eu não sou patrão dela e ela não é nossa empregada. Se para você será difícil cuidar da casa, da alimentação e lavar roupas, não se preocupe, eu conheço alguém que poderá sanar esse problema.</p><p>–Você não vai contratar a Alice. Você sempre me evitou e continua me evitando. Eu sempre cuidei muito bem de você e nunca precisei de uma mulher como a Fátima ou a menina Alice para me auxiliar. Mas de você eu só ganho desprezo. –lamentou externando sentimento carregado de mágoa, e se jogou no sofá.</p><p>Ângelo convivia com Débora há sete anos, e por um longo período ele vivia sim evitando dialogar com ela e com qualquer outra pessoa que fosse. Ele tinha seus motivos e razões pessoais. Fora a fase em que ele mergulhava nas leituras dos manuscritos do senhor Cândido. O aprendizado exigia concentração e abstenção de conversas triviais com interlocutores, para que ele pudesse conhecer à si mesmo e não fosse influenciado por ideias e concepções de terceiros. Sua relação com Débora não seria destrato, sim uma reclusão particular da parte dele para um relacionamento mais íntimo entre sua mente, espírito e matéria.</p><p>–Você está sendo cruel consigo mesma Débora. Eu sempre a considerei minha amiga e companheira.</p><p>Ela moveu para um lado e outro a cabeça baixa em sinal de discordância.</p><p>Ângelo foi ao encontro de Fátima no quarto dela e não à encontrou, mas ficou por ali. Fátima tinha ido ao centro médico sentindo uma forte dor de cabeça. O médico receitou analgésico e a recomendou a não se preocupar com coisas bobas da vida. “como se ele soubesse o peso da barra que eu enfrento” – ela pensou em dizer ao doutor no momento que ele deu a recomendação.</p><p>De volta à casa, ela foi à cozinha preparar um café. Ângelo ainda estava no quarto dela, mas ao sentir o cheiro do café, ele foi à cozinha.</p><p>–Ângelo. –disse Fátima meigamente, entregando uma xícara de café à ele. –Você promete que nunca vai me abandonar?</p><p>–Humm! –fez ele depois de beijar a bochecha dela. –Jamais abandonarei você. –bebeu o café. –Você sabe preparar um bom café. –outro beijo no rosto e estalou a língua. –Delicioso.</p><p>Logo que Ângelo saiu, Débora chegou à cozinha, foi à garrafa de café, mas não quis bebê-lo. Foi até à Fátima para dizer algo à ela.</p><p>-Você não vai fazer com o Ângelo o que você fazia com o Augusto.</p><p>-Ai Débora, me deixa. –pediu recolhendo as xícaras.</p><p>-Você traía o seu marido com outro homem.</p><p>Fátima, chorando se encolheu encostada ao armàrio da pia. Débora olhou para ela com total desprezo, e saía, mas voltou à ela novamente.</p><p>-Por certo, o seu filho não era do Augusto.</p><p>Fátima foi para o quarto chorando. Ela se esforçava para se lembrar do que ela teria feito para merecer tamanha calúnia proferida por uma mulher que ela sequer conviveu com ela, - ela pensava assim, - porém, Débora tinha lá seus motivos para julgà-la.</p><p>Ângelo foi ter com ela novamente. Ele sentou próximo à ela deitada na cama. Toda manhosa, Fátima ruía as unhas, de olhos fechados.</p><p>–O que foi minha linda? –perguntou pondo a cabeça dela no colo dele.</p><p>–Talvez eu tenha que me casar com outro homem por saber que eu nunca poderei viver em paz com você. Eu gosto muito de você, Ângelo, mas tenho que aceitar que eu não sirvo para você. A Débora nunca vai aceitar que nós vivamos juntos.</p><p>–Fátima, você é uma mulher maravilhosa. O problema é comigo. Eu vou te contar um segredo. –pigarreou. –Eu tenho me esforçado bastante para não te procurar às noites. Quando tudo ficar esclarecido, e eu souber que não gosto de outra mulher para casamento, e que você não é quem eu penso que você é, aí então a gente deixa tudo acontecer.</p><p>–Ah Ângelo, todas as vezes que eu penso em um homem, eu só penso em você, mas a Débora não...</p><p>–Eu acredito em você minha linda. Não se castigue mais ainda. Eu vou falar com ela. –avisou ao ouvir o bater da porta do quarto de Débora, e se levantou.</p><p>–Ela vai morar aqui? Ela me disse que vai morar com o noivo dela quando a casa dos dois estiver reformada.</p><p>–Só que o noivo dela ainda não a reformou.</p><p>-Ah, é. Eu me esqueci disso.</p><p>-Eu vou lá.</p><p>Deu três passos no corredor e chegou ao quarto.</p><p>Os cabelos de Débora forravam o lençol às costas dela. Ângelo agasalhou a mão direita entre a blusa e os cabelos dela e puxou a cabeça dela para o lado dele. Ela se deitou com as pernas encolhidas e repousou a cabeça no colo dele.</p><p>–Débora, você é muito amàvel e muito linda e, eu gosto muito de você. Mas o seu jeito de gostar de mim, às vezes me aprisiona e me faz querer estar distante de você.</p><p>–É que eu não consigo mais viver me fazendo de sua amiga. Eu amo você de corpo e mente, pois sei que amor de mãe é diferente. Eu quero ser sua mulher. –confessou espremendo o rosto no abdômen do amado, enquanto lágrimas caíam dos olhos dela molhando a camisa dele.</p><p>Suavemente Ângelo massageava a nuca dela. Ele definiu a natureza de Débora, como sendo fogo. Veemente, efusiva. Personalidade alvoroçadora. Por ela ser crítica e ardorosa, seu representativo musical era o tenor. Seria necessàrio que ele assoprasse aquele tenor para descobrir a combustão de seu fogo.</p><p>–Você sabe que eu espero muito de uma mulher que mora nessa casa, não sabe?</p><p>Débora abandonou o colo dele e enxugou as lágrimas. Olhou para ele que se apoiava com as mãos para tràs sobre o colchão olhando para o teto, e foi fechar a porta e trancá-la.</p><p>–Ângelo, não se faça de bobo, você sabe que a Fátima está querendo conquistar você e te roubar de mim.</p><p>–Eu gosto de você. Mas você poderia dar a mim o que ela pode me dar?</p><p>Ignorando a pergunta, Débora foi tirando a blusa de frio, ficando apenas de saia e sutiã creme que mal acoplava os peitos grandes e maciços dela.</p><p>–Débora, pare com isso.</p><p>Foi em vão. Ela iniciou à despir-se toda. Ângelo fechou os olhos para não ver o corpo escultural que ele julgava ser intocado e preservado para ser entregue para um único homem que tivesse a sorte de possuí-lo.</p><p>–Ângelo, olhe para mim.</p><p>–Não Débora, eu não consigo...</p><p>–Pode olhar. Eu não estou nua. Perdoe-me!</p><p>Quando ele abriu os olhos, viu que os cabelos dela cobriam como um manto negro o estonteante corpo. Ele se levantou da cama e foi rumo à porta.</p><p>–Me perdoe você Débora. Eu só preciso do amor de uma mãe. –abriu a porta e saiu.</p><p><br /></p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p>O carteiro Adamastor foi ter com Ângelo numa passada rápida na casa dele. Ele tinha muitas correspondências a serem deixadas nos endereços do bairro. Mas teve tempo de contar à Ângelo, que a filha de um colunista do jornal mais antigo de São Paulo tinha um esboço de uma matéria de jornal que falaria do que o pai dela viu acontecer no casarão naquela noite. Soube-se que ela tinha em mãos um rascunho que fora escrito pelo pai dela, e que trazia uma versão contundente sobre a tragédia familiar no ano 1966. A matéria estava em fase de edição para ser veiculada em jornal de folha na manhã seguinte após as mortes misteriosas. Não se soube por que a coluna não saiu da redação. Para falar com a mulher ele teria que ir à biblioteca pública às cinco da tarde. Onde há fumaça há fogo. De onde surgem boatos, existem fatos. Acreditando assim, Ângelo foi ao encontro da filha do ex colunista.</p><p>A biblioteca estava quase vazia. Poucas pessoas ocupavam as mesas naquela hora do dia, e algumas jà estavam devolvendo os livros.</p><p>Marluce era descendente de Europeu. Seu pai Màrio Francesccon Vilhanni era um italiano legítimo que no final da segunda guerra mundial desembarcou no Brasil e conheceu, namorou e casou-se com a brasileira Ana Augusta Alcântara. Dessa mistura ítalo-brasileira, nasceu em 1947 a que hoje é Marluce Alcântara Vilhanni. Uma linda mulher de pele clara em tom beirando ao caucasiano, embora seus olhos fossem castanhos claros por não ter herdado de seu pai a cor azul dos olhos do pai.</p><p>Sua mãe era morena de altura mediana e olhos negros e seu pai era louro, alto e de olhos cor do mar. Dessa fusão genético-cultural surgiu Marluce, mulher de corpo deleitoso, com ombros levemente voltados para tràs dando volume ao seu busto e destaque aos seus seios vistos frontalmente e lateralmente. Marluce era a representação pura de uma mulher que poderia chegar aos sessenta anos, ou mais, sem ter sido castigada pela deterioração da beleza feminina. Por infelicidade no amor, sua vida com seu parceiro era o que se podia considerar, desarmônica.</p><p>–Olá Marluce! Tudo bem? –Ângelo perguntou.</p><p>–Estou bem, mais eu não conheço você. –disse ela com o livro na mão.</p><p>–Você não me conhece, mas com certeza tem o mesmo gosto de leitura que eu. Podemos ler juntos?</p><p>Ela não respondeu e foi se sentar.</p><p>–Perdão, Marluce. Eu acho que agi errado, mas se você me deixar explicar eu prometo que serei sincero. –disse se sentando ao lado dela.</p><p>–Jà que você insiste, diz logo quem é você e como você soube o meu nome.</p><p>–Eu sou Ângelo Ràusen, e, eu descobri seu nome ao perguntar ao bibliotecário no balcão quando eu te vi pela primeira vez. Na verdade, eu sou um admirador seu. –mentiu para não colocá-la ainda mais na defensiva.</p><p>Marluce jogou os cabelos para tràs e o olhou como que desconfiasse que ela estivesse sendo cantada por mais um conquistador barato. A pele alva dela e seus traços faciais suaves davam à ela uma beleza pura, de fina estampa.</p><p>–Você não faz meu tipo. –falou e abriu o livro.</p><p>–Tudo bem, o admirador aqui sou eu, portanto, não me ofendo por saber que a minha feiúra te desagrada...</p><p>–Não, eu não quis dizer isso. –fechou o livro. –Você é um rapaz bem bonito e bem jovem ainda...</p><p>–E você é uma mulher linda e muito interessante. Que tal a gente ir para onde você quiser me levar.</p><p>–Você está indo muito depressa. Nem nos conhecemos ainda.</p><p>Ângelo mudou de assento e se sentou de frente à ela.</p><p>–Você não me conhece, mas gosta do meu gênero de leitura. Eu gosto de astrologia. Eu não te conhecia, mas agora jà posso dizer algumas coisas sobre você. –cruzou as mãos e esperou a reação dela.</p><p>–Realmente você está se revelando um rapaz muito estranho e pretensioso. Isso não me agrada. Com licença. –ela se levantou.</p><p>–Capricórnio. Seu signo é capricórnio. Teve algumas decepções amorosas, e o seu último encontro foi com um cara que se revelou um sem vergonha...</p><p>–Espere aí. Agora você demonstra que anda me espionando e sabendo até de meus malfadados namoros. –disse inclinando para pegar o livro na mesa. –Invasão de privacidade é crime. –falou baixo.</p><p>Ângelo quis deixà-la sair, mas se lembrou de que ela poderia dar informações mais confiàveis sobre o que ele precisava saber.</p><p>–Por algum motivo você invadiu a minha cabeça e eu não consigo parar de pensar em você. –falou segurando o livro ainda na mão dela.</p><p>Os dois se encararam. Nos segundos que os dois se olhavam olhos nos olhos, ele contemplava o rosto com maquiagens claras revelando uma mulher não chegada à programas noturnos nem à festas badaladas. Marluce parecia se perder no olhar de Ângelo, mas, intimamente ela pensava que ele seria mais um conquistadorzinho.</p><p>–Como soube que o meu signo é capricórnio? –perguntou para testá-lo.</p><p>–Quando você abriu o livro, a pàgina era do signo de gêmeos, ai então você avançou até Capricórnio.</p><p>Não seria a primeira vez que ela estaria se deixando seduzir por alguém muito atraente. Pelo menos, ele está sendo sincero. –ela pensou e se sentou.</p><p>–E sobre o cara sem vergonha? –perguntou se ajeitando no assento.</p><p>–A marca vermelha em seu pescoço. Caras que fazem isso com mulheres lindas iguais à você, tendem à serem fúteis...</p><p>–Típico de quem quer marcar propriedade, não é isso?</p><p>Ângelo apenas gesticulou que ela estava correta.</p><p>Marluce não tinha mais cabeça para leitura. Fechou o livro e se dispôs para a conversa.</p><p>–Marluce, eu preciso muito estar com você ao menos por algumas horas, mas o que eu tenho para falar com você é de suma importância...</p><p>–Tudo bem, nós podemos conversar por alguns minutos. –disse ela, afastando o livro para o canto da mesa.</p><p>–Olha, Marluce, eu vim à São Paulo para encontrar a família de um senhor que me adotou. Mas, infelizmente, me deparei com uma situação um tanto quanto desalentadora.</p><p>Ela moveu os ombros e a cabeça para os lados. Não estaria assimilando bem o que ele expunha.</p><p>–Deixe-me ser mais direto. O que você pode dizer sobre toda aquela mortandade acontecida em 66 com o casal Augusto e Fátima?</p><p>Demonstrando não estar interessada em falar sobre o acontecimento, Marluce lançou mão do livro novamente. Ângelo segurou a mão dela e a olhou com seriedade no olhar. Ela baixou a cabeça e massageou a nuca.</p><p>–Ângelo, eu não sei se o que vou fazer será certo ou errado, mas eu quero te convidar pra sair, desde que...</p><p>–Desde que não seja para irmos à boates, bares ou motel.</p><p>–Você me impressiona. –disse ela fitando os olhos dele.</p><p>–Para não te deixar com medo de mim, nós podemos ir à sua casa. Apresente-me aos seus parentes. Assim eles saberão com quem você estará saindo.</p><p>Por um momento ela fechou os olhos fazendo uma anàlise do que ouviu dele. A conversa não era adocicada por dissimulações, nem vontade de agradar.</p><p>Ele parece ser sincero. Por que esse olhar com tanta meiguice e demonstração de boas intenções? –ela pensou.</p><p>–Por favor, me diz o que você sabe.</p><p>Depois de um respirar profundo ela se mostrou pronta à contar o que ela sabia.</p><p>–O meu pai era colunista de um jornal e fazia crônicas de acontecimentos sobrenaturais. Ainda que ele não acreditasse em nada que não fosse explicado à luz da ciência, lógica e razão, eu me lembro de que naquela noite ele chegou a nossa casa, bastante eufórico e me chamou para acompanhá-lo até ao escritório dele. Então ele me mandou redigir a narrativa dele sobre o que ele viu acontecendo no quintal da casa onde houve as mortes...</p><p>–Fale-me sem interrupção de minha parte.</p><p>–No momento que ele passava na rua dirigindo o carro dele, ele viu duas pessoas vestidas de branco das cabeças aos pés. Uma das pessoas usava um chapéu também branco, a outra tinha um capuz preto cobrindo a cabeça.</p><p>–Seria um casal?</p><p>–Ele não pôde dar como certo que era um casal, mas garantiu ter visto que a pessoa que usava o capuz carregava bebês nos braços. O de chapéu trazia uma pà nas mãos e bebês. Ele deu ré, mas quando ele retornou, aquelas pessoas haviam sumido na escuridão. Enquanto eu escrevia, o telefone tocou, o meu pai foi atender. Por uns quinze minutos eu o esperei voltar para terminarmos o texto. Mas, ele mandou que eu o rasgasse e esquecesse aquele rascunho. Ele mesmo fez questão de queimà-lo. Ele me falou que quem havia ligado naquela hora, o alertou de que o que se vê através do espelho é sempre o oposto da imagem real... algo assim. Você acha que o meu pai teria sido ameaçado por quem telefonou?</p><p>Só então Ângelo recordou do chapéu que Cândido Plates recomendou à ele, que ao limpar os móveis do quarto dele, não o tirasse da parede à cima da cabeceira da cama dele. Ângelo não o desobedeceu. Ao terminar com a limpeza, o velho pegou o chapéu e o colocou na cabeça do menino obediente. Essa recordação o deixou atônito à ponto de não querer dar a resposta à Marluce.</p><p>Marluce tocou suavemente as mãos dele sobre a mesa, sentindo que ele havia ficado incomodado com a pergunta.</p><p>Ele pensou um tempinho, para então dizer:</p><p>–Nós nos veremos novamente. Eu preciso ira gora. –e foi embora.</p><p>Abrindo e fechando o livro Marluce se sentia envolvida com a busca de um adolescente pela verdade. Mas, poderia ela acreditar em um rapaz estranho, embora bonito, sedutor sem a menor intenção de ser, agradàvel e misteriosamente conhecedor dos gostos e desgostos de uma mulher? Marluce se levantou e foi devolver o livro à gôndola.</p><p>Fora da biblioteca, Ângelo à esperava com a porta do taxi aberta.</p><p>Ela olhou para os extremos da avenida com grande fluxo de automóveis e pedestres naquela hora e sem hesitar entrou no taxi.</p><p>–Você acha que eu tenho muito mais para contar à você? -Marluce perguntou ao se sentar do lado dele.</p><p>–Sim. –Ângelo respondeu.</p><p>O motorista fez o carro andar.</p><p>Olhando através do vidro do taxi, Ângelo via um engraxate apressado indo em direção à um provàvel cliente com seus sapatos sujos. Vendo a cena ele sentiu saudade do seu tempo de criança quando ele engraxava sapatos na Avenida Goiàs em Goiânia até ao anoitecer.</p><p>–Você poderia me dizer o porquê de tanto brilho em seus olhos?</p><p>–São apenas recordações. –disse ele. O Sorriso discreto que ele deu foi percebido por ela.</p><p>–O que está havendo com você? Eu tô te achando muito triste.</p><p>–Impressão sua. Eestou super feliz em estar indo para onde vamos. Ele olhou para o carro do lado esquerdo e viu uma criancinha na cadeirinha de bebê. Recordou que ele não teve infância. Nunca brincou com carrinhos, nem empinou pipas.</p><p>–Ângelo. Eu estou falando com você.</p><p>–Ah, sim. Estamos chegando? –perguntou evitando falar de suas lembranças.</p><p>Minutos depois, eles chegaram. Ângelo pagou a corrida e foi até à Marluce no portão.</p><p>–Não estou com as chaves. Devo tê-las esquecido no taxi talvez.</p><p>Ângelo pensou em procurar as chaves outra vez, na bolsa dela, mas resolveu não fazê-lo ao vê-la tocando a campainha.</p><p>–Você deixou alguém vigiando a casa? – ele quis saber.</p><p>Ela olhou diretamente nos olhos dele.</p><p>–Sim, deixei. Eu preciso te falar algo sobre mim.</p><p>–Tudo bem. Pode falar. –segurou as mãos dela.</p><p>Marluce buscava coragem para contar à ele sobre as supostas filhas dela. Ela soltou as mãos dele e apertou a campainha mais uma vez esperando que uma das meninas viesse abrir o portão e a livrasse da difícil tarefa de ter de explicar à Ângelo sobre sua condição de mãe. Ângelo percebeu na expressão de insegurança dela e deduziu que o que ela tinha para contar era de certa forma, um pouco penoso na concepção dela. Mas ele estava ali justamente para saber tudo sobre aquilo que ela temia lhe revelar.</p><p>–Oh de casa. –Ângelo chamou batendo palmas. –É... eu acho que seu filho não está em casa.</p><p>Marluce o abraçou ao notar que o fato de ela ter filhas era irrelevante para ele.</p><p>–Então você jà sabia de tudo. Como você soube? Você me acha velha? –quis saber, ajeitando os cabelos e o vestido, pondo as mãos na cintura e dando um requebrado.</p><p>–Você me contou. –respondeu virando-se para bater palmas e fugir do assunto.</p><p>Ela parecia não acreditar que tinha dito algo sobre suas filhas à ele, e, se falou, com certeza não teria dito que ela tinha um filho.</p><p>Ao ver que não apareceu ninguém para abrir o portão, Ângelo voltou–se para ela.</p><p>–É, Marluce, eu acho que não tem ninguém em casa.</p><p>–Ângelo. –disse ela.</p><p>–Sim.</p><p>–Quando foi que eu te falei sobre, as minhas filhas? –enfatizou bem as “minhas filhas para mostrar que ele estava equivocado.</p><p>–Dentro do taxi você falava sobre ela. Você se lembra? Eu acho que devemos voltar à biblioteca, talvez você tenha esquecido as chaves lá. –mudou de assunto para que ela não argumentasse a respeito de ele ter falado filho e não filha.</p><p>–Mas eu tenho filhas, e você disse filho. –cruzou os braços e ficou olhando-o sobre o meio fio da calçada.</p><p>Ângelo ficou olhando a rua como quem esperava ver um taxi passar.</p><p>–Bom, então eu é que me enganei. –disse, abraçando-a sobre os ombros.</p><p>Marluce mantinha os braços ainda cruzados. Ela não estava convencida de que ele estivesse sendo sincero, mas, por outro lado, percebeu que se ele estava mentindo era porque ele queria poupà-la de um possível constrangimento ao revelar à ele que ela era mãe solteira, e, admitiu que a atitude dele em relação a tal fato, fez com que ela se sentisse um pouco mais segura à respeito do caràter dele.</p><p>Seu ex-marido era um traste, e, o namorado, não parecia merecer outra qualificação que não fossem pegajoso e sufocante. Sendo assim, Ângelo poderia ser aquele que ela apostaria suas fichas, apesar da diferença de idade entre os dois. Ela o abraçou e encostou a cabeça no ombro dele. Os dois ficaram em silêncio. Ele deslizava a mão nos cabelos dela. Por alguns minutos houve troca de carinho entre os dois. Entre beijos e afagos eles resolveram que deviam esperar pelas meninas. Ela achava que elas chegariam em breve porque elas não tinham o costume de demorar nas casas das colegas e, as suas melhores amigas estavam fora do bairro. Mas ao falar das amigas, ela se lembrou de que o avô das meninas tinha vindo à casa dela, e, com certeza teria levado as mocinhas para darem um passeio.</p><p>–Ângelo. –disse segurando nas mãos dele.</p><p>–Sim.</p><p>–As minhas filhas não virão para casa essa noite. – e o puxou pela mão, indo em direção ao portão.</p><p>Com toda facilidade Marluce encontrou as chaves dentro da bolsa dela. A conversa de tê-las perdido foi pretexto para preparà-lo para contar à ele sobre as filhas dela. Sorrindo mudo, Ângelo a esperava destrancar o portão.</p><p>–Você mentiu duas vezes.-disse ele.</p><p>–Pondere. Pronto. Entre.</p><p>Enquanto os dois seguiam por uma passarela íngreme de acesso à porta de entrada da casa, pela garagem, Ângelo reparava o jardim formando um quadrado com plantas e flores mirradas e um vaso de concreto no formato de bacia grande no centro do gramado onde uma palmeira leque exibia sua folhagem estorricada pelo sol.</p><p>–Marluce. –disse ele parando na entrada da garagem. –Você devia estudar botânica, ou simplesmente, jardinagem.</p><p>–Nada mal para o nosso primeiro encontro. –disse ela voltando até à ele. –Esse jardim era tão lindo, Ângelo. Havia véus-de-noivas, agapantos, arbustos e flores variadas. Quem o cultivava éramos eu e o meu pai. Quando eu me casei ele foi embora, eu engravidei, contratei uma empregada e, ela dizia gostar de plantas também.</p><p>–Vai ver, ela era tão experiente com plantas quanto você.</p><p>–Bobo! Vamos entrar.</p><p>Da sala ampla jà se podia constatar que Marluce era bem zelosa com o ambiente interno da residência. Todos os móveis na cor ocre estavam limpos sem nenhum sinal de poeira. Jogos de sofás encostados nas paredes e uma mesa quadrada com seis assentos almofadados com tachas douradas nas bordas laterais dos encostos. O piso cerâmico parecia ter sido polido recentemente.</p><p>–Eu vou trocar de roupa. Fique à vontade.</p><p>Antes de se sentar no sofá Ângelo reparou na estante, um porta-retratos do casal dos pais dela. A mãe era branca, o pai era de pele mais rosada. A foto seria antiga, pois, a moldura era de madeira envernizada, oval, com uma fotografia em preto e branco, um círculo embaçado em volta da imagem dos dois bustos de feições faciais sérias.</p><p>Marluce estava demorando no escritório. Paciencioso, Ângelo à esperava sem incomodà-la.</p><p>–Ângelo vem para o escritório.</p><p>Ele se levantou e foi.</p><p>–Que casa enorme. Cadê você?</p><p>–Aqui no fundo.</p><p>Passou pela cozinha e viu sobre a mesa um papel com notação musical. Abaixo das cifras, um desenho parecido com um teclado de piano. Conferia a escrita com uma corrida rápida de olhos e leu também um pequeno aviso: “O vovô nos levou para Goiàs. Nós te esperamos lá. Beijos”.</p><p>Ele seguiu pelo labirinto residencial de Marluce. Depois de mais alguns passos ele chegou ao último cômodo da casa no final do corredor. O escritório era semelhantes à uma biblioteca residencial com amplitude suficiente para dispor de uma estante gigantesca em largura e assombrosa em altura, à ponto de ter uma escada abre-e-fecha com oito degraus para uso de quem quisesse ler um exemplar das centenas de livros que estivesse fora do alcance das mãos, todos eles em capas duras, e uma mesa de leitura particular com uma luminària de pedestal curvado para o tampo.</p><p>–Eu estive falando com alguém sobre você, mas está tudo certo. –disse Maura colocando o telefone no gancho do aparelho.</p><p>–Você me trouxe aqui para me falar do que houve naquela noite e do que você sabe à respeito das pessoas que possivelmente tiveram algum envolvimento com o caso Fátima...</p><p>–Sim, foi para isso. –disse, juntando os cabelos num molho só e se sentou do outro lado da escrivaninha. –Dias atrás eu encontrei nos arquivos da redação, que falava dos depoimentos de alguns dos envolvidos naquela brutalidade. Essas pessoas registraram queixas na delegacia e também entraram com processos na justiça contra Cândido Plates, exigindo indenizações por eles terem perdido seus parentes maridos das mulheres que estavam gràvidas.</p><p>–E você sabe os nomes e onde moram esses três viúvos?</p><p>–Os nomes deles foram mantidos em sigilo. E, eu não saberia onde eles moravam, se eu não tivesse ligado para o meu pai. Só que, eu fui até aos antigos endereços deles. As pessoas que herdaram as casas eram parentes dos homens que morreram, e, eles moraram lá até o ano 1967...</p><p>Ângelo notou que ela estaria testando o raciocínio dele.</p><p>–Sei. No ano depois às mortes. –disse convicto. –Logo que eles foram indenizados, todos se mudaram?</p><p>–O meu pai sempre foi um homem muito correto, e não se omitiu. Ele deu testemunho do que ele viu naquela noite. Por isso, as indenizações foram pagas apenas pelas mortes dos bebês. Quanto aos maridos das mulheres, eles teriam morrido em outras circunstâncias e lugares, portanto...</p><p>–Mas, e os bebês que provavelmente foram enterrados no quintal por uma pessoa que carregava uma pà?</p><p>–Os corpinhos deles não foram encontrados.</p><p>–E para onde esses homens se mudaram?</p><p>–Eu fiz essa pergunta ao meu pai, ele não me deu a resposta. Enquanto você me esperava na sala, eu consegui obter o número do telefone do hospital onde Cândido Plates está internado. Não se preocupe, ele está bem lúcido.</p><p>–Obrigado, Marluce. Mas, eu sou informado dos boletins diàrios do estado de saúde dele. Você conseguiu falar com ele?</p><p>–Sim, e perguntei sobre os homens. Só que, ele me veio com uma piadinha sem pé nem cabeça e me disse que era pra eu repassà-la à quem quisesse saber do paradeiro daqueles homens. -ela levou dois dedos ao queixo tentando lembrar-se da piada feita por Cândido.</p><p>Ansioso, Ângelo esperava a conclusão.</p><p>–Droga, Ângelo, eu não consigo me lembrar. Sim, eu me lembrei. Cândido disse assim: na busca pelo tesouro, o baú é o maior prêmio.</p><p>Ele a olhou direto nos olhos.</p><p>–Foi bom para mim, ter conhecido alguém tão especial como você.</p><p>–Ângelo, os três homens mortos eram Otero, Norato e Ferreira. Eles eram membros da Ordem dos Monsenhores. Os três parentes que receberam as indenizações pelas mortes deles eram membros da Ordem Rivera.</p><p>Foi sobremaneira revelador para Ângelo.</p><p>–A minha vinda à São Paulo não está sendo tempo perdido. –disse abrindo os braços para despedir-se dela com um abraço.</p><p>–Desculpe-me por eu ter tentado esconder a verdade de você.</p><p>–A verdade agora dita não trouxe à mim esperança alguma, mas me revelou a pessoa que você é. Você é maravilhosa, Marluce. Quem sabe a gente se vê novamente. –e beijou de leve os lábios dela.</p><p>Ela se via em situação de desconforto e baixou a cabeça, depois se levantou e o abraçou, pousando o rosto entre o ombro e o pescoço dele. Depois o beijou e o olhou com carinho e ternura. No fundo, ela queria poder impedi-lo de ir embora à deixando apenas com a vontade de fazer parte da vida dele, tornando-se sua namorada ou simplesmente tendo com ele uma romance de outono. Mas infelizmente, ela tinha que admitir que Ângelo estivesse à procura daquilo que ela não poderia dar à ele.</p><p>No momento em que ele à olhou direto nos olhos para então dizer suas últimas palavras, ela se deixou cair sobre a cadeira. Ironicamente, quem precisaria de consolo, seria ela após a despedida.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Seria uma arriscada procura de provas contra ou à favor de Cândido Plates Rivera, e tempo perdido talvez. Mas Ângelo procederia de maneira cautelosa e criteriosa, afinal de contas, Cândido era o pai e único amigo verdadeiro que ele encontrou em sua vida, e, ele devia muito ao velhinho. De qualquer forma, ele continuaria sua busca pela verdade.</p><p>Fátima não apareceu na casa nem ao menos para tomar banho e trocar de roupa. Ângelo perguntou à Débora sobre a não presença de Fátima. Ela não soube responder, mas disse à ele que a ausência dela à deixava pesarosa, mas sabendo que Deus conhecia as intenções dela para com a maldita, – em sua própria concepção -, ela seguiria a vida com a consciência tranqüila.</p><p>Ângelo pediu à Débora, que retratasse todas as afrontas dela dirigidas à Fátima. Com lagrimas nos olhos e o coração sinceramente arrependido, Débora pedira e recebera o perdão de Ângelo, porém, com Fátima ela não teria a coragem de se humilhar perante à ela. Coube à ele, ir à busca de Fátima. Ele sabia onde a encontraria.</p><p>Os faróis acesos dos automóveis pareciam pares de vagalumes voando lado à lado no breu da escuridão. Ele avançou três passos largos superando um terço da largura da rua. Parou e esperou que o veículo passasse por ele, para só então alcançar a outra margem da pista. Jà na calçada do velho sobrado, ele torceu o tronco de seu corpo e acompanhou o trajeto vagaroso do Landau preto que virou à esquerda no cruzamento da rua com a avenida.</p><p>“Se está me seguindo não pretende tirar minha vida. Se sim, teria acelerado e me atropelado”</p><p>Passando pela calçada da casa da velhinha, ele olhou para o alpendre e notou que a vela não estava mais em cima da cantoneira.</p><p>Abriu o portão e embrenhou no quintal escuro. Através da fresta da porta de entrada ele percebeu uma claridade e deduziu que Fátima não devolvera o lampião à vizinha. Quando ele abriu a porta deparou com o lampião em cima da mesa do jantar macabro, iluminando a sala à força de querosene.</p><p>Fátima estava ali encolhida no primeiro degrau da escadaria, com o queixo apoiado nos joelhos, desolada, com os olhos mareados de lágrimas.</p><p>–Por que revolver as cinzas de um passado dissaboroso Fátima? –ele perguntou se sentando do lado dela.</p><p>–Sempre que eu venho aqui eu me lembro da empregada me dizer que ela tinha caso com o Augusto. O Augusto me traía com a empregada.</p><p>–Você disse a empregada? –Ângelo perguntou.</p><p>–Sim. Aos poucos eu vou me lembrando de muitas coisas. Nós estávamos indo para a maternidade naquela noite, mas não daria tempo. O carro estava com defeito. –Fátima fechou os olhos buscando forças para continuar. –Outras mulheres gràvidas estavam aqui. Elas diziam que alguém teria levados os filhos delas.</p><p>–E como aconteceu?</p><p>–Eu não cheguei à ver nada acontecer. Foi uma mulher que me contou quando eu acordei. Tantas mortes em uma só noite. –lamentou, cruzando os braços e esfregando seus próprios ombros.</p><p>Ângelo a consolou abraçado à ela.</p><p>–Não se culpe Fátima. E os maridos das mulheres, eles te procuraram depois da morte do seu marido e das mulheres deles?</p><p>–Não. Eu não os conheci.</p><p>–E o bebê?</p><p>–Eu não tenho coragem de entrar no quartinho dele.</p><p>–Onde fica?</p><p>–Lá em cima. –de costas ela apontou para o segundo andar.</p><p>Ângelo apossou do lampião e se põe à subir a escada. A falta de luz no ambiente e o medo fizeram com que Fátima fizesse companhia à ele. Com o luzeiro à frente e no alto, ele seguia decidido. Fátima agarrou firme com as mãos a mão esquerda dele, desocupada.</p><p>–Ângelo, por que a gente não vai embora daqui?</p><p>–Se você quiser, pode voltar.</p><p>Parados no patamar do meio da escada.</p><p>–Então me entregue o lampião.</p><p>–Assim eu não enxergo. Fique calada, eu estou ouvido barulho lá em cima.</p><p>Num golpe de cabeça Ângelo esquivou de algo que veio em direção à luz.</p><p>Fátima gritou estridente, e quase fez com que os dois rolassem escada à baixo.</p><p>–Era só um morcego, sua medrosa.</p><p>Superaram os degraus alcançando o hall de acesso aos cômodos do segundo andar. O primeiro quarto era o do casal. Ângelo girou a maçaneta esférica dourada, mas a porta estava trancada. A luz do lampião estava jà se esvaindo, pouca claridade ele proporciona. O quarto do bebê ficava ao extremo de onde eles estavam. Não daria tempo de eles chegarem lá tendo o trajeto iluminado, com ele andando lento e cuidadosamente para não esbarrar em móveis e Fátima tentando puxà-lo para tràs à cada passo dado, à menos que eles corressem. E foi o que eles fizeram.</p><p>Ângelo chegou primeiro à porta estre entreaberta. Quando enfim os dois entraram no quartinho, por poucos segundos o lampião clareou fracamente o cômodo, mas antes da escuridão total, Ângelo viu no canto do lado berço, um punhado de terra, uma vela e uma bacia.</p><p>Terra, àgua, ar e fogo. No quarto do bebê só faltava o ar. – disse ele a si mesmo.</p><p>–Fátima, pra que essas coisas e remédio foram colocados no quarto do neném?</p><p>–Talvez fosse para realizar o meu parto... cadê você?</p><p>–Estou aqui detràs do guarda-roupa.</p><p>–Não fique longe de mim. Venha para cá.</p><p>Ângelo foi tateando o que encontrava pela frente. Quando ele tocou o corpo de Fátima, ela se assustou e esbarrou na porta, e a fechou sem querer.</p><p>Um gato surgiu de algum esconderijo, miando assombrosamente.</p><p>–Aiiiiii! –Fátima gritou sapateando. –Ângelo cadê você?</p><p>–Estou aqui. É só um gato faminto. Chaninho vem cá, vem. –chamou, e o gato foi roçar as costelas na barra da calça dele. –Está só os ossos, coitado. Vou dar ele para a Darlene. –disse ao pegà-lo nos braços. –Agora fique caladinho bichinho magricela. –captou outro barulho, agora no andar térreo. –Fique calada Fátima. Tem mais alguém nessa casa.</p><p>–Meu pai santíssimo! Pra que a gente teve que vir aqui em cima?</p><p>–Silêncio. Encoste-se à parede e fique quieta.</p><p>Fátima respirava, decapitado. O pavor roubava-lhe a força para se mover, e petrificou-se ereta escorada às junções das duas paredes no canto do quarto. Prendeu a respiração evitando emitir o menor sinal de sua presença ali, contendo o medo e o impulso de gritar. Teias de aranha grudaram no rosto dela. Ela ignorou o desconforto mais por medo que resiliência ou equilíbrio psicológico.</p><p>Ângelo deitou-se com o gato e colou a orelha no piso. Ouvidos atentos aos ruídos das passadas sendo dadas cautelosamente. O som era fraco e estucado como a ponta de um taco de sinuca tocando o piso cerâmico.</p><p>Calculando o impacto da sola do calçado em atrito com o assoalho.</p><p>Fátima esperava seus sentidos se acentuem, até que, um respiro prolongado emprestou-lhe coragem para espalmar as mãos à parede e se movimentar andando de lado, roçando as costas na parede para alcançar a janela cortinada. Na primeira oportunidade ela daria um jeito de abandonar o quarto.</p><p>–Fique onde você está Fátima. –ele ordenou ainda deitado.</p><p>O gato cheirava o nariz de Ângelo, ele sentia cócegas e teve que se esforçar para não deixar escapar um espirro.</p><p>Os sons das pisadas cessaram bem próximo à porta. A qualquer instante a porta seria aberta. Ângelo permaneceu deitado no piso alisando o lombo do gato. Estava chegando o momento da aparição.</p><p>Fátima mantinha os olhos bem abertos, – embora o sentido da visão não fosse útil na intensa escuridão do quarto, ela avançou um pouco mais para perto da janela.</p><p>A maçaneta foi forçada, mas parecia estar emperrada, a porta não abriu. Mais força foi aplicada e houve o destrave.</p><p>–Ângelo, é o espírito da empregada, que quer se vingar de mim. Eu vou pular...</p><p>–Fátima, nãooo. –ele gritou se levantando abruptamente e lançando o gato na porta. Ele a abraçou por tràs, e alisando a barriga dela beijou-lhe a nuca. Fátima se encolheu toda e sorriu em silêncio.</p><p>–Fátima, eu não sei o que seria de mim se eu não tivesse te alcançado à tempo.Ela considerou que jamais esteve com alguém carinhoso e gentil como Ângelo. Virou-se para ele e o abraçou por sobre o pescoço, para então agradecer.</p><p>–Hum. –disse ela segurando-o pela nuca fazendo-o perceber que ela estava gostando de ser abraçada por ele daquela forma. –Obrigadinho por não ter me deixado pular.</p><p>-Só não deu pra eu ir atrás passadas rápidas descendo a escada.</p><p>–Ângelo, era o fantasma que me persegue. Na noite que eu dei a luz, esse fantasma apareceu e levou o meu filho. –disse abraçada à ele de modo à forçar as partes traseiras do corpo dela à dianteira do dele.</p><p>–Não Fátima. Fantasmas não usam tamancos Luiz xv. Leve o lampião para a dona Dasdores. Eu buscarei e levarei o gato para alguém que saberà deixà-lo com a aparência melhor.</p><p>–Eu te amo Ângelo. Será que você é um anjo?</p><p>Suas suspeitas variavam entre querubins, serafins, anjo Miguel e outras deidades.</p><p>–Se você é um sonho, eu não quero acordar para não ter que enfrentar o pesadelo real que me atormenta acordada quando recordo de Augusto me chamando de mulher vadia no dia em que eu contei à ele que eu estava gràvida.</p><p>Com uma lanterna ele voltou ao sobrado para averiguar um detalhe percebido por ele no momento. A porta do primeiro quarto estava fechada quando os dois chegaram lá em cima. E, ele não à abriu. Mas, ao iniciar à descer escada à baixo, ele notou que a mesma porta, naquele momento estava aberta. O visitante misterioso teria entrado no quarto, e se entrou, algo importante havia sido por ele deixado ou levado de lá?</p><p>Vasculhou o enorme guarda-roupa de madeira roxa, começando pelas dezenas de gavetas, e nada encontrou. Nos compartimentos das roupas masculinas e femininas, nem sequer uma camisa ou um Babydoll estava ali. Fátima havia queimado tudo anos antes. Na gaveta aberta do criado mudo ele encontrou uma pasta com receituàrios médicos, cronogramas de consultas, um frasco de remédio e até o endereço da maternidade com o nome da médica que fazia o acompanhamento pré-natal de Fátima. Tratava-se de Valquíria. Eram jà quase nove horas da noite. Ele voltou à casa dele, ligou na maternidade e foi informado de que Valquíria não era médica coisa nenhuma, sim a amante do médico gestor da maternidade no ano 1966. E que ela teria rapado pés de São Paulo desde o referido ano. –informou a simpàtica recepcionista baixinha, de voz rouca e sobrancelhas emendadas uma à outra. Ele a agradeceu e desligou o telefone.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Depois do banho Ângelo vestiu uma calça de moletom e camiseta, e pôs-se à afinar as cordas do novo violão que Fátima havia comprado para ele. O telefone tocou, atendeu e se surpreendeu com a voz do outro lado da linha. Darlene falava quase gritando, que ela estava sozinha na casa dela, bebendo vinho tinto, ouvindo músicas românticas e com vontade de estar dançando com um gato de cor morena clara, olhos e cabelos negros e muito, mas muito envolvente. Mas, era uma pena que ela não conseguiu e nem poderia prendê-lo na casa dela. Em dado momento da conversa, Darlene pediu à ele que esperasse um pouco em linha, pois ela estaria indo lá fora para verificar se alguém havia chegado ao portão da casa dela.</p><p>Não passou mais de trinta segundos, ela voltou à falar com ele novamente.</p><p>-Ângelo, eu acho que alguém tentou destrancar o meu portão. Quando eu fui lá fora, um carro preto estava saindo...</p><p>-Eu estava na janela da sala e também o vi passando. Estou indo aí.</p><p>Quando ele à encontrou no portão ela estava à espera dele. Na noite anterior Darlene dormira na casa da vizinha Dasdores, por razão de mais uma aparição do estranho no portão da casa dela. E a velhinha à aconselhara à passar um tempo morando com Ângelo porque ele seria um rapazinho de confiança, frio feito gelo e não tinha medo daquelas bobagens que Darlene dizia sobre as aparições de um fantasma que não conseguia superar um portão trancado para ir ter com a assombrada.</p><p>–Entre, Ângelo. –disse ela completamente apavorada.</p><p>–Conte-me como foi que aconteceu. Pediu abraçando-a de lado e a conduziu para dentro da casa.</p><p>–Tem um gato que eu o deixo solto porque ainda não tenho uma gaiola para ele. De repente, eu o escutei miando forte lá no portão e depois ele veio correndo e passou todo arrepiado pela garagem, indo para o fundo do quintal.</p><p>–Você foi até lá fora, e o que você viu?</p><p>–Não sei, eu...</p><p>Ângelo se sentou do lado dela no mesmo sofá. Darlene não quis perder a proteção do abraço dele, e ela continuou entrelaçada ao corpo dele sem poder encontrar a forma correta para explicar à ele o que ela, talvez tivesse pressentido, imaginado ou realmente visto com seus olhos, ouvido com seus ouvidos e sentido com seu órgão olfativo.</p><p>–Da porta eu vi o vulto de alguém que saía do portão. Quando eu cheguei ao portão, ele jà tinha entrado no carro. Você não sentiu o cheiro de Dama da noite?</p><p>–Não. Eu ainda não vi essa planta por aqui.</p><p>–Podia ser o cheiro de um mau agouro.</p><p>–Superstições não combinam com a sua natureza de mulher sensata.</p><p>Ela não havia bebido muito vinho. O copo estava sobre a mesinha de centro, e o tinto pela metade.</p><p>–Eu sempre sentia aquele cheiro todas as vezes que eu e o meu marido íamos à casa da Fátima. E depois que nós voltàvamos de lá o cheiro ficava em nossas roupas.</p><p>–E você não suspeitava de nada entre ele e Fátima?</p><p>–Eu tentava entender a razão de o cheiro ficar impregnado em minha roupa, mas não conseguia compreender nem o que tínhamos feito na casa dela. Ele dizia que era o cheiro do perfume do Augusto, e dizia que eu o estava traindo com ele. Mas a roupa do irmão dele também exalava o perfume que Fátima usava.</p><p>Tudo levava Ângelo à crer que poderia estar havendo troca de casais entre Augusto e Fátima, Darlene e o marido dela. Embora ele acreditasse que Darlene e Fátima não tivessem noção de tamanha imoralidade cometida pelos casais, Ângelo não teria a mesma opinião em relação à seu esposo e Augusto.</p><p>–Fátima também alega ter perdido a memória durante o período da gravidez dela. Estariam Augusto e o seu marido dopando vocês duas para, ah, deixa pra lá.</p><p>–Eu sei o que você quer dizer. Mas eu não posso garantir que fosse assim.</p><p>–Tudo bem. Você conseguiria me passar mais algum detalhe de algo físico que você pôde ver...</p><p>–Eu acho que eu vi a sombra dele, e, ele usava um gorro de papai-noel.</p><p>–Darlene. –disse ele se levantando, deixando ela sozinha no sofá. –Agora me deixe expor algumas questões. Você e eu trocamos algumas frases de cunho iniciàtico. Contudo, você disse não ter conhecimento do meu nível e grau filosófico. Isso é compreensivo, porque eu não faço e nunca fiz parte de nenhuma ordem secreta. Porém, o homem que me adotou conheceu todas as ordens secretas existentes no Brasil e em outros países. Mas, ele não se submeteu ao controle de nenhuma delas, por achar que tudo não passa de desvarios daqueles que não conseguem aceitar a finitude de suas existências. Mas a pergunta é: você ou o seu esposo fazia parte de alguma sociedade secreta, ocultista ou não? Eu preciso que você me fale sobre algum fato envolvendo você, ele, o Augusto e a Fátima, à pratica de satanismo. Qualquer tipo de ritual de ocultismo ou...</p><p>–Tà bom, mas sente aqui. – e o puxou para junto dela.</p><p>–Tanto medo assim, me faz esquecer a mulher independente que eu conheci...</p><p>–Cale a boca e me abrace.</p><p>Ele à satisfez.</p><p>–Isso. Assim está melhor. Eu sou ateia, mas me interessava por tudo que dizia respeito à ordens secretas, mas era apenas por curiosidade... só leituras de livros.</p><p>–Nunca adentre ao desconhecido apenas para satisfazer a sua curiosidade. –a alertou apertando o nariz dela. –Como se chamava o seu cunhado?</p><p>–Eu não me lembro.</p><p>–E onde ele morava?</p><p>–Eu fui casada por poucos meses. Quando eu dei a luz ao nosso filho ou filha, não sei, ele foi morto. Mas, como eu te falei, eu sofria de amnésia durante todo o tempo que nós vivemos juntos.</p><p>–Foi a primeira vez que esse chapeludo veio te assombrar?</p><p>–Eu estou... estava quase me relacionando com outro homem. A gente só se vê duas vezes por semana.</p><p>Ângelo à desabraçou e se levantou para despedir dela.</p><p>–Você quer que eu passe a noite aqui com você, ou prefere ir para a minha casa?</p><p>–Não seria bom que você ficasse aqui, e nem que as pessoas vissem você saindo daqui amanhã. Eu vou para a sua casa. Lá tem duas mulheres como eu.</p><p>–Ambas medrosas. Và se arrumar, e vamos.</p><p>Darlene não se vestiu de modo saliente, para ir para a casa dele. Vestiu calça Jeans e um suéter creme com listras verticais pretas. Nos cabelos uma tiara firmando-os no alto da cabeça deixando ainda mais em evidência o belo rosto quadrado dela sem maquiagem.</p><p>–Sente-se Darlene. –disse ele arredando o violão para o canto do sofá. –Sinta-se em sua casa.</p><p>–Oh Ângelo, me desculpe por te incomodar, é que não dà mais para eu continuar em minha casa sozinha.</p><p>–O que mais te aflige, ou te amedronta? –perguntou se sentando.</p><p>Ela se sentou colocando a nécessaire no colo.</p><p>–Além do visitante maldito, a solidão. Eu não quero mais viver sozinha para o resto da vida. –falou decida, cruzando os braços em cima da bolsa.</p><p>–Darlene, eu tenho dificuldades me manter uma relação de amizade com uma mulher igual à você. E, francamente, jà está sendo difícil o meu convívio com duas mulheres vivendo comigo. Eu jà estou perdendo o foco daquilo que eu procuro aqui em São Paulo. – disse para testar a pessoa dela e saber quais eram as suas reais intenções.</p><p>–A Fátima e Débora te provocam sensações difíceis de segurar?</p><p>–Bem, eu sou homem...</p><p>–Não tem problema. Eu serei para você o que você quiser. Sua amiga, empregada, qualquer coisa, mas prometo que eu não vou te assediar. Eu jamais faria isso. E se você me disser de qual das duas você gosta, ou se elas gostam de você, eu prometo que não chegarei perto de você nem para receber ordens. Elas podem ser as minhas mandantes em seu lugar. –falando ràpido e sem gesticular com as mãos e nem desviar o olhar do olhar dele.</p><p>Para Ângelo o elemento representativo da natureza de Darlene era terra. Determinada, e firme em suas convicções. Personalidade forte, sem rodeios, definida como o baixo.</p><p>–Não há necessidade para tanto. Você não leva jeito para empregada...</p><p>–Ângelo, eu tinha emprego e fui demitida por ter falhado dois dias nessa semana. Eu posso ser sua empregada doméstica. Por favor, Ângelo, eu vou perder a minha casa...</p><p>–Como assim, Darlene, que história é essa? –perguntou indo se sentar do lado dela.</p><p>–Quando o meu marido morreu, outro homem quis se casar comigo. Mas, ele dizia que eu tinha uma filha. Ele levou o dinheiro do seguro que eu recebi pela morte do meu finado marido e ainda deixou a minha casa hipotecada. A seguradora me enviou um comunicado hoje. Eu fui conferir. Ele conseguiu um alto valor em dinheiro por ela. Sem emprego eu não vou conseguir pagar a dívida. São quase seis anos de atraso. –continuava falando sem alteração no tom de voz e expressão de fala.</p><p>–Mas que canalha ele era, hem!</p><p>–Eu sempre pensei que ele tivesse morrido, mas agora eu acho que ele devia ter uma sem vergonha que morava com ele. Por isso desapareceu.</p><p>–Mesmo assim você parece que não está nem aí...</p><p>–Eu fui rica e fiquei pobre. Não adianta chorar o leite derramado. Eu aprendi com os meus gatos.</p><p>–Concordo. Você é guerreira. Sinta-se em sua casa.</p><p>Ela se levantou disposta, mas sem esboçar reação de agradecimento.</p><p>–O que você quer que eu faça agora à noite?</p><p>–Nada. Por mim, você apenas abrilhantarà essa casa com a sua presença.</p><p>–O Paulo me diz que eu sou uma joia mal polida.</p><p>–Paulo... uma jóia mal polida... sei. –disse Ângelo meneando a cabeça.</p><p>–Eu posso dormir com a Débora ou com a Fátima?</p><p>–Você pode ficar no meu quarto, eu durmo no sofá.</p><p>Ele esperava vê-la transpirando medo, mas se surpreendeu com a aparência dela. Nada sedutora, somente sua notàvel beleza ao natural.</p><p>Darlene o chamou para uma conversa em particular no quarto.</p><p>-A Fátima te contou que o Augusto fez sexo comigo após uma festa?</p><p>-Não. Como foi que aconteceu?</p><p>-Ele me levou para uma casa estranha com curiosidade de saber o que eu havia contado à Otero sobre ele. Eu disse que eu e meu esposo não tínhamos conversado sobre ele. Eu, eu acho que devo ter bebido demais na festa e, de repente, nós dois estávamos sem roupas na cama.</p><p>-Darlene, você não estranhou ele fazendo sexo com você como se ele fosse seu marido? E por qual motivo ele te levou para uma casa estranha?</p><p>-Não sei Ângelo.</p><p>Ele à consolou com um abraço terno deslizando no sentindo vertical nas mãos nas costas dela.</p><p>-Você esteve com o Augusto antes de Otero seu marido, Norato e Ferreira serem mortos. Diz pra mim que você não tem nada à ver com as mortes de todos eles. – pediu ainda abraçado à ela.</p><p>-Melhor nós não falarmos sobre isso agora. Eu e Otero não vivíamos como à marido e mulher. Mas, eu não confiava no Augusto. Como eu jà falei, eu não estava sóbria. Só me lembro de que ele me pediu para eu arrumar alguma coisa no quarto dele e, ele trancou a porta do quarto. Daí aconteceu.</p><p>–Por que você deixou que ele trancasse a porta do quarto?</p><p>-Não sei... quando eu dei por mim, o Augusto estava saindo de cima de mim.</p><p>-E, você engravidou na primeira e única vez que ele te violentou?</p><p>-Eu não sei se me engravidei de um filho dele, mas se engravidei, não foi dessa única vez. Otero me dizia que o Augusto era meu amante dele à algum tempo.</p><p>-Não tenha medo Darlene.</p><p>Ele foi à cozinha e trouxe um copo d àgua e comprimidos e entregou à ela.</p><p>-Ângelo. - ela quase gritou. –O Augusto me deu alguma coisa pra eu beber, e... daí, eu só me lembro que ele estava em cima de mim, sobre a cama no quarto.</p><p>-Bem, Darlene, o que eu posso fazer pra aliviar a sua preocupação?</p><p>-Eu sei que não há necessidade de te dizer. Eu estou gostando de você. Você consegue me entender?</p><p>-Eu entendo o que você está passando.</p><p>Ela o abraçou novamente e por alguns segundos sentiu-se segura sendo abraçada por ele. Ele fechou os olhos e parecia penetrar no consciente dela.</p><p>-Você teve um filho que talvez não fosse do augusto?</p><p>-Eu não sei o que acontecia comigo e com ele antes daquela festa, se é isso que você quer saber.</p><p>Ângelo cruzou os braços e a olhava com seriedade. Darlene se aproximou mais dele arrastando a cadeira para o lado.</p><p>-E você sabe do que aconteciam com Fátima, as demais mulheres e com os filhos delas e o seu marido.</p><p>Darlene sentia a cabeça à ponto de explodir de dor. À cada lampejo de memória as imagens projetadas em sua mente lhe trazia recordações antigas que ela em vão tentava comprimi-las dentro de seu cérebro.</p><p>-Não Ângelo, não me torture trazendo de volta essas lembranças. –implorou abraçando-o. -O meu marido me julgava de ser infiel à ele, e que o filho que eu esperava era do Augusto. Eu nem me lembro de ter me engravidado...</p><p>O olhar penetrante dela nos olhos de Ângelo demonstrava que ela não sabia do que estaria falando, se falasse de algo relativo à todas as pessoas envolvidas naquela tragédia.</p><p>-Eu preciso que você me conte tudo que você sabe. Por favor!</p><p>-Duas pessoas me levavam para dar à luz na casa de Fátima. Quando eu desci do carro, de repente, tudo ficou escuro em minha cabeça. Quando eu acordei, eu não sei o que foi que aconteceu...</p><p>-Tudo bem. Tome o remédio para a sua dor de cabeça.</p><p>Extremamente descontrolada, Darlene engoliu dois comprimidos de uma só vez. Em poucos segundos ela sentiu tudo girar ao seu redor, e não encontrando forças para continuar em pé ela se deixou cair sobre a cama.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p>A vizinha Dasdores o esperava no portão. Ela tinha um sorriso contente e, em seus olhos transparecia toda sua alegria por estar recebendo Ângelo na casa dela. O vestido de algodão na cor creme, comprido, largo e sem divisor de cintura, sugeria uma roupa de dormir de uma senhora gorda e sedentària. Mas, o aspecto dela era de quem acordara em uma manhã de domingo de sol radiante e aproveitaria o dia para ir um piquenique.</p><p>–Vem. Eu estava te esperando para o almoço. –disse, estendendo a mão à ele, que a segurou com suavidade. Mas, a velhinha vigorosa pressionou a mão dele e o puxou para conduzi-lo ligeiro para dentro da casa.</p><p>No alpendre Ângelo notou a falta dos utensílios que eram usados por Dasdores. Não havia mais o recipiente com a terra, a vela e o copo com àgua. Mas estava ali um ventilador desligado. As plantas não tinham a mesma vivacidade. As flores e rosas pendiam sôfregas, murchas.</p><p>–Não vai me dar um abraço antes de entrar na minha casa?</p><p>Ele à abraçou.</p><p>“Amiguinho. Um aperto de mão revela o que a pessoa espera de você. Um abraço revela o que ela deseja de você. Um beijo revela as suas reais intenções.” Ele recordou de seu Cândido lhe dizendo.</p><p>–Agora entre, acanhadinho bonito. –disse ela ganhando a sala antes dele.</p><p>Ângelo arrastou cada pé por três vezes no tapete de retalhos coloridos na entrada.</p><p>–A casa não está tão limpa assim.</p><p>Ele olhou para o piso encerado vermelho e constatou que a senhorinha mentiu, ou fora simplesmente modesta com a objeção.</p><p>A mesa quadrada estava posta com arroz, feijão, frango ao molho, macarronado, angu de milho e salada maionese. Cardàpio domingueiro, muito simples, porém o cheiro da comida era apetitoso. Para Ângelo existia algo de familiar entre os que comeriam a refeição. Oito pratos, talheres e lenços estavam postos na mesa com quatro pares de cadeiras de assentos e encostos almofadados, com revestimento sintético preto, tacheadas nas laterais e armação de madeira marrom. A copa não era tão ampla, mas era ocupada apenas pela mesa com as cadeiras e um armàrio de cerejeira com portas em madeira e vidro.</p><p>–A senhora me permite fazer uma pergunta. –ele perguntou antes de se sentar.</p><p>Dasdores puxou uma das duas cadeiras que formavam um par,</p><p>–Não se acanhe. Sente-se e pergunte. – disse ela tocando os ombros dele, fazendo-o se sentar.</p><p>–Antes, muito obrigado pela hospitalidade.</p><p>–De nada. –disse e foi se sentar na outra extremidade da mesa. –Estou pronta.</p><p>–A senhora receberà alguns casais de amigos, alguém íntimo da senhora, e um parente para juntos comemorarem alguma data importante em suas vidas?</p><p>Dasdores sorriu desconfiada.</p><p>–Então, a Alicinha te contou, não foi sabidinho?</p><p>–Não, eu não a vi. Eu na estava em casa. Ela deixou o recado com a Fátima. Mas disse bem ràpido: é para o Ângelo ir almoçar lá em casa hoje. Parece que ela não gosta da minha amiga.</p><p>–Alicinha é uma criança ainda, mas muito inteligente também, viu. Como você, que acertou sobre os meus convidados, são casais de amigos e o meu irmão. Como você soube?</p><p>–Os lenços do lado esquerdo da mesa foram dobrados de forma triangular. O par de lenços do lado direito recebeu dobras quadradas. Fátima disse que a senhora não teve filhos...</p><p>–Mas tenho a Alicinha que eu à considero minha neta, viu. Eu a adotarei, com direito à testemunhas... mas continue.</p><p>–Isso complementa o meu raciocínio. Os lenços de quatro quinas indicam que nas duas cadeiras se sentarão os padrinhos da Alice. Os de três pontas serão usados pelas madrinhas. Do lado da senhora eles formam losangos, para uso dos avós, ou seja, a senhora e seu irmão, jà que a senhora é viúva. Daqui do meu lado, um dos lenços está enrolado feito massa de biscoito cônico de ponta bem fina. Esse alguém não jà teria terminado com a refeição, porque a comida não foi mexida ainda. O outro lenço, suas quatro pontas se encontram no meio do lenço. Mas, por que a ponta do lenço cônico está entremetida no centro entre as quatro pontas desse outro lenço? Se eu me sentei aqui, quem se sentarà do meu lado?</p><p>A senhorinha ficou com todo o rosto umedecido de suor frio, e levou a mão direita, – nessa hora jà trêmula –, à testa, como se uma febre repentina a estivesse ruborizando e a deixando febril.</p><p>–A senhora poderia me responder, dona Dasdores?</p><p>–Besteira, filho. Quem se sentaria desse lado seríamos eu e o meu cunhado. Desde quando o meu marido se foi, ele vive tentando ocupar o lugar dele. Olha, eu tenho o amor da minha vida, e ainda espero um dia estar com ele, viu.</p><p>–O que houve com ele?</p><p>–Ele lutava ferrenhamente contra a opressão militar. Quando o governo soube de quem era a ideologia que punha em risco a estabilidade do sistema governamental, por fazer com que a multidão fosse às ruas protestando contra a ditadura, eles se viram na obrigação de mantê-lo em seu seus domínios.</p><p>–Então ele foi preso pelos ditadores?</p><p>–O meu cunhado era coronel do exército e propôs à ele um acordo para livrà-lo da cadeia. Após o golpe militar ele se foi, e, eu ainda espero vê-lo chegando.</p><p>–É lamentàvel, mas, notícias ruins chegam logo e, jà se passaram vinte anos.</p><p>–Sim. Espere um pouco aí. –e se levantou.</p><p>Ângelo a observou chegando à geladeira azul com um forro muito alvo cobrindo a parte superior. Debaixo do tecido, ela introduziu a mão de dedos finos e longos para pegar uma folha de papel.</p><p>–Ele está vivo e me manda cartas. –disse ela desdobrando o papel. –Esa foi a última carta que ele me enviou. Você poderia ler para mim? –pediu passando à ele.</p><p>–Com todo prazer, senhora Dasdores. “Querida, meus dias têm sido tristes e vazios. As noites são solitàrias e frias. O que me motiva à continuar vivendo é a esperança de um dia poder estar ao seu lado, sentados em nossas cadeiras, no alpendre de nossa casa, de mãos dadas. Distante de você eu sou apenas mais um dos muitos que ocupam um espaço na terra. Sou mais um soldado desarmado no meio da guerra. Sou perambulante, viajante sem saber o destino de chegar. Sou erva do tempo que o vento me força à voar. Sou um andarilho seguindo leste à oeste, norte à sul. Sou metamorfose ambulante, como disse o Raul. Sobretudo, eu posso afirmar que a distância separa nossos corpos, mas une nossos corações. Do seu eterno esposo” – finalizou. –Ele não diz o nome. –Ângelo observou devolvendo à ela.</p><p>–Não. E no envelope não tem endereço de remetente e nem de destinatàrio. Eu sinto que ele ainda vive aqui em São Paulo, talvez usando outro nome. –e foi guardar a carta no mesmo lugar.</p><p>“Faz sentido. Pode ser que ele mesmo deposite as cartas na caixa de correios”</p><p>–E a Alice, onde ela está senhora Dasdores?</p><p>–Ela não virà almoçar aqui hoje. Os dois casais que virão são os padrinhos e madrinhas dela. Estamos programando uma surpresa para o aniversàrio dela. Ela gostou muito de você, e eu gostaria que você fosse o par dela na festa que nós faremos para ela. Do seu lado, quem se sentarà é a minha irmã. Como eu te falei, a colocação dos lenços foi aleatória.</p><p>O telefone tocou e Dasdores foi à sala para atender a ligação. Olhando para o relógio na parede Ângelo conferiu que jà era exatamente uma hora da tarde. Não seria a fome que o incomodava, sim, a não presença dos demais convidados. Quando Dasdores regressou trouxe a notícia de que os convidados não viriam para o almoço.</p><p>–Bom, então eles perderão a oportunidade de comer uma comida caprichada no tempero. O cheiro está muito agravàvel. –disse ele se servindo. –A senhora parou de tomar ar no alpendre. –escolhendo o pedaço de frango ele falou.</p><p>–Não filhinho, eu ficava era me precavendo para não ser pega de surpresa pelo vento forte que, quando ele passa por aqui, deixa rastro de destruição e muita desordem na vida das pessoas, viu.</p><p>–Ah sei! –disse se sentando. –Por falar em desordem na vida das pessoas, e a coitadinha da Fátima, que coisa hem! – e abocanhou a primeira garfada.</p><p>–Sabe, menino, quando a gente se mistura à quem não presta, coisas ruins acontecem com a gente. O Augusto sempre foi uma pessoa sem prestígio e mulherengo. O pai de uma das muitas mulheres dele tinha pacto com o mal e devia sangue à ele. Augusto e as demais sofreram as conseqüências por ter se associado à Ordem mais diabólica que jà se teve notícia.</p><p>–Eu gosto desse tipo de conversa. Enquanto eu como, a senhora prossegue.</p><p>Depois de fazer o prato dela, Dasdores deu prosseguimento ao assunto.</p><p>–Augusto tinha riqueza e muitas mulheres, mas ele queria mais. Foi quando ele encontrou a filha de um Monsenhor da Ordem Mensageiros do tempo. O que aconteceu fazia parte do acerto de contas que ainda não foi quitada. E o preço dele é alto. Sangue, sangue e sangue.</p><p>–A senhora fala com tanta propriedade que, me faz pensar que a senhora tenha sido bem próxima dessas pessoas.</p><p>–Alguém havia profetizado os nascimentos de uma última criança prometida para o mês 06–06–1966, mas o profeta não chegou à ver as crianças porque ele desapareceu.</p><p>–O Padre também me contou essa história, mas eu jà à conhecia.</p><p>–A tragédia na casa da Fátima aconteceu em que mês e dia do ano?</p><p>–06–06–1966. –Ângelo respondeu depois engoli uma porçãozinha de angu. –Podemos considerar que tudo aquilo foram crenças na profecia de um charlatão dos anos trinta ou quarenta. E em 66 o patife à levou ao cumprimento.</p><p>–Não teria sido ele um charlatão. Monsenhor Olavo conheceu um jovem muito sàbio e calculou que ele seria o pai da primeira criança prometida. Monsenhor e mais três companheiros foram em busca do sàbio, e nunca mais eles foram vistos. Surgiram boatos de que outros homens deram continuidade ao segmento em busca da criança iluminada.</p><p>–Dona Dasdores, não se pode enganar o mal?</p><p>–Não. Mas você pode anteceder os feitos dele e evitar que ele dê cabo de sua maldade. Desde que você seja uma pessoa do bem.</p><p>–Que assim sejamos. Mas, como se pode saber que ele virà receber as parcelas?</p><p>–Quando finda o prazo de um total de anos divisível por três, e cada um desses três períodos de tempo acontece uma tragédia com alguma pessoa do círculo dos incluídos no pacto. Com isso, o líder da Ordem Mensageiros do Tempo vai adquirindo mais riqueza.</p><p>–E qual é a soma total do tempo à ser dividido.</p><p>–Se eu soubesse tentaria evitar a mortandade que virà.</p><p>“Três maridos mortos à dezoito anos atrás. Seis mais seis são doze, com mais seis são dezoito. 6, 6, 6. Está expirando os dezoito anos. – ele pensou.”</p><p>–Quem são os integrantes dessa Ordem?</p><p>–Os remanescentes formam a sociedade do mal. O líder é o sumo deus que inspira aos outros, todas as bestialidades praticadas por eles. Os homens seduzem as mulheres para ter filhos com elas, ou conquistar os filhos delas para os oferecerem em sacrifícios satânicos. Se forem filhas, as mulheres seduzem os homens para com eles terem filhos, ou se faz de boa madrasta para os filhos desses homens, e depois de apossar-se de todos os bens deles, eles são mortos. Eles vão renovando o grupo de seguidores, mas permanece tudo em família. Mas, quem procede com a matança dos que são sacrificados é sempre o iluminado... e, ele também é sacrificado em seguida.</p><p>-Mas então, ele não poderia ser chamado de iluminado.</p><p>-Ora, rapazinho, depende muito do seu ponto de vista em relação aos mortos. Agora coma.</p><p>A história do profeta sempre fora um tanto quanto absurda na opinião de Ângelo. No entanto, em relação ao que mata e também morre, e de todos os que morrem, o infeliz assassino assassinado seria liquidado por um maldito mentor traidor desalmado em pleno exercício de crueldade.</p><p>–Bom apetite para mim e para a senhora. –disse ele repetindo o prato.</p><p>Depois do almoço veio a sobremesa de queijo fresco e doce de leite. E uma receita simples de doce de mamão, escrita com carinho, por Dasdores. Ângelo guardou-a na carteira e deixou a casa.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *<span style="white-space: pre;"> </span></p><p><br /></p><p>Ângelo pousou os cotovelos na soleira da janela aberta deixando os antebraços fora do cômodo e entrelaçou os dedos das mãos.</p><p>Débora andava dentro da casa procurando uma porta para abrir, caminhando lentamente indo em direção ao corredor de acesso ao quarto de Ângelo. Seus movimentos eram cuidadosos, e seus passos calculados não emitiam qualquer som de pisadura ou ruídos de deslizes.</p><p>–Entre Débora. –disse ele abrindo de uma vez a porta e acendendo a luz.</p><p>Ela respirou profundo enquanto girava a chave na fechadura para trancar a porta.</p><p>–Eu perdi o sono e vim passar a noite conversando com você.</p><p>–Como está o senhor Amaro?</p><p>–Eu soube que ele anda meio deprimido por causa de sua vinda à São Paulo. Eu disse à ele que você só veio passar uns dias e voltaria em breve. Se você pretende ficar nessa cidade por muito tempo, eu te aconselho à não continuar morando com a Fátima. As moças não se aproximarão de você. Vamos embora para Goiânia para vivermos juntos, só eu e você. –disse acarinhando os cabelos lisos e negros dele, que jà lhe cobriam a testa.</p><p>Ele se lembrou de todas as garotas que ele podia ter se apaixonado por uma delas, e ao pensar na frase: ter se apaixonado, ele percebeu que realmente o termo era este. Ele estava apaixonado pela desconhecida estudante de música. Mas havia tanto à ser resolvido na vida dele, e, não seria o momento ideal para embarcar numa paixão.</p><p>–Eu agradeço pelo conselho. Se você tivesse um filho ele teria uma ótima orientadora. –e voltou à olhar a escuridão da noite.</p><p>–Eu só espero encontrar a pessoa certa para eu poder me entregar à ele para nós constituirmos uma família juntos. –disse e o abraçou por tràs, colou o lado do rosto nas costas dele e alisava-lhe os braços. –Eu jà não sei se conseguirei continuar sendo evangélica. Pode ser que eu jà esteja cometendo pecado por estar estando gostando de um não crente.</p><p>Ângelo não dizia nada, mas deixava que ela levasse as mãos dela ao pescoço dele e passasse os lábios detràs de sua orelha. Irresistível tentação, sentir o hálito quente dela percorrendo por toda sua nuca e os seus seios fartos massageando suas costas.</p><p>–Eu posso te satisfazer e te fazer feliz. –ela prometia com voz aveludada e com as mãos dentro da camisa dele. Estava pronta para sofrer as conseqüências de uma possível consumação de um ato pecaminoso.</p><p>Ele a virou de frente para ele e segurou na cintura dela. Demonstrou estar seduzido por ela ao puxar o corpo dela de encontro ao dele. Débora arrancou-lhe a camisa e fez sua camisola deslizar lentamente para baixo até cair aos pés, proporcionando à ele a liberdade de poder saborear ao gosto dele a perfeição anatômica de seus peitos volumosos e tudo o mais que o corpo dela o apetecesse.</p><p>Então, Ângelo tinha à sua frente a mulher que Cândido lhe apresentou como sendo sua criadora. A pele dele ia se afogueando com o calor do corpo nu de Débora roçando ao dele. A ereção foi inevitàvel. Ela sentiu e se prontificou a fechar a janela às costas dele. O movimento dela inclinando-se sobre ele para unir as partes da janela levou os seios dela à contato com o rosto dele. Por fim, janela fechada, Débora sorriu marotamente e começou à baixar as calças dele.</p><p>–Débora. –disse ele segurando as mãos dela.</p><p>–O quê? –perguntou mordicando o queixo dele.</p><p>–Eu tenho uma fantasia para realizar na minha primeira noite de amor.</p><p>–Do jeito que você quiser eu quero.</p><p>–Jogue os cabelos para frente do seu corpo.</p><p>Sem pestanejar ela o obedeceu.</p><p>–Assim está bom? -ele vislumbrou o lençol capilar cobrindo os seios. –Ficou muito bom. –deu o aval e a abraçou, fazendo-a andar para tràs.</p><p>Quando Débora sentiu as panturrilhas de suas pernas tocando a lateral da cama, ela se sentou sorrindo afastando o telefone sem fio para o canto da cama e reiniciou à despi-lo.</p><p>–Espere, eu quero aproveitar cada minuto com você. Deite-se.</p><p>Imediatamente ela se deitou refestelada, ansiosa para tê-lo na cama e finalmente dar à ele os momentos mais prazerosos da vida dele, e se esbaldar de gozo com o garoto que ela nunca o considerou como à um filho, mas, o companheiro que ela sempre o quis para suas noites de núpcias.</p><p>Ele se deitou ainda vestido de moletom. Débora, ao natural como veio ao mundo o abraçou acochando o corpo dele ao dela e pondo a perna dele entre as dela. O contato à fez arquejar gemendo de prazer intenso. Naquela posição ela se remexia toda enquanto beijava todo o rosto dele, se deleitando com as sensações de orgasmos antes mesmo de sentir o membro dele tocar sua alcova jà à ponto de lambuzar moletom e coxa de Ângelo.</p><p>–Jura pra mim que você será só meu. –pediu quase em desespero e com as unhas riscando o couro cabeludo da cabeça dele.</p><p>–Então me chame de Augusto. –ele foi cruel, com intenção nem tanto.</p><p>Ela se ergueu e se sentou sobre a cama. Muito decepcionada tentava juntar os cabelo e formar com eles um ninho no topo da cabeça.</p><p>–Não consegue me chamar de Augusto. Você não o conheceu, Maria Débora?</p><p>–Ai Ângelo, porquê, porquê? –angustiada, ela bateu com as mãos nas coxas dela e deixou que o silêncio e a tristeza em seu olhar falassem daquilo que ela talvez não pudesse falar.</p><p>Depois de cobri-la com o lençol, Ângelo encostou-se a cabeceira da cama e por ali ficou olhando para ela se labutando para dar um nó nos cabelos, mas a tarefa era impossível e, Débora desistiu, suspirou e se sentou do lado dele.</p><p>–Você teve um filho com ele, não teve Débora?</p><p>–Não, não sei se tive. E se um dia eu fui mãe, não seria de um filho do Augusto.</p><p>–Conte-me sobre o que houve.</p><p>–Eu não sei o que dizer à você sobre o Augusto. O meu marido garantia que se eu o conhecesse, eu teria um caso com ele. Eu dizia que nunca dormiria com homem nenhum, que não fosse o meu esposo.</p><p>–Como o seu esposo se chamava?</p><p>–Otero. Mas, eu não me lembro do Augusto. Otero viajou para o Paranà, e, eu estava gràvida, mas quando ele voltou, ele me abandonou.</p><p>-Por quanto tempo você foi casada?</p><p>-Oito meses.</p><p>-Você estava esperando um bebê que não seria filho do Otero. Seria do Augusto?</p><p>-Não, Ângelo. Eu nunca tive contato com Fátima e nem com o Augusto. Eu não sei o que aconteceu comigo durante o final da minha gravidez, e, numa noite eu acordei, na casa do senhor Amaro. Ele me disse que eu havia dado a luz à uma criança, mas alguém à levou. Depois eu fui morar em Goiânia.</p><p>-Eu, eu não posso me casar com você. O senhor Cândido não aprovaria...</p><p>-Tudo bem. –disse ela enxugando as lágrimas. –Nós continuamos morando juntos, como se eu fosse a sua criadora, e ninguém saberà que nós somos marido e mulher.</p><p>-Não. O senhor Amaro desconfia da gente. Ele contarà para o senhor Cândido e...</p><p>-Ele não vai atrapalhar nossos planos. –e o abraçou forte. –Eu quero ter você por inteiro e serei sua para sempre.</p><p>Ângelo a abraçou de modo à permitir que ela descansasse a cabeça no ombro dele, enquanto que ele escorria a mão nos cabelos dela tentando amenizar a dor e sofrimento que, ele próprio a submeteu outra vez. Com cuidado, à pôs sentada no assento e foi à delegacia.</p><p>***</p><p>O delegado Valdir o escutava e considerava as colocações.</p><p>-Me acompanhe até à minha sala. Eu quero beber um pouco do café. –Valdir o convidou.</p><p>-Eu preciso fazer algumas perguntas à você sobre os infelizes mortos naquela noite.</p><p>Passaram discretamente pelas pessoas e policiais que ali estavam.</p><p>-Fátima perdeu o marido num acidente de carro, que colidiu em uma àrvore e se incendiou. Havia mais três homens com Augusto no bar antes do acidente.</p><p>-A autópsia revelou que o Augusto fazia uso de substância alucinógena. Ele havia usado droga e dirigia imprudentemente. Homens amigos dele também morreram.</p><p>-Os laudos poderiam ter sido forjados. Fátima estava em trabalho de parto na casa dela, e mais mulher estavam lá para também darem à luz à seus filhos. Só que três mulheres que ficaram viúvas no passado, acabaram ficando sem nem ao menos ter onde morar.</p><p>-Menos mal, elas estão vivas.</p><p>-Mas, outras três mulheres morreram de mortes estranhas num ritual macabro. O ritual aconteceu porque as vítimas não tinham noção do que estava acontecendo naquele momento. -Ângelo sacou um frasco do bolso. -Conhece essa droga?</p><p>-Extrapola menina. Os laboratórios desconhecem a fabricação dela.</p><p>-Mas os contrabandistas ainda às fabricam.</p><p>-Nós do departamento sabemos que ela é muito usada por prostitutas. -pegou o frasco, fez um sinal nele e o devolveu à Ângelo.</p><p>-Foi essa substância que eu encontrei na casa da Fátima.</p><p>-Pode ser que fosse esta mesma droga que Augusto dava às mulheres para elas terem relações sexuais com ele.</p><p>-Ou vice e versa, delegado. –Ângelo observou com segurança em o que ele dizia.</p><p>-Mesmo que você esteja coberto de razão, jà se passaram dezessete anos, e não se pode levà-las à prisão usando essa droga como elemento de prova. Ainda que eu soubesse quem são os suspeitos, não se pode prender alguém que cometeu assassinatos à dezessete anos atrás, tendo contra ele apenas um frasco de droga bastante comum para prostitutas e travestis de hoje em dia. Mas, se você conseguir fazer com que elas caiam na armadilha...</p><p>Um cabo entrou no gabinete, em busca de uma xícara de café. O delegado tratou logo de entregar a garrafa ao homem de idade avançada que o agradeceu com um movimento de cabeça e saía com a garrafa, mas Ângelo lhe entregou uma xícara esmaltada. Ele sorriu exibindo os dentes, os quais uma presa era de ouro.</p><p>-Valdir, eu só quero que você entenda o seguinte: um sacrifício satânico foi oferecido naquela casa. Inocentes foram sacrificados. As pessoas que realizaram o tal sacrifício, começaram à morrer, começando pelo pai da amiga da sua enteada e o pai dela também. Isso, porque foi descoberto que ela não é filha do Augusto.</p><p>-Você está querendo insinuar que quem o matou o fez por saber que as meninas não eram netas de Cândido Plates Rivera, pai do Augusto?</p><p>-Corretamente. Supostamente os envolvidos esperavam que a moça fosse a herdeira. E você mesmo me contou que ex-marido da sua namorada foi morto assassinado. Com certeza não houve uma investigação minuciosa nesse homicídio também.</p><p>-Espere aí. –disse Valdir engolindo o último gole de café. -Assim você está querendo afirmar que a Arlete também teve um caso com o Augusto. Ela nem o conheceu.</p><p>-E é justamente isso que me intriga. Se as mulheres que estavam na casa da Fátima naquela hora, estão vivas, outras três mulheres morreram em lugar delas.</p><p>Valdir ficou pensativo. A mente dele estava confusa. Ângelo embaralhava as ideias dele.</p><p>-O Augusto vivia com Fátima e mantinha casos com mais mulheres, sem que nenhuma delas desconfiasse da situação de poligamia que elas estavam envolvidas. Eram freqüentes os encontros dele com as amantes. Às vezes, ele às recebia na casa dele, outras vezes, ele às visitava em suas casas. Os maridos delas providenciavam para que elas pudessem ter relações sexuais com ele. Antes de cada encontro, as mulheres eram drogadas por seus maridos.</p><p>-Correto, delegado. Fátima me contou que entre as três que morreram não estava a empregada dela...</p><p>Valdir levou as mãos à cabeça e depois às desceu com força à mesa.</p><p>-Droga. Arlete teve uma empregada indecente. O ex-marido dela à estava traindo com a falsa doméstica.</p><p>-Por que você esconde de mim o nome da sua enteada?</p><p>-Eu vou te apresentar à ela. Só me prometa que você não envolverà a mãe dela e nem à ela. Arlete ainda não se recuperou do trauma.</p><p>-Eu jamais faria uma coisa dessas. Fique tranqüilo.</p><p>Valdir permaneceu sentado, e, com a cabeça em parafusos.</p><p>-O acidente que matou o Augusto foi premeditado pelos maridos das mulheres amantes dele. Mas, eles também morreram na mesma noite, de mortes supostamente acidentais. Tempos depois, três pessoas receberam as apólices dos seguros dos três parentes mortos. Otero, Norato e Ferreira, morreram antes ou depois de elas irem dar a luz aos bebês na casa da Fátima?</p><p>Valdir pensou um pouco para responder à Ângelo.</p><p>-Ela disse que começou à sentir fortes contrações e se agachou ao pé do portão. Dali para frente, ela não se lembrava de mais nada. Quando Débora pôde relatar o ocorrido, jà havia se passado três dias. –disse o delegado.</p><p>-E o que foi que ela contou?</p><p>-Ela disse que o Norato a recomendou ir dormir cedo porque ele não sabia à que horas voltaria. Fomos informados de que algo estranho teria acontecido em uma casa. Homens foram para lá e de lá não saíram. Quando chegamos à casa, ele jà estava morto, com um punhal cravado no peito, que perfurou até o sofá.</p><p>-E como foi que o marido da Darlene morreu?</p><p>-Da mesma forma, no mesmo lugar.</p><p>-Ferreira teve o mesmo fim?</p><p>O delegado assentiu.</p><p>-Tendo como certo de que você não poderia ser considerado culpado pelas mortes daqueles vermes, eu sugiro que você deixe essa cidade e và viver a sua vida.</p><p>-Estou indo, delegado.</p><p>Um abraço, desejos de boas sortes e um até mais vê. Para Ângelo seria coincidência demais ter sido usado as mesmas armas nos assassinatos cometidos por homicidas diferentes. Concluiu que todos foram mortos por um mesmo matador.</p><p>Estava ficando perigosa aquela busca e, ele não temia por sua vida, pois para ele, viver dezessete ou cem anos não faria diferença. Mas, Fátima, Débora e Darlene não precisavam correr o risco de serem mortas. As mortes misteriosas não teriam posto um ponto final naquele caso de tragédias e mortes de inocentes do passado e do presente, Ângelo tinha plena convicção desse fato. Todavia, ele deixaria São Paulo sem a absoluta certeza de que nenhuma das três mulheres seria a mãe dele ou não, mas do fundo de seu coração ele às amava e às queria junto dele por toda vida. Rápido. Tudo na vida de Ângelo era intenso e rápido.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p> De volta á Goiânia</p><p><br /></p><p>Assim que Ângelo voltou para Goiânia, ele foi ter com Amaro e pediu à ele que usasse de benevolência para com suas novas companheiras de lar. Não haveria qualquer dificuldade que impedisse Amaro de amparar as mulheres. Ele sempre desfrutou de grande influência no meio jurídico e entre os magistrados dos órgãos tutelares. Amaro alegou que ainda precisava acertar-se de alguns assuntos referentes aos principais envolvidos naquela tragédia. No entanto, assegurou à Ângelo o direito de proceder como ele bem entendesse em relação às mulheres. Amaro fora irredutível ao tomar a decisão de não ter as custódias das mulheres, diante da prerrogativa de que elas deviam ficar desamparadas e viverem como à filhas bastardas que nunca conheceram seus pais, e, sobretudo, conviverem com o estigma das mães malditas.</p><p>Quando o ônibus parou no ponto, ele desembarcou e foi à galeria de artes.</p><p>Com um cortês gesto de mão ele o convidou à andar pelo salão.</p><p>–Os seres humanos expunham seus segredos mais ocultos através da arte. Você sabe por que eles agiam assim, Ângelo?</p><p>–Era a forma de eles revelarem seus medos, paixões e anseios somente àqueles que possuíam discernimento e sensibilidade para os compreenderem.</p><p>–Você é magnífico. –disse soltando o ombro do sábio garoto. –A arte nunca deixará de existir. Os artistas sempre estarão entre nós. Os segredos se ocultarão ainda mais dando lugar à mentiras e enganos.</p><p>Ângelo considerou a observação. Tinha a ver com a própria história de vida dele, desconhecida por ele, mas talvez conhecida por Amaro e por todos da Ordem.</p><p>–O senhor tem algo a me contar sobre tudo que realmente ocorreu aquelas mulheres em São Paulo?</p><p>–Há tempo para tudo, meu rapaz. –disse Amaro fazendo com a mão um sinal de silêncio.</p><p>Alguns passos dados com suavidade para não perturbar os que estavam ali, os dois pararam de frente à três monumentos onde alguns visitantes os contemplavam de modo mais admirado que curioso. Ângelo sabia que nem todos ali compreendiam o significado de três estátuas de bronze, mas, ele compreendia o que era representado pelas esculturas de homens. Amaro tocou no ombro de Ângelo fazendo-o conter as palavras.</p><p>–Você se tornou um rapaz de alto nível. Será que eu tive alguma participação em seu desenvolvimento como ser humano exemplar?</p><p>–Sim senhor, e obrigado por todo apoio que o senhor me deu. –agradeceu e silenciou-se para recordar de tudo que ele aprendeu com seu mentor Cândido, para então ele chegar até ali diante dos três monumentos que representavam juntos, um ser humano completo em sua essência.</p><p>–Você sabe o que significa o homem com a tocha na mão? –Amaro perguntou.</p><p>–Representa o ser humano esportista. É sempre bom praticar esportes.</p><p>–Faz bem para a saúde do corpo. –Amaro afirmou. –E este com uma pena–caneta na mão?</p><p>–Representa a inteligência daqueles que buscam a evolução intelectual.</p><p>–Isto é fundamental para tornar-nos mais inteligentes. –falou o que era óbvio.</p><p>–Mas à que isso nos leva, senhor Amaro?</p><p>–Tudo bem, eu serei mais claro. Durante um tempo você foi competitivo nos campinhos de futebol, mas não sabia que uma bola de couro seria mais pesada e de menos maciez. Ao chutá-la e machucar o seu dedo do pé, você adquiriu habilidade para dominá-la e chutá-la de modo correto. Ao ler o livro você adquiriu inteligência para compreender os temas da vida.</p><p>Ângelo percebeu que dois homens retiravam do local uma terceira estátua de um homem com a cabeça baixa, olhos fechados e as mãos cruzadas sobre o coração. Lembrou–se do boneco dado à ele em seu aniversário de doze anos.</p><p>–Eu acho que o senhor Cândido deixou ao senhor a missão de me explicar que devemos buscar ainda mais aquilo que aquela terceira estátua representa. –apontou para o lado direito na outra extremidade da sala.</p><p>–Eu não consigo vê-la, filho.</p><p>–Perdão, senhor Amaro. –pediu brandamente. – É que o senhor tateava o rosto da estátua ali agora à pouco. Era o homem de cabeça baixa.</p><p>–Pode ser que não a tenha examinado o suficiente para compreender o significado.</p><p>–Eu sei que o senhor perdeu a visão outra vez. Mas sua audição está em perfeitas condições. Só me responda uma pergunta: o senhor Cândido me deserdou?</p><p>Amaro tentou não demonstrar-se surpreendido diante da pergunta, mas não daria para disfarçar de modo que Ângelo não o decifrasse.</p><p>–Entenda, filho, você se envolveu com as mulheres que foram as causadoras do maior de desgosto que Cândido pôde experimentar nessa vida. Ele deu à você tudo que qualquer garoto queria ter. Mas, você não soube administrar bem os seus privilégios.</p><p>–O senhor Cândido sempre desejou ter um neto. Acontece que, aquelas mulheres podiam ter um filho com o Augusto. Elas podem ter tido filhas, não filhos, e, por isso não foram aceitas.</p><p>–Não é isso. Ele tinha o Augusto. No tocante à herdeiro, sendo homem ou mulher, o Cândido assumirà e darà à ele ou ela todo o direito à seus bens. Eu estive no hospital e vi uma relação de pessoas do sexo feminino, codificada em símbolos da notação musical, para serem inclusos no testamento dele.</p><p>-Não era um testamento. Tratava-se de um escopo de liberação para quem se aventurasse à ir em busca dos elementos que formam o tesouro do rei.</p><p>-E você se fez voluntàrio à essa busca. No entanto, o que você encontrou foram algumas mulheres que simbolizam as desgraças do rei.</p><p>Ângelo respirou olhando para a pintura em relevo da galeria de artes.</p><p>–Eu não posso dizer acertadamente que elas sejam mães de filhos do Augusto. O senhor esteve na casa naquela noite. O senhor Cândido mataria as próprias mães de netos ou netas dele?</p><p>–Cândido me ligou avisando do que aconteceria lá naquela casa. Quando eu cheguei, alguém tocava uma música fúnebre sendo executada por piano. Adormeci na passarela de acesso à entrada da casa. Quando acordei vi aquela mortandade toda. Faltou luz elétrica, mas, eu às toquei... três mulheres e três filhos, todos estavam mortos. Os pais morreram em outras circunstâncias.</p><p>–Obrigado por me dar tamanho esclarecimento, senhor Amaro. Mas, as mulheres que eu às trouxe comigo não podiam continuar desamparadas. Eu as mandei para outra cidade. E prometi que eu encontraria os filhos ou filhas delas.</p><p>-Eu comunicarei à outros de nós e terei uma resposta sobre essa questão. Mas jà adianto à você, que não se preocupe com as tais mulheres.</p><p>-Obrigado, senhor Amaro.</p><p>Ele saía do salão de exposições quando Valdir o viu. O delegado deu duas tapinhas nos ombros de dois homens que falavam com ele e foi ao encontro de Ângelo.</p><p>-Ângelo. –disse ele ao se aproximar.</p><p>Os dois se cumprimentaram de modo desordenado no aperto de mãos.</p><p>-Desculpe-me Valdir, eu não sabia que você havia vindo para Goiânia.</p><p>-Eu me apeguei demais à sua causa e não posso deixar você sozinho nessa.</p><p>-Então saiba que o tempo urge, e eu tenho muito que fazer ainda.</p><p><br /></p><p>Maura chegou com jeito de executiva de multinacional com cabelos presos formando um enorme rabo de cavalo e óculos de lentes de cristal bem transparente, mais para dar-lhe um ar de mulher de negócios do que para enxergar melhor. Ângelo e ela foram para uma mesa afastada do movimento da lanchonete.</p><p>–Bem Ângelo, no que posso te ajudar? –ela perguntou ao se sentar.</p><p>–Bom, primeiro, eu quero te agradecer por ter vindo ao meu encontro.</p><p>–O meu gerente deu boas referências suas. –disse tirando os óculos.</p><p>–Ele é um bom homem. Se você não se importa que eu mude um pouco o rumo de nossa conversa, eu gostaria de dizer que você fica muito bem, com, ou sem os óculos.</p><p>–Não, não me importo, e obrigada. –ela sorriu, e emudeceu.</p><p>–Você me faz lembrar a Vanessa, uma colega de trabalho...</p><p>–Ela também usa óculos?</p><p>–Não, mas é tão bela quanto você. –disse encarando-a.</p><p>–Você é sempre assim agradável, ou será que sou eu quem não me vejo assim tão bela? –perguntou pegando os óculos.</p><p>–Sem respostas. Vamos ao que interessa. –disse se ajeitando na cadeira.</p><p>–Como quiser. Estou à sua disposição. –disse ela pondo os óculos.</p><p>Maura não parecia se importar que a conversa entre os dois tivesse tomado outro rumo, pois, do modo que Ângelo falou, fez com que ela esquecesse que os dois estavam ali para tratar de assuntos sobre apólices de seguros.</p><p>–Eu quero aderir às apólices de seguro de vida. Sou um rapaz que não têm parentes e, eu gostaria de pagar seguros de vida para mim e para algumas pessoas que são muito importantes para mim.</p><p>–Eu posso dar início às adesões. Esse é o meu ramo de trabalho.</p><p>–Eu percebo que você é bem influente.</p><p>–Tento estar à frente dos concorrentes? –falou tirando os óculos.</p><p>–Estou disposto à pagar alto pela segurança dessas pessoas. Como eu jà falei, elas são muito preciosas para mim.</p><p>–Bom, a cobertura terà que ser coletiva por se tratar de algumas pessoas. Dependendo do número de segurados, e do tipo do seguro.</p><p>–Eu quero um modo de seguro que cubra até a queda dos cabelos dessas pessoas se for possível. Sem carência também. Anuidades quitadas de uma só vez. A quantia mensal que eu estou disposto a pagar é o dobro da normal.</p><p>Maura ficou espantada com a proposta dele.</p><p>–Será um custo muito alto para você, e provavelmente a seguradora não conseguirá indenizar o beneficiário no caso de algum sinistro. Desculpe-me por interrompê-lo, mas, quem serão os beneficiados?</p><p>–Eu não quero que tenha nomeações, por enquanto. Mas tudo bem, você já me esclareceu o bastante. Pegue esse bilhete e repense na minha proposta. Você poderá ganhar uma boa comissão se fecharmos um negócio com essa quantidade em dinheiro sendo paga de uma só vez.</p><p>Maura leu o escrito e percebeu que a cifra era muito alta.</p><p>–Ângelo, se um segurado por essa modalidade de seguro de vida vier à sofrer um arranhão sequer na pele, a seguradora irá à bancarrota.</p><p>–E, ela pode entrar com uma investigação minuciosa contra o causador da lesão no segurado?</p><p>–Sim. Esse procedimento é natural e legal a todas elas. E havendo provas de o que o sinistro aconteceu de modo doloso pelo algoz da vítima assegurada, ele terà que arcar com toda a verba indenizatória. E se o culpado por uma simples lesão ou homicídio, for o próprio beneficiado, então ele será preso, e não podendo pagar, os seus parentes em primeiro grau como pai ou mãe, terão que se responsabilizar no lugar dele. Quanto à essa soma exorbitante, é preciso que a segurador tenha até fundo de capital estrangeiro. Tente o banco Safra, o Bradesco, o Itaú...</p><p>–Talvez o tipo de apólice que eu quero seja difícil de conseguir. Tudo bem. Que tal a gente mudar de conversa?</p><p>Antes de responder, ela desabotoou um botão da camisa de seda de cor cinza e ajeitou a calça preta de brim na cintura.</p><p>–Eu gostei desse lugar. Ambientes ao ar livre me deixa mais à vontade.</p><p>–Ainda mais num final de tarde como à esse. –Ângelo emendou.</p><p>Maura sentiu o vento manso que anunciava o cair da noite. Lentamente ela respirava sendo observada por Ângelo.</p><p>–É impressão minha, ou você é uma mulher romântica? –perguntou tocando a mão dela sobre a mesa.</p><p>–Quando estou apaixonada eu sou meio melosa. –disse cruzando a mão dela com a dele.</p><p>E os dois ficaram se olhando como se trocassem carinhos por telepatia.</p><p>–A gente podia sair qualquer noite dessas, pra falar de nós juntos com os meus amigos e as suas amigas. –ele sugeriu. –Eu posso te ligar? –perguntou.</p><p>Antes de responder, ela o beijou brevemente nos lábios.</p><p>–Vou esperar a sua ligação. –disse ela colocando os óculos e se levantando. –Vamos deixar pra outra oportunidade. –O beijou. –Só nós dois ok?</p><p>–Como queira. –disse Ângelo.</p><p>–Prometo à você que vou te ligar pra te dar uma informação.</p><p>–Sobre?</p><p>–A proposta que você me passou, eu a aceito, e você jà pode contar com a cobertura dos seguros à essas pessoas. Eu te ligo para informar o lugar onde eu quero que você vá comigo.</p><p>–Já estou ansioso. Estarei resolvendo outros assuntos e, assim que eu tiver um tempo livre, entrarei em contato com você.</p><p>-Vou estar te esperando.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><span style="white-space: pre;"> </span></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><span style="white-space: pre;"> </span></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Do alpendre de sua cassa, sentado em uma cadeira de fios tipo espaguete, Ângelo observava o vai e vem das pessoas que passavam na rua. Como sempre, acordara bem cedo e depois de preparar um café adoçado com rapadura que ele diz ser mais saudável que o açúcar branco de cana, pôs-se a tomá-lo usando sua caneca esmaltada como recipiente da bebida matinal. Antes desse momento contemplativo, ele jà havia varrido o quintal, estendido algumas peças de roupas no varal e colhido laranjas do seu frutífero pomar do seu quintal.</p><p>Ao se levantar da cama, olhou para o alto e agradeceu ao Deus de sua compreensão por mais um dia de vida concedido à ele. Algumas pessoas que passavam diziam bom dia, Ângelo apenas erguia a caneca em resposta a formalidade. Particularmente, para ele todo cumprimento formal é demonstração de vazio sentimental, mera cordialidade verbalizada. As pessoas que o cumprimentavam o conheciam bem, e algumas delas eram belas mocinhas na sua faixa de idade, dezessete anos. -cumprimento carregado de interesse para namoro.</p><p>Um garoto passou carregando outro na garupa da bicicleta, levando uma bola. Fizeram-no lembrar-se dele com seu Kichutinho puído indo para o campinho de terra para jogar bola com seus amiguinhos. Depois do futebol ele estudava música com o senhor Cândido. O cumprimento de Cândido, sim, tinha sentimento. O aperto de mão, o olhar nos olhos, o convite para sentar e conversar um pouco antes da aula, demonstrando interesse no bem estar do aluno.</p><p>Um casal de jovens parou em frente a sua calçada. Eles discutiam a relação. Pelo tom de voz e a expressão corporal, Ângelo percebeu que o fim do casamento era inevitàvel. Duas vidas que se separavam pelo simples fato de a mulher não concordar em morar na casa dos sogros, o fez tentar lembrar-se de seus pais, mas ele não os conheceu. Nos seus dezessete anos de idade, ele jà tinha visto muitos amigos que vinham e ficavam um pouco de tempo e depois partiam, e outros que vinham e não chegavam à ficar um pouco de tempo e também partiam. Ele se levantou da cadeira e desceu lentamente a avenida e foi visitar o velho barracão. Tudo estava do mesmo jeito. O velho e solitàrio sofá de assento duplo no canto do que ele chamava de sala. A cama de campanha com papelão servidão de colchão, do lado do guarda-roupa manco e sem porta. Sentou no piso queimado à cimento natural e chorou um pranto doloroso ao se lembrar de sua infância solitària, suas noites clareadas à luz de vela, e, às vezes substituída pelos piscantes vaga-lumes que ele os aprisionava por alguns minutos dentro de um pote de vidro para com eles conversar e fazer perguntas sobre como os pequenos insetos adquiriram luz própria, e por que eles não se acendiam durante o dia. -Ah, eu era mais feliz quando me preocupava em fazer perguntas à àquilo que não podia me responder. – pensava com o queixo apoiado nos joelhos, sentado no piso, com as costas escoradas na parede de sua antiga moradia. Escorou a porta de madeirite do barracão e se foi cabisbaixo pela rua em direção ao ponto de ônibus.</p><p>O ônibus não estava muito lotado, e assim, sobravam alguns assentos vazios. Ao lado dele, uma senhora trazia uma criancinha em seu colo, de vez em quando o pequeno garotinho estorvava a leitura, mas Ângelo não se importava em ser interrompido pelo sapequinha que, vez e outra, ele ganhava tapinhas de sua mãe para deixar de ser espoleta.</p><p>Um homem atencioso e delicado passou o lenço em um assentou para sua mulher gestante se sentar. O esposo acariciava a barriga da mulher. Ela sorria, eles se abraçaram felizes. Ângelo também sorriu em silencio diante da cena digna de ser presenciada.</p><p>Uma estação de ràdio noticiava que uma garota de dezessete anos de idade fora encontrada desacordada e com sinais de abuso sexual, nas mediações do Bosque dos buritis. As autoridades investigavam se o crime tinha à ver com outros casos de mulheres que foram encontradas no mesmo estado que mocinha, e não descartavam a possibilidade de existir um criminoso em série que estivesse assombrando a grande Goiânia, jà que as outras vítimas não conseguiam se lembrar de quem as atacou pelo fato de elas terem sido dopadas com uma substância muito usadas por prostitutas e travestis.</p><p>O sol se punha no horizonte e seus últimos raios criavam uma espécie de aurora boreal que deixava as nuvens com cores variadas. Dentro do transporte coletivo, Ângelo seguia para o centro de Goiânia. Ele lia o livro escrito por Candido, no capítulo O findar das ilusões. Sua mente vagava nas lembranças do seu passado repleto de ilusões perdidas. Muitas vezes ele seguiu em busca da realização de seus sonhos, tendo como meta conquistà-los e poder ser feliz. A cada conquista, um novo ideal de vida. E assim ele foi descobrindo que não existiria fim a busca pela felicidade plena, e que ele apenas se iludia com suas conquistas, mas, que elas não eram suficientes para assegurar permanentemente seu estado de ser; feliz.</p><p>Os minutos passavam normalmente. Na opinião dele a noção de passagem de tempo dependia mais da ocasião do momento e do ponto de vista de cada um. Para ele, por exemplo, a passagem das horas, dias, meses e anos, não tinham muita diferença. Jà tinha habituado a rotina. De manhã: levantava cedo e ia para o trabalho. Ao voltar para casa, jantava, dormia, disciplinarmente, dia após dia. Agora ele via sua vida mudada desde que ele traçou seu novo objetivo de vida.</p><p>Tirou um tempo para estar com os amigos e se distrair um pouco.</p><p>A clientela observava a algazarra da Vanessa, a mais bonita, a mais alegre e feliz.</p><p>-Um, dois, três. Viva o Ângelo. Viva!</p><p>Os copos de cervejas foram erguidos, menos o do Ângelo que não bebe, e o de Jorge que ia ter que voltar para casa dirigindo.</p><p>–Eu tenho algo à dizer. –disse Vanessa. –O Ângelo voltou de São Paulo casado com três mulheres. Vamos beber pra comemorar esse feito.</p><p>–Aí... Que tal à gente cantar uma música?</p><p>“É isso aí Ângelo!” Todos concordaram.</p><p>–♪Não posso ficar nem mais um minuto sem você♪–Jorge começou.</p><p>♫Sinto muito amor mais não pode ser. Moro em jaçanã, se eu perder esse trem que sai agora às onze horas, só amanhã de manhã. ♫♫♫</p><p>Enquanto todos cantavam juntos, alguns que ocupavam outras mesas, também os seguiram cantando e batucando em suas mesas.</p><p>–Ângelo, deixa eu te perguntar um negócio. Chega aqui. –Jorge o chamou para um lado. –O que vai rolar aqui hoje?</p><p>–Se vire... Eu vou ficar na minha.</p><p>–È... Mas eu quero ficar na de qualquer uma dessas obras de artes. E eu vou tirar foto.</p><p>–Então chega junto e fotografe...</p><p>–Qual delas é a mais difícil? –perguntou para provar o potencial.</p><p>–Todas. Você trouxe o seu remédio?</p><p>-Trouxe.</p><p>-Entregue-me a sua carteira. Quando você está com dinheiro...</p><p>Jorge sacou a carteira do bolso.</p><p>-Pega, e vê se não gaste tudo, amante interesseira. –brincou ao entregar.</p><p>-É isso aí. –disse embolsando. -Faz o seguinte Jorge, vamos nos sentar antes que elas percebam que estamos falando delas.</p><p>Jorge acatou a ordem do Ângelo e os dois foram se sentar. O Vinícius jà estava de cochicho com uma delas.</p><p>Beleza. As únicas que eu sei os nomes delas são a Clarice e a que está falando ao ouvido do Ângelo. Ela é a Eduarda. Se eu vacilar, a única coisa que vai sobrar pra mim é a conta pra eu pagar. –Vinícius pensou.</p><p>Galerinha animada. Além de serem lindas. –Murilo pensou.</p><p>A Gisele nunca me falou que na empresa dela trabalhasse tanta mulher gostosa assim. E, eu não viria aqui com essas boazudas pra ficar dando bobeira. – Jorge pensou.</p><p>–Aí você de uniforme... –disse Jorge. –todas estavam de uniforme azul e preto. –Você aí de cabelo preso com uma caneta. Qual é o seu nome?</p><p>–Eunice.</p><p>–Será que eu posso me sentar ao seu lado?</p><p>–Claro, vem!</p><p>Ela aceitou abrindo espaço. Jorge ficou entre Eunice e Vinícius que parecia estar mostrando como era que ele mudava à marcha do carro.</p><p>Murilo achava que não iria perder a Eunice para o Jorge, mesmo sabendo que ele era filho do marido da patroa Gisele. Jorge jà havia se apresentado aos dois amigos paulistas, de Ângelo, dizendo à eles que ele era filho do patrão daquelas beldades.</p><p>–O que o Ângelo estava falando de mim pra você Jorge?</p><p>–Nada Eunice.</p><p>–Eu vi vocês dois conversando e olhando para mim.</p><p>–Eu acho que você se enganou. Nós estávamos olhando para todas vocês.</p><p>–Vamos nos sentar mais afastados. –Eunice arrastou a cadeira.</p><p>Jorge fez o mesmo.</p><p>Bebendo um gole de cerveja, Eunice olhava para Ângelo.</p><p>–Ele tà todo se achando. Deve ter te falado alguma coisa sobre eu e ele.</p><p>–Olha, eu não sei o que rolou entre vocês dois...</p><p>–Não rolou nada, mas ele acha que qualquer uma cai na conversa dele. Ele deve estar paquerando a Gisele. Ela vivia chamando ele no escritório dela, e, nem vai descontar os dias que ele deixou de trabalhar. Com certeza os dois têm um caso. Eu não sou boba. –secou o copo e juntou os cabelos jogando-os para tràs.</p><p>Eunice não estava satisfeita. Jorge se corroia por dentro por saber que o seu amigo conquistador podia estar sacaneando o pai dele. Nenhuma das funcionàrias tinha intimidade com ele e não fazia caso de que ele fosse o enteado da patroa Gisele.</p><p>–Você está a fim do Ângelo?</p><p>–Nunca. Eu não gosto de rapaz mulherengo. Aliàs, eu nem sei o que estou fazendo aqui.</p><p>–O Ângelo nunca arrumou garota nenhuma.</p><p>–Você é que pensa. –disse, com a borda do copo no lábio inferior e com o olhar fulminante em Ângelo. –Eu acho que eu vou embora.</p><p>–Mas tà legal a gente aqui conversando, se conhecendo, eu acho que você é que não está num astral legal.</p><p>–Desculpe, é que eu não suporto vê-lo dando em cima da Clarice. Ela está noiva, e ele conhece o noivo dela. Licença, eu preciso falar com o Murilo. A minha prima mora perto da casa dele. –Eunice se levantou para servir-se de mais cerveja e se sentou do lado do Murilo. Jorge ficaria na berlinda se ele não tivesse resolvido voltar para e mesa e ficar sentado na cadeira com o queixo na borda superior do assento e com os peitos grudados no encosto.</p><p>–Clarice, você vai se casar quando? –Ângelo perguntou.</p><p>–Ah Ângelo, nem sei viu! –respondeu colocando o copo na mesa. –Temos um ano e meio de noivado.</p><p>–Ele deve gostar muito de você...</p><p>–Ou então ele tà me enrolando.</p><p>–Eu acho que não Clarice... É que pra nós homens, a responsabilidade é muito grande, então a gente precisa se preparar.</p><p>–Jà namoramos à mais de três anos. Mas eu acho que você está certo. A gente se entende muito bem.</p><p>–Eu torço por vocês dois. O Agnaldo é um cara muito legal.</p><p>–Ele gostou de você... Só me deixou vir à esse bar porque eu falei pra ele que você viria com a gente.</p><p>Ângelo conheceu o noivo da Clarice antes da viagem dele à São Paulo, quando eles almoçavam no refeitório e, Agnaldo foi deixar um buquê de rosas para ela. O gesto fez com que Ângelo percebesse que ele era um noivo apaixonado e seguro do seu sentimento, pois Clarice palitava os dentes apoiando o cotovelo no ombro de Ângelo na ocasião, e Agnaldo foi muito gentil e educado, não demonstrando nenhuma suspeita e tratando–o como se jà fossem velhos conhecidos. Antes de sair disse à Ângelo que ele era um garoto bacana.</p><p>–Ângelo, aquele rapaz da mesa perto da porta está me olhando muito e piscando pra mim.</p><p>–Eu percebi. Por isso eu vim ficar perto de você.</p><p>–Então não saia de perto de mim, por favor, segura em minha mão.</p><p>–O que deu no Alceu, para ele resolver investir em São Paulo? –quis saber Ângelo.</p><p>–O que eu soube foi que o Alceu recebeu proposta de sociedade com um grande escritório de advocacia de lá.</p><p>–Aí, a Gisele pegaria carona. –disse Ângelo.</p><p>Vinícius e Isabela conversavam do outro lado da mesa.</p><p>–Eu sou estudante e estou aproveitando a greve pra me divertir um pouco com os meus amigos. E você, o que você faz, além de trabalhar? –quis saber Vinícius.</p><p>–Eu estou cursando contabilidade. –respondeu Isabela.</p><p>–Então hoje você não foi à faculdade.</p><p>–Eu estudo por correspondência...</p><p>–IUB. Instituto Universal Brasileiro, não é?</p><p>–Isso aí! Como você sabe?</p><p>–Essa forma de cursos faz o maior sucesso lá em Minas Gerais.</p><p>–Você é mineiro? –perguntou enchendo os copos dos dois.</p><p>–Sim. Nasci entre as serras de contagem minas gerais. Contagem.</p><p>–Dizem que goianos e mineiros são meios aparentados.</p><p>–Eu sou louco pra namorar uma goiana.</p><p>–Você jà deve ter namorado muitas, Vinícius!</p><p>–Eu sou meio tímido... Mas vem cá! Você jà namorou um mineirinho?</p><p>–Ainda não. –Isabela respondeu bebendo e olhando de modo suspeito para o rosto dele.</p><p>“Como diz o Ângelo. Tà no papo”. – Vinícius pensou.</p><p>Murilo, o mais malandro de todos os amigos de Ângelo, engambelava Eunice naquele momento.</p><p>–Me empresta a sua mão. –ele pediu, Eunice deu. –Dà vontade de não devolver. Suas unhas parecem porcelana de suíte presidencial. –falou.</p><p>Ela sorriu. Quando Murilo pegou na mão dela, os olhos do Jorge faiscaram.</p><p>–Vamos beber gatinhas! Essa chegou agora. Tà geladinha. –disse Vinícius, de mãos dadas com a Isabela.</p><p>–Um dia eu quero ir à sua casa. –Isabela se ofereceu enquanto Vinícius enchia os copos.</p><p>–É só dizer quando, que eu vou te buscar na empresa.</p><p>–Vocês me dêem licença... Eu acho que eu tô sobrando aqui. O Ângelo tà paquerando a Clarice? Eles estão de mãos dadas. –Vanessa quis saber pra não entrar em disputa com a amiga.</p><p>Mas Ângelo escutou a pergunta dela.</p><p>–Estamos não, Vanessa. Pode chegar. O bicudo jà foi embora.</p><p>Quando o rapaz viu Ângelo dando a mão à Clarice, ele pagou a conta e foi se embora.</p><p>–Ângelo, bebe um pouquinho! –Vanessa ofereceu pondo o copo dela na boca dele.</p><p>–Bebe você um pouco da minha Coca–Cola.</p><p>–Me dà o seu copo. –Vanessa pediu.</p><p>–Aí... Engole... agora vem cá... –Ângelo deu um selinho nos lábios dela. – Pronto. Sua boca fica mais saborosa sem o sabor de cerveja. Diz que não gostou que, eu te dou outro.</p><p>–Foi péssimo. –Vanessa o provocou.</p><p>–Vem cá, sua ingrata insaciàvel.</p><p>–Ih, ó o Ângelo beijando a Diana Prince. –Murilo notou o carinho.</p><p>–Deixe os dois pra lá. E quem te disse que a Vanessa é a mulher maravilha?</p><p>–Ela pode ser o que for. Mas pra mim, a maravilhosa aqui é você, Eunice.</p><p>–Acho bom mesmo.</p><p>Na empresa, Eunice cercava Ângelo por toda parte, e quando ela soube que ele acha a Vanessa o xodozinho dele, Eunice deu um tempo de pegar no pé dele. O negócio dela era entrar em disputa com outras mulheres, Mas teve que pensar duas vezes, pois, a Vanessa era um espetàculo de mulher. Mulher maravilha foi o apelido que Ângelo deu à ela.</p><p>–Ângelo, você tà tendo um relacionamento sério com a Fátima, Darlene e Débora?</p><p>–Sim Vanessa, a nossa amizade é coisa séria.</p><p>–Tomara que não passe disso.</p><p>O clima frio de junho em Goiânia juntamente com as cervejas geladas fazia com que as goianas procurassem um pouco de calor humano. Murilo tratou logo de se servir de agasalho para Eunice abraçando-a e friccionando a mão no braço dela. Ela levava o copo à boca dele. Ele se sentia um pobre rico estando com uma mulher tão bonita como Eunice. Vinícius e Isabela trocavam afagos um pouco mais íntimos. Beijos eram trocados pelos dois. Mineiro e goiana estavam se dando muito bem.</p><p>Jorge não se contentava em ficar entre Clarice e Eduarda sem poder aquecer–se com nenhuma delas.</p><p>–Aí galera, eu vou ter que ir embora. –anunciou se levantando.</p><p>–Qual é Jorge. Fique mais. –Ângelo pediu.</p><p>–Não, eu tô indo nessa. Tchau meninas.</p><p>–“Tchau Jorge” – em uma só voz.</p><p>Ângelo insistiu, e até as colegas pediram para que Jorge ficasse para mais uma rodada que estava longe de ser a saideira, mas ele não considerou os pedidos e se foi. Ângelo analisou o jeito de ele sair procurando a chave do carro, sem saber se andava ou se corria. Um cliente que ali estava, mas que não era amigo de nenhum deles e nem delas, olhou para Ângelo e assoprou. –a morenaça bonita deu um fora nele. –Ângelo apenas deu de ombros.</p><p>-Murilo, vai lá e busca mais uma. –disse Ângelo, e piscou para o amigo.</p><p>Murilo obedeceu de imediato.</p><p>-Eunice, alcance o Jorge e entregue a carteira dele. Faça-me esse favor...</p><p>Eunice não pensou duas vezes.</p><p>-Você fica me devendo essa. –disse ela pegando a carteira e foi-se.</p><p>Vanessa repousou a cabeça no ombro esquerdo de Ângelo e ficou girando o copo de Coca–Cola, vazio sobre a mesa.</p><p>–Vanessa. –disse Ângelo coçando o alto da cabeça dela. –Você faz parte do departamento financeiro...</p><p>–Faço. –disse ela prendendo a longa franja dos cabelos detràs da orelha.</p><p>–Então me diz qual foi a proposta que Alceu recebeu para ir para São Paulo.</p><p>–Ângelo, eu cuido da ordem financeira da empresa da Gisele, mas não posso te responder sobre a proposta recebida pelo Alceu, mas, o senhor Cândido solicitou a presença da Gisele na enfermaria do hospital e, eu tive que ir com ela. O senhor Cândido não falou muito. Apenas nos alertou sobre a busca pela riqueza, contando à nós um trecho de uma espécie de paràbola.</p><p>–Você consegue repeti-la para mim?</p><p>–Ao pé da letra não, mas o que eu entendi foi mais ou menos assim: “As pessoas se puseram à procurar o baú que representava à felicidade. Todos foram pelo caminho pisando e deixando pra tràs as pedras preciosas que eles encontravam por onde passavam, achando que o que importava era encontrar o baú que daria felicidade eterna. Muitos dos que saíram à procurar o baú e o encontraram não podiam apossar–se dele por causa do peso das inúmeras jóias que ele continha. Ao tentarem removê-lo, o baú caiu sobre eles e os soterraram.” Eu entendi que ele se referia à recompensa da ambição. –Vanessa comentou.</p><p>Ângelo massageou sua nuca e assoprou para o ar.</p><p>–O que foi Ângelo, você tem outra interpretação dessa história?</p><p>–Esse foi o primeiro manuscrito que o senhor Cândido mandou que eu o lesse até o fim. É uma longa história contendo mais pàginas do que à Bíblia. Mas é muito bela. Inspiradora e tràgica. Tenebrosa e também brilhante.</p><p>–É, deixe eu te falar. O Alceu soube que você tem ficado muito tempo no escritório dela, com ela. Teve discussão por telefone. Ela me contou que ele estava pensando que vocês dois tinham um caso.</p><p>–O Alceu me conhece e sabe que a Gisele é uma mulher honesta. Eu estive conversando com ela sim, no escritório dela, mas eu apenas à escuto contar suas desventuras e aconselho-a bastante.</p><p>–Ciúmes cegam as pessoas, Ângelo. A Gisele é muito bonita, e convenhamos, o Alceu...</p><p>–Você é linda, eu sou feio, mas não tenho ciúme de você. E você também não sente ciúme de mim.</p><p>–Mas, nós dois não somos namorados e nem casados, espertinho!</p><p>–Mas eu te amo assim mesmo. –disse, trazendo a cabeça de Vanessa de volta ao seu ombro.</p><p>-Ângelo, cadê a Eunice? -Murilo perguntou, com a garrafa de cerveja pairando sobre o tampo da mesa.</p><p>-Jà era. Você perdeu.</p><p>-Pode crer Ângelo. Eu saquei a parada. Você é foda.</p><p>-A propósito, Vanessa, você conhece os sócios do Alceu?</p><p>-Eu conheci os irmãos-sócios dele. A Gisele me falou, que se ela fosse a parteira que realizou os partos na mãe do Alceu, Mathias e Paulo, ela teria cortado as gargantas deles, ao invés do umbigo.</p><p>-Bobagem.</p><p>-Bobagem nada. Quando ela conheceu o Alceu, ele tinha uma amante que trabalhava num consultório de pediatria na Vila Mariana em São Paulo.</p><p>-Vila Mariana... você me passa o endereço dela...</p><p>-Ela veio trabalhar e morar em Goiânia, ao lado do comitê do Alceu.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Com gentileza Valquíria puxou a cadeira para ele e o pediu para se sentar.</p><p>–Você aceita água? –perguntou abrindo a porta do frigobar.</p><p>–Não, muito obrigado.</p><p>–Água. –disse ela enchendo um copo descartável. –É o meu líquido preferido. –e bebeu.</p><p>Ela deu um sorriso para ele. Indo se sentar detrás de sua mesa ela tentava adivinhar o que Ângelo estaria querendo no escritório dela.</p><p>Ele não arriscaria um galanteio mesmo depois de vê-la se insinuando toda para ele daquele jeito e sabendo que ele não teria nada à perder.</p><p>O telefone no lado esquerdo da mesa tocou.</p><p>–Alô, é a doutora Valquíria...</p><p>-O seu filho quer que eu và aí para pegar dinheiro com a doutora e ir comprar um par de tênis...</p><p>-Não Vanuza. Diz para ele que eu não tenho tempo para as amolações dele. Se eu tiver um tempo de sobra, eu comprarei esse par de tênis e levarei para ele... Tà, trinta e nove, eu sei.</p><p>Ângelo à ouvia falar, e decifrava a personalidade dela através do tom e extensão de voz em soprano dela. Ele à considerou, consistente e decidida, pelo menos com pessoas subalternas à ela.</p><p>–Era a empregada. –disse ela devolvendo o telefone ao gancho. –Em que eu posso te ajudar? –ao se sentar Valquíria perguntou, suavizando a expressão facial.</p><p>Ele a analisava, agora por contato visual. O olhar dele fez com que ela o encarasse com uma estranha sensação de estar sendo hipnotizada. Seus olhos verdes, – um detalhe à mais que garantia à ela o título de uma das empresàrias mais bonitas de Goiânia, – emitiram um brilho radiante, antes que as pàlpebras preguiçosamente os escondessem. Estava sentindo todo o corpo arrepiar, e movimentou a cabeça como se estivesse evitando entrar em um transe hipnótico. Então, Ângelo à diagnosticou uma mulher de temperamento regulável e modulável.</p><p>–Tudo que eu preciso saber não será difícil pra que você me revele.</p><p>Valquíria reagiu com naturalidade, se dispondo à dar à ele esclarecimentos de cunho profissional relativo à pediatria. Mas não pôde esconder que ela fora pega de surpresa diante da observação que ele fez: Não será difícil.</p><p>–Eu farei o que estiver ao meu alcance. –disse ela se mostrando pronta para a conversa.</p><p>–Eu não venho falar de mim, mas de uma mulher que você fez o acompanhamento pré–natal dela no ano1965 à1966 em São Paulo.</p><p>–Foram tantos. Eu era uma médica experiente em casos de gravidez de risco e situações delicadas para a gestante e que exigia perícias médicas no tratamento físico e psicológico das pacientes em questão. Seja mais específico.</p><p>–Fátima, a considerada maldita. Mas, você e ela eram amigas de longa data. Com ela eu não consegui obter relatos seguros do que houve naquela noite. Todas as lembranças dela eram esporádicas, e às vezes desconexas, mas, eu não às considerei paranoias pós-parto infeliz em uma noite fatídica.</p><p>À princípio, Valquíria se sentiu perplexa, mas logo uma emoção satisfatória tomou conta da mente dela e a deixou serenamente contente.</p><p>–Alegro-me muito em ter conhecido você e por ter você. –segurando as mãos dele sobre a mesa, ela disse, com voz carinhosa. –Eu conheci Fátima um pouco antes de ela se casar e engravidar. Ela se casou ao concluir o ensino médio, eu fiz faculdade e me formei em ginecologista obstetra, à dois meses de completar 25 anos de idade.</p><p>–Parabéns à você por sua determinação. À propósito, Valquíria. –disse ele chegando mais perto da mesa. –Eu quero entender a razão de o filho ou filha dela ter nascido morto.</p><p>–Eu acompanhei todo o desenvolvimento de uma gravidez tranquila para ela e o bebê. Até hoje eu me pergunto e às vezes eu me responsabilizo pelo que aconteceu. Mas o quadro clínico de Fátima não apresentava debilidade nenhuma, infecções internas, ou qualquer tipo de mà formação fetal, nem deformação ou alteração na anatomia da bolsa amniótica. Na ordem fisiológica, ela passava por uma gestação normal.</p><p>–Você foi avisada de que ela estaria tendo a criança naquela hora da noite?</p><p>–Não. E não fui eu que realizei o parto dela. Ela jà estava na última semana de gravidez, disso eu tinha plena certeza. Só não compreendo o motivo pelo qual ela não ia mais à maternidade. Eu telefonava sempre, mas na casa dela ninguém atendia ao telefone. Pensei até que, ela jà havia dado a luz e se mudado de São Paulo. Aí então, tudo aconteceu... –havia consternação expressada no semblante dela.</p><p>–Não se culpe Valquíria. Na primeira noite dividindo o mesmo teto com ela, nós dois passamos a noite acordados. Fátima me falava à respeito da convivência entre ela, o falecido esposo e uma suposta mulher, a qual ela não sabia dizer se era alguém muito próxima aos dois ou se era uma amante do Augusto. Alguma vez Fátima comentou com você sobre isso?</p><p>–Ela tinha uma empregada que tinha alguns conhecimentos sobre gravidez, e também estava gràvida. Mas, não pense que você possa ser filho da Fátima ou da empregada.</p><p>Ângelo recordou de Amaro dizendo à ele que as crianças estavam mortas. Fátima disse ter ouvido os choros de crianças. Ocorreu na mente de Ângelo a possibilidade de que Fátima estaria sendo levado à acreditar em uma fantasia criada pelo consciente dela que não aceitava a realidade de ter perdido o filho. Porém, ela não disse nada sobre a gravidez de sua empregada.</p><p>–A doutora me falou que sabia que eu não sou o filho de Fátima. Por que tanta certeza?</p><p>–Porque você está vivo e é um rapaz de saúde perfeita. –um sorriso se formou nos lábios dela. –Eu sabia que a concepção embrionária em Fátima não se deu através de relação sexual entre ela e Augusto.</p><p>–Talvez eu seja a criança que foi levada por alguém.</p><p>–Você não é filho da Fátima.</p><p>Ângelo à esquadrinhou.</p><p>–Obrigado por tudo...</p><p>–Espere. -disse ela, impedindo-o de sair.</p><p>Todo sem jeito depois de um beijo frenético recebido dela, Ângelo evitou a ardência de uma preliminar sexual. Porém, Valquíria, ofegante deslizava as mãos no corpo dele enquanto o beijava. Terminando o beijo, Ângelo se pôs ereto, ela também. Em pé, ela colou o corpo dela ao dele e procurava tirar-lhe a camisa. Ele sentia o ar quente do respirar dela e, escutava os suspiros excitados e excitantes que ela dava ao seu ouvido à cada pausa de beijo. Sensações recíprocas. Sentimentos mútuos. Autocontrole dele, de Ângelo.</p><p>-Eu te quero agora! –ela sussurrou. –Você também me quer? –perguntou excitada e beijando-o levemente nos lábios.</p><p>-Valquíria, vamos deixar para um momento mais propício. –disse ele segurando os braços dela. No momento em que ele deu a mão à ela para se despedir dela, ela o puxou e o jogou sobre a mesa com os objetos e materiais de escrita.</p><p>Era nítido o desejo que ela tinha de se entregar à ele sem limitações, mas com jeito, Ângelo ia fazendo com que ela se controlasse e esperasse o momento certo. Valquíria não desistiu e começou à fazer uma cena de sedução infalível. Vagarosamente tirou a camisa, e requebrando ia passando a mão em seu corpo em movimentos lentos. Sensualmente, ela tocava as alças da calcinha vermelha tipo fio dental, prefigurando um striptise.</p><p>-Vem pra mim. Faça de conta que eu sou a sua namoradinha louca pra me perder com você.</p><p>Parado com a mão tateando seus próprios lábios, Ângelo observava a linda mulher se exibindo só para ele ali no escritório. Seu corpo pedia o corpo dela sobre o dele. Talvez os dois fizessem sexo no escritório. Era quase impossível resistir à tentação, vendo aquela mulher sedutora com os cabelos agora soltos caindo sobre seus seios, e a boca de lábios úmidos molhando os dedos de uma mão enquanto a outra deslizava sobre barriga e virilha dela seminua e com ânsia louca de ser toda dele naquele início de manhã.</p><p>-Faça amor comigo agora. –disse ela arredando os objetos para os lados da mesa e se sentando sobre ela. –Vem. –puxou ele e o colocou entre as suas pernas em chamas. Ângelo sentia as mãos dela escalando todo o seu corpo e sua boca beijando-lhe a nuca, orelha e todo o pescoço num desejo louco de ser possuída por ele. Com jeito, ele a pôs em pé e a beijou suavemente.</p><p>-Deixemos para outra hora.</p><p>-Eu te entendo. –disse ela sentando-se e pondo os papeis sobre à mesa.</p><p>-Esteja preparada para responder o que eu vou perguntar à você.</p><p>-Tudo bem, eu estou pronta.</p><p>–Você conheceu Darlene quando vocês estudavam na mesma escola?</p><p>–Sim. Nós nos conhecemos na faculdade, mas por alguma razão, ela também desistiu dos estudos por causa da gravidez. A relação entre nós ia além de simples consultas. Existia entre nós troca de experiências vividas por mulheres que já se conheciam desde o oitavo ano colegial.</p><p>–Foi quando vocês se reencontraram e as quatro formaram o quarteto das amigas que se tornariam mães em breve. –disse afirmativo, sem ao menos pestanejar.</p><p>Valquíria se via descoberta e sem alternativas para escapar das perguntas feitas por Ângelo, que parecia não querer obter as respostas, por ele já às tê-las, antecipadamente.</p><p>–Por que quarteto?</p><p>–Você, Fátima, Darlene e Débora. Elas estudavam no mesmo ano e curso da faculdade e todas vocês engravidaram na mesma época.</p><p>Ela correu os dedos em volta dos lábios como se estivesse corrigindo o batom vermelho morango, e arqueando as sobrancelhas balançou a cabeça em sinal de concordância com o que ele expunha.</p><p>–Quando eu me tornei à médica das três eu também estava gerando o meu primeiro e único filho.</p><p>–Quanto à isso eu já estou ciente.</p><p>–Elas falaram de nós para você?</p><p>–Não. Eu apenas deduzi. Afinal de contas, vocês estudaram juntas. Elas engravidaram e deixaram os estudos, e escolheram fazer o pré-natal com a grande amiga recém-formada. E você disse que entre vocês havia trocas de experiências vividas, e, eu acredito que vocês confidenciavam uma à outra os prós e os contras de uma gravidez.</p><p>Valquíria recostando-se à cadeira ficou em silêncio e digitava o tampo da mesa. Ela estava pasmada. Ângelo acompanhava o dedilhado coordenado feito uma escala diatônica.</p><p>-Me fale do seu filho.</p><p>–O nome dele é Jorge, e você o conhece.</p><p>–Conheço alguns Jorge aqui Goiânia.</p><p>-O Alceu não podia ser o pai do Jorge. O meu filho pode ser o filho do Augusto. Ele era um homem muito conquistador, e... eu acabei caindo na conversa dele também.</p><p>Ângelo preferiu não comentar sobre o que ela o revelou.</p><p>–Você era uma mulher casada na época. Débora, Darlene ou Fátima têm algo à ver com o fim do seu casamento?</p><p>–Acredito que não... oh meu Deus! Na noite que o meu marido se suicidou, ele me culpava de ser infiel à ele e mencionou a nossa empregada na discussão. Eu estava transtornada e não dei atenção ao que ele dizia. Eu pensava que ela tivesse morrido na noite daquela tragédia na casa da Fátima, e que ele só estivesse se sentindo culpado por tudo. Maria. O nome da minha empregada era Maria. Ela trabalhou para Augusto e Fátima também.</p><p>–Esqueça a empregada. Quando foi que seu marido se suicidou?</p><p>–Na noite das mortes dos bebês, o Otero deu um tiro na cabeça dele mesmo.</p><p>–Esse foi o seu primeiro marido. E o segundo?</p><p>Valquíria sentiu todos os seus nervos retesarem ao se dar conta de que ela estava sendo interrogada por alguém que parecia ter conhecimento de toda sua vida pregressa. Cruzou os braços em x, pressionou os ombros com as próprias mãos, e de seus lábios espremidos escapou um gemido comprimido. Ela começava à entrar em histeria, mas antes do descontrole total, responderia a pergunta.</p><p>–Ai, Ângelo! –disse ela pressionando as fontes do rosto. –Você me deixa perdida com as minhas próprias ideias. –assoprou para cima e o encarou. –Foi o Norato. Alguém o matou com um tiro e o jogou numa vala na beira da Via anhanguera. Ele foi assassinado na noite em que aconteciam as mortes dos bebês na casa da Fátima. –disse aos berros, tirando a camisa para com ela cobrir o rosto. Da cintura ao pescoço de Valquíria, tudo ficou à mostra. No vínculo entre os seios empinados dela de anatomia quase cônica, Ângelo pôde ver uma pequena marca esverdeada como se houvesse sido tatuada na pele. Ele à tocou com a ponto do dedo circulando-a com suavidade. Aos poucos Valquíria foi recuperando a serenidade e conseguindo restabelecer-se tranquila e emocionalmente equilibrada. O toque dele à levou da agonia à excitação. –O que você tem que me deixa assim? –perguntou aparentemente excitada.</p><p>–Desculpe-me por eu ter deixado você em situações tão extremas.</p><p>–Você acha que eu corro perigo de uma delas me matar?</p><p>–Vamos raciocinar. Para eles terem se separado de você, eles teriam de estar cientes de que o seu filho não era filho do Augusto...</p><p>–Então, eles se casaram com as duas mulheres.</p><p>–Isso, Valquíria, estamos chegando lá. Darlene se casou com o seu primeiro ex. Débora se casou com o segundo. O que aconteceu foi o seguinte: Quando Otero e Norato descobriram que as suas respectivas mulheres não eram mães de filhos do Augusto, eles às deixaram. Só que, ao final eles descobriram que nenhuma e nem outra, teve a criança do Augusto. Então concluíram que seria você a mãe, e as mortes começaram.</p><p>Valquíria vestiu-se e sentou para correlacionar melhor uma coisa com outra.</p><p>–Ângelo. –disse ela estalando os dedos das duas mãos. –O primeiro com quem eu me casei foi com o Otero. Norato o matou para se casar comigo...</p><p>–Não, Valquíria. Ele morreu na mesma noite que o Otero morreu. –disse ele se sentando no outro lado da mesa. –Agora me diz com sinceridade. Você teve outro marido que possa ter sido ele o assassino do Otero e do Nonato?</p><p>Ela titubeou por alguns segundos, abotoou a blusa até ao pescoço e correu as mãos nos cabelos. Estava temerosa. Ângelo segurou nas mãos dela para assim transmitir confiança à ela.</p><p>–Pode falar. Eu sei que você é uma mulher muito cobiçada, e ninguém perderia a oportunidade de ter você como mulher. Pra ser sincero, eu não perderia a chance. Mas o que estou passando nesses últimos dias tem me deixado um pouco frígido.</p><p>Ela fez cara de lamentação.</p><p>–Sim, Ângelo, eu tive outro marido. Antes de Otero e Norato. Era o Ferreira. Alguém o apunhalou pelas costas e botou fogo na casa onde nós morávamos em 1966. Eu não estava lá naquela hora. Todos eles tinham caso com outras mulheres.</p><p>–Se ele morreu antes de Otero e Norato, não seria ele que mataria os dois. Valquíria, o senhor Cândido nunca quis que eu fizesse teste de sangue porque ele espera que quem o fizer estará sendo induzido por alguém que tenha envolvimento com a tragédia na casa do Augusto e Fátima. Não havendo feito teste de comprovação da paternidade, um serei herdeiro de tudo que o senhor Cândido possui, e, o seu filho receberá a parte dele. Portanto, não faça teste de sangue do Jorge, senão, você será levada à prisão e o seu filho perderá tudo.</p><p>–Ah meu Deus! É por isso que o Alceu o tirou de mim.<span style="white-space: pre;"> </span></p><p>–Eu já não estou nem ligando para os bens do senhor Cândido.</p><p>Valquíria se levantou num rompante e foi desabotoando a blusa mais uma vez.</p><p>–Se você quiser, a gente faz amor sem que ninguém saiba. Você pode usar preservativo. –disse puxando a cabeça dele para os seios dela. –Passe o dia comigo aqui no meu escritório. Eu preciso de alguém que me ajude a estabelecer um raciocínio mais claro sobre tudo isso...</p><p>–Conte comigo. –disse levando a mão direita à nuca dela, trazendo a boca dela à dele, e a beijou.</p><p>–Gostoso! Você podia ter um tempinho só pra nós dois. –sugeriu depois do frenesi do beijo. –Eu soube que uma menina pode também ser neta do senhor Cândido.</p><p>–Pensaremos nisto depois. </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p>Vanessa entregou à Ângelo um bilhete. O bilhete dizia que era para ele ir se encontrar com Paulo em um escritório na Avenida Araguaia. Abraçado à Bianca, Ângelo seguia andando lentamente pelo calçadão. Pelo caminho ele ia pensando no que estava acontecendo entre os dois. Ele não tinha nenhuma vontade de namorá-la, mesmo ela sendo uma garota legal e bem bonita, porque na verdade, todas as garotas e mulheres mais experientes que ele se relacionou, nenhuma delas despertou nele o desejo de se envolver em uma relação mais séria. Se existia uma garota a qual Ângelo queria que fosse a sua namorada, com certeza não seria Bianca.</p><p>–Ângelo. –disse ela parando e encostando à uma parede de uma loja. Ainda está longe? –perguntou puxando-o para abraçá-lo. –Vem cá. Abraça-me. –pediu sussurrando.</p><p>As pessoas que passavam na calçada naquele momento tiveram que desviar-se de Ângelo que estava com o braço esticado e as mãos sendo puxadas por Bianca, querendo que ele colasse o corpo dele ao dela.</p><p>Ele hesitava em abraçá-la.</p><p>Os pedestres os olhavam com estranheza, talvez pelo estilo de Bianca em um suéter colorido em vermelho e preto, amarrado à cintura, em contraste com o estilo de Ângelo que calçava tênis, calça jeans e camisa de algodão branca com gola pólo. Ângelo a abraçou e escondeu seu rosto entre o pescoço e o ombro dela, deixando que os cabelos dela escondesse seu rosto. Ela acariciava com as mãos os cabelos dele. Ângelo sentia seu corpo arrepiar novamente ao lembrar-se das palavras de Cândido ensinando a ele como reconhecer e lidar com situações iguais aquela.</p><p>–Vamos, Bianca. –disse ele desfazendo o abraço.</p><p>-Ainda falta muito pra gente chegar? –perguntou, segurando a mão dela.</p><p>–Não. É a terceira sala ali ó! –ele apontou com a mão desocupada.</p><p>Eles andaram mais alguns metros e chegaram ao comitê do candidato. Os dois entraram na sala que era mobiliada apenas por um banco preto de três assentos individuais, alguns cartazes estampando o rosto do candidato, um bebedouro d’água ao canto da sala e uma mesa de fórmica e metal próxima ao bebedouro no final da sala. Atrás da mesa um homem forte, alto e branco, ocupava uma cadeira de bar tipo abre e fecha de ferro e lata pintada de vermelho. Ângelo jà o conhecia, pois, era Paulo, o cunhado de sua patroa. Só não entendia o porquê da presença dele ali e nem pelo qual motivo ele o olhou com desprezo. Ângelo prestou serviços voluntários à Alceu, irmão dele, ainda que indiretamente, por ter firmado compromisso de cooperação entre os dois, através do contato entre eles, ter sido Vanessa, a secretária da empresa de transportes aéreos onde Ângelo trabalhava.</p><p>–Boa tarde. –disse Ângelo ao se aproximar.</p><p>–Boa tarde. Você deve ser o Ângelo. –confirmou, pegando uma folha debaixo de uma madeirinha redonda com um pedaço de ferro fino e pontiagudo espetada na madeira.</p><p>Ângelo não gostou do modo que ele olhou para as pernas de Bianca.</p><p>–E ela, quem é?</p><p>–Ela é minha acompanhante.</p><p>–Qual é o seu nome princesa? –o sujeito perguntou.</p><p>–O nome dela é Cassandra. –mentiu. –Mas pra que você quer saber o nome dela, se quem foi chamado aqui sou eu? –vociferou irado, encarando Paulo. Bianca segurou no braço e no ombro de Ângelo, ficou calada.</p><p>Paulo se levantou da cadeira espalmando as mãos sobre a mesa, tomando fôlego para dizer alguma coisa.</p><p>–Olha aqui Ângelo...</p><p>–Olha aqui o caramba. Qual é a sua? Você sabe que sou eu quem foi chamado aqui.</p><p>–Por favor, Ângelo. –Bianca pediu entrando na frente dele.</p><p>–O caramba, Bianca. –confessou o nome. –Senta ali naquele banco. –ordenou pegando-a pelos braços, fazendo-a se sentar.</p><p>–Se acalma Ângelo. Você está nervoso atoa. –disse, ajeitando a madeira com o espeto sobre as folhas de papel.</p><p>–Solta essa merda aí.</p><p>Ângelo tirou da mão do sujeito, a madeira com o espeto.</p><p>–Seu pilantra safado. Eu te conheço.</p><p>–Ângelo, vamos embora daqui. –disse Bianca apavorada.</p><p>–Os seus pais não te deram educação?</p><p>Foi como se ele tivesse cravado um punhal no coração de Ângelo.</p><p>–Opa, opa. O que tà acontecendo aqui? –Alceu quis saber. –Boa tarde, Ângelo. Boa tarde, garota. Parece que está havendo um desentendimento entre vocês.</p><p>–Você é um covarde Alceu.</p><p>Paulo não disse mais nada e se sentou novamente pegando os papéis demonstrando descontrole nas reações psicomotoras. Estava confuso sem saber se ajuntava os papéis, ajeitava a cadeira ou se levantava.</p><p>–Se acalma Ângelo. Você é o rapaz que a Vanessa o indicou à mim, não é? –perguntou segurando nos ombros dele.</p><p>Ângelo não disse nada. Ele estava muito nervoso.</p><p>–Alceu, ele está levando as coisas para o lado pessoal...</p><p>–Tudo bem, pode se sentar aí Paulo. –ordenou gesticulando com a mão. –Ângelo, venha comigo.</p><p>O ambiente bem iluminado por lâmpadas fluorescentes no teto de pé direito alto. Uma mesa de leitura particular, com uma luminária de pedestal curvado para o tampo. Todos os móveis são de cor ocre. Contava também com um barzinho abarrotado de bebidas destiladas. Jogos de sofás encostados às paredes e uma mesa quadrada com seis assentos almofadados com tachas douradas nas bordas laterais dos encostos. O dono do lugar é Alceu Vidigal, o bonachão do ramo de empresarial.</p><p>Pondo-se ereto sobre a cadeira, Alceu exporia o parecer dele em relação aos rumores de que Ângelo poderia estar tendo um caso com Gisele.</p><p>-Eu sei que a Gisele não teria coragem de me trocar por você. E acho também, que você não faria uma coisa dessas comigo. Mas, eu não confio no sentimento dela por mim. Ela agora cismou que é evangélica e até disse ter se batizado na igreja do Mathias, pelo Mathias, o pastor evangélico.</p><p>-Sério, Alceu, quando?</p><p>-Anteontem.</p><p>-Eu também, quase me perdi com uma evangélica.</p><p>Alceu fez uma carranca, desconfiado, e correu os olhos por toda a sala, sentido o desconforto causado pela informação recebida.</p><p>Ângelo conteve o riso para não perder a postura intransigente.</p><p>-A Darlene, sua nova empregada, me contou que você tem se declarado para ela.</p><p>-Ângelo, você tem que entender como as coisas funcionam. Ajude-me com o meu relacionamento com ela. Eu sei que o que faço ainda é pouco para agradà-la. Mas eu quero que você seja o meu porta-voz para com ela. Eu me apaixonei por ela. O Paulo me contou sobre o seu poder de influenciar as pessoas.</p><p>Ângelo desdenhou.</p><p>-Se você à quer, será preciso que dê à ela a certeza de que você é um homem saudável. Uma mulher precisa se sentir segura em relação a sexo. Eu provei à ela, que eu tenho boa saúde, através desses exames médicos.</p><p>Alceu assimilou bem a sugestão.</p><p>-Amanhã mesmo eu estarei num laboratório médico.</p><p>-Sabe o que eu tenho estranhado Alceu? –Ângelo perguntou pondo os cotovelos na mesa e cruzando as mãos.</p><p>-Não sei. - Alceu respondeu movendo os ombros para cima.</p><p>-Eu acho que você e os seus apoiadores estão me retalhando. Os meus amigos perderam as vagas de empregos porque eles foram denunciados como sendo os autores de roubo em um supermercado de um de seus apoiadores. Você é muito desconfiado. Até de mim com a sua mulher, que você mantém em segredo o seu casamento com ela, você desconfia. E agora me pede para ser o pombo correio entre você e Darlene.</p><p>Alceu se viu forçado à admitir que realmente ele não pusesse a mão no fogo por Gisele. Desde que Ângelo começou à trabalhar na empresa dela, ela passara à não ter relações sexuais com ele e também o tratava com indiferença.</p><p>-O Amaro me falou que você exigiu que eu providenciasse toda a minha documentação pessoal e de minha empresa para que você se sina mais seguro em relação às cláusulas contratual referente à Darlene.</p><p>-E?</p><p>-Jà estão nas mãos de minha nova funcionária... com a sua aprovação, é claro.</p><p>-Eu jà estou indo. –disse Ângelo se levantando.</p><p>-Você não vai esperar o meu parceiro Mathias?</p><p>-Diz à ele que eu estou fora. E, tome cuidado com o seu modo de conquistar uma mulher. –e foi saindo.</p><p>Ângelo não estava feliz com os últimos acontecimentos. Dois anos antes, ele levou alguns dias para terminar com a empreitada de ficar nos sinaleiros das ruas distribuindo panfletos da empresa do Alceu, mas ele não estava contente com o descumprimento da promessa do empresário que o garantiu melhor as condições de trabalhos à seus ex-colegas engraxates. Alceu entregou aos engraxates, os uniformes e as caixas de graxas e mandou instalar algumas enormes caixas de fibras, todas elas vermelhas e fixadas no calçadão da Avenida Goiás.</p><p>Chegando à porta, um homem alto, branco, de rosto anguloso e nariz fino se pôs à frente. Ele tinha um olhar expressivo e um sorriso dental se formou na boca de lábios tão espessos quanto às bordas de suas narinas bem finas.</p><p>-Jovem Ângelo. –disse Mathias estendendo a mão à ele. –Fique mais para conversarmos sobre nossos planos.</p><p>O aperto de mãos entre os dois foi frouxo, e, Mathias olhava para Alceu sentado no mesmo lugar. Ângelo fez um gesto indicando que Mathias tomasse a frente em direção à mesa. Nesse intervalo, ele, indo atrás de Mathias, não deixou de notar pelas costas os ombros caídos dele. Aquela deformidade física não teria sido pelo peso da obra de Deus que, Mathias, para Ângelo, não parecia carregà-la sobre seus ombros.</p><p>Ao se sentarem, Mathias começaria a conversa.</p><p>-A Débora foi ter comigo assim que eu voltei da igreja em Catalão. Conversamos à respeito do fim do nosso noivado e chegamos à conclusão de que será melhor assim.</p><p>Ângelo considerou a questão um tanto quanto fora da alçada dele, jà que a pessoa em questão não estava presente ali e também não estaria mais sendo a noiva do pastor.</p><p>-Eu o agradeço pela compreensão de sua parte. Mas, eu e ela estamos em fase de adaptação e adequação à ideia de sermos parentes em primeiro grau.</p><p>-Você se sairá bem ela. Afinal de contas, você e ela já passaram nos primeiros testes de convivência até para casamento.</p><p>-Você a conhece melhor do que eu, Mathias. Ainda sou neófito em termos de relacionamento amoroso.</p><p>Houve uma pausa para as primeiras considerações do que fora dito pelos dois. Alceu se mantinha calado e neutro no seu lugar. Ele sabia do que estaria em jogo ali, e qual dos dois estaria ganhando ou perdendo com a troca. Ele conhecia bem à Débora, portanto, sabia que seu irmão deixaria escapar um espetáculo de mulher.</p><p>Mathias admitia que Débora fosse uma mulher e tanto e, ele não acreditava que Ângelo tivesse perdido a oportunidade de conhecer as preciosidades dela escondidas dentro dos vestuários sempre decentes e modestos que ela usava. Mas, ainda cria que Ângelo teria que ser um grande conversor de estados psicológicos para conseguir mudar a cabeça de uma mulher traumatizada e convertida de que homem nenhum mereceria o amor, o respeito e a confiança dela.</p><p>-Bom Ângelo, eu não tenho muito que dizer da relação de vocês dois. Só estou aqui para contar com a sua ajuda à uma causa direcionada aos jovens e adolescentes daqui de Goiânia, que nós podemos fazer com que eles não vão para o mundo das drogas. Eu sei que você não tem religião definidas, e talvez não creia no poder de Deus, mas a igreja é o melhor caminho. –Mathias propôs e o prejulgou, com aquele ar de quem assumisse o lugar de juiz para condenar seus fiéis por um deslize cometido contra estatutos e doutrinas de sua própria igreja.</p><p>Ângelo se ajeitou na cadeira para com naturalidade expressar sua opinião.</p><p>-Mathias. -disse ele estalando os dedos. -Uma mulher foi levada para dar a luz em uma ilha onde não havia viventes humanos. Quando a criança nasceu ela foi deixada sozinha sem a presença da mãe ou de qualquer ser humano. A criança foi sobrevivendo e quando alcançou maturidade para distinguir o certo e errado, o valor de tudo ao redor dela ali naquela ilha, ela descobriu que não teria sido ela que fez a àgua do oceano que a cercava. A terra seca que ela pisava, o ar que fornecia a ela o fôlego de vida, e nem o fogo que ela conseguiu obter de uma forma ou de outra, para fazer bom uso dele. Então, ela concluiu que alguém teria sido o criador de tudo que existia ali à sua volta...</p><p>-Deus. –Mathias antecipou a concluiu. -Ela sabia que foi Deus, pai de nosso senhor Jesus Cristo.</p><p>Alceu espremeu os lábios e arregalou os olhos revelando que ele estava perdido na metáfora, mas arriscaria alguns palpites.</p><p>-O Deus de Maomé, Hindu, Judeu, Confúcio...</p><p>Ângelo meneou a cabeça negativamente.</p><p>-Não teve ninguém que tivesse ido à ilha para convertê-la à nenhuma dessas religiões. Ela descobriu que existia um ser superior que criou todas as coisas e deu à ela noção do que fosse certo e errado. E mostrou-lhe o caminho do bem o do mal. Portanto, Mathias, não me julgue de ser um ateu, pois eu não o sou. Agora me responda como você se sentirá se eu for o filho de Débora?</p><p>Foi a vez de Mathias afrouxar a gravata e se acomodar melhor na cadeira.</p><p>-Ela tem trinta e oito anos. Poderá ser uma boa mãe para você, ou sua esposa.</p><p>Ângelo deixou transparecer que o sangue dele efervesceu em suas veias.</p><p>-Você agora tem uma nova fiel na membresia de sua igreja. –disse para intrometê-los em rixas.</p><p>-De quem você está falando?</p><p>Alceu bateu forte a mão na mesa e se levantou.</p><p>-Ora, Mathias, ele está falando da Gisele, a ateia recém-convertida que receberà o batismo nas águas da igreja que você aprisiona as ovelhinhas desgarradas. –Alceu falou enérgico e voltou à se sentar.</p><p>Mathias manteve-se calmo. Ele nunca viu na igreja a mulher de seu sócio e irmão de sangue.</p><p>-Voltando a nossa conversa. –disse ele baixando o olhar para o tampo da mesa. -Eu quero contar com a sua boa vontade em me ajudar à levantar fundos para pôr em prática o meu projeto de evangelização em massa. Posso contar com o seu apoio?</p><p>-Tudo à seu tempo, pastor Mathias.</p><p>-A Débora jà está com formulários jà preenchidos com todos os nossos dados pessoais e registrados em cartórios como você exigiu como garantia de nossas palavras. –assegurou Mathias.</p><p>-Eu já havia me esquecido desse detalhe. –disse se levantando. -Estou indo senhores. –Ângelo anunciou a partida e saiu.</p><p>Alceu apontou o dedo indicador para Mathias, de modo ameaçador.</p><p>-A nossa parceria termina após à festa de pré-cerimônia das apresentações dos herdeiros. Mas, eu já vou logo te alertando. Não tente me passar para trás.</p><p>Passando pelo homem que Ângelo havia discutido com ele minutos antes, Ângelo tirou de dentro da camisa um envelope com diagnósticos médicos.</p><p>-Paulo, eu quero te deixar bem claro que eu ainda sou virgem em termos sexuais, e para te provar eu trouxe o resultado do meu último exame. –entregou a ele conferir o resultado. –Outro fato, é que a Fátima sua nova secretária, é uma mulher em pleno vigor sexual e já não suporta mais a vontade de fazer sexo com um homem de verdade que possa saciar a vontade dela, mas eu nunca à olhei com malícia, como você fez agora há pouco com a Bianca. Aí você poderá dizer que eu não perdi a virgindade com ela porque acho que ela seja a minha mãe. Mas, leia o tipo sanguíneo dela e do meu.</p><p>Paulo correu o dedo até os pontos indicativos dos tipos sanguíneos dos dois, e os lendo descobriu que ambos eram raros, porém, sem nenhuma compatibilidade genética que pudesse comprovar que Ângelo fosse filho de Fátima.</p><p>-Realmente, não há dúvida de que vocês dois não tem nenhum parentesco.</p><p>-Disso eu tenho certeza desde o dia que eu a conheci. Mas há outra informação nos exames dela, que você não conferiu. Fátima possui uma anomalia rara chamada de gene da procriação. Isso quer dizer que se eu tivesse feito sexo com ela uma única vez, seria o suficiente para engravidá-la.</p><p>Paulo moveu a cabeça para os lados e fez cara de quem estaria diante de um mancebo ingênuo. Rindo ele colocou os papeis dentro do envelope e o devolveu à Ângelo.</p><p>-Basta usar camisinha, garoto. –disse ele ajeitando a calça na virilha.</p><p>Ângelo pensava, considerando o conselho.</p><p>-Eu não havia pensado nisso.</p><p>Paulo arranhou a garganta, ergueu os ombros estendendo as mãos de palmas para cima.</p><p>-Eu só quis te ajudar com a sua virgindade.</p><p>-Fique longe de mim e da Bianca. –Ângelo o alertou e se foi.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> Terceira parte - Morte dos homens</p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>O outono estava em seu meio ciclo e as folhas das árvores despencavam dos galhos. Ângelo tirou o dia de sábado para subir no telhado e fazer a limpeza das calhas coletoras de água da chuva. No finalzinho da tarde, vestido de camiseta cavada da cor de cenoura e uma bermuda Jeans, pôs mãos à obra.</p><p>Do alto do telhado ele olhava o tráfego dos carros nas ruas, a movimentação rápida dos pedestres nas calçadas. Paralisou o olhar em um garoto que corria atrás de outro para que fosse dividido com ele um saquinho de refresco. Havendo torcido e partido o saquinho de suco congelado, cada um com a sua parte atravessaram a avenida, contentes.</p><p>A cena trouxe-lhe lembranças de sua infância, de quando ele era engraxate, e os colegas mais velhos e maiores não deixavam que ninguém encostasse as mãos nele de modo violento. Mas, sempre era Ângelo quem dava um jeito de descolar um lanche para a turma toda. O Supermercado Cobal era um dos muitos locais comerciais do gênero alimentício, que ele conseguia ganhar pães de forma, presunto, muçarela e alguns salsichões defumados para variar o cardápio. “come aí, seus jogadô de barai. – e jogava a sacola cheia de comestíveis no centro da roda onde seus amigos jogavam cartas, apostado. – Eu vô ganhar uns litros de leite Gogó agora e traço procês.” – trago para vocês, Ângelo. – o estudioso da turma o corrigia com educação.</p><p>Minutos depois ele desceu do telhado e catou as folhas do quintal. Embora a casa pertencesse a ele, e as três mulheres morassem nela também, era ele que se encarregaria de dar fim às folhas que se esparramava pelo piso todo cimentado do quintal. Ele juntou as folhas em montes separados, Fátima cuidou de atear fogo só para ver as labaredas ardendo e não ser preciso que ela usasse o carrinho de mão para levá-las ensacadas para frente do quintal.</p><p>–Ângelo, eu não vou carregar lixo em carrinho de mão nenhum. Logo eu que você diz que eu sou linda e maravilhosa. Não vou empurrar carrinho com sacos pretos cheios de folhas.</p><p>–O que tem se você se sujar? –perguntou escorando ao rastelo. –Os ricos de beleza também sofrem.</p><p>-Cadê a Débora e a Darlene?</p><p>-Débora está na igreja. A Darlene deve estar voando pela cidade. Sobrou-me apenas você.</p><p>–Olha só a cor do meu vestido. Era amarelo, ficou vermelho de sujeira. Se jà terminamos, então vamos para dentro. Eu vou tomar banho e me trocar.</p><p>–Espera. –disse ele segurando no braço dela.</p><p>–Fala, meu príncipe. –chegou o rosto bem próximo ao dele.</p><p>Ângelo olhou com muita atenção os traços e o aspecto daquele rosto bonito.</p><p>–Eu jà sei. Você quer saber se eu estou tomando o chá de limão sem açúcar.</p><p>–Eu ia perguntar, mas jà deu pra eu perceber que você continua linda, maravilhosa e saudável.</p><p>–Obrigadinho, meu docinho! –Fátima falou com o nariz dela riçando ao dele. –O médico disse que eu estou ótima. Daquela maldita doença eu não morro.</p><p>–Acho bom. Agora vamos nos banhar.</p><p>Fátima montou nas costas dele e o fez de cavalinho.</p><p>Seria demorado o banho de Fátima, pois, ela tinha algo à fazer além do banho. Coisas de uma mulher em abstenção de prazeres que se obtém através de intimidades entre um homem e uma mulher. Só de toalha enrolada no corpo ela foi à porta do banheiro onde Ângelo estava.</p><p>–Rodrigô. –falou, manhosa. –O que você está fazendo?</p><p>–Escovando os dentes.</p><p>–Então abra a porta.</p><p>Abriu.</p><p>–Vai vestir roupa, sua imoral. –disse ele ao vê-la enrolada à toalha cor de rosa.</p><p>–Me deixe fazer uma pergunta, primeiro.</p><p>–Faz. –permitiu chacoalhando a escova e abrindo o armarinho.</p><p>–Sabe o que é? –ela iniciou com as duas mãos unidas entre as pernas.</p><p>–Pergunte logo Fátima. Eu até imagino o que será. –disse ele, colocando o cotovelo no portal, a mão na orelha direita, esperando a indagação.</p><p>–Você se masturba? Não minta. –falou acochando mais as mãos entre as pernas.</p><p>– Fátima, mas que pergunta,... dà licença viu!</p><p>–Ai Ângelo, é que eu quero saber se é errado ou pecado fazer isso. Eu ando com muita vontade daquilo. Tem noites que eu nem consigo dormir direito. –confessou chacoalhando as mãos.</p><p>Sem responder, Ângelo seguiu para o quarto dele. Fátima o acompanhou.</p><p>–Vire para lá. Eu vou me vestir. –disse ele abrindo a porta do seu guarda roupa.</p><p>–Vai Ângelo, me responda!</p><p>Após vestir a calça Jeans, ele ficou reparando o corpo dela, antes de vestir a camiseta.</p><p>–Jà terminou?</p><p>–Falta a camiseta. Espere aí. –e continuou a observá-la.</p><p>Fátima, um corpo escultural, com cintura proporcional à largura do seu quadril não muito alargado, definindo bem suas nádegas arredondadas, arrebitadas e rígidas, nem parecia que depois de sua viuvez ela havia se tornado uma mulher de programas.</p><p>–Você está é me cobiçando pelas costas.</p><p>–Pode se virar, eu jà terminei.</p><p>Ela virou–se, sapateando e agitando as mãos.</p><p>–Então, me responda de uma vez. Você se masturba ou não?</p><p>–Fátima. –disse ele cruzando os braços. –Você teria coragem de fazer sexo comigo aqui e agora nessa cama?</p><p>A primeira reação dela diante da pergunta foi rir. Em seguida levou as mãos à boca e arregalou os olhos.</p><p>–Ah Ângelo! –disse se sentando na cama. –Que loucura! Você está falando sério?</p><p>–Vamos, responde. –falou sério.</p><p>–Meu Deus! –ela exclamou balançando a cabeça para um lado e outro bem devagar. –Ângelo eu... – cortou a fala e foi parar na escrivaninha. Com as mãos espalmadas no tampo da escrivaninha, Fátima continuava sem saber o que responder. Certo era que ela faria sexo com ele dentro da velha casa quando os dois se conheceram. E assim que ela tornou–se a moradora da casa dele, por duas noites ela se imaginou dormindo com ele. Mas, e agora?</p><p>–Tà bom Ângelo. – disse ela em fim, se pondo de frente à ele. –Você sabe da minha situação...</p><p>–Sei perfeitamente. –afirmou sério.</p><p>Fátima expirou o ar e depois o soltou de uma vez para em seguida responder.</p><p>–Eu tenho coragem sim de ir pra cama com você. Pronto confessei. –foi como um desabafo, mas ao mesmo tempo constrangedor para ela. Às vezes, ela se via à ponto de insistir que Ângelo ficasse para dormir com ela no quarto dela, mas como lhe doía a consciência por tal pretensão. Fátima nutria um sentimento mesclado de amor afetivo e gratidão por tudo que ele fez e ainda estava fazendo por ela. Ainda com jeito de quem disse o que não deveria ter dito, Fátima esperava o resultado por ela ter revelado o que ela relutava em não externar à Ângelo.</p><p>–Oh Fátima, vem cá! Abrace-me. –pediu compadecido abrindo os braços.</p><p>–Você estava me testando. – o abraçou. –Eu caí na tentação e pequei. – a voz dela soou lamuriante.</p><p>–Não Fátima. Você apenas cederia aos seus desejos mais íntimos. Eu acredito que ninguém te condenaria por ter cometido o ato sexual com alguém que de livre e espontânea vontade concordou em cometê-lo com você. Nós somos solteiro, e, isso só implicaria à nós dois.</p><p>–E sobre a masturbação. Será que eu posso? Eu fui católica e nunca traí o Augusto.</p><p>–Na bíblia está escrito assim: confesse suas faltas ao senhor. Se você disser à alguém, pode ser que esse alguém te condene ou tire proveito da sua situação. Eu só sei dizer que se for pra eu fazer sexo forçado com qualquer mulher que seja, é preferível que eu me masturbe.</p><p>–E quanto à nós dois de agora em diante? –a voz saiu abafada porque ela ainda estava com o rosto entre o ombro e o pescoço dele.</p><p>Ângelo pensou por um instante em o que dizer à ela sem deixá-la ainda mais entristecida.</p><p>–Eu posso ser sincero com você? –perguntou tocando os cabelos dela.</p><p>–Pode.</p><p>Ele arranhou a garganta antes de dizer.</p><p>–Eu jà me satisfiz sexualmente fantasiando à nós dois.</p><p>Ao ouvi-lo, Fátima se afastou um pouco e se escorou à parede do quarto.</p><p>–Ângelo, seu mentiroso...</p><p>Ele saiu correndo para a sala, ela o alcançou e o cobriu de tapas, sobre o sofá.</p><p>–Você me paga, seu bobo. –disse ela apertando a toalha à cima dos seios.</p><p>–Vai vestir roupa, senão, eu tiro a minha e te arranco a toalha...</p><p>–Você não teria coragem. –afirmou se sentando de lado no colo dele.</p><p>Seus rostos ficaram frente à frente um ao outro. Ângelo enlaçou os braços à cintura dela. Fátima segurou o rosto dele com as duas mãos e o beijou carinhosamente na testa.</p><p>–Se a gente fizesse sexo, tudo mudaria entre nós. E, eu não quero que mude nada. –disse ele beijando a maçã do rosto dela. –Eu só farei sexo com uma moça ou mulher, se for com um propósito. E, eu espero que seja por um bom propósito.</p><p>–Eu entendo. –disse ela beijando-o novamente na testa. –Só de saber que estou em suas fantasias eu jà me sinto satisfeita.</p><p>–Beleza. Agora và vestir.</p><p>–Eu ainda não tomei banho...</p><p>–E está cheirosa desse jeito? Ah, mas, feliz daquele que tiver a sorte de ter um corpo aromàtico desses debaixo do dele, ou por cima...</p><p>–Sai logo daqui Ângelo. – e foi empurrando ele rumo à porta. –Ah, antes que eu me esqueça, um amigo seu ligou, e disse que quer que eu và trabalhar no consultório dele, na Avenida Araguaia.</p><p>-Não và transar com o seu novo patrão.</p><p>–Cale essa boca, seu malicioso. –e ficou pensativa.</p><p>Ângelo entristeceu o semblante, pois ele sentia que Fátima não resistiria à tentação ao ser assediada por um homem, fosse ele quem fosse se oferecesse à ela amor, proteção e cuidado especial que ela merecia.</p><p>–Onde eu trabalho tem cinco funcionárias. Todas elas foram selecionadas através de fichas curriculares com fotos três por quatro. Eu estou no meio de um séquito de mulheres bonitas e bacanas. Se você me trair com outro, eu vou namorar uma das minhas colegas de trabalho.</p><p>Fátima o abraçou forte de modo à fazer com ele sentisse o corpo dela estremecer, levando-o quase à cair por cima dela.</p><p>–Eu jà te falei que eu não quero homem nenhum. Mas, se ele se interessar por mim, eu posso?</p><p>–Bom, Fátima, cada cabeça é seu próprio guia.</p><p>-Ele até jà me entregou os resultados meus exames médicos. Só que eu não entendo nada de diagnóstico. Ele disse que é pra eu entregá-los à você. –disse ela dando um beijo no rosto dele.</p><p>-Eu vou sair por aí. –Ângelo avisou e saiu.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *<span style="white-space: pre;"> </span></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>Débora vestiu sua camisola branca de tecido um pouco transparente e se preparava para ir se deitar, quando o não reuisitado orientador espiritual tocou a campainha. Achando que fosse o Ângelo que chegava jà às nove e vinte da noite, ela foi abrir a porta, mas apagou a luz antes de abri-la, na intenção de não deixar que ele à visse de roupa de dormir.</p><p>-Irmão Mathias. O que o senhor faz aqui à...</p><p>-Mas que escuro é esse, minha irmã?</p><p>-Perdão, eu pensei que fosse o Ângelo.</p><p>Na escuridão, eles viam apenas os vultos um do outro.</p><p>-Eu posso entrar? –ele perguntou levando a mão ao interruptor.</p><p>-Irmão Mathias, eu não estou preparada para te receber à essa...</p><p>Tarde demais, a luz se fez onde estava escuro.</p><p>A camisola não tinha decotes, mas a espessura do tecido deixa transparecer a beleza física de uma viúva bem nova com seus trinta e seis anos de idade. Sem demonstrar espanto, sim admiração por vê-la de braços cruzados sobre os seios, Mathias chegou à pensar que com certeza, quando jovem ela era um caminho de perdição para muitos homens. Corpo perfeito, embora ela sempre estivesse usando vestidos que mais pareciam roupas de freiras. A beleza do rosto dela, e - nesse momento, corado de vergonha-, com pele bem hidratada a faz continuar sendo uma mulher ainda muito bonita e sensual.</p><p>Por alguns segundos, Mathias desanuvia as ideias que ele fazia dela naquele instante, porque ele não estava ali para ficar reparando a beleza da mulher que ele admirava, respeitava, e sem dúvida era uma irmã decente e temente à Deus.</p><p>-O Ângelo não está em casa, por que você me chamou aqui. –perguntou, mas com os olhos vidrados no corpo dela.</p><p>Débora prende os cabelos atrás das orelhas. Ele cruzou os braços e a observava com seriedade. Ela parecia estar à ponto de sair correndo para o quarto. Sufoco, angústia e indecisão eram facilmente detectadas em seu rosto e na sua postura ao ver Mathias parado de frente a ela, mas ele segura em suas mãos como quem quer dar apoio à uma mulher em desespero que está pedindo socorro.</p><p>-É sobre o Ângelo. Eu vou me vestir...</p><p>-Espere irmã. –disse ele a conduzindo ao sofá. -Eu sei que você não confia nele. Vem aqui. Sente-se aqui perto de mim. Você não é mais uma mocinha que nunca esteve vestida desse modo na presença de um homem. Nós somos adultos.</p><p>Ela permanecia trêmula e calada olhando para os seus próprios pés, pois, ela não tinha coragem de olhar no rosto do ex-noivo que à assediava em sua casa sobre o sofá da sala.</p><p>-Tudo que a gente fizer aqui nessa noite, ficarà apenas entre nós dois. Eu sei que você sente falta de um homem para te dar prazer em suas noites.</p><p>-Não, eu não posso, e você é o primeiro à saber disso. –falou esfregando os braços num estado de profunda decepção.</p><p>Enquanto isso, Mathias alisava a perna dela sobre a camisola e a abraçava por sobre o pescoço.</p><p>-Eu tenho notado que você anda meio inconstante nos cultos. Sem dúvida, você quer fazer amor com alguém que saiba te proporcionar alguns momentos de carinhos íntimos.</p><p>-Por favor, pare com isso. –pediu ao sentir o ar quente do respirar dele em sua nuca.</p><p>-Você é um pedaço de bom caminho. –disse Mathias passando os lábios na orelha dela.</p><p>Por um momento, Débora se deixava levar pela carícia, e de olhos fechados, ela sentia um fogo incendiando seu corpo.</p><p>-Fique tranquila, eu saberei dar à você o que você merece, afinal de conas, jà compartilhamos à tanto tempo nossas alegrias e frustrações.</p><p>Aos poucos ela foi se deitando sobre o assento, tendo sobre seu corpo o corpo dele já sem camisa. A camisola dela não cobria mais as suas partes íntimas. As mãos dele deslizam por entre suas coxas.</p><p>-Você é uma mulher muito excitante.</p><p>-Mas, nós dois não devemos fazer o que você está querendo.</p><p>-Eu sei que você também quer e precisa.</p><p>Beijando suavemente a boca dela, ele foi se despindo por inteiro. Débora não conseguia dissuadi-lo de suas investidas, e logo ela jà estava toda nua estirada sobre o sofá. Com a respiração ofegante, ela não conseguia nem ao menos balbuciar palavras de negação ao ato que estaria prestes à ser consumado.</p><p>Sentindo o calor da pele dela misturando-se à ardência física de seu desejo de possuí-la, ele começou à fazer carícias mais íntimas nela antes de iniciar o ato sexual.</p><p>-O que estamos fazendo não é certo nem à nós dois e nem à Deus. –disse ela sussurrando.</p><p>-Se eu quero e você também quer, não há nada que nos condene. –disse ele com a boca entre os seios dela.</p><p>Num impulso heroico ela conseguiu evitar que ele à penetrasse e violasse a santa castidade dela.</p><p>-Vem cá, não fuja. –falou puxando-a pela mão.</p><p>-Não, eu não vou cometer esse pecado. Eu sou uma seva do senhor. –disse Débora já de pé. Imediatamente ela pegou a roupa de dormir e cobriu novamente seu corpo.</p><p>Decepcionado, porém ainda de membro sexual ereto, Mathias investiria com argumentações.</p><p>-Você é viúva. Está livre de qualquer moralidade imposta por doutrinas religiosas. Eu sempre quis descobrir seu lindo corpo que está sempre coberto por essas roupas de senhoras que perderam a vaidade feminina...</p><p>-Eu me visto como é uma mulher decente e crente. Agora, vista a sua roupa e me deixe vestir a minha camisola. –bradou e se apoderou da peça de roupa e foi logo se vestindo.</p><p>-Não existe pecado quando há consenso entre um homem e uma mulher em respeito à sexo. –disse subindo as calças.</p><p>Escandalizada e desacreditando na conversa de Mathias, Débora procurava réplicas para rebater suas palavras.</p><p>-E o que você prega nos sermões? Por acaso não se deve viver do que evangelho de Jesus?</p><p>-Minhas pregações são coerentes e convenientes aos evangelistas. Tudo que fizermos deve ser feito por fé.</p><p>Débora não pôde fazer uso do seu direito da tréplica diante de tal afirmação, pois, sua mente fora condicionada à apenas ouvir e acatar as sugestões advindas daquele homem ao assumir a tribuna do púlpito de sua igreja. Sabendo que não poderia discutir posturas e regras de conduta pessoal cristã com o seu líder, ela decidiu ir até ao telefone na estante.</p><p>-O que você vai fazer irmã? –ele perguntou vestindo a camisa.</p><p>-Eu vou ligar para o Ângelo. Aí você dois poderão discutir sobre esse assunto.</p><p>-Misericórdia. Ele é ateu. –disse Mathias saltando do sofá. –Deixe que tudo isso fique em segredo entre você e eu. Essa tentação vai pisar. Tentação não é pecado.</p><p>-Mas cair na tentação é sim pecado.</p><p>Mathias ajeitou a camisa dentro da calça e, depois de apertar o cinto criticaria à Débora por ela ter se oferecido à ele e o feito cair em seu laço.</p><p>-Nós não caímos irmã. Ainda há esperança. Esqueçamos o que houve aqui hoje. Maldito o homem que confia em uma mulher. Se alguém ficar sabendo do que aconteceu entre nós dois, você será excluída da igreja, e o seu pecado não merecerá misericórdia. O satanás te usou para que você me derrubasse dos caminhos do senhor porque ele sabe que eu sou um homem valente que resgata as almas da perdição.</p><p>Abandonando a estante, ela foi para o sofá. Já não se importava mais com as suas vestes. De repente, Débora se via culpada por ter dado lugar ao infortúnio ao ir abrir a porta vestida daquele jeito. Sinceramente arrependida e com uma profunda expectação de jà ter cometido o pecado carnal, ela se sentiu a pior das irmãs religiosas. Sentada no sofá com os antebraços apoiados em seus joelhos, olha para o piso da sala e apenas escutava as justificativas para inocentar Mathias, e as acusações dele para encaminhar a alma dela ao inferno.</p><p>-A bíblia diz que a boca da mulher destila favos de mel para enfeitiçar o homem, mas no final é amargo como fel. Você me atraiu como Dalila fez com Sansão e, visto que o senhor me livrou de sua cilada, agora tentará me desmoralizar perante os a nossa irmandade. Mas, tudo isso está na presença dos olhos de Deus. Reconcilie com este seu líder que luta ferozmente contra o pecado, e coloca-se diante do altar do senhor. –abriu os braços e esperou a reação dela.</p><p>Atordoada e confusa, ela se levantou de cabeça baixa e se aproximou dele.</p><p>-Perdão irmão Mathias, eu não tive a intenção de te fazer cair da fé. -pediu confessando seu erro desproposital com humildade e subserviência.</p><p>-Nós devemos perdoar aos que erram contra nós, por setenta vezes sete. Ainda que tivéssemos cometido essa desobediência, eu e o senhor te perdoaríamos. Agora me abraça e saiba que eu não ousaria causar-te nenhum mal.</p><p>Sem pestanejar, ela o abraçou e mais uma vez implorou pelo perdão e o pediu que não à delatasse à seus irmãos e suas irmãs de igreja.</p><p>-Vamos para o seu quarto.</p><p>-Não, não podemos cometer esse pecado.</p><p>-A intenção do erro jà é o erro. Então não se condene.</p><p>Ele à conduziu para o quarto. Alguns minutos depois, o ato sexual foi consumado.</p><p>-Amanhã terá culto. Esteja na igreja e continue contribuindo com a obra do senhor. O ministério do louvor ainda te pertence. –Mathias assegurou zipando à calça, caprichosamente.</p><p>Logo que Mathias saiu deixando-a sobre a cama arrependida e procurando esconder seu rosto com a camisola, Débora se perguntava por que foi que ela se preservou sem cair na tentação de se entregar à outro homem desde a sua conversão. No fundo da alma a religiosa sentia que o seu sacrifício valeria a pena, e que no final de sua vida receberia o prêmio por sua dedicação à tudo que se referia à santidade exigida pela sua instituição religiosa. Então, ela se levantou e foi se banhar. Debaixo do chuveiro, deixou que a água caísse desde o alto de sua cabeça e a via escoando no ralo. Ela chorava por saber que seu corpo estaria limpo ao término do banho, porém, sua consciência permaneceria manchada pelas nódoas do pecado da fornicação.</p><p>Pela manhã no supermercado onde Débora foi fazer compras de mantimentos, ela ouviu uma garota extrovertida e muito mal vestido em um shortinho de lycra preto e um bustiê pra lá de indecente, falando à outra garota que, qualquer dia ela iria sair com o Ângelo para um lugar onde os dois pudessem ficar sós, e então ela iria ver se ele resistiria às insinuações dela. Débora maliciou a conversa da menina faceira. Por isso, ela pediu à Armelinda, esposa do vice pastor da sua igreja, para que ela fosse até a casa dela para poder orientá-la sobre como lidar com Ângelo, porque ela achava que talvez não fosse certo e nem seguro conviver com um rapaz tão assediado por inúmeras garotas que podia levá-lo à perdição. Porém, sobretudo, Débora leu nas escrituras que a luz não combina com as trevas. E, esse foi o mais recente discurso de um pregador visitante no púlpito da denominação evangélica que ela frequentava. Na ocasião, o homem que presidia o sermão falou que quem teme à Deus não deve se relacionar de modo nenhum com os não convertidos. Ansiosa, ela esperou pela chegada de sua irmã de fé, mas, ela ligou dizendo à ela que ela pudesse ir dormir que na manhã seguinte ela estaria na casa dela, pois, primeiro ela iria conferir nos livros bíblicos algumas citações que pudesse dar à ela, Armelinda, o esclarecimento necessário para à instruir sobre a luz da palavra. Então Débora disse à irmã, que talvez o Ângelo nem viesse para casa nessa noite, e por isso a preocupação dela com ele era ainda maior. Por ironia, quem veio ao encontro dela foi o lobo disfarçado de ovelha. Ela confiou na pessoa errada para que o rapaz que tanto a ama, fosse julgado por aquele que acabara de destruir a sua alma.</p><p>Voltando ao quarto, ela pôs uma roupa que a deixou bem bonita para que ao chegar, Ângelo não percebesse que ela estivesse em fel de amargura. Enquanto ainda estava se penteando e se excomungando em pensamentos na frente do espelho da penteadeira, ela fazia um exame de consciência. Em retrospecto Débora percebeu que mais uma vez ela errou por ter julgado precipitadamente e erroneamente as pessoas.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Foi um dia de tristeza para os membros da igreja evangélica dirigida por Mathias Norato Vidigal. Entre os muitos comparecentes no velório, estava Ângelo no canto da sala observando em silêncio, sem pesar algum, pois, ele entendia que Mathias tivera o fim que ele merecia. Sua ganância, ambição desordenada, seu espírito faccioso ali jazia com ele no lugar onde todas as paixões não dormitam, mas, findam-se para sempre.</p><p>Soube-se por intermédio de um membro da igreja dirigida por Mathias, que alguém não identificado entre a membresia da denominação Tempo de renovo em Cristo o interpelou no vestiário acusando-o de ter planejado a morte de Alceu Vidigal, seu próprio irmão, para receber um alto valor indenizatório de uma apólice de seguro a qual, Alceu era o segurado, e Mathias era o mantenedor e seria também o beneficiário.</p><p>Entre os muitos comparecentes no velório estava Ângelo no canto da sala observando em silêncio. Sem pesar algum, pois, ele entendia que Mathias teve o fim que ele merecia. Sua ganância e seu espírito faccioso, agora jazem com ele no lugar onde todas as paixões não dormitam, mas, findam-se para sempre.</p><p>Muitos fiéis esperavam pelo início do culto fúnebre, sentados nas cadeiras de material plástico que foram esparramadas pela sala. Outros se reuniam em grupos para discorrerem sobre o que poderia ter motivado alguém à tirar a vida de um homem perseverante na obra de Deus. Débora permanecia sentada do lado do caixão. Não havia lágrimas em seus olhos. Ela apenas recebia as condolências de todos, com cara de viúva triste. No âmago de sua alma, ela sentia-se, enfim, livre do fardo pesado demais, que ela suportou durante seis anos noiva com o homem que à fazia assediar Ângelo cometendo indecências que por ela não seriam cometidas se ela não fosse lavada à cometê-las sem ter noção do que ela estaria fazendo.</p><p>Ângelo olhou para Débora e fez sinal indicando que ele iria para um dos quartos da casa. Assim que ele entrou no quarto dele, duas batidas suaves na porta anunciou a chegada de Débora.</p><p>-Entre, Débora, a casa pertencia ao seu novo.</p><p>Ela entrou sem parcimônia.</p><p>-Eu tive que dizer aos comparecentes, que a irmã Valquíria queria falar comigo no quarto. Mas, eu tenho que voltar rápido para a sala.</p><p>-Débora, eu amo você, e quero que você entenda o meu jeito de te amar. Eu vou à despensa dessa casa para pegar uma garrafa de vinho. Sente-se na cama e me espere.</p><p>Sentando-se na cama, ela tentava controlar a emoção por saber que muitas mocinhas bonitas desejariam estar no lugar dela, mas coube à ela a oportunidade de estar ali no quarto, na cama que seria dela e do finado Mathias. Débora não estava preparada para ouvir de Ângelo o que ela ouvira na casa dele, mas, nem mesmo com o velório de seu noivo acontecendo na sala da casa que seria dela, a impediria de ouvir tudo que Ângelo tinha para dizer à ela.</p><p>Segundo depois, Ângelo entrou no quarto, trazendo com ele uma garrafa de vinho e duas taças de cristal. Timidamente Débora afastou para o lado da cabeceira da cama dando mais espaço para ele se sentar do lado dela.</p><p>-Antes de bebermos, vamos falar de nós. –disse ele colocando taças e garrafa em cima do criado mudo. –Você foi noiva do Mathias por quanto tempo?</p><p>-Seis anos.</p><p>-Vocês dois se conheceram aqui em Goiânia?</p><p>-Somos de São Paulo. Viemos para Goiânia à pouco mais de sete anos. Eu conheci você, quando você tinha dez anos de idade. –disse um pouco envergonhada. No fundo ela não queria estar ali com ele, sem medo de se arrepender depois, como antes esteve se dando toda à ele.</p><p>Ângelo abasteceu as taças com o vinho, e sorrindo entregou a bebida à ela.</p><p>-Débora, eu sinto que você não pensava em mim de modo sexual.</p><p>-Eu sempre gostei de você e faria de tudo para ficar com você. Mas, são tantas as maldições prescritas na bíblia para as mulheres pegas em ato de fornicação.</p><p>-E quanto à Fátima?</p><p>-É você acha que ela seja sua mãe? –Débora perguntou não se sentindo aliviada do sentimento de culpa. –Eu vivi cada dia durante dezessete anos, me amaldiçoando por não ter ido à casa dela naquela noite. Talvez se eu estivesse lá eu teria morrido também, mas, só assim eu não teria passado por tanta amargura de alma.</p><p>-O seu erro foi ter permitido que uma mulher levasse a culpa pelas mortes de pessoas que ela não as matou. As crianças saíram vivas de lá, e você sabia...</p><p>-Não Ângelo, eu soube que a outra mulher do Norato estava gràvida, e, ela e o bebê dela também morreram. Mas eu só soube depois que ele entrou com uma ação na justiça contra o pai do Augusto.</p><p>-Você sabia que eu poderia ser o neto do senhor Cândido?</p><p>-O Mathias vivia dizendo que você herdarà tudo que pertence ao senhor Cândido, mas eu sei que você não é o neto dele. Uma mulher chamada Valquíria me contou na igreja, que ela conhece o verdadeiro filho do Augusto, e me disse o nome dele. Ela me pediu pra eu não contar à ninguém à respeito dele. Mas, eu não posso guardar esse segredo de você e do senhor Cândido.</p><p>-Talvez ele esteja enganado também, pois pode ser uma filha. Bem, quanto à mim, você pode manter o segredo. Eu sei que não sou o neto que ele tanto sonhou ter. Acontece que, o senhor Cândido está doente, e não seria viàvel você dar essa notícia à ele. –Não beba o vinho, para não esqueça o que conversamos.</p><p>-Eu não posso deixá-lo morrer sem saber da verdade. E se ele souber que você não é meu filho, nós dois poderemos nos casar finalmente. Ou você prefere que eu não diga nada à ele, ainda?</p><p>-Débora. –disse unindo as mãos.</p><p>-Diz pra mim, pelo amor de Deus, se você se casará comigo quando tudo ficar esclarecido. O Mathias me disse dias atrás, que eu e você estávamos noivos, e que eu jà teria ido para a cama com você.</p><p>-Em partes é verdade. Mas ele mantinha você sempre sob efeito de uma droga chamada de extrapola menina. Você, Débora e Darlene, quando eram novas e casadas com aqueles trastes, eles administravam essa mesma droga em todas vocês.</p><p>-O filho do senhor Cândido não faria uma coisa dessas...</p><p>Ângelo levou as mãos à cabeça procurando estabelecer uma forma menos complicada para explicar à Débora, que Augusto poderia não ser filho de Cândido Plates Rivera.</p><p>Débora. –disse ele segurando as mãos dela. –Você conhece a história do rei que escondeu um baú com tesouro incalculável?</p><p>-Não sei. Talvez eu já tenha ouvido essa história, mas...</p><p>-Tudo bem, eu explico. O rei é o próprio senhor Cândido. As jóias são três filhas de três amigos dele, que tiveram que abandonar a cidade que eles viviam, para que eles não fossem presos acusados de terem matado um homem muito rico que se chamava Otero Olavo. O senhor Cândido também teve que deixar as propriedades dele naquelas terras, e não pôde encontrar as filhas dos três homens bons, antes que os filhos do Otero Olavo às encontrassem. Todos os membros da ordem Rivera sabem da história do baú do tesouro. Mas, apenas alguns saíram à procura do baú.</p><p>-Uma das mulheres perdidas significa o baú?</p><p>-Não. Todas elas são as joias. Provavelmente, o baú seja apenas um lugar onde as mulheres estejam. Ele não me deixou ler o final do manuscrito, porque a história ainda não terminou. Na corrida pelo tesouro, alguns morreriam nas mãos de concorrentes inescrupulosos. Augusto, Otero, Ferreira, Norato e Valdir jà morreram. Mas, outros morrerão...</p><p>-Mas o que isso tem à ver com nós dois? Você disse que me ama, e, eu também amo você.–ela o abraçou.</p><p>Ângelo conseguia sumarizar seus sentimentos por Débora para conviver com ela uma união longe de ser matrimonial, apesar de ele ter de vê-la chegando do culto e indo direto para o quarto dele e fazê-lo assistir à ela tirando toda a roupa para se embrenhar com ele debaixo dos lençóis.</p><p>-Eu só quero que você beba desse vinho. –entregou o copo cheio à ela. - Não tenha medo. Em sã consciência, você não cometeria o coito comigo ou com quem quer que seja. Quando você acordar não terá lembranças desse amor induzido à poder de entorpecentes.</p><p><br /></p><p>Débora, ao acordar, foi para a casa de Ângelo, tomou banho e se vestiu com um vestido à caráter de luto. Os cabelos soltos com presilhas nas laterais da cabeça dela enfeitavam suas costas com uma samambaia ornando um precioso vaso de porcelana, delicado e bem forma. Leu alguns trechos bíblicos e deixou a bíblia aberta no Salmo 91, sobre a mesinha de centro na sala da casa de Ângelo. Em seguida foi à estante e pegou o porta-retratos com Ângelo sozinho na imagem. Sentou-se no sofá e ficou à deslizar a mão na pequena moldura. Ele trazia um sorriso encantador nos olhos e boca. Ela trazia no peito um coração cheio de amor pelo garoto que ela não conseguia esquecê-lo sequer por um momento, e continuaria cultivando o mesmo sentimento durante o tempo que fosse necessário. Débora deu-se conta de que Mathias não seria mais o empecilho para que ela realizasse os seus desejos mais íntimos de se entregar de vez à Ângelo.</p><p>Quando Ângelo entrou na casa a encontrou comprimindo a fotografia dele entre seus braços em cruz e os seios.</p><p>-Oi Débora, que bom que você continuará morando aqui. –disse ele um pouco meio sem jeito.</p><p>-Vem pra cá, sente aqui comigo. –ela o convidou com um sorriso angelical.</p><p>Ângelo correu as mãos nos cabelos os ajeitando no alto da cabeça e foi de encontro à ela. Reparou os ambientes da casa e sentiu o cheiro de lavanda usada no piso cerâmico. O ar sério do rosto dele se transformou em satisfação garantida pela constatação do esmero com que Débora cuidou da casa. Mas, havia uma sombra de preocupação no semblante dele, que deixou Débora sobremaneira preocupada também.</p><p>-Como foi o seu dia hoje? –ela quis saber.</p><p>-Normal. –disse ele beijando o rosto dela ao se sentar. –E o seu?</p><p>-Ainda estou um pouco atribulada com o que houve com o Mathias, mas vai passar, eu sei que vai. –Depois da fala, Débora ergueu o braço de Ângelo e o colocou em volta do pescoço dela. –Eu estava olhando a sua foto. Aqui você tinha dezesseis anos. Sorriso e olhar cheios de visgo para prender a gente em sua rede.</p><p>-Eu não me pareço com James Dean, como você dizia.</p><p>-Quando você tiver seus vinte e poucos anos, você verà que eu estou falando a mais pura verdade. Dà uma clareada nos cabelos. –sugeriu passando a mão nos cabelos dele.</p><p>Com o carinho, ele olhou direto nos olhos dela e percebeu que ela estaria escondendo algo muito importante dentro de si mesma. –O que foi? Fala pra mim o que é que te perturba.</p><p>-Nada. Eu só quero dormir mais cedo hoje.</p><p>Ângelo a deixou ir, mas esperou que ela no quarto para então ir até à ela. Percorreu o olhar nela e notou que ela vestia um longo preto, justo no corpo, deixando em evidência a silhueta do corpo escultural dela.</p><p>-O que foi? Você não gosta que eu me vista assim? É que eu senti que eu teria que vestir de luto, por causa do Mathias.</p><p>-Não, não é isso. Mas, eu acho que nós devemos fazer do jeito que a sua religião exige. Não teremos relações sexuais e nem dormiremos na mesma cama.</p><p>-E a Fátima e a Darlene?</p><p>-Eu vou falar com as duas.</p><p>-Eu vou com você. A Fátima está na cozinha.</p><p>Débora foi abraçada à ele até a cozinha.</p><p>-Fátima, o Ângelo quer te falar uma coisinha.</p><p>Sem jeito, Ângelo se aproximou de Fátima na pia lavando vasilhas.</p><p>-Fátima, eu e Débora estamos querendo privacidade...</p><p>-Eu jà sei Ângelo. –disse ela enxugando as mãos com papel-toalha. –Você não precisa me mandar embora... eu só preciso de mais alguns dias. – saiu muito triste.</p><p>-Fique aqui comigo, não và atrás dela. –disse Débora segurando os braços. –Falta a Darlene.</p><p><br /></p><p> ***</p><p><br /></p><p>Darlene ia de um canto à outro no quarto. Ela não gostou nem um pouco de saber que teria que arrumar outro emprego. Foi muito humilhante para ela, ter que ser demitida do trabalho por Débora que garantiu estar passando à ela a ordem de demissão feita pelo próprio Ângelo.</p><p>Colocou suas roupas dentro da mala, a zipou e saiu do quarto caminhando depressa e bastante decepcionada. No corredor ela topou de frente com Ângelo com os braços abertos e as mãos espalmadas em uma e outra parede.</p><p>–Olha aqui Ângelo. –disse ela pondo a mala no piso. –Você não precisava ter feito como fez comigo. Se não queria que eu trabalhasse mais na sua casa era só chegar a mim e me despedir de uma vez. Eu nunca fui empregada doméstica e talvez não estivesse fazendo o meu trabalho como você gostaria que eu fizesse, mas eu estava dando o melhor de mim. Se você achava que não estava bom, era só me pedir para eu me esforçar mais, e...</p><p>–Tà bom, amor meu. Eu sei que você é muito competente e...</p><p>–Tà bom nada. Eu estou indo trabalhar na casa do empresário Alceu que veio aqui no período da tarde. Ele vai me pagar muito bem. –pegou a mala. –Fala para a Débora, que eu não teria coragem de tratà-la do jeito que ela me tratou. –botou a mala no chão. –Ângelo, ela me mandou ir procurar emprego em uma boate de streeptiesi. Eu quase a mandei ir tomar banho na soda. Eu não sei o que a Débora acha de mim, para ter tanto ciúmes de você comigo. Quem devia trabalhar numa boate era ela com aquele corpo de màrmore esculpido e com aquele cabelão, ninguém a veria pelada.Você acredita que ela me disse ontem, que eu seria uma pedra de tropeço na vida de um casal? ... O que foi Ângelo?</p><p>Ele olhava para o teto o tempo todo e mantinha-se sério.</p><p>Era compreensível a desconfiança de Débora em relação à presença de Darlene no convívio do lar. Darlene estava cada vez mais bonita vestindo roupas que caíam bem no corpo dela, e se maquiando regularmente de modo que ela pudesse se inscrever em um concurso seletivo para atrizes de telenovelas. A pele clara sem lourice artificial ganhara um tom de cor róseo. Elogios eram dados à sua beleza por onde quer que ela passasse nas ruas do bairro, ainda que fosse com seu caminhar ràpido e arrojado, os homens não a deixava passar despercebida. Débora conversou com alguns crentes sugerindo à eles, irem à casa de Ângelo para evangelizarem Darlene, e, quem sabe convencê-la à namorar um servo de Deus.</p><p>–Me dê a sua mala. –pediu pegando-a. – Você não vai trabalhar para Alceu nenhum. –falou e seguiu para o quarto.</p><p>Darlene fez a barra folgada da jardineira florada, esvoaçar em volta de suas pernas andando ràpido atrás dele no pequeno espaço do início do corredor até ao quarto dela. Ângelo jogou a mala em cima da cama e cruzou os braços, permanecendo calado e muito sério.</p><p>–O que significa isso, Ângelo. Ou eu vou embora, ou eu fico, porque assim não dà. –decretou indo à mala sobre a cama. –Por mim eu ficaria aqui mesmo, mas...</p><p>–Darlene. – disse ele segurando a mão dela com a alça da mala. –Eu preciso de você aqui comigo. Não me abandone.</p><p>Toda a vida dela fora vivida em meio à pessoas que a abandou, quando recém, o abandono de seu pai a privara de ao menos ter sido balada por ele. Seu marido, nem se fala. E então, como ela retribuiria à Ângelo a atenção, o carinho e o afeto que somente ele à dedicou em toda sua vida marcada pelo abandono? Darlene pensava e soltou a mala. Abandono, não, ele não merecia. Ela se pôs cara à cara com ele.</p><p>–Olha, Ângelo, eu só não vou embora porque eu gosto muito de você, e acho que você deve gostar de mim também, senão não estaria aí com essa cara de quem pediu e não ganhou... –dizia ela prendendo os cabelos detràs das orelhas.</p><p>Ângelo levou as mãos nas aberturas laterais da jardineira dela fazendo-a se arrepiar ao sentir as mãos dele se encontrarem e estacionarem na espinha dorsal dela.</p><p>–Ai, que mãos quentes. É a primeira vez que eu uso bustiê por baixo dessa jardineira. Ele ficou curto e, eu o usaria para dormir. Mas fiquei com tanta raiva da Débora que resolvi vestir qualquer roupa por cima dele e ir logo para a casa do Alceu. Só que agora eu não vou mais. Ângelo, eu me lembrei. Qualquer noite dessas eu terei que dormir no apartamento dele. Ele disse que foi você quem disse à ela que eu conheço os melhores restaurantes e casas de festas aqui em São Paulo. Mas eu só irei quando você puder me deixar na casa dele e no outro dia ir me buscar. Ele me disse que o filho dele vai passar uns dias com ele, por isso eu não precisarei ficar dormindo lá sempre...</p><p>–Tà, Darlene, tà. Agora me abrace e me deixe pensar um pouco em nós dois, sentindo o seu cheiro, o calor de sua pele, o aconchego de seu abraço...</p><p>–Tà bom, pode sentir que eu estarei sempre perto de você.</p><p>Abraçado à ela Ângelo fechou os olhos e escondeu sua cara de choro. Darlene o cativou com toda a sinceridade e lealdade dela. Seria duro para ele, ter de deixá-la sair de sua casa e de sua vida. Ele à amava com todas as suas forças.</p><p>–Ângelo. –disse ela quase com um murmúrio de voz. –Eu queria dançar com você. Quando eu era solteira e ia às festas, eu não dançava com ninguém. Casada, foi que piorou. O meu marido me deixava sozinha na festa e não me deixava dançar com homem nenhum. Numa noite em uma festa, um homem me chamou para dançar, só que, ele disse assim: Ei gostosa, vamos dançar. Eu o mandei ir às favas. Não sei o que aconteceu depois. Na manhã do outro dia o Otero me encontrou cheirando à álcool e suor. Eu só me lembro disso, porque o ele vivia me dizendo que eu o estava traindo sempre com vários homens.</p><p>“Filho da mãe do caramba.” Ângelo o excomungava em pensamentos.</p><p>–Vamos para a sala antes que a Débora chegue. Eu posso dançar com a Fátima também?</p><p>–Pode. Eu gosto dela. Eu fui buscar os resultados dos exames dela. O médico me entregou pessoalmente. Ele me mandou te dizer que ele demorou um pouco à envià-los por causa de algumas explicações em pontos específicos do diagnóstico que você o teria pedido para esclarecê-los bem. Daí ele me pediu para dizer assim à você: Ângelo, o que se vê através do espelho é... é o quê, Ângelo? Eu não entendi. Ele te mandou um abraço.</p><p>“É sempre o oposto da imagem real” – pensou Ângelo.</p><p>–Não é igual à você. Linda sendo vista em qualquer ângulo, lugar, ocasião, momento, situação, por dentro por fora e...</p><p>–Tà bom, eu acredito. Pode parar de me conversar.</p><p>–Interessante, eu te escuto com paciência até você terminar sua fala. Mas, quando eu quero falar de você tudo que eu tenho para falar da sua importância em minha vida, você não deixa.</p><p>–Fale quando nós dois estivermos dançando. Agora vamos para a sala. A Débora parece uma maluca. Às vezes ela está boazinha com a gente, mas tem horas que... Ângelo, eu vou cortar os meus cabelos de novo. Uma vez, uma mulher cortou meu cabelo igual corte para homens. Eu acho que foi na época que eu estava grávida...</p><p>-Chegamos. Ligue o som.</p><p>–Tà bom. Ah, quem deu referências minhas ao Alceu foi o tal senhor Amaro que você fala tanto sobre ele.</p><p>-Então, você está sendo bem representada. O senhor Amaro está me fazendo um grande favor.</p><p><br /></p><p>Sentada rente a mesa do escritório de Alceu, Darlene o esperava. Enquanto isso, ela considerava que eram dias de convívio domiciliar conturbado por razão da desconfiança e do ciúme exagerado de Débora em relação à ela e Ângelo.</p><p>Foi quando Alceu chegou acompanhado por Valquíria.</p><p>-Então tudo bem. –disse Valquíria. –Agora, eu vou contratar o pessoal para fazer a reforma da outra casa. Quanto à você, Alceu, cuide de voltar para o trabalho, e vê se não incomoda a empregada. -ela deu um beijo no rosto dele e o deixou no escritório.</p><p>-Doutor Alceu, eu aprecio muito as residências com aspectos grotescos. –disse ela não demonstrando entusiasmo algum em ver uma caveira de corpo completo no canto esquerdo da parede.</p><p>-Pode me chamar de Alceu apenas. Você não deve ser casada. Se for, o seu marido não se importa de ver você exibindo essa beleza toda? Seria impossível não sentir ciúmes de uma mulher linda como você.</p><p>Darlene sentiu-se apreciada, e isso à deixou lisonjeada por receber tais elogios. Com toda sua beleza, quando casada, jamais fora elogiada pelo marido dela. Tudo que ela queria era se vê livre do estigma da viúva mal amada. Mas, para não perder a fama de mulher de respeito, ela não se deitaria com Alceu e nem deixaria que ele à tocasse, pois, para ela, fazer sexo com ele estava fora de cogitação.</p><p>-Você está me assustando. –disse ela.</p><p>-Se não estiver gostando eu posso parar de te chatear. Mas, se, atenção e amor te fazem falta, eu posso lhe proporcionar sem nenhum embaraço.</p><p>–Meu Deus! –ela exclamou baixinho. –Você é louco, eu... – pensou em não dar resposta alguma. –Você é muito corajoso. –e continuou pensativa batendo a ponta da caneta na folha em branco. –Eu terei que me acertar de que não haja nenhuma cláusula que me impeça de eu me demitir quando eu bem entender.</p><p>-O Ângelo jà me pôs à par de seu profissionalismo. Assim que consentir que está tudo certo com a papelada, eu acredito que nos daremos muito bem.</p><p>-Vou ver o que posso fazer.</p><p>Alceu levou Darlene para o quarto com uma curiosidade louca de tirar prova do que Ângelo o havia contado sobre ela. Ele pediu à ela que fosse arrumar as roupas dele, que</p><p>estavam desorganizadas sobre a cama no quarto dele. Darlene estranhou a proposta, afinal de contas, ela não era empregada doméstica de homem nenhum, e, sobretudo, porque motivos ela estaria em uma casa estranha, com um homem estranho que, - na concepção dela, - a estaria dando ordens como se ele fosse o marido dela.</p><p>-Darlene se sentou na cama e o observou indo em direção à porta da sala.</p><p>-Pra que você fechou a porta? –ela quis saber.</p><p>-O quê? –Alceu fez que ele não entendesse a pergunta. -Pra que você... – ele ia devolver a pergunta. –Nossa! –exclamou vendo-a sentada de lado com as pernas cruzadas. –Que teteinha. –disse vendo-a se esticando para pegar uma camisa sobre a cama.</p><p>-Seu Alceu...</p><p>-Me chame de Alceu, somente.</p><p>–Por que você trancou a porta da entrada? –dobrando a camisa, Darlene perguntou.</p><p>-Por que está ventando e trazendo poeira pra dentro de casa.</p><p>-Você tem camisa de todas as cores.</p><p>-Essa cor-de-rosa deve ficar linda em você. Veste ela pra eu ver. –entregou a camisa à ela. - Tire essa roupa.</p><p>-Não.</p><p>-O quê que têm mulher? Tira. –ele insistiu querendo tirar a blusa dela.</p><p>-Estamos apenas nós dois aqui, e pega mal eu tirar a blusa dentro do quarto com você perto de mim...</p><p>-Eu fechei a porta.</p><p>-Mas só que eu vou abrir. Vai que chega alguém aqui e pense que a gente está...</p><p>-Fique aqui. -disse ele com voz forte.</p><p>Darlene voltou à se sentar e continuou dobrando as roupas. Alceu foi passando a mão na perna dela.</p><p>-Darlene, quantos anos você têm?</p><p>-Não digo. –respondeu sem olhá-lo.</p><p>-Você está namorando o Ângelo?</p><p>-Não. –respondeu tirando a mão dele da perna dela e se afastou.</p><p>-Senta aqui mais perto de mim. Por que você não que me experimentar?</p><p>-Porque não. –respondeu secamente.</p><p>-O seu ex-marido não pôde te fazer mulher? –perguntou pegando no queixo dela. Darlene nada respondeu e pegou a última camisa para dobrá-la. Ela estava com muito medo dele.</p><p>-Pronto terminei. –falou rápido e se levantou da cama.</p><p>-Então vamos para a cozinha.</p><p>Ela seguiu na frente, olhando para a porta da sala, sentindo vontade de sair correndo.</p><p>-Darlene, você sabe cozinhar muito bem.</p><p>-Eu sei que sei. –respondeu rudemente pra disfarçar o medo. –Aqui também está tudo limpo. - falou vendo-o abrindo a geladeira e pegou a garrafa de vinho e dois copos.</p><p>Ela observou que a chave da porta da sala não estava mais na fechadura e, começou à entrar em pânico.</p><p>-O que você está querendo fazer comigo?</p><p>-Nada, eu só pensava que você fosse uma mulher liberal. Mas, eu não iria forçà-la à nada.</p><p>-Eu quero ir embora. –disse Darlene apavorada.</p><p>-Não tenha medo Darlene. –disse ele terminando de encher um copo e o entregou à ela.</p><p>-Eu não quero beber mais nada. Eu quero ir embora. –falou quase em desespero.</p><p>-Tudo bem, tudo bem. Beba e eu vou buscar o Ângelo.</p><p>Acreditando na promessa ela pegou o copo d’àgua e, meio trêmula começou à beber.</p><p>-Isso. Bebe, bebe e se acalme. –Alceu falou alisando os cabelos dela.</p><p>-Eu não vou beber coisa nenhuma. –deu-lhe um empurrão e saiu correndo.</p><p><br /></p><p>Valquíria encontrou Alceu sozinho, só de ceroula preta, sentado na cama dele. Ele respirava profundamente e mantinha os olhos fechados. Ela tirou o vestido e o sutiã, todos molhados, ficando apenas com calcinha, se sentou de costas entre as pernas dele e roçava o pescoço no rosto dele. Seria a preparação para outra extravagância sexual incestuosa, uma vez que, por toda a vida, ela não saberia ao certo, à qual dos três irmãos seus amantes ela devesse chamar de marido. Ela tinha a certeza de que conseguiria material de provas suficiente para garantir à Ângelo, que ela não era a mãe dele. Para ela, o tempo de vacas magras estaria chegado ao fim.</p><p>-O que você fez com a empregada que saiu feito uma louca, quase passando por cima de mim?</p><p>-Não te interessa. Você sabe quem é o mentor e protetor de Ângelo? –ele perguntou enquanto deslizava as mãos nas coxas dela.</p><p>-É o velho Cândido.</p><p>-Você ainda não foi informada à respeito dele.</p><p>-Então vamos logo com isso porque hoje eu quero me entregar para o Ângelo, sem a intromissão daquelas ciumentas. E vou me saciar de sexo com ele.</p><p>Alceu à encarou com seriedade, mas não disse nada à respeito da tara dela por Ângelo.</p><p>-Fale-me de Cândido Plates Rivera. –disse ela mordendo de leve os dedos da mão dele.</p><p>-Ele é um homem muito importante. Profundo conhecedor de todas as artes reais que todos conhecem apenas na teoria. Através da arte musical ele consegue influenciar pessoas. Suas falas contêm mensagens subliminares que induzem os ouvintes à se tornarem revolucionários, mesmo sem causas para defenderem, ou às tornam mansas e inofensivas. Muitos eruditos estudam as composições dele, mas à maioria ou, talvez todas elas, são censuradas e proibidas de serem tocadas nas ràdios brasileiras. Mas as autoridades não ousam tocar nele. Sabe por quê?</p><p>À ser interrogada, ela virou-se para ele e parecia ter se dado conta de que Plates Rivera não era apenas o homem rico que a trocou por outra.</p><p>-Não sei. –respondeu ajeitando para tràs os cabelos frisados.</p><p>-Porque ele é o grande idealizador e formador de conceitos sobre o desenvolvimento intelectual. Isso faz dele, o intocável. Através do seu conhecimento sobre psicologia humana, ele pode conhecer suas intenções mais ocultas, até mesmo pelo seu modo de andar ou ficar parado. O homem é mesmo um manipulador e controlador de mentes humanas, e repassou todo seu conhecimento ao pupilo de ouro Ângelo Ràusen Junior, que passarà à assinar pelo sobrenome Rivera, se nós não conseguirmos destituí-lo até o próximo dia 06 de junho, quando ele completar dezoito anos.</p><p>-Talvez eu consiga conquistar o Ângelo. Aí teremos mais possibilidades de nos abastar de dinheiro. –disse ela alisando a barriga.</p><p>-Você não entendeu. Cândido sabe como decifrar pessoas. Na música ele decodifica sinais gràficos da escrita musical, e usou desse talento para educar aquele que ele captou honradez em seu caràter. Ângelo é o nome do privilegiado.</p><p>-Mas o que tem à ver todo esse privilégio dele com o meu caso com o Ângelo? -inquiriu mordiscando os mamilos dele.</p><p>Alceu levou as mãos na cabeleira lisa acomodando os longos fios no alto da cabeça, prendeu o ar e em seguida o soltou por vias nasais, para então responder.</p><p>-Acredita-se que Cândido seja um iluminado que recebeu dons do próprio Deus. Os elementos da estrutura terrestre são suas fontes de conhecimento. Quatro homens morreram no encontro com ele, incluindo Monsenhor Olavo I.</p><p>Valquíria segurou nas mãos dele e às levou à sua virilha em brasa viva, enquanto que as mãos dela apalpavam o membro dele sob a ceroula.</p><p>-Cândido não tem noção de quem eu sou. Eu e meus irmãos somos filhos de um pai só com mulheres diferentes. Temos genética produtora de embriões férteis, e todos de nossa família possuem histórico de poligamia. Contudo, eu terei que dar continuidade e ser o líder maior do clã dos Monsenhores. Serei o Grã-Monsenhor II. –disse abrindo os braços e serrando os punhos.</p><p>-Por que Ângelo é tão especial para Cândido Plates Rivera?</p><p>-Ninguém conhece a origem dos pais dele. Linhagem familiar, de onde ele veio. Cândido afeiçoou-se à ele, por achar que a origem daquele garoto, são sombras de sua própria origem.</p><p>-Eu não acredito em nada disso e, o que eu fiz naquela noite foi por dinheiro.</p><p>-Quem matou Otero, Ferreira e Norato, na noite em que as crianças nasceram foi você?</p><p>-Nenhum deles fui eu quem o eliminou. Outro alguém os matou. –Valquíria revelou.</p><p>-Eu os mataria para ter as viúvas sob meu controle. Ângelo não é filho de Augusto e Fátima.</p><p>-E se for? Quem o tirou vivo daquela casa, e, quem seriam os pais dele? Eu também perdi um filho do Augusto naquela noite. Talvez seja ele.</p><p>-Não sei. E não ousaria submetê-lo à um exame de sangue.</p><p>Houve uma pausa para carícias íntimas entre os dois. Valquíria embrenhou as mãos de dedos finos e unhas grandes e vermelhas nos pelos grisalhos do tórax de Alceu. Os movimentos de suas mãos eram vigorosos, respirações ofegantes e acompanhadas de balbucios de palavras torpes.</p><p>-Por que foi que você não entregou Jorge à mim?</p><p>-Você, seria suspeita.</p><p>-E os dois podem ser filhos de Augusto, não é isso?</p><p>-Sim. Faça você as análises com o sangue de cada um deles.</p><p>-Você sabe com quem você está conversando?</p><p>-Com a minha Valquíria.</p><p>-Acho bom que você não me subestime, seu, assassino.</p><p>-Não fui eu quem matou todos aqueles imbecis do passado. Foi você. E acho que você matou o Mathias.</p><p>-Chega. Já falei que não fui eu. Só me diga quem será os beneficiários dos seguros de vidas do Mathias morto e do Paulo ainda vivo?</p><p>-Não sei. Mas o neto ou a neta de Cândido Rivera me restituirá o meu dinheiro.</p><p>Valquíria se ajoelhou na cama para se livrar da única peça íntima que ela vestia.</p><p>-Não. –disse ele impedindo-a de ficar completamente nua. –Và tomar um banho. Eu estou cansado. Vou me deitar um pouco para um cochilo. Descanse também.</p><p>-Sim, futuro Monsenhor II. –disse e o beijou na boca.</p><p>Valquíria não se vestiu para ir ao quarto dela tirar a calcinha e voltar nua passando pela sala e indo à cozinha. Fuçou na gaveta do armário e pegou um objeto perfurante. Era um punhal com fio de dez polegadas. Com a arma em suas mãos ela voltou para o quarto dela. Depois de guardá-lo debaixo do travesseiro, e se deitou.</p><p>Quando as lâmpadas não iluminavam mais, e a densa escuridão se formou no interior da casa, Alceu se levantou, entrelaçou os dedos das mãos e deu uma contorcida no corpo. Sem acender a luz do quarto ele enfiou a mão direita debaixo do colchão. Dali a mão retornou empunhando o punhal.</p><p>Na calada da madrugada, pés humanos caminhavam suavemente pela casa escura. De olhos fechados, mas conseguindo desviar das paredes e móveis que se punham à sua frente, uma sinistra figura ia lentamente se aproximando do quarto onde estaria a vítima de seu instinto assassino.</p><p>Na hora de maior silêncio, dois joelhos encostaram-se à travessa lateral de um leito, duas mãos erguidas seguravam firme um punhal para com ímpeto e peso suficiente estaqueá-lo no coração de alguém e garantir-lhe o sono eterno.</p><p>Um som opaco emitido pelo contato de um corpo caindo sobre o colchão de molas, antecipado por um grito horrendo quebrou o silêncio da noite.</p><p>Quando a luz do quarto se acendeu, se pôde ver um punhal de cabo da cor de cobra coral enterrado nas costas de um corpo debruçado sobre a cama. Agonizando e se esforçando para pronunciar suas últimas palavras, quem morreria em breves segundos ergueu a cabeça para então dizer: - Eu sou... –e morreu. O sangue fresco escorria encharcando os lençóis. Não havia remorso naquele espírito perverso, assassino. Apenas a sensação de ter feito o que devia ter feito desde o dia que os dois se envolveram numa relação de ambições, ódio e assassinatos.</p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p><br /></p><p>Passaram-se dias, e Fátima não havia deixado a casa do Ângelo. Débora a humilhava bastante a tratando como à uma intrusa. Não bastasse o fato de ter que aturar as amolações de Débora, Fátima achava que Ângelo não poria Darlene para fora de casa. Ela sentia-se ainda mais desprezada. Darlene contou à ela algo muito confidencial. “O Ângelo tem uma doença transmissível. Eu o aceito com a doença. Você e a Débora não cuidariam dele como eu posso cuidar.” Fátima bateu os pés e assegurou que ela não deixaria Ângelo enfrentar a doença sem o acompanhamento feito por ela que saberia como cuidar de um doente portador de qualquer tipo e estágio de doença transmissível.</p><p>Fátima decidiu que ela poderia até não morar debaixo do esmo teto com Débora e Ângelo, mas, ela não voltaria para São Paulo enquanto não tivesse a certeza de que ele estivesse curado. Foi para o trabalho confiante de que ela conseguiria com o patrão Paulo, a garantia de sua estada permanente em solo goiano.</p><p>No final do expediente, Paulo convidou Fátima para ir até ao bar com ele para juntos, tomarem um drinque e logo mais irem à uma festa. Ela não estava se sentindo à vontade, pois, Ângelo não concordaria se acontecesse de ela se envolver com o patrão. Mas, desde a primeira vez que os dois fizeram sexo, - teria sido jà quatro vezes, - o argumento de Paulo foi convincente. - Usou a desculpa do homem rico que só se envolvia com mulheres que só queriam o dinheiro dele. E, ele só queria sair sem compromisso, para algum lugar com uma mulher bonita e, sobretudo descontraída, e que era muito quente na hora do prazer.</p><p>O ambiente não era agradável, a clientela feminina não era composta de mulheres que se possa confiar. Fátima começava a achar que Paulo também era alguém que merecia cuidado e atenção dela, além de sexo. Sobretudo, ela também precisava de uma casa para morar, pois, ela jà não suportava mais a implicância e o ciúme de Fátima em respeito à presença dela na casa de Ângelo.</p><p>Depois de flagrar algumas biscates dando piscadas para Paulo, Fátima resolveu ir embora sozinha, mas ele à acompanhou até a casa do Ângelo, alegando que a noite ainda era uma criança e que eles haviam combinados de irem à uma festa. Depois de muita insistência, ela decidiu satisfazê-lo, com uma condição. O Ângelo teria que ir junto. Ele torceu o nariz, mas aceitou a proposta. Para sorte dele, Ângelo não estava em casa. Saíra à passear com Darlene.</p><p>Havia um retrato na estante, era de Ângelo. Na fotografia o sorriso suave e o olhar profundo dele, com os braços cruzados sobre os peitos, jà revelava sua personalidade enigmática e extremamente perceptiva.</p><p>Paulo sentiu-se sendo vigiado por algo, ainda que inanimado.</p><p>-O que foi Paulo?</p><p>-Nada. É que agora, de repente me bateu uma lembrança de quando eu era mais jovem. Vendo a fotografia do Ângelo eu tive a sensação de que ele é um garoto excelente.</p><p>-Eu sei que você pode estar pensando mal de mim, mas eu não tenho nenhum interesse em dormir com ele.</p><p>-E comigo? Você gosta de passar a noite acordada?</p><p>-Não sei se estou fazendo o que é certo.</p><p>Paulo a abraçou sobre os ombros. Ela mantinha os braços ainda cruzados. E fica à pensar.</p><p>-Você é uma mulher maravilhosa. Eu jà estou apaixonado por você.</p><p>Fátima não estava convencida de que ele estava sendo sincero, mas por outro lado ela teria que arriscar e, estava arriscando permanecer em Goiânia, mesmo tendo que morar longe de Ângelo, porque ela não havia perdido a esperança de um dia tê-lo só para ela. Fátima fazia sexo com Paulo, mas o desejo dela era que fosse com aquele que à fez acreditar que o que era dela, ninguém o roubaria.</p><p>-Sabe, Paulo, nós não vamos mais à tal festa, e seria bom que você não ficasse aqui essa noite.</p><p>-A noite jà foi demasiadamente frustrante para você estando comigo. Eu não te causei boa intenção ao te levar naquele bar. Eu posso comprar uma casa pra você morar nela. Então, nós dois poderemos nos ver quando quisermos.</p><p>Era tudo que ela queria ouvir.</p><p>-Mas eu estou adorando essa noite. –falou tocando o rosto dele.</p><p>Fátima desconsiderou a possibilidade de o Ângelo chegaria em breve porque ela não tinha o costume de vir vê-la sem avisà-la por telefone.</p><p>Em pés no centro da sala, Paulo começou à despi-la. Ela olhou para o retrato na estante.</p><p>-Não, eu não consigo. –disse, ajeitando a blusa no corpo.</p><p>-Deixe acontecer. Apenas deixe acontecer como jà aconteceram outras vezes.</p><p>E ali mesmo, no carpete da sala, Fátima se entregou à Paulo para deixar que tudo acontecesse mais uma vez.</p><p>Não se podia dizer que houve entrega total da parte dela. Apenas o corpo dela fora entregue à Paulo. Sua mente foi tomada por um turbilhão de sensações desmotivadoras. Paulo desconhecia qualquer forma de sensação que não fosse insatisfação por estar possuindo uma mulher bonita e sensual, porém, momentaneamente frígida.</p><p>Depois da relação sexual, Paulo se levantou, vestiu-se e se jogou no sofá.</p><p>-Eu sei que o que passa na sua cabeça é muito confuso nesse momento. Mas eu não consigo encontrar razão para que uma mulher madura se veja tão incapacitada de se entregar inteiramente à um homem, simplesmente pelo fato de ela morar na casa do amigo do seu amigo.</p><p>-Essa casa é do Ângelo, não de um amigo dele. Eu devo respeitá-lo. –disse ela vestindo a blusa.</p><p>-Não Fátima, o que o Ângelo usufrui não pertence à ele. É do senhor Cândido Plates Rivera, que o tem como à um filho, por ele não ter um herdeiro...</p><p>Fátima sentou-se no sofá, vagarosamente e bastante intrigada com a descoberta.</p><p>-O Ângelo não me disse que ele era dono de propriedade alguma pertencente à Cândido, mas eu pensava que pertencia à ele.</p><p>-Sim, pertence, mas como usufruto. Enquanto ele andar na linha. Uma falha cometida por ele, ele perde tudo.</p><p>Fátima se levantou num impulso.</p><p>-Então, ele está... enganando... o senhor Cândido. –pareceu ter sido sem querer, pois Fátima tentou refrear a língua.</p><p>-Não. Ele é um bom garoto. – Paulo afirmou.</p><p>-Não é o que você está pensando. Ele é portador de uma doença e poderá morrer antes de alcançar a maioridade.</p><p>-Não diga asneira, mulher. –falou num rompante seguido de um levantar abrupto do assento.</p><p>-Eu sei o que estou falando.</p><p>-Você deve estar ficando louca.</p><p>-Não sou e nem estou louca. Paulo, a Darlene era enfermeira particular em São Paulo. Ela ficarà na casa dele porque ela não vai deixar que ele contrate uma enfermeira para cuidar dele. Eu o orientei à ir fazer alguns exames mais minuciosos, mas ele se recusou à fazer até mesmo um simples exames de sangue. Então eu o encorajei indo com ele ao laboratório. Fizemos juntos os exames, mas ele não quis me mostrar o resultado do hemograma realizado nele.</p><p>Atordoado Paulo se sentou novamente para ouvi-la.</p><p>-O que me causa estranhamento é o fato de ele não entregar à Darlene às prescrições médicas dele.</p><p>Paulo permanecia incrédulo, mas muito abalado.</p><p>-Isso não é nada bom. –disse Paulo preocupado.</p><p>Massageando as fontes do rosto, Fátima recordava de Ângelo dizendo à ela que ela não devia contar à ninguém a história de vida dele. Confusa, ela tentava entender o porquê de ter que manter sua história em segredo. “Por essa razão, talvez, ele teria me prometido que ele não faria sexo com Débora, e um dia teria eu de volta à casa dele para eu saber o quanto ele se esforçou para me ver feliz. “-ela recordou.</p><p>Chocada, ela pediu para que Paulo fosse embora.</p><p>-Que isso fique em segredo entre nós. –disse ele abrindo a porta para sair.</p><p><br /></p><p>Seria muito constrangedor para Fátima, contar à Ângelo, que ela estava tendo um caso com Paulo. Queria culpà-lo por ter sido o responsàvel por ela ter se envolvido com o patrão. E também porque às vezes, ela se via à ponto de insistir que Ângelo ficasse para dormir com ela, mas como lhe doía a consciência por tal pretensão da parte dela. Fátima nutria um sentimento mesclado de amor afetivo e gratidão por tudo que ele fez e ainda estaria fazendo por ela. Mas no fundo ela admitia que o ônus da culpa pertencesse à ele também. Ele podia ter evitado que ela chegasse ao ponto de fazer sexo com o patrão intuindo que ele à acolheria, se caso, por força do que ela representasse à Ângelo, ela fosse despejada, -e foi, - da casa onde ela morava.</p><p>Jà aflita, ela viu o maço de cigarros que Paulo esquecera sobre a mesinha de centro e foi logo acendendo um. Havia ela deixado o vício desde a vinda para Goiânia. Fátima foi fumante por nove anos, após ter perdido o esposo e o bebê que ela nem chegou à vê-lo ao nascer morto e quase a levou à morte também.</p><p>Sua perna cruzada sobre a outra balançava numa demonstração clara que ela estava ansiosa. Sentia o peso da consciência lhe consumindo.</p><p>Quando ouviu o bater na porta, ela tentou se livrar do cheiro do cigarro, pensou em comer um pouco de creme dental, antes de abrir a porta para que Ângelo entrasse. Rodopiou pela sala, jogou o maço de cigarros em qualquer lugar e tomou a decisão.</p><p>-Ângelo, não entre. –disse abrindo e fechando a porta às suas costas. –Eu tenho que te confessar algo que talvez te faça me escorraçar dessa casa.</p><p>Com as mãos atrás das costas, Ângelo deixou que ela o abraçasse e aconchegasse a cabeça em peito.</p><p>-Está escuro aqui fora minha linda. E assim você não conseguirà enxergar o que eu trouxe pra você.</p><p>O sorriso gracioso Fátima não viu, mas sentiu o toque e o perfume do buquê de rosas, que Ângelo encostou ao rosto dela. Ao pegar o buquê, ela o acolheu nos braços, abriu a porta e convidou Ângelo para entrar na casa.</p><p>As rosas do buquê: brancas e singelas. O abraço dado por ele em Ângelo: forte e atormentado. Ela queria afrouxar, mas a indecisão relativa ao que ela pretendia dizer à ele, naquele momento atenuou-se mais.</p><p>Um leve fungar de Ângelo fez com que Fátima o desabraçasse. Sentiu o cheiro de cigarro nela e no ar. Ele percorreu a sala e foi se sentar no sofá. Fátima ficou à olhar o buquê, como quem conversava com as rosas.</p><p>-Você voltou à fumar. -disse brandamente.</p><p>Ela assentiu com um espremer de lábios e foi se aproximando do sofá menor. Com cuidado pôs o buquê do lado dela no assento.</p><p>-São tantas coisas, Ângelo...</p><p>-Comece compartilhando comigo a que mais te apavora. –friamente ele falou.</p><p>Fátima poderia começar pelo caso dela com Paulo, a prostituta que ela era em São Paulo, ou pela culpa que ela carregava, de ter causado tantas mortes naquela noite macabra no dia 06 do mês de junho de 1966. Mas ela estava ali, diante do garoto que o que surgiu em sua vida para mostrar à ela que o que passou, passou, e era momento de recomeçar.</p><p>-Ângelo, eu quero começar tudo de novo. Não me mande ir embora.</p><p>-Fátima, teria como recomeçar se as cinzas do passado parecem fumegar em sua consciência jà chamuscada de dúvidas e inverdades? O Paulo acabou de sair daqui. Eu sei que foi ele que te deixou assim.</p><p>-Por que você não me leva para conhecer o senhor Cândido?</p><p>-Ele não está em condições de saber sobre você.</p><p>-Seria para evitar que ele soubesse que eu sou a mulher que merecidamente tem o direito de herdar todos os bens materiais dele?</p><p>O semblante de Ângelo permaneceu suave, mas seus olhos emitiram um brilho, de compaixão, talvez.</p><p>-Eu só não queria que você sofresse novamente todas as injúrias, calúnias e prejulgamentos das pessoas maldosas que sabem do que aconteceu com o filho e o neto do seu Cândido naquela noite.</p><p>Fátima sentiu seu coração comprimir-se dentro peito fazendo-a admitir a si mesma que, ela estava sendo injusta com suas arrazoações. No arroubo de sua sensatez, ela se conscientizava de que, a digna de descrédito ali seria ela.</p><p>-Essas pessoas vivem aqui em Goiânia?</p><p>-Não sei. Eu não às conheci. Sou muito novo ainda. –sorriu. –Você não consegue se lembrar de nenhuma das pessoas envolvidas e vítimas daquela tragédia?</p><p>Olhando as rosas, Fátima demonstrou insegurança para relatar o pouco que ela conseguia recordar. Ângelo se sentou no piso e à puxou para que ela se sentasse do lado dele.</p><p>-Esqueça o buquê. A rosa mais preciosa aqui é você. –disse ele segurando o braço dela.</p><p>-Obrigada pela observação. –agradeceu se sentando. Ângelo, eu estou tendo um caso com o meu patrão. -com jeito de quem disse o que não deveria tê-lo dito, Fátima, aguardava o resultado por ela ter dito o que ela relutava em não contar à ele.</p><p>-Você jà é bem crescidinha. –disse com naturalidade refrigeradora. –Mas, eu não vou te perder para ele. Você não vai mais trabalhar para ele e nem irà embora dessa casa.</p><p>Ela o abraçou com ímpeto que o fez cair para de lado no piso, e se deitou em cima dele.</p><p>-Eu te amo, eu te amo, eu te amo. Te amo, te amo, te amo. Te amo muito, Ângelo.</p><p>-Eu também, Fátima. Eu também. Muito.</p><p>-Então eu posso continuar aqui?</p><p>Ângelo se levantou erguendo-a com ele.</p><p>-A casa é nossa,e é você quem diz quem pode e não pode morar nela.</p><p>-Então và falar com a Darlene e impeça que ela và embora. Deixemos a Débora morar aqui também, se ela quiser. Eu não ligo para o jeito dela tratar as pessoas.</p><p>Ângelo acoplou a cabeça dela em seus peitos.</p><p>-Você é muito especial Fátima. Eu também te amo muito. -e beijou o alto da cabeça dela.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p>Paulo estava à beira da morte e pediu que João Pedro avisasse Ângelo para ir vê-lo em sua casa. Ele preferiu não ficar hospitalizado. Se tinha que morrer em breve, que fosse no conforto de sua casa. A sala era mobiliada semelhante à uma biblioteca residencial, com amplitude suficiente para dispor de uma estante gigantesca em largura e assombrosa em altura à ponto de ter uma escada abre-e-fecha com seis degraus para uso de quem queira ler um exemplar das centenas de livros, todos eles em capas duras que esteja fora do alcance das mãos. Uma mesa de leitura particular, com uma luminária de pedestal curvado para o tampo. Todos os móveis são de cor ocre. Conta também com um barzinho abarrotado de bebidas destiladas. Jogos de sofás encostados às paredes e uma mesa quadrada com seis assentos almofadados com tachas douradas nas bordas laterais dos encostos. O dono do lugar é Paulo Vidigal, o bonachão do ramo de seguradoras.</p><p>-Bom, Ângelo, - disse Paulo se sentando com muito esforço em sua cadeira de leitura. –O nosso encontro aqui terá um caráter de confissão.</p><p>-Falemos sobre a sua participação naquela tragédia no Braz. Eu prefiro saber sobre você primeiro.</p><p>Paulo arranhou a garganta em frangalhos, afrouxou o nó da gravata e se ajeitou na cadeira colocando os cotovelos sobre a mesa e esfregou as mãos.</p><p>-Talvez eu não tenha conhecido você direito, mas estou ombro à ombro com Cândido Plates Rivera, o seu mestre...</p><p>-Eu sei muito sobre a sua representatividade para ele. Mas estou aqui pra falar de você no caso Fátima. –disse Ângelo incisivamente e sem querer delongar a conversa.</p><p>Paulo suspendeu as mangas da camisa deixando à mostra os braços finos e o relógio em ouro que parecia querer escorrer por sua mão. No enrubescer do rosto, as rugas se uniram umas as outras.</p><p>-Sabe o que eu estranhava? –Ângelo perguntou pondo os cotovelos na mesa e cruzando as mãos.</p><p>-Não sei. - Paulo respondeu movendo os ombros para cima.</p><p>-Eu achava que você tinha muito zelo comigo. Mas não respeitou à...</p><p>-Ângelo, Ângelo. –disse Paulo. –Você tem que entender como as coisas funcionam. Eu sou homem e não levo muito jeito para ser fiel à mulher nenhuma...</p><p>-Você não foi homem o suficiente para evitar que as mulheres e bebês fossem mortos à dezessete anos atrás.</p><p>Houve silêncio. O ambiente bem iluminado por lâmpadas fluorescentes no teto de pé direito alto. Por mais que Paulo quisesse disfarçar, não teria como esconder o rubor que ia se formando em sua face. Ângelo era muito pertinente em tudo que ele fala e trata. Paulo não estava enganado à respeito da personalidade e caràter dele, adquiridos nos anos de seu discipulado com Cândido Plates.</p><p>-No início daquela noite, Augusto, eu e meus dois irmãos voltávamos do trabalho. Íamos jantar na casa dele. Num dado momento, Ferreira sugeriu que nós fôssemos à um bar para comemorarmos a conclusão das tarefas naquele dia. Norato usou o telefone do bar para fazer uma ligação. Valquíria atendeu a ligação e disse que a esposa do augusto, Fátima, estava sentindo dores para dar a luz. Ao receber a notícia, Augusto deixou o bar imediatamente, e sozinho no carro, ele foi dirigindo até à maternidade. Augusto não chegou à ver o fruto do seu amor com Fátima. </p><p>-E você, viu as crianças?</p><p>-Eu liguei em minha casa. Minha mulher me falou que ela e outras duas mulheres estavam indo para a casa do Augusto, pois o parto estava acontecendo lá. Então eu parti para lá sozinho também. Quando eu cheguei naquela maldita casa, tudo já havia acontecido.</p><p>-E o que você fez?</p><p>-Eu perdi o controle quando vi que a grávida estava morta.</p><p>-A sua mulher, também estava grávida do Augusto?</p><p>Paulo deixou transparecer todo o ódio que ele sentia por Augusto.</p><p>-Aquele maldito teve o fim que ele merecia. Mas, eu não o matei. –tossiu com dificuldade.</p><p>-Você ficou no bar. Não teria como provocar o acidente. Eu não te incrimino pela morte dele.</p><p>-Eu fui considerado suspeito, mas fui inocentado. Então eu entrei com processo...</p><p>-Foi justo. Você viu o bebê da Fátima, morto?</p><p>-Não. Faltava luz elétrica na residência, mas eu vi que alguém estava fugindo daquela casa naquela hora. Eu não o alcancei.</p><p>-Grande Paulo!</p><p>Paulo apenas deu tapas no ar. Ângelo sempre o chamava de doutor Paulo, mas depois que foi e voltou de São Paulo, ele o tratava como à uma pessoa qualquer.</p><p>Ângelo o analisou e percebeu que ele jà não apresentava mais a mesma feição em seu rosto que era redondo como uma bola de basquete. Sua pele, tempos atrás era como a de alguém que fazia cirurgias faciais reparadoras de rugas.</p><p>-Ângelo, tinha crianças dentro da cesta, e elas foram levadas para o senhor Cândido.</p><p>-Havia quantos bebês?</p><p>-Eram dois ou mais, três, eu acho.</p><p>-Quem são eles hoje?</p><p>-Não sei. Eu não convivi com eles. Eu temia ser acusado de tudo.</p><p>-Mas você sabe quem os trouxeram.</p><p>Paulo baixou os olhos e esforçou para responder, mas sua garganta parecia não poder mais liberar a voz. Seus cabelos já grisalhos e ralos o faziam parecer mais velho. Ele estava morrendo aos poucos.</p><p>-Valquíria pode te dar as respostas.</p><p>-Descanse. Eu jà estou indo. –disse Ângelo se levantando.</p><p>-E você com a Fátima? –Paulo quis saber.</p><p>-Em consideração à ela eu não a violei.</p><p>-A Fátima me contou que você é doente e vai morrer em breve.</p><p>-Era isso que você queria, não era? E queria que ela engravidasse de um filho meu, para ter o direito de matá-la e se tornar dono dos bens dela. Mas não foi dessa vez. Morra em paz, Paulo. E, não pense que eu sou o causador da sua morte. Você contraiu Aids por razão de seu apetite sexual desordenado. –e saiu deixando o moribundo sentado em sua cadeira esperando a morte. E morreu ali mesmo.</p><p><br /></p><p>Ângelo chegou à casa dele e, ao entrar sentiu a atmosfera diferente. Fátima não foi recebê-lo na porta como de costume. Ao se dirigir para o quarto, ele ouviu um choro e soluços sussurrados.</p><p>-Fátima, o que aconteceu? –Ângelo perguntou ao abrir a porta e vê-la sentada no piso. Ela não estava nua, mas tentava cobrir os seios com os braços cruzados sobre eles.</p><p>-Me deixe sozinha, Ângelo. Eu não consegui cumprir o que te prometi, e fui causadora da morte do Paulo.</p><p>-Não diga tolices. Vem. Dê-me a sua mão.</p><p>Com muita vergonha e remorso ela deu a mão a ele que a ajudou à se levantar e, em pé, ela se jogou nos braços dele.</p><p>-Me perdoa! Eu falhei com você!</p><p>-Falhou nada. Agora deite nessa cama. Eu vou escolher uma blusa pra você se vestir com ela. Todo esse meio corpo monumental sem uma capa que o cubra, poderá me transformar em alpinista para escalá-lo. – falou abrindo o guarda-roupa.</p><p>Fátima ensaiou um sorriso sem graça, mas se sentou na cama, numa languidez deprimente.</p><p>Ângelo tirou do guarda-roupa uma camisa de seda branca, de mangas longas e com capricho a vestiu em Fátima, abotoando botão por botão até ao penúltimo deles.</p><p>-Até despenteada e sem maquiagem, você é linda. Naturalmente, a minha flor mais preciosa. Eu amo você, muito, sabia?</p><p>-Não sei. Você me entregou nas mãos do Paulo. Talvez você pense que eu sou mesmo merecedora de ser chamada de maldita e devesse morrer daquela doença maldita. Mas eu não sou mà, Ângelo, e, eu te amo tanto. Por que você fez isso comigo? –Fátima o indagou se deitando e fazendo o colo dele de descanso para sua cabeça atormentada. -O Paulo morreu doente. Você sabia da doença e mesmo assim me deixou fazer sexo com ele...</p><p>-Sim, eu sabia. Você possui imunidade à doenças sexualmente transmissíveis. Só que, eu disse à ele, que a sua genética te torna tão fértil, mas tão fértil, que, se você se masturbasse com um pênis de silicone, você engravidaria dele. Mas, na verdade, o seu tipo sanguíneo produz anticorpos de defesa à doenças crônicas, patológicas, venéreas e... quais mais são classificações das doenças?</p><p>Fátima se levantou com novo ânimo.</p><p>-Quer dizer que você não queria só se livrar de mim para sempre?</p><p>Ângelo também se levantou e segurou o rosto dela com as duas mãos.</p><p>-Jamais eu quererei perder você Fátima. De todas, você é a mais pura, a mais meiga e afàvel. Se eu te perder, perderei também a doçura do néctar contido dentro desse seu coração cheio de amor, o aconchego do seu abraço, a calma que me tràs a sua voz e a ternura do seu beijo. Não encare o meu modo de agradecer à você pela sua existência em minha vida, como o de um conquistador que quer conquistar uma mulher tão linda e inocente que ficarà muito rica em poucos dias. Eu te amo com todas as minhas forças e não deixaria que ninguém te fizesse sofrer mais do que você jà tenha sofrido.</p><p>-Pobre Paulo! –disse Fátima.</p><p>-Poucas pessoas comparecerão no velório para prestarem suas últimas homenagens à ele. Ele não era homem de muitos amigos, suas relações com as pessoas não passavam de curtas conversas de negócios escusos fraudulentos, da parte dele. Não se culpe.</p><p>Fátima só queria que o tempo parasse naquela hora. Abraçada à ele, ela se sentia amada e protegida.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p> Apólices</p><p><br /></p><p>Com Maura, Ângelo se encontrou novamente para tratarem de assuntos relacionados à apólices de seguros.</p><p>-Eu soube que quando três homens morreram vítimas de punhaladas que lhes perfuraram os corações, indo varar nas costas deles, preliminarmente, alguém foi acusado de tê-los assassinados, mas a investigação levou os investigadores à concluir que eles teriam se suicidado. Isso aconteceu no ano 1966 em São Paulo, e os mortos eram os três irmãos, Otero, Norato e Ferreira...</p><p>-A Seguradora Rivera & Associados pagou altas somas em dinheiro à três mulheres que ficaram viúvas.</p><p>-Que ótimo. Você está à par dos trâmites dos processos relativos aos pagamentos das apólices de seguros de vidas desses três homens.</p><p>–Sim, eu era estagiária no departamento financeiro da seguradora em São Paulo quando Otero, Norato e Ferreira morreram em 1966. As indenizações foram as maiores de todos os valores indenizatórios que a seguradora pegou até então. Os seguros eram classe A ouro. No depoimento prestado à polícia, Valquíria, que representava as irmãs viúvas, declarou que antes das fatalidades, ela e os homens tiveram desentendimentos. Eles à acusavam de estar tendo um caso com um e outro, e que os supostos amantes dela teriam roubado todo o dinheiro da conta bancaria dela. Ela alegava que se alguém consumiu o dinheiro com amantes, este alguém seria o Otero, já que as contas bancárias dos dois eram conjuntas.</p><p>–Com a quebra do sigilo bancário do casal, foi encontrado um extrato de movimentação da conta corrente?</p><p>–Corretamente. Um alto valor em dinheiro havia sido transferido para a conta de uma empresa de seguros de vidas. Otero, Norato e Ferreira eram os assegurados. Mas, os seguros não cobriam mortes por suicídios.</p><p>–Então não houve o pagamento, e o caso foi encerrado em primeira instância?</p><p>–Havendo dado como encerrado o caso no ponto de vista criminal, Valquíria entrou com uma ação na justiça contra a seguradora requerendo indenização por danos morais e prejuízos materiais. A seguradora exigiu reabertura do processo em caráter criminalístico. E então se concluiu que os três foram assassinados por alguém que os apunhalou pelas costas. Valquíria voltou a ser a principal suspeita de tê-lo assassinado. Mas, amparada judicialmente por advogados da melhor estirpe, ela seria inocentada outra vez. O proprietário da estipuladora de seguros, Cândido Plates Rivera determinou encerrar aquela questão antes de ser levada à fórum judicial e deliberou o pagamento. A fatalidade e o todo o processo jurídico envolvendo a seguradora e os sinistrados, Otero, Ferreira e Norato e as viúvas beneficiárias, foram iguais e tiveram o mesmo desfecho. –Maura respaldou se abanando.</p><p>Ângelo não considerou mera coincidência tais semelhanças entre os três casos judiciais dos esposos de Valquíria e de suas irmãs.</p><p>–Valquíria recebeu as indenizações sem nenhum empecilho?</p><p>–O diretor Amaro entrou com uma representação contra Valquíria, por ela ter sido culpada, ou no mínimo negligente à respeito das mortes das mães e seus bebês, as quais eram pacientes dela. Ela provou que ela esteve na casa de Fátima naquela noite, e que ela também poderia ter sido uma das vítimas à perderem a criança que ela esperava, e também ter morrido nas mesmas circunstâncias daquela hora. E confessou que ela não era médica profissional, sim, uma empregada doméstica do casal Augusto e Fátima, e que trabalhava na casa para conseguir pagar pela faculdade de medicina.</p><p>–A promotoria desconsiderou as apresentações feitas pelo senhor Amaro e decretou ganho de causa à Valquíria?</p><p>–Amaro não concordou com a determinação de Cândido Plates, e desfez a sociedade entre os dois. Valquíria não ficou com nenhum centavo do montante recebido. A consciência dela pesoum e ela doou o dinheiro para uma instituição de caridade e assistência à mulheres que também foram vítimas de algum tipo de impedimento para serem mães. É uma escola educacional para filhos e filhas órfãs de pais, aqui em Goiânia. </p><p>-Tudo bem. Eu quero que a estipuladora seja a seguradora do senhor Amaro. O mantenedor serei eu. As seguradas serão algumas adolescentes. Eu passarei à você os dados pessoais delas numa outra oportunidade. Os nomes dos beneficiários estão escritos nesse envelope que eu te entreguei, junto com um singelo reconhecimento da minha parte à sua beleza e boa vontade.</p><p>Havia uma saliência no envelope, a qual, Maura a conferiu deslizando os dedos sobre o que seria uma pequena caixinha. Ela sacou-a de dentro do envelope e a abriu.</p><p>-Ângelo! –disse com voz sussurrada e olhar encantado. –É lindo Ângelo! Esse anel vale uma fortuna. - um solitário em ouro e diamante. O que isso significa? –quis saber após morder o próprio lábio inferior.</p><p>-Que tal a gente mudar de conversa?</p><p>-Para mim, um presente desses sugere um relacionamento mais íntimo entre nós dois.</p><p>-A minha intenção pode não ser tão romântica.</p><p>-Você me acende e me torna em cinzas ao mesmo tempo.</p><p>-Eu preciso que você faça o seu trabalho para eu me sentir seguro em relação à minha segurança pessoal, para então eu me envolver com você com maior confiança para um relacionamento mais duradouro. -Eu preciso que isso fique resolvido no mês passado.</p><p>-Engraçadinho. Eu jà disse que você pode contar comigo. –disse ela recolocando o estojinho ao envelope.</p><p>-Beijo, linda. –e selou os lábios dela.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>*</p><p>Encontrando as moças</p><p>Do lado de fora da mansão, especificamente na piscina, três garotas de corpos esculturais, se exibiam ao sol. Uma delas, a Carina, de biquíni azul, ao ver Ângelo levantar para ir à cozinha, tentou se exibir para ele, tirando os óculos e indo até ele, pedido que ele apertasse o lacinho do biquíni em suas costas. Naquele instante ele jà havia chegado à porta da cozinha, a empregada Vanuza que jà estava vindo encontrà-lo na varanda, foi ela quem amarrou o biquíni da exibida, dando um nó cego só pra ter certeza que o biquíni não afrouxaria novamente. A dona do biquíni </p><p>aceitou que a empregada amarrasse o micro sutiã, mas ficou batendo um pezinho no piso da varanda, com uma mão na cintura, a outra segurando os óculos e assoprando para cima. Quando Vanuza apertou bem o laço e disse “pronto queridinha”, ela disse “aiiii, obrigada” e voltou para piscina com cara emburrada, para garantir pelo menos o seu lugar ao sol.</p><p>E Jorge ali assistindo tudo que Ângelo fazia e despertava nas mulheres e também nas garotas.</p><p>Passou a manhã, as garotas foram embora, eles assistiram filmes na sala de àudio e vídeo, jogaram vídeo game Atari e tocaram teclado no quarto do Jorge. A palavra caramba era sempre dita por Murilo à cada cômodo visitado. Murilo teve que ir embora mais cedo e foi. Ângelo e Jorge fizeram muita coisa depois que as meninas foram embora.</p><p>Jorge resolvera ir para a casa do amigo para comentar com ele sobre à bem sucedida tarde de sàbado, afinal de contas, ambos, conseguiram aumentar a extensa lista de paqueras.</p><p>Decidiram não ir dormir cedo da noite, pois teriam que elaborar outras estratégias para abordar garotas. Ângelo foi excelente no improviso, pois as garotas surgiram num momento em que eles menos esperavam.</p><p>Ângelo providenciou uns pedaços de madeira, ateou fogo, e ambos ao redor da fogueira à beira da rua, sentados em tamboretes, sobre a calçada, faziam comentàrios sobre tudo que havia acontecido horas atrás.</p><p>-Ângelo, que história foi aquela de que você morava no Setor Marista, quando era criança antes de se mudar para o Setor Oeste?</p><p>Ângelo se levantou, fez pose de malandro velho para responder.</p><p>-Você acha que eu ia dizer que eu morava num barraco de madeira de piso de tàbua? Jorge, você tà apaixonado? –brincou Ângelo jogando um pouco de brasa no tênis de Jorge. –Me fale aí da tal Fernanda.</p><p>-A Fernanda está sempre ocupada estudando piano. A Verônica está enchendo a cabeça dela contra mim.</p><p>Ângelo meneou a cabeça, encafifado.</p><p>-Fernanda, Verônica... sei. Deixe pra lá.</p><p>Fernanda era moça linda, inteligente e seria. Jorge temia se envolver com alguém com tantas qualidades. Lembrou-se do rosto macio, a boca de lábios rosados. Não. Ele não iria procurà-la.</p><p>-Que nada. Esquece. Quem apaixona é idiota. -disse num repente afastando das labaredas que começava arder-lhe o rosto. -Ângelo, agora nós só vamos paquerar as garotas da hora, falou? Eu não quero nem saber mais da Fernanda. -determinou jà em pé.</p><p>Ângelo imitou a posição de Jorge. Os dois fizeram o usual toque de mãos estalado e sentaram novamente.</p><p>–Ângelo, eu tenho que te mostrar uma coisa. –disse e mostrou à ele a fotografia meio estranha por se tratar de personagens irreconhecíveis.</p><p>Eram três mulheres vestidas de cortesãs, três adolescentes femininas e um músico trompetista encapuzado. E havia um pentagrama com sinais fermatas. –Você conhece esse que toca o trompete nessa fotografia?</p><p>–Não consigo reconhecê-lo. Jorge, você quer me esclarecer o que está havendo entre você e essas pessoas?</p><p>Jorge deu de ombros.</p><p>-E essas fermatas o que significam? –ele perguntou receoso.</p><p>–Jorge, o senhor Cândido preferiu à mim, e o senhor Amaro preferiu à você.</p><p>-Mas, nós dois continuamos sendo amigos.</p><p>-Só me explique por que é que esse instrumentista está tocando um trompete tendo essas mulheres e moças vestidas com vestidos negros e coroas de rosas nas cabeças delas.</p><p>–Eu não sei. O vovô Amaro comprou essas roupas e deu à elas, e pediu que elas as vestissem por alguns minutos. Aí o encapuzado pegou esse instrumento e se colocou entre elas e tocou uma música. No dizer do vovô, esse ensaio seria para a festa de apresentação dos herdeiros promovida pelo o senhor Cândido.</p><p>–Droga. –disse Ângelo preocupado. –Qual foi a música que ele tocava no momento?</p><p>–O silêncio. O que significa Ângelo?</p><p>–Silêncio para os mortais que ainda vivem e assistem à partida de um falecido, e anunciação da chegada do espírito do desencarnado ao mundo das almas.</p><p>–Ângelo, que coisa mais sinistra. Uma vez eu vi o vovô amaro e o senhor Cândido, vestidos em roupas tipo batinas de padres. Eles saíam de uma sala restrita à visitantes, que fica nos fundos da casa do senhor Amaro. Isso significa mortes?</p><p>–O seu avô não entende de música. Se quem a tocou foi ele usando esse capuz, foi por ela ser muito simples e fàcil de tocar. Jà o senhor Cândido é técnico e pràtico em relação à todo instrumento musical.</p><p>-De repente, ele quer impressionar os membros da Ordem Rivera que estarão presentes na reunião anual do conselho e na cerimônia de apresentação do herdeiro ou herdeira. –Jorge observou duvidoso ainda.</p><p>–Não há como saber se o músico é mesmo o senhor Cândido. Mas eu estou preocupado com essas pessoas e com todas essas sugestões contidas nessa fotografia.</p><p>–Eu não me preocupo nenhum pouco.</p><p>Mas, Ângelo se preocupou.</p><p>-R. C. Enarmônico. –disse Jorge analisando a fotografia. –Entendeu essas iniciais e a palavra? O imbecil nem sabe escrever inarmônico.</p><p>–Poderia ser: R de Rodrigo. C, de qualquer outro nome. Rodrigo foi o meu segundo nome.</p><p>–Então, o tal C não te considera como amigo dele. Inarmônico quer dizer algo negativo.</p><p>–Ele sabe escrever muito bem, Jorge. Essa escrita é do senhor Cândido. E a letra C é a inicial do nome dele.</p><p>–Ele diz que você é o menino de ouro dele...</p><p>–Será você ou eu. Você sabe disso. –disse Ângelo contemplando as labaredas tremeluzindo.</p><p>Ele entendia que trompete fosse sempre usado para a execução daquela canção em cerimônias fúnebres, por causa do timbre emitido por tal instrumento.</p><p>–Ângelo, diz mais alguma coisa sobre essa música.</p><p>–Jorge, quem possui conhecimento sobre música instrumental pode perceber que o som de todos os instrumentos de pistões agudos, em qualquer lugar que um deles esteja numa orquestra, ou até mesmo sendo tocado individualmente, ele soa distante, porém, muito discernido, como se as ondas sonoras emitidas por ele propagassem em linha reta para atingir um alvo invisível. No caso dessa música em especial, o músico almeja que o som desse instrumento viaje para outra dimensão e penetre o portal entre o mundo material e o espiritual. Mas, por que ela foi tocada entre mulheres e moças vestidas para ocasião de cerimônia fúnebre? Isto para mim é muito misterioso, funesto e parecido ao que eu li sobre sacrifícios de vidas humanas, no manuscrito que o senhor Cândido me fez lê-lo durante todo esse tempo.</p><p>–Eu não levo aquele manuscrito à sério.</p><p>–Mas devia. – disse Ângelo, e se calou.</p><p>–Ângelo, vamos mudar de assunto. Eu quero falar sobre garotas. A Fernanda é excitante sem a intenção de ser. E tem sensualidade capaz de me deixar à ponto de levà-la para a cama e fazer sexo com ela a noite inteira. O problema é que ela faz o tipo de garota que se faz objeto de prazer só para agradar o parceiro. Amabilidade enjoativa. É como a àgua que sacia a sede sem deixa sabor no paladar de quem a bebe, ou o soprano, pràtica e sem novidades. Verônica é pura sedução, apesar do modo de se vestir com roupas de Heavy-metal. Tem um jeito caloroso de falar, igualmente ao modo que ela se entrega ao parceiro na hora do amor. Eu sinto-me me consumindo no desejo ardente dela que se expressa até no transpirar da pele morena dela. Ela é puro tenor. Talvez não seja fàcil de saciar uma garota como à Verônica. Ela é fogo voraz, capaz de deixar o parceiro em cinza pura. Haja combustão sexual de um parceiro para equivaler à dela. Inexperientes como você não a agradaria na cama. Mas, a que me deixa confiante tranqüilo em se tratando de amor e sexo, é a lourinha Flávia. Eu diria que ela é a garota sensação que provoca sensações imensuràveis em mim. O cheiro de todo o corpo perfeito dela me leva à saboreà-la com o nariz. Tipo assim, com ela eu passaria noites ininterruptas fazendo sexo. E, o que mais me deixa louco por ela, é a certeza de que ela seria somente minha se eu tivesse a coragem de demonstrar à ela, que eu à quero por inteira. Flávia é como um pedaço de terra que você se apropria dela e tem a segurança de que ele te pertença para o resto da vida. Eu sei que ela espera encontrar alguém que possa merecê-la. O pior de tudo, é que ela me falou que jà não suporta mais não ter alguém à quem ela possa se entregar à ele de corpo, alma e coração. É romântica e gosta de trocar carinhos no escuro, ouvindo frases de amor debaixo dos lençóis. Consistente assim como a terra. Bianca é como o ar. Tem um jeito de amar, voraz, envolvente, e é também intempestiva. Mas é capaz de levar o parceiro às nuvens em seu vendaval de paixão. Perfeita para você...</p><p>-Eu, por que eu, Jorge?</p><p>-É você mesmo. Você é Tenor. Bianca é contralto, ar. Ela pode fazer com que você libere essa chama ardente que existe dentro de você e, juntos, vocês dois podem ter um relação devastadora em cima de uma cama.</p><p>–Uhhul. –disse Ângelo, sem entusiasmo. –Você considera as pessoas e os elementos, de um modo bem pejorativo. É preciso que tenhamos mais sensibilidade para definir seres humanos. Quanto à eu ser o Tenor e fogo, não sei se você está correto, pois pra mim, o melhor de tudo é saber manipular bem todos os elementos.</p><p>–Eu quero chegar junto na Fernanda. Ela deve ser deliciosa.</p><p>–É uma pena que eu tenha sido educado pelo Sr. Cândido. Mas, deixemos de lado as garotas mais sedutoras do mundo. –desdenhando a empolgação do loiro.</p><p>–Nem tente roubà-las de mim. Eu às quero só para mim. –Jorge deu o recado.</p><p>–Eu só peço à você, que não me inclua nesse seu bacanal musical.</p><p>-Fica frio. –disse palpando o ombro de Ângelo. -Pode ser que eu deva mesmo levar o manuscrito à sério. O vovô Amaro sempre me disse que aqueles manuscritos são os nossos manuais de regras, condutas e deveres.</p><p>-Do que você está falando, Jorge?</p><p>-Sempre foi e continuará sendo assim, Ângelo. Ou nós dois sequenciamos o legado de nossos antepassados, ou seremos pobres para o resto de nossas vidas.</p><p>A fogueira ia aos poucos se apagando e a fumaça trazia à memória de Ângelo vagas lembranças de sua história de vida. Com as mãos entrelaçadas ele girava os polegares em volta um do outro.</p><p>–Eu não tenho parentes, e também, nunca precisei de dinheiro e uma vida de regalias...</p><p>-Você que sabe. –disse Jorge se levantando e espanando calça e camisa. –Eu prefiro a vida que eu sempre tive.</p><p>Ângelo considerou que Jorge não teria do que reclamar. Sempre esteve cercado de luxo, dinheiro e, sobretudo, muito paparicado por Amaro que o tratava como à um príncipe da era contemporânea.</p><p>Ele se levantou e seguiu para o portão.</p><p>-Sua boa vida fez de você uma pessoa mesquinha, medíocre e prepotente. -disse de costas à Jorge.</p><p>-Qual é, Ângelo? –e foi atrás dele. -O que você decidir estará decidido... eu assino embaixo. –afirmou tocando o ombro esquerdo de Ângelo, fazendo-o parar e se virar para ele. -Somos amigos, e...</p><p>-Somos concorrentes à fortuna do senhor Cândido e ao título Menino de ouro da Ordem Rivera. Portanto, eu diria que, negócios, negócios, amizades à partes. Você não quer perder tudo. Eu valorizo pessoas, e, pensando em nossa amizade, talvez não tenhamos que levar à sério os nossos manuscritos.</p><p>-Droga, Ângelo. Podemos ficar ricos, nós dois, sem intrigas entre a gente.</p><p>“Crianças nasceram e sobreviveram, ou morreram ao nascerem, em um mesmo lugar. Na casa que ganharia o nome de A casa da maldição. Muitas vidas foram ceifadas, antes e durante seus nascimentos. Após tê-los nascidos, na desenfreada busca para encontrar aquele que seria o herdeiro de muitas riquezas, um número maior de vidas seria extintas da face da terra, até que a criança completasse o ciclo de histórias de vidas vividas em meio à traições, invejas, ódio, ganâncias, falsidades, amores traiçoeiros, seduções, mentiras, enganos, ilusões”</p><p>-Tudo bem, Jorge, o seu aniversário está chegando e, eu não quero estragar a sua festa.</p><p>Jorge o abraçou.</p><p>–Você sabe que eu te amo, cara.</p><p>Ângelo observou por sobre o ombro de Jorge, o monturo de brasas e cinzas deixados de sobras da fogueira.</p><p>-Sim, Jorge. Eu também te amo de coração. –disse abraçando o amigo, fazendo com ele o acompanhasse. -Mas, por amor fazemos coisas incompreendidas por aqueles que desconhecem as várias formas de amar. – pensou. –Và para a sua casa. Eu preciso pensar um pouco, sozinho.</p><p>-Beleza Ângelo. A gente se vê. –e foi-se.</p><p>Ângelo soube que Jorge havia sido expulso da escola por causa uma aluna que teve que ser transferida da escola por causa do assanhamento dele pro lado dela...</p><p>Ângelo foi ràpido ao telefone na estante e fez uma ligação.</p><p>-Senhor Cândido, eu preciso me ingressar na escola Visconde Pena.</p><p>-Basta apenas que você compareça lá.</p><p>-Sim senhor, Cândido.</p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p>Era ainda bem cedo da manhã de segunda feira quando Ângelo vestiu calça jeans e camisa social de manga curta num tom um pouco mais claro do que o da calça. Calçou seu Doc-Said e foi ao salão cortar os cabelos. Foi até a casa do tio Nilson e da tia Celeste para tomar café da manhã com biscoitos caseiros que a graciosa Celeste fez. Ficou alguns minutos suportando o peso da Bianca em suas pernas, deixando a moreninha ainda mais sonhadora em poder beijá-lo sem ter que ser apenas no rosto. A cena era vista por Nilson e Celeste enquanto eles pediam conselhos à Ângelo, sobre como fazer para o casal conseguir ter um filho biológico. Bianca seria apenas filha de criação. Ângelo prometeu ao casal, que iria levá-los à um médico para eles serem orientados à tal respeito.</p><p>Ele foi à escola de maior conceito educacional de Goiânia. A arquitetura barroca da instituição de ensino revelava conservadorismo e tradição religiosa católica. Ele deduziu então, que, alunos e alunas de muitas gerações estudassem, e muitos outros ainda estudavam ali. Mas, ele não seria mais um aluno à se submeter à rigidez dos métodos de ensino daquela escola.</p><p>Apresentou-se à diretora Madalena Matarazzo e foi convidado à se sentar de frente à ela, uma senhora franzina, vestida como à uma Madre superiora de olhos azuis e feições sisudas, porém de trato afàvel e voz mansa.</p><p>-Você tem boas referências. Não vejo nenhum empecilho para que eu não aceite a sua indicação. Coincidência ou não, o professor foi transferido agora à pouco para outra escola de música. –disse.</p><p>Logo ele foi levado à sala para ser apresentado aos alunos, como o novo instrutor de música. Enquanto eles caminhavam pelos corredores a diretora ia adiantando à ele alguns detalhes referente ao ex-professor e alunos.</p><p>-Todos os alunos jà estão no módulo de solfejos, mas quase a maioria não conhece o que é um tom na armadura de clave, ritmos iniciais, e, nem sequer fazem noção do que é um acorde. Os movimentos das mãos nas marcações dos compassos não condizem com os valores das notas. Andamento rítmico, desordem total. Motivação não se percebe nos ânimos deles. Muitos jà desistiram. Temos apenas nove alunos.</p><p>-Eu terei que incutir neles uma nova ótica sobre a arte musical.</p><p>-Espero que você ao menos consiga a aceitação deles e dos pais de cada um deles.</p><p>A turma jà estava reunida na sala de aula.</p><p>A diretora caminhava lento à frente de Ângelo, em direção à lousa. Apenas o olhar disciplinador dela jà seria o bastante para fazer com os alunos se portassem de modo comportado em suas cadeiras. Ao se colocarem à frente de todos, Ângelo esperou que a Madalena fosse apresentà-lo com o discurso formal para uma apresentação de um professor substituto, do tipo: motivos e razões para a substituição, mas, com poucas palavras ela o faria.</p><p>-Este será o novo professor de vocês. Comportem-se e aprendam.</p><p>Ela deixou a sala.</p><p>A partir dali Ângelo poria à prova o que havia aprendido com seu mentor Cândido Plates Rivera. O seu primeiro desafio seria usar o que ele julgava ter aprendido sobre o ser humano através do conhecimento que ele obteve com estudos sobre a arte da música: decifrar pessoas para então poder se relacionar bem com todas elas. A turma de alunos sob sua responsabilidade seria o grande teste de comprovação.</p><p>Por um pequeno instante, ele os observou, em silêncio.</p><p>-Eu vou ser sincero com todos vocês. –iniciou inusitadamente. -Quando eu me interessei pela arte da música, a minha intenção era aprender à tocar saxofone, mas eu ignorava o fato de que eu teria que aprender teoria, técnica, e por fim a pràtica específica à cada instrumento. Achei tudo aquilo uma chatice. -foi o suficiente para que ele visse trocas de olhares entre quase a maioria deles. –Vocês querem que eu continue, ou preferem que eu me cale sem contar à vocês o que me fez continuar estudando com mais afinco?</p><p>Gargantas emitiram sons arranhados, mas cabeças movimentaram dando sinal de positivo. Seguidamente, - sim, continue professor.</p><p>-Pois bem. Logo de início a escrita musical despertou em mim um desejo maior de aprender a teoria do que propriamente a pràtica instrumental. Eu fiquei fascinado com os valores de tempos, cesuras, ritmos, acentuação métrica, compassos, tons, claves, enfim, a arte da música apresentou à mim uma ciência que agrega em si mesma, inúmeras ciências, e que a arte sendo entendida de forma teórica, técnica e pràtica, é apenas um meio de ocultar aos seres humanos os conhecimentos essenciais sobe sua própria existência. À partir dessa descoberta eu passei à entender que a escrita musical foi elaborada para em forma de código, revelar segredos ocultos da alma humana e...</p><p>Um aluno levantou a mão direita.</p><p>-Licença, professor. Eu sou o João Pedro. Eu pesquisei livros e mais livros, tentando encontrar algum artigo sobre música, que pudesse se assemelhar ao que eu descobri com os meus estudos. Para a minha surpresa, não encontrei nada parecido ao que eu acredito ter desvendado.</p><p>-E o que foi que você descobriu?</p><p>-Que a teoria musical agrega em sua escrita a ciência da astronomia.</p><p>-Bom, JP, por isso existe a clave de sol, e dela deriva todas as outras. Você e eu trataremos de música à partir dessa sua descoberta.</p><p>O Rapazinho moreno ficou satisfeito.</p><p>-Professor. –disse outro aluno com empolgação. –Eu sou o Paulo Henrickhelson. De início, para mim foi chocante ter que reconhecer que o que foi me ensinado sobre a origem da música eram concepções de cunho religioso que delegava à Deus a criação de uma arte puramente humana e secundària. A instituição de ensino musical, a qual eu aprendi teoria bàsica era uma denominação religiosa. Com isso, nosso material didàtico nos apresentava a arte como sendo um dom de Deus dado aos homens. Era comum, o instrutor me exortar à dar valor ao talento musical, por razão de que Lúcifer fora regente de orquestra no céu, mestre de canto, e, que ele nutre grande inveja de todo àquele que possua o dom da música. Eu não à pensava assim, mas... –moveu para cima os ombros e calou-se esperando uma avaliação do novo instrutor.</p><p>Ângelo o ouviu atentamente com atenção especial à atitude dele de não questionar o que lhe era ensinado, e, sobretudo, por ele ter ponderado tudo para não mostrar-se um insubordinado diante de seu professor.</p><p>-O que o professor me diz disso tudo?</p><p>-Pois bem, PH, eu acho que nós temos muito para compartilhar um com o outro à respeito do seu ponto de vista. De acordo a minha própria concepção sobre Deus, eu entendo que ele dotou os homens de sentimentos sinceros, e estes, não se expressam de forma compassada, ritmada, melodiada.</p><p>O entusiasmo se fez notório nos olhos do adolescente ruivo.</p><p>-Professor, por que a música é universal e também a arte de manifestarmos nossos sentimentos? –quis saber, um aluno no canto da sala. -Desculpe, eu sou o Marcelo Cintra.</p><p>-Boa pergunta, Marcelo. Não sei se poderei dar uma boa resposta, mas entendo que a música é realmente universal, não pelo fato de existir música em todos os lugares do planeta, sim, por ser o universo de cada ser humano, externado por sons, ritmos e expressões. E também há vàrios elementos que faz referências ao universo infinito. Numa representação simbológica das vozes, o soprano significa o estado natural do ser humano. Correlacionando a estrutura da musica, que é o SOM, aos elementos físicos da estrutura do universo, que são terra, àgua, ar e fogo, podemos dizer: Agua=Soprano. Ar=Contralto. Fogo=Tenor. Terra=Baixo. Com isso entendemos que os quatro elementos da estrutura planetària são representados nas quatro vozes musicais. E, justificando a afirmação de que música seja a arte de manifestar nossos sentimentos, podemos entender que: O soprano significa o estado natural do ser humano. O contralto representa o nosso estado lamentoso nos momentos de dissabores. O tenor é o nosso estado crítico. O baixo é o nosso estado afirmativo. Alguém mais tem algo à externar, para que juntos, nos tornemos grandes músicos?</p><p>Nove mãos foram erguidas, sete bocas se abriram para dizer: eu, professor.</p><p>-Na próxima aula todos vocês terão oportunidade para fazerem mais perguntas. Portanto, elabore bem as questões. Até à próxima aula.</p><p>-Professor. –o louro Marcelo ergueu a mão para dizer. –Eu e Pedro queremos que você nos acompanhe numa volta pela cidade.</p><p>-Boa ideia. –espanando as mãos Ângelo aceitou o convite.</p><p><br /></p><p>***</p><p>Entre Ângelo, Marcelo e João Pedro iniciou-se um relacionamento de amizade bastante significativo para Ângelo e para os dois também. Conversaram sobre o colega Paulo Henrickhelson, e, Ângelo foi informado por Marcelo, que o ruivinho era filho de pai muito rico. No entanto, ele era meio deprimido por razão de ter que conviver com uma empregada que se comportava como se fosse a mãe dele, - uma vez que, Paulo Henrickhelson não conhecia sua verdadeira mãe.</p><p>Ângelo passeava contente com seus dois alunos, foram à alguns bairros da cidade e em algumas invasões consideradas bem violentas. Foi mais uma experiência de vida para ele, saber que muitos jovens, adolescentes e até crianças bem pequenas, sobreviviam em condições de vida um tanto mais precária do que a que ele vivia antes de ele ser adotado por Cândido Plates.</p><p>Apenas com João Pedro, seu aluno pobre, Ângelo foi à um grande supermercado. Dentro do comércio gigantesco, os dois se separaram. Ao se reencontrem em um dos inúmeros caixas, ele estava com um pacotinho de bolachas recheadas. João Pedro estranhou e questionou o fato de eles terem ido à um grande supermercado, para ele comprar apenas um simples pacotinho de bolachas. Mas, antes de João Pedro receber a resposta ele foi chamado por um funcionàrio que o avisou de que ele teria que deixar o endereço da casa dele para que as caixas de compras fossem entregues lá.</p><p>Depois que ele passou o endereço ao funcionàrio, ele voltou saltitante para o lado de Ângelo, dizendo que havia sido o ganhador do sorteio de um ano de compras de alimentos inteiramente gràtis. Convidou Ângelo à ir à casa dele na favela. Ângelo foi com ele, e se sentiu muito à vontade, à ponto de até contar piadas e histórias para a turma reunida.</p><p>Todos, inclusive o avô de João Pedro, deram gargalhadas da piada de Ângelo. Celeste, a avó simpàtica, pediu desculpa pelas risadas que eles deram e como “paga” degolou, limpou e cortou em pedaços o pobre do galo esporudo e o entregou a ponto de fritura à Ângelo que ficou muito agradecido por ter sido tão bem recebido por aquele casal. Felizes por eles terem tido um inicio de amizade tão bonita, ele contou aos três, enquanto tomavam um café preparado por Nilson, uma história que seu Cândido o contou: Um dia, um velhinho que pensava que morreria em breve, decidiu dar a seus dois únicos filhos tudo que ele possuía. Porém, seus pertences consistiam apenas em duas vacas leiteiras que, por falta dos bezerros, achava ele que elas continuariam dando leite somente por mais uns dois meses. Por isso, ele os alertou: façam bom uso desse leite.</p><p>Seis meses se passaram e o velhinho ainda estava vivo e foi visitar os dois filhos. Ao chegar à casa do mais velho, ele perguntou: Onde está a vaca que eu te dei? O filho respondeu: Pai, a vaca que o senhor me deu, continuou a dar leite por mais dois meses e todo leite que ela deu eu vendia aos meus vizinhos e conhecidos, mas a sequidão matou o pasto e com isso a vaca morreu também. E o dinheiro que arrecadei com a venda do leite, só deu para custear as despesas até o mês passado. Agora, perdoe-me meu pai, mas eu não tenho nenhum copo de leite pra lhe oferecer.</p><p>O velhinho entristecido com a atitude do filho mais velho, andou mais alguns quilômetros e foi até a casa do herdeiro mais novo. Ao chegar, seu filho lhe recebeu feliz, e lhe deu um copo de leite ainda fresco, o velho, surpreso, interrogou ao filho: A vaca que eu te dei ainda está dando leite? O filho respondeu: Não meu pai, ela morreu à quatro meses atrás. O velhinho perguntou ainda mais surpreso. Mas você ainda tem leite? Pai, todos os dias eu tirava dez litros de leite da vaquinha e dividia-os com os meus vizinhos, conhecidos e até com os que eu não conhecia. Depois que a vaquinha morreu, são meus vizinhos, amigos e os que eu não os conhecia, é que me dão leite todos os dias.</p><p>A moral da história, João Pedro, Nilson e Celeste não apenas à saberia. Eles prometeram viverem-na à cada dia de suas vidas.</p><p>Antes de deixar o barraco dos amigos, Ângelo pôde ver o casal repartindo as compras que ele, o próprio Ângelo havia dado à família, sem deixar que João Pedro soubesse que o seu amigo e professor se perdera-se dele no supermercado para negociar com o gerente os doze meses de compras à serem entregues à uma família em um barraco decrépito na favela.</p><p>Marcelo os reencontrou jà à noite e numa festa de rua e foi logo dando uma bronca nos dois por causa do “perdido” que eles deram nele.</p><p>João Pedro apresentou os dois amigos aos caras mais respeitados do Parque Santa Cruz, e foi buscar refrigerantes para os dois que o esperava na rua onde acontecia a festa ao ar livre.</p><p>As pessoas se apinhavam no meio da rua dançando Funk. Muitas delas fumavam cigarros de tabaco e também maconha. Para Ângelo, tudo era muito característico de bairros da periferia, mas, ele estava tranqüilo.</p><p>Ângelo e Marcelo ficaram conversando sobre como seria aquela noite. Marcelo quis falar sobre as garotas liberais que estavam na festa de rua, mas notou que Ângelo não tinha muito que dizer sobre aquele assunto pelo fato dele nunca ter tido uma primeira vez com uma garota, e a expectativa de que naquela hora da tarde, ele pudesse iniciar sua vida sexual não o deixava ansioso nem apreensivo. Era como se tudo fosse normal. Ele parecia não achar que o sexo oposto era um dos maiores fatores psicológicos do ser humano.</p><p>Algumas pessoas passavam e cumprimentavam os dois. Entre as pessoas, algumas garotas paravam e trocavam beijinhos no rosto dele e ao serem apresentadas a Marcelo, elas não repetiam o mesmo cumprimento. A naturalidade com a qual Ângelo tratava as garotas causava mais estranhamento em Marcelo ao perceber que as moças demonstravam interesse em seu amigo e, ele por sua vez não embolsava nenhuma reação de rapaz convencido ou exibido, ao contrario, Ângelo se portava de modo natural e não fazia nenhum comentàrio sobre a maneira que as garotas o tratavam às vezes o chamando de gatinho, brotinho, enfim, elas praticamente se ofereceram para ele, e mesmo assim, sua postura em relação às meninas era puramente neutra, sem malicia ou esnobismo.</p><p>Na rua os dois esperavam por João Pedro que fora comprar chicletes.</p><p>-O João Pedro é um cara maneiro, não é Ângelo? Ele me contou que ele vive com os avós dele e que não conheceu os pais dele.</p><p>-É triste isso, Marcelo. Eu sei o quanto isso dói.</p><p>-Pô, foi mal.</p><p>-Que nada. Tà tudo em cima, como diz o JP.</p><p>-Eu... eu também não tenho pai e nem mãe.</p><p>-O João Pedro me contou sobre os dois. A Andreza não é sua mãe, e o Ricardo não é seu pai?</p><p>-Não. Mas eu considero a namorada do Ricardo meu irmão, como sendo minha madrasta. Na escola,os alunos são todos órfãos.</p><p>-Entendi. O João Pedro está vindo. –Ângelo avisou.</p><p>Por preferência de Ângelo, os três tomaram o ônibus e foram conhecer a casa e os pais do Marcelo. –pelo menos, Ângelo pensava dessa forma.</p><p>O suposto pai do lourinho o tratou muito bem, chegando até à convidà-lo para tomar o lanche da tarde reunido com eles em volta da mesa. De início, Ricardo, o que para Ângelo seria pai de Marcelo, imaginou que Ângelo fosse apenas mais um dos colegas de escola do Marcelo, mas ao ficar sabendo que ele era o professor, fez de conta que acreditou: “Sei. Como aí esse biscoito e deixe de conversa fiada, Menino.” “É sério. Ele é muito bom.” “Hum! Você acredita Andreza?” “Faça o teste. Peça à ele para te ensinar a tocar violão”–a bela morena fez a proposta.</p><p>Foram para a sala, viram e ouviram Ângelo dedilhando o vilão cantando músicas da jovem-guarda.</p><p><br /></p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Feliz em mais uma manhã fria, Ângelo comparecia à escola para mais uma aula. Foi quando a diretora o chamou na secretaria.</p><p>-Eu e os pais dos alunos estamos muito satisfeitos com o seu desempenho e comportamento dentro e fora das dependências da escola. –disse Madalena terminando de conferir alguns históricos escolares.</p><p>-Obrigado, senhora Madalena. Eu procuro dar o melhor de mim, e, todos os alunos são excelentes. –disse ele passando o grampeador à ela.</p><p>Madalena não quis pegar o grampeador, antes, ela segurou a mão dele sobre a mesa e inclinou-se um pouquinho mais para o lado dele.</p><p>-Eu soube que você é o garoto que Cândido Plates o tem como um próprio filho dele. Alguns desses alunos e suas famílias sobrevivem de assistência garantida à eles pela instituição Plates Rivera. Não fosse Cândido, poderia ter sido diferente... pior ou melhor. Mas, o que aconteceu foi o que tinha que acontecer. As mortes dos maridos, das mulheres e dos bebês, ou por menos fatídico que tivesse sido o desaparecimento dos mesmos, foi um mistério possível de pôr em suspeita à qualquer indivíduo que se atrevesse à insurgir contra a irrevogàvel determinação imposta por Cândido no que se referisse à aquela tragédia.</p><p>-E quanto ao senhor Amaro?</p><p>-Amaro não possuía o poder para estabelecer novo estatuto e protocolo para os membros da Ordem Rivera, e não poderia violar as regras e diretrizes instituídas por Cândido Plates.</p><p>Um rubor se formou no rosto de Ângelo, mas ele se conteve e não deixou transparecer que Madalena o deixou estarrecido por saber que o mentor dele estaria provavelmente envolvido em todo aquele mistério. Ele sabia que Cândido era um homem muito importante em todas as esferas das sociedades brasileiras. Era bem verdade que ele sabia que, em 66, Cândido Plates Rivera esteve pela última vez em São Paulo. Porém, a razão pela qual ele deixou a cidade, Ângelo desconhecia.</p><p>-Rapaz. –disse ela jà em pé. –Acredite em mim. Você não é neto do Senhor Cândido.</p><p>-Talvez eu seja uma criança que foi abandonada pelos pais em São Paulo e vim parar aqui em Goiânia.</p><p>-Ainda hoje em algum lugar algumas adolescentes são consideradas filhos da maldição, pelo fato de suas mães terem freqüentado aquela casa no período de suas gestações. A maldição deu origem à muita histórias assombrosas nesse bairro. Mas em nenhuma delas caberia você. Eu vejo algo muito nobre em você e nas suas intenções. Eu soube que você trouxe à Cândido a alegria de viver. -estendeu as mãos esperando receber as de Ângelo sobre elas. Ele à satisfez. Ela apertou as mãos dele e as beijou com ternura.</p><p>-Quem são as adolescentes?</p><p>-Na verdade, eu não os conheço. –disse, soltando lentamente as mãos dele. -Foi uma aluna que comentou comigo à respeito. Mas, eu não dei muita importância. –disse pegando papel e caneta sobre a mesa.</p><p>-Elas moram aqui em Goiânia?</p><p>Ela assentiu enquanto escrevia.</p><p>-Pegue o endereço e o nome da escola que a mocinha estuda.</p><p>-Eu posso usar o telefone da senhora para uma ligação interurbana?</p><p>-Claro. Fique à vontade.</p><p>-Obrigado.</p><p>Discou e esperou ser atendido.</p><p>-Alô... sou eu, Ângelo Ràusen Júnior.</p><p>-Ângelo. –disse o médico que o atendeu. -Quem fala com você agora sou eu, o médico Saldanha. Seja sempre abençoado. O velho mestre irà atendê-lo.</p><p>-Eu o agradeço, doutor Saldanha.</p><p>Madalena prestava atenção à conversa dele ao telefone.</p><p>-Meu amiguinho, diga-me onde estás e o que fazes. –a voz meiga e calorosa do velho do outro lado da linha refrigerou o ânimo de Ângelo.</p><p>-Em uma missão onde não há monges e nem frades. Seguindo o caminho das pedras para encontrar o rochedo maior.</p><p>-Que notícias você me dà dessa missão?</p><p>-De espíritos maus à serem erradicados.</p><p>-Sinta a minha mão canhota tocando o seu ombro neste momento, meu amiguinho.</p><p>-Mas, o senhor é destro, senhor Cândido.</p><p>-Tal como você é, eu sou. Não se lembra? Não responda, apenas diga o que você necessita.</p><p>-Eu peço permissão para encontrar-me com uma moça que estuda em um conservatório musical da Ordem.</p><p>-Tudo à seu tempo, amiguinho. Tudo à seu tempo.</p><p>-Sim, senhor Cândido.</p><p>Madalena se via maravilhada e pronta à cooperar com a causa dele, de forma mais livre e espontânea.</p><p>-Obrigado, dona Madalena. –agradeceu ao finalizar a conversa.</p><p>-Me procure para o que for preciso.</p><p>Com carinho ele segurou a mão direita dela com as suas duas mãos, e a beijou.</p><p>-Obrigado por tudo. Mas, à propósito, a senhora poderia me dizer o nome dessa moça?</p><p>-Terminantemente não. Cândido me recomendou à não recolher e dar à você as jóias que se perderam pelo caminho.</p><p>Ele não questionou, pois sabia que Cândido jamais negaria algo à ele. E entendeu que tudo fazia parte do seu aprendizado.</p><p>-Bom. –disse se levantando. –Eu tenho para a sala de aula agora</p><p>-Eu te acompanho. Preciso passar algumas recomendações à seus novos alunos.</p><p><br /></p><p>***</p><p>A diretora seria objetiva ao repassar novas regras de conduta para os demais alunos que ouviram falar da didàtica e da metodologia de ensino do novo professor de música e resolveram retornar ao estudo musical.</p><p>–À vocês que estão regressando às aulas, prestem atenção ao meu comunicado. Respeitem à autoridade do professor. Ele também é um adolescente como todos vocês. Portanto, não confundam suas posições: Ângelo Ràusen Júnior é o professor. Vocês são alunos e alunas. Tenham todos, boas aulas. -recomendações dadas, ela abandonou a sala.</p><p>-Vamos embora meninas! –disse Verônica com voz desanimada.</p><p>-Vamos esperar para vermos o novo professor. –Melissa sugeriu.</p><p>Bruna segurou a mão da amiga vendo-a com um olhar perdido na vidraça da janela.</p><p>-O que foi Verônica? Você parece estar um pouco triste!</p><p>-Tà tudo bem comigo Bruna... É que eu não tô no clima pra ficar fazendo nada aqui.</p><p>-Eu acho que os professores deviam deixar a gente ir embora. Às férias começarà na semana que vem.</p><p>-Só pra encher o saco, Melissa. –Verônica falou colocando os pés na carteira.</p><p>-Verônica, você não está assim por causa das aulas de música. Nem todos aqui vão estudar música. Conte pra nós amiga... Vai!</p><p>Verônica cruzou os braços sobre os joelhos e, por alguns segundos ficou em silêncio, mas Bruna se colocou de frente à ela e segurando em seus braços, lhe ofereceu atenção e companheirismo para que ela pudesse se desabafar. Com Melissa abraçando-a por traz e com a cabeça em seu ombro, Verônica resolveria se abrir com suas melhores amigas.</p><p>-Eu tenho me sentido tão rejeitada ultimamente. Parece que tudo está contra mim!</p><p>-Fica assim não amiga! Olha ao seu redor, veja o quanto de amigos você conquistou de uns dias pra cá... E tem o João Pedro que ama você como se você fosse irmã dele.</p><p>Verônica conseguiu dar um sorriso meio ràpido porque acabavam de entrar na sala, as indesejadas. Cláudia e sua trupe. E com elas, alguns rapazes.</p><p>-Atenção pessoal. –Cláudia gritou indo para a lousa. – Sàbado vai “acontecer” no Clube, e é claro que nós vamos estar lá.</p><p>Gritaria e assovios das garotas e rapazes do grupo de Cláudia.</p><p>-Você também pode ir Verônica filha da viúva negra. E leve os seus amigos. –depois de chatear Verônica, Cláudia colocou o dedo indicador nos lábios e dirigiu a fala à outra aluna. -Magda, você se lembra dos nomes dos amigos dela?</p><p>-Não. Eu acho que não me lembro de nenhum deles. –respondeu, com uma mão na cintura e outra na lousa.</p><p>As três amigas perceberam à provocação. Verônica quis dar o troco logo em seguida, mas Bruna conseguiu contê-la. Porém, Melissa soltaria o verbo.</p><p>-Pois fique sabendo, Cláudia, que eles também não se lembram nem da cor da pele de vocês.</p><p>-Verdade queridinha? Ah, mas foi porque a sua amiguinha Verônica não deixou a gente se conhecer melhor naquele dia. –ela colocou as duas mãos na cintura e deu uma reboladinha.</p><p>“Uuuuuuuuuuuh! –as gatas da vez vaiaram Melissa.</p><p>Ângelo do lado de fora estava só observando as provocações, pela janela aberta.</p><p>-Melissa, vamos embora. Deixe-as pra lá. –disse Bruna se levantando.</p><p>Verônica estava se explodindo de ódio das rivais, e mesmo com a insistência de Bruna para que elas engolissem sapos caladas, ela devolveria sim a provocação à Cláudia e suas amigas.</p><p>-Cláudia, garota igual à você, os nossos amigos não querem nem para lavar as roupas deles. E iguais as suas amigas, os nossos amigos não querem nem para masturbar eles. -Verônica pegou pesado.</p><p>-Ok pessoal. –disse Ângelo que entrava na sala.</p><p>Houve um silêncio na sala de aula. Cláudia perdeu o rebolado e ficou olhando os seus amigos que se encolhiam nas carteiras esticando as pernas e tapando bocas. Ela e suas amigas pareciam querer esganar as rivais.</p><p>Ângelo, João Pedro, Marcelo e Paulinho ficaram juntos, à frente de todos.</p><p>-Bom dia à todos vocês. –Ângelo desejou.</p><p>-Bom dia gatinhas e feiosos. –disse Paulinho.</p><p>-Bom dia gente. –João Pedro falou.</p><p>Os que jà conheciam Ângelo responderam, os outros não. As garotas brigonas, todas elas, permaneceram caladas e emburradas.</p><p>Marcelo foi à Verônica e deu um beijo no topo da cabeça dela.</p><p>-Fica assim não. –disse ele à ela.</p><p>-Eu vou contar uma história. Depois que todos vocês a terem ouvido, tirem suas próprias conclusões. Tudo bem assim?</p><p>Não houve resposta, mas todos os alunos e alunas se sentaram em suas carteiras.Cláudia estava tão contrariada, que, nem aceitou que o colega limpasse as marcas de giz da bermuda dela.</p><p>-Muito bem. –disse Ângelo unindo suas mãos. -Um dia, certo rei, vendo que as pessoas do seu reino não eram pessoas felizes, mas, que viviam buscando coisas que os fizessem felizes. Ele resolveu dar uma chance à todos. Então ele encheu um baú de jóias preciosas, subiu sozinho em sua charrete e foi guardar todo esse tesouro. Quando ele viu que jà havia andado bastante, de modo que ninguém poderia saber aonde foi que ele escondeu o baú abarrotado de jóias à ponto de nem poder ser lacrado, ele voltou observando as jóias que caíram pelo caminho. Ele não às recolheu. Deixou que elas pudessem servir de pistas para os que se aventurasse à procurar e encontrar o baú. As pessoas se puseram à procurar o baú que representava à felicidade. Todos foram pelo caminho pisando e deixando pra tràs as pedras preciosas que eles encontravam por onde passavam, achando que o que importava era encontrar o baú que daria felicidade eterna. Cansados da jornada, e cada vez mais infelizes todos voltaram para tràs e foram reclamar com o rei por ele ter escondido tão secretamente a caixa cheia de jóias. O Rei apaziguou seus ânimos e lhes disseram: vocês não foram felizes porque não recolheram cada peça que encontraram pelo caminho. Felicidade é isso: aproveitar cada preciosidade que se encontra pelo caminho em nossas andanças por esse mundo. E o baú, óh rei? Perguntou um infeliz. O baú representa a ganância do homem que nunca se contenta com o que está ao seu alcance e nem percebem que as pequenas coisas adquiridas por vez valem mais do que encontrar a arca do tesouro que de maneira nenhuma será achado pelos ambiciosos que a busca pelo poder os privam de se fartarem com as pequenas, porém, valiosas porções que a vida lhes oferece.</p><p>-Quem pegou as jóias que caíram pelo caminho, professor Ângelo? –um aluno perguntou:</p><p>-Nós às estamos recolhendo nesse momento. Tomara que nunca encontremos o baú.</p><p>-Por quê? –uma aluna perguntou.</p><p>-Porque assim deixaríamos de aproveitar cada preciosidade que encontramos pelos caminhos de nossas vidas. Amizade é uma delas. –finalizou.</p><p>Os alunos baixaram as cabeças após ouvi-lo.</p><p>-Eu, principalmente, e todos nós devemos aprender uma lição com essa história.</p><p>Uma calmaria reconfortante se fez na sala. Ângelo começou à escrever as lições.</p><p>As garotas, todas elas, se ajeitaram nas carteiras. Cláudia e suas amigas mais achegadas à ela, eram lindas garotas, e faziam questão de exibir seus atributos, provocando desejos nos garotos e ascos nas garotas.</p><p>-Professor, são apenas vírgulas aí. Que chato!</p><p>-Para que elas servem Verônica?</p><p>-Como sinais de respiração?</p><p>-Também... mas, se fosse assim, elas só existiriam nas partituras para instrumentos de sopro.</p><p>-Instrumentos de sopro, a gente toca respirando, não é, professor?</p><p>-Bem observado, Sandro.</p><p>-Então diz logo para o que mais as vírgulas servem.</p><p>-Pois bem. No sentido teórico, vírgula é um sinal de inspiração, e serve para indicar permanência ou mudança de ritmo inicial. Se o ritmo deve ser mantido tético, as vírgulas estarão colocadas entre a última nota do compasso e a barra divisora. Havendo mudança de ritmo para anacrúsico, elas estarão entre as notas dos compassos, indicando suavidade em determinado fragmento melódico e harmônico. Tanto em uma música, como na trajetória de nossas vidas, nós temos que seguir a caminhada em ritmo determinado e constante. Mas, às vezes a gente precisa virgular essa caminhada para então decidirmos se prosseguiremos como no início, ou se procederemos de modo mais suave e moderado. Pondo todos os nossos conhecimentos em pràtica, haverà melhoras consideràveis na forma de nós lidarmos com as pessoas, a vida e os fatos. –finalizou direcionando o olhar às alunas em desarmonia.</p><p>Cláudia achava que o valor de uma moça estaria nas suas roupas de grife, nos calçados de marcas e na possibilidade de poder ir ao salão toda semana para se produzir. Mas, ela reconsideraria seu modo de tratar à Verônica.</p><p>A natureza de Verônica sempre foi muito decidida e arredia. Ela não se contentou com a patada que ela deu nas meninas, e achava que deveria com todo direito cobrar pelo insulto dirigido à elas.</p><p>Houve troca de olhares entre as duas, e, agora, com menos faíscas. Mais condescendentes.</p><p>Os alunos estavam satisfeitos com o novo professor, e tratavam com ele, tudo que fosse relativo à parte musical. O comportamento de todos deixou Ângelo muito feliz. Os Alunos demonstravam desinteresse pelo aprendizado, por razão de eles desconhecerem ainda, até então, uma metodologia de ensino musical que lhes proporcionava prazer, ao invés de apenas exercícios maçantes de teorias musicais. O próprio professor jà não tinha mais animação para seguir dando aulas.</p><p>-Ok, ok. Eu disse aos que assistiram a minha primeira aula, que, eu não iria tomar muito o tempo precioso de nenhum dos meus amigos com aulas prolongadas. Portanto, vocês jà estão liberados para irem recrear por quinze minutos. Mas... –e apontou para Verônica. –Eu quero conversar com você moreninha.</p><p>“Legal. Eu gostei desse professor” “Vai ser bacana aprender música com ele” “Ele tem a minha idade” - comentavam os que saíam da sala.</p><p>Verônica estava com os nervos à flor da pele por ter sido chamada de Verônica filha da viúva negra, e enervou-se mais ainda por ter sido selecionada para uma conversa direta com o professor. Cláudia, ao passar por ela, disse: eu quero que você và à festa, para nós duas divertirmos juntas. Verônica consentiu.</p><p>Sentado em cima da mesa Ângelo esperou que Verônica tomasse a iniciativa de ir até à ele.</p><p>-Eu não quero conversar com você. –disse, com voz energizada, pegando a mochila para deixar a classe.</p><p>-Escuta só. - disse ele pulando da mesa, e seguiu em direção à ela.</p><p>Verônica jogou a mochila nas costas, mas ficou parada próxima à porta.</p><p>-Você é Contralto e simboliza o ar. O ar está em toda parte. Onde houver uma abertura ele penetra.</p><p>-De repe, você vai dizer que eu sou ventania e...</p><p>Jà próximo à ela, ele a interrompeu.</p><p>-O contralto representa o ar porque a função dele é preencher as lacunas que ficam entre o soprano e as outras vozes. Quanto à você, você está sempre interferindo na vida dos outros para reparar as trincaduras que ocorrem entre as pessoas do seu círculo familiar e de amizade.</p><p>Aturdida, a moreninha deu às costas à ele e intentou deixar a sala de vez. Ângelo segurou no braço direito dela e a fez virar-se para ele.</p><p>-Essa Fênix tatuada em suas costas te representa bem, porque em algum momento da sua vida, você teve que ressurgir das cinzas. –disse e a olhou, expressando ternura no gesto. -Eu gostaria de conversar mais com você. Podemos?</p><p>De semblante baixo, Verônica recolocou a mochila em uma cadeira e se sentou na outra. Ela suspirou antes de responder.</p><p>-Você é quem manda. –liberou pegando a mochila e pondo-a em seu colo para que Ângelo se sentasse do lado dela.</p><p>Ele arrastou a cadeira, à colocou de frente à mocinha e se sentou.</p><p>-Por que, “Verônica do casarão”?</p><p>-Só porque eu nasci na mesma noite que aconteceu uma tragédia numa casa Maldita. Mas eu não sei aonde e nem como foi. A Cláudia e as amigas dela pegavam no meu pé por causa disso. A minha melhor amiga teve que ser transferida para outra escola por causa das provocações daquelas xaropes.</p><p>-Eu tenho alguns dias nessa escola, mas sei que nenhum dos alunos nasceu dentro de um casarão amaldiçoado. –brincou para não deixà-la ainda mais deprimida. -Não ligue para essas chateações. -Ângelo espalmou fortes as mãos em suas coxas sinalizando que Verônica estaria acreditando em bobagens à respeito do nascimento dela.</p><p>-Eu jà estava cheia daquelas garotas. Eu não fiz nada pra elas me tratarem assim.</p><p>-Espero que a Cláudia não tenha sido falsa comigo agora à pouco.</p><p>-Me dê as suas mãos. –pediu pondo as mãos dele sobre a mochila no colo dela</p><p>Verônica não hesitou em espalmar as mãos dela sobre as dele.</p><p>Por alguns segundos os dois se olhavam enquanto Ângelo massageava as mãos dela. Aos poucos ela foi recuperando a calma e de olhos fechados sentia-se como se estivesse sendo pulverizada por uma brisa suave à lhe refrescar as ideias. O rosto que à pouco fora acometido por tiques de expressões carregadas de raiva e intolerância foi se apascentando e atenuou-se dócil e meigo.</p><p>-Como você se sente agora? –Ângelo perguntou ao soltar as mãos dela.</p><p>-Melhor, e com vontade de renascer das cinzas. Valeu professor. De repe eu me sinto bem melhor.</p><p>Ângelo segurou as mãos dela novamente.</p><p>-Pode me chamar de Ângelo. À propósito, o que quer dizer, de repe?</p><p>-Tipo assim, de repente, coisa e tal. Morô?</p><p>-Morei. Eu acho que você é uma garota especial e não deve se culpar pelas mortes dos que tiveram seus dias de vida findados. –disse tocando com o dorso da mão a maçã do rosto dela. –Morô?</p><p>Ela sorriu docemente.</p><p>-Às vezes eu me amaldiçôo por eu ser como sou. –foi sincero o que ela disse.</p><p>-Então eu te recomendo à executar bem a sua função de contralto, apesar de ela ser pesada de conduzir e dolorosa de se ouvir. Sem o contralto a música soa vazia, e sem você, os seus amigos perdem a moderadora de amizades. Sem o ar, a vida fica sufocante. Ainda bem que o ar tem peso, o contralto é volumoso e você é constante. Mas não se torne ventania. – recomendou sorrindo. -Antes de retomarmos as aulas, eu quero um abraço seu.</p><p>-Pô, mó força você me transmitiu. –sussurrando ao ouvido dele, ela disse e o abraçou forte.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> *</p><p>O clube onde Ângelo e seus amigos estavam não ficava muito distante do centro da cidade. Mas com certeza eles não precisariam ir até ao centro para se divertirem. O local de recreação fornecia à seus clientes, parques aquàticos, restaurante, piscinas, saunas, academia de ginàsticas, salão de jogos, play growds, toboàguas e muito mais, com certeza Ângelo, Paulo Henrickhelson e Marcelo não precisariam sair de onde eles estavam para curtirem suas aventuras.</p><p>Depois de eles terem divertido muito durante todo o dia, e verificado a programação para a noite e constatado que realmente, tudo estava nos conformes. Ângelo e Paulinho trocavam ideias.</p><p>-Qual é Paulinho? Por que você está triste desse jeito? -Ângelo perguntou por ver Paulinho com o cotovelo na mesa, com uma mão tapando a orelha, a outra alisando a mesa e com a cabeça um pouco virada para o lado.</p><p>-Aqui é legal. Mas aquela gatinha me deixou na fiçura. – Todo inconformado, o ruivo lamentou pela frustração do período da tarde no quesito paquera.</p><p>-Vai me dizer que você queria fazer aquilo com ela.</p><p>-É claro que eu queria! Ela gosta daquilo também.</p><p>-Paulinho, você não é certo da cabeça. –disse Ângelo jogando uma casca de maçã nele.</p><p>-E você com a argentina? O que foi que rolou? -quis saber pegando um pedaço de mamão.</p><p>-A gente trocou algumas ideias. –respondeu enquanto descascava uma banana.</p><p>-Quer dizer que você não deu uns amassos naquela gatinha? –Paulinho perguntou de boca cheia.</p><p>-Ih, o cara, aí! Ela não é disso não, ô pervertido, mente poluída.</p><p>Marcelo chegou se sentando junto aos dois.</p><p>-Boa noite! –disse ele tocando as mãos dos dois simultaneamente. –Cadê o café, o leite, o pão, a...</p><p>-Pra esse tipo de comida, a gente tem que interfonar na recepção.</p><p>-Beleza, Ângelo. Eu como frutas mesmo.</p><p>Por um momento ninguém disse nada, e eles comiam o lanche à base de frutas e sucos. Até que depois de algumas mastigadas e engolidas...</p><p>-Ô Marcelo... E aquela gatinha que você estava com ela?</p><p>-Esse Paulinho é curioso pra caramba.</p><p>–Cala a boca Ângelo. Deixa o Marcelo responder.</p><p>-Unh, unh. –Marcelo balbuciou engolindo. –Falem a verdade. Vocês jà viram uma negra mais bonita do que aquela? –perguntou admirado da beleza da garota.</p><p>-Eu com uma pretinha daquela faria um regaço... Oh gatinha da hora!</p><p>Ângelo ficou calado alguns segundos observando o jeito do Paulinho ao falar da garota do Marcelo.</p><p>-Marcelo... Ela é bem bonita mesmo. Mas eu só não entendo por que quando as pessoas vêem moças brancas bonitas, elas dizem apenas que elas são bonitas, mas quando vêem uma negra eles dizem: oh negra bonita! Tem sempre que especificar a cor dela, como se ela fosse algo estranho ou raro de se ver. Isso é babaquice. –Ângelo contestou e abocanhou a maçã.</p><p>-Ângelo, é o seguinte... Quando a gente vê uma ruiva ou uma loira, a gente também diz: oh ruiva bonita, ou oh loira bonita. Isso é apenas um modo de dizer que a garota é de cor tal, e é bonita.</p><p>–Falou e disse Paulinho. –Ângelo consentiu.</p><p>-Hoje eu vou te confessar uma coisa que a Verônica falou de você.</p><p>Quando Marcelo disse isto, Paulinho olhou pra ele fechando a cara.</p><p>-Deixe ele falar, Paulinho. Não tem problema não. Pode falar Marcelo.</p><p>-Então. Ela me falou que quando te viu a primeira vez, ela te chamou de moreninho gato, e disse que um dia ela ia te dar uns beijos.</p><p>-É isso aí Ângelo. Se você fosse negro ela teria te chamado de negro gato. –afirmou Paulinho. –Você é moreno claro, e seu cabelo é liso e... você só não é gato como eu.</p><p>Eles riram um pouco e depois terminaram de lanchar.</p><p>-E hoje? O que a gente vai fazer? –Quis saber Marcelo. –Aqui é bacana, não é Paulinho?</p><p>-Massa. Vamos nadar nas piscinas de àgua quente com as gatinhas. Depois das seis horas as piscinas lotam de garotas.</p><p>-Eu não sei nadar. –Ângelo confessou.</p><p>-Vai dizer agora que você tem medo de se afogar dentro de uma piscina? –Marcelo duvidou dele e foi se sentar no sofá.</p><p>Paulinho o acompanhou. Os dois também se sentam e por um minuto ficam em silêncio.</p><p>-Ângelo qual é o nome da garota argentina? –Paulinho perguntou.</p><p>-O nome dela é Luna.</p><p>-A conversa dela é de gente inteligente, Ângelo? – Marcelo perguntou.</p><p>-Até certo momento a nossa conversa era normal, mas depois ela me mostrou o livro que estava lendo, aí o papo ficou meio escabroso.</p><p>-Como assim? -quis saber Paulinho.</p><p>Antes de começar a falar, Ângelo chamou Marcelo para se sentar junto à ele e Paulinho no mesmo assento.</p><p>-Ela estava lendo livro de ocultismo, e disse também que ela é meio mística e sabe prever certas coisas...</p><p>-Mas o seu professor jà te falou de coisas parecidas.</p><p>-Mas o que ele me fala não tem nada à ver com ocultismo, Marcelo. Por exemplo, eu não sei o que está acontecendo lá fora...</p><p>Paulinho fez cara de espanto.</p><p>-E ela sabe o que acontece longe dela?</p><p>-Escute essa. – disse Ângelo se levantando. –Depois que a gente havia dado alguns beijos, ela me falou que está noiva de um camarada lá em Córdoba.</p><p>-Hija de la madre! –Paulinho gritou se levantando do sofá.</p><p>-O que significa isso? –Quis saber Ângelo.</p><p>Paulinho se sentou novamente.</p><p>-Filha da mãe. –respondeu. – Como é que aquela garota apronta uma dessas?</p><p>-Caramba. O pai dela me chamou disso aí quando eu saí da suíte dele. Aquele argentino filho da mãe. Pois então. Só que aí eu disse à ela que não iria dar pra gente continuar, porque se eu soubesse nem teria olhado pra ela. Mas aí ela disse que ela e ele sempre fazem assim pra testar o poder de sensitividade dos dois.</p><p>-Quer dizer que eles são cornos conformados?</p><p>-Marcelo, ela falou que o que eles fazem distantes um do outro é tudo combinado e aceito pelos dois. E quando eles se encontram um fala para o outro o que ambos cometeram.</p><p>-Ela fala o que ela aprontou e ele fala o que ele aprontou também?</p><p>-Não Paulinho. Ele fala o que ela fez e ela fala o que ele fez. Entendeu?</p><p>-Caramba! Mas que merda de bruxaria é essa? -disse Marcelo, jà arrepiando.</p><p>-Se eu fosse você ficaria longe dela, Ângelo. – Paulinho alertou se arrepiando também.</p><p>-Eu não tenho medo dessas coisas não. O problema é que ela tem um noivo, e eu detesto pilantragem. Mesmo eu não conhecendo o cara.</p><p>-O que foi que o senhor Cândido te ensinou então, Ângelo? –quis saber Marcelo.</p><p>-O que ele me ensina não tem nada à ver com ocultismo. E muito menos com bruxaria.</p><p>-Então fala o que é. – Paulinho inquiriu.</p><p>-Escuta essa. Os seres humanos se revelam. Ih,vocês dois jà estão com medo. –disse Ângelo rindo por ver Marcelo e Paulinho se aproximando um do outro, demonstrando espanto.</p><p>-A gente não tà com medo não. Pode falar. – disse Marcelo se afastando de Paulinho.</p><p>-Ela falou que alguém entrarà em nossas vidas, e o que será é o que tem que ser.</p><p>-Como assim? ”nossas vidas”. –Marcelo ficou assustado.</p><p>-Na sua vida Ângelo? -Paulinho ficou confuso.</p><p>-Não sei Paulinho. –respondeu se sentando.</p><p>O assombro tomou conta de Marcelo e Paulinho naquele momento. Ângelo permanecia pensativo entre os dois companheiros sentados no enorme sofá.</p><p>O que parecia ser um final de semana para eles se divertirem com algumas garotas, transformou-se em algo sinistro depois do encontro de Ângelo com Luna. Ele fora ensinado por seu amigo Cândido à saber conhecer e lidar com pessoas através de gestos, olhares, silêncios e palavras, Porém, Luna, parecia ser conhecedora de ciências ocultas que dava à ela o poder de prever situações futuras e isso o deixou encabulado porque um dia ele interrogou ao seu tutor cândido o que viria à ser um escrito que ele encontrou junto à algumas dissertações sobre à arte da vida e da música que seu cândido utilizava para dissipulá-lo. Ao ler o escrito Ângelo perguntou ao mestre: Seu cândido, o que significa mistérios ocultos do ocultismo?</p><p>O velho respondeu: meu pequeno amiguinho iniciado, o que é oculto... é para estar oculto. Atenha-se ao que é visível e você terà conhecimento para distingui-los.</p><p>-Ô Ângelo! –disse Paulinho fazendo Marcelo pular do sofá.</p><p>-Você quer me matar de susto, Paulinho?</p><p>Ângelo riu de Marcelo falando com as mãos no peito, sentindo o coração acelerado.</p><p>-Quase que sou eu quem morre de susto do seu grito. – Paulinho confessou.</p><p>-Vocês são dois mariquinhas. –disse Ângelo se levantando. O que você ia dizer Paulinho?</p><p>-Por que você não deu só uns amassos naquela gatinha ao invés de ficar conversando sobre essas coisas? –Paulinho falou se dirigindo ao barzinho da suíte.</p><p>Marcelo alcançou os dois. Ele estava morrendo de medo.</p><p>-Paulinho você só me ensinou dizer eu quero te beijar, te namorar. E você é linda, em espanhol, e, ela não quis nem saber desse papo furado. Aí nós conversamos sobre essas coisas, mas tudo foi assim de repente. Depois do último beijo que eu dei nela e tive mais uma daquelas sensações ruins, foi que ela me falou sobre o noivo dela e esse negócio de ocultismo. –concluiu se sentando.</p><p>Paulinho estava atrás do balcão escolhendo algo para dosar os copos que ele jà havia colocado no balcão do bar. Enquanto ele servia as bebidas para ele e Marcelo beberem, Ângelo pensava: eu vou fazer esses dois pararem de beber.</p><p>–Àhhhhhhhhhhhhhhhhh! –ele exclamou prolongadamente.</p><p>-Caramba! -disse Marcelo se assustando novamente. –O quê que foi Ângelo?</p><p>-Merda. Eu quase quebrei a garrafa. –falou Paulinho, com uma mão segurando a garrafa e a outra no peito. –Fala logo Ângelo.</p><p>Dessa vez Ângelo fez cara séria para fazê-los acreditarem no que ele diria.</p><p>-A Luna me perguntou se eu bebia bebida alcoólica, eu respondi que não. Aí ela me disse que as pessoas que bebem são propensas à receberem os espíritos que vagueiam nas trevas, vindos de outras dimensões.</p><p>Os dois se entreolharam assustados e arrepiados.</p><p>-Eu não vou beber mais não, Paulinho. Você pode beber se quiser. –disse Marcelo arredando o copo.</p><p>-Eu hein, quero não! –Paulinho tampou a garrafa e guardou-a. – Aonde nós vamos Ângelo? –perguntou saindo detràs do balcão.</p><p>-Vamos para as piscinas. –Ângelo sugeriu.</p><p>-Eu topo. –disse Marcelo se levantando. -É melhor ficar lá com garotas do que ficar aqui bebendo licor e uísque.</p><p>-Yuuhuul! – Paulinho gritou pulando nas costas de Ângelo. –Ângelo, vai com o Marcelo. Eu chego lá depois de eu dar uns malhos numa loirinha gostosa, da suíte 19.</p><p>Ângelo e Marcelo chegaram ao bar que era uma espécie de bar molhado ao lado de uma enorme piscina. Era sàbado, mas o local ainda não tinha muitos turistas, porém para os dois, as garotas que estavam por ali eram suficientes para eles trocarem um pouquinho de prosa.</p><p>–Ângelo, olha essa ali de lencinho cor de rosa amarrado na cintura. –disse Marcelo.</p><p>–São tantas. O que a gente vai beber? –quis saber Ângelo se sentando na cadeira de plástico branca.</p><p>Marcelo também se sentou.</p><p>–Vai lá buscar alguma coisa pra gente beber, por que aqui não tem garçom não.</p><p>Marcelo obedeceu à voz de Ângelo e foi até ao balcão. Ângelo estava se sentindo um estranho. Alguns rapazes passavam por ele de mãos dadas às suas garotas e se sentavam nas cadeiras, ocupando as mesas com suas bebidas tropicais, e também bebidas enlatadas.</p><p>De repente ele viu Fernanda chegando e se sentando sozinha ao redor de uma mesa retirada um pouco distante das demais.</p><p>“Mas como ela é linda! Só não entendo porque essa garota vem à um bar molhado de um clube com um livro na mão?”</p><p>Enquanto ele pensava, Marcelo se aproximava com um abacaxi e um coco.</p><p>–Pega! Qual você quer?</p><p>–Me dà o abacaxi.</p><p>Ângelo deu uma cutucada não braço do amigo.</p><p>–Marcelo, olha ali quem chegou.</p><p>–Aquela lá é a Fernanda? –Marcelo fez essa pergunta sugando a àgua do coco pelo canudo. –Ela se parece com a Bianca. Só que menos loira.</p><p>–É ela mesma. Mas eu não tenho certeza se o nome dela é Fernanda. Havia uma garota loira com ela. Eu escutei a loirinha a chamando de Nandinha.</p><p>Fernanda parecia não tê-lo notado ainda. Enquanto isso, Ângelo calculou o que ele ia fazer para abordà-la.</p><p>–Marcelo. –disse ele se levantando. –Ela não está lendo qualquer tipo de livro.</p><p>–Como você sabe?</p><p>–Ela está marcando pulsações... solfejando... não... ela é musicista iniciante. –finalizou. – Caramba. –reiniciou a observação. –Ela está em confusão de ideias. Talvez, seja uma composição de Beethoven.</p><p>-Aquele sujeito era maluco. Aonde você vai Ângelo?</p><p>Ele não respondeu e seguiu em direção ao palco onde minutos atrás um grupo musical cantava algumas músicas acompanhadas com violão e alguns instrumentos de percussão. Tomou o violão nos braços, senta num banquinho alto e começou a dedilhar alguns acordes na seqüência de fà maior.</p><p>-Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça. É ela menina que vem e que passa num doce balanço à caminho do mar...</p><p>Ao tocar e cantar a música de tom Jobim, algumas pessoas começaram a ouvi-lo. Fernanda que antes lia também o observava.</p><p>Ele fez a passagem da melodia mudando o modo da escala de fà maior para La menor. Alguns e algumas dos que ali estavam começaram à cantarolar a canção composta de uma mistura de samba e swing, um ritmo suave e bem leve. Alguns acompanhavam a música balançando os braços pra lá e pra cá.</p><p>Fernanda se levantou, abraçou o livro e ficou vendo Ângelo dedilhando as cordas num arranjo perfeito na dissonância de bossa-nova.</p><p>–Ah a beleza que existe. -ele cantou esse trecho olhando para ela. Os ouvintes bateram palma. Depois de mais acordes, letra e melodia, finalizou a canção, desceu do palco e dirigiu-se à Fernanda.</p><p>–Oi! –disse ele.</p><p>–Oi! A música que você cantou é linda!... E você canta muito bem.</p><p>–Obrigado. Mas, eu a cantei porque você me inspirou a cantà-la.</p><p>–Obrigada por isso então. –disse ela sorrindo e ajeitando os cabelos com a mão livre.</p><p>–E seus pais? Onde estão?</p><p>–Não vieram. Eles acham que está um pouco frio aqui.</p><p>–Mas, o Rio Grande do Sul é muito frio. –ele arriscou.</p><p>–Eu não sou de lá.</p><p>–Pode ser que eu esteja querendo saber de onde você é.</p><p>Fernanda estava encantada com o jeito sério dele se expressar, mas no fundo ela achava que fosse preciso ser cautelosa quando alguém desconhecido à abordasse assim, tão inusitadamente.</p><p>–Tudo bem. Não precisa me dizer de onde você é. Eu acho que eu não sou bom em tentar descontrair uma garota que com certeza quer mais é ter um tempinho distante de tudo e de todos, para poder espairecer as ideias e chegar à uma solução para o vendaval de incertezas que invade a sua cabeça. –foi espantoso, porém assertivo o que ele falou.</p><p>Intimamente Fernanda concordou, mas o arregalar de seus olhos e o arrepiar dos pelinhos em sua pele, revelou à Ângelo que ele estava sendo muito profundo em sua observação tão breve. As últimas palavras que ela ouviu do seu avô, formaram uma frase de advertência. “Minha netinha, não và cair na conversa de pessoas estranhas. Você é muito bonita. Hoje em dia tem muita gente sem vergonha”</p><p>–Sim. Eu sou de Pelotas Rio Grande do sul. –seriamente ela mentiu. – Mas tem apenas dois meses que nós moramos lá. Nós viemos para cá fugindo do frio. Talvez viremos morar em Goiàs.</p><p>–Em que cidade? Você poderia me dizer.</p><p>–Na capital.</p><p>–Nós estamos na capital. –a fez lembrar.</p><p>Ai, que droga. –ela pensou levando as duas mãos ao rosto.</p><p>–É que eu estou meio desligada da realidade.</p><p>–Beethoven é muito confuso mesmo.</p><p>O coração dela pulsava descompassado, e com as mãos tampando a boca, conseguiu apenas perguntar:</p><p>–Como você sabe?</p><p>–Você ritmava acelerado e, às vezes, lento. Ascendia em tessitura, do grave ao agudo e de lá descia em queda brusca na escala. Do agudo ao grave da tônica tonal.</p><p>Antes que Fernanda pudesse se livrar do espanto e novamente usar o benefício da fala, Ângelo a antecederia.</p><p>–Você poderia me dizer de onde você vem?</p><p>–Eu... eu sou daqui de Goiânia.</p><p>–Eu também. –disse ele.</p><p>–Que coincidência legal! –disse ela.</p><p>Os dois sorriram olhando um nos olhos do outro. Ângelo não diria à ela, que ele jà se via apaixonado por ela.</p><p>–Você não quer se sentar um pouco pra gente conversar mais à vontade?</p><p>–Nós jà estamos conversando.</p><p>Podia ser que faltasse diàlogo da parte de Fernanda que ainda estava sobremaneira ressabiada. Debaixo da camiseta branca dela, seus seios movimentavam como se os pulmões se contraíssem e relaxassem em velocidade acelerada causando nela um desconforto respiratório. Então ela olhou ao redor e percebeu que não tinha como ela usar a desculpa de ir lá fora tomar ar puro, pois soprava um vento frio naquele momento, pois o local onde eles estavam era um amplo espaço verde com arbustos que separavam as piscinas da quadra poliesportiva e alguns banquinhos de madeira instalados próximos à um jardim em formato de coração propiciando aos casais um bom lugar para possíveis paqueras. Porém, Fernanda sabia que uma simples paquera não teria um início de conversa similar à que os dois estavam tendo.</p><p>Por um instante, Ângelo se perdeu na cor dos olhos castanhos claros de Fernanda. Ela olhava nos lábios dele e ajeitava os cabelos volumosos atrás das orelhas. Aos poucos o assombro ia lhe abandonando, e o olhar deslumbrado que ele direcionava ao rosto dela amenizava sua pulsação arterial.</p><p>–Você é muito bonita. Apesar de que, eu acho que você não gosta de ouvir esse elogio. Especial seria a palavra correta. –disse ele tocando o rosto dela.</p><p>Se fora a flecha do amor que a atingiu, Fernanda não sabia ao certo. Mas devido à sensação gostosa que ela sentiu ao deixar que o dorso da mão dele deslizasse em sua pele com delicadeza e suavidade, ela simplesmente se esqueceu da insipidez de seus dias, da recomendação de seu avô e do que a deixava intrigada por estar sendo paquerada por um estranho que decifrou o seu estado de espírito, – diga–se, contrariado –, em apenas quinze ou vinte segundos em que ela procurava encontrar a pulsação exata de um trecho harmônico da quinta de Beethoven.</p><p>Ângelo continuou sentindo a textura da pele macia do lindo rosto de Fernanda. Olhou para cima e comparou o brilho dos olhos dela com o crepitar das estrelas no céu naquela hora.</p><p>–Não faça isso. Por favor! Eu... eu nem te conheço. -a voz soou aveludada. Seus olhos continuavam fechados.</p><p>–Desculpe-me. Eu sei que causei mà impressão.</p><p>Sentindo que ele havia sido muito precipitado, Ângelo agasalhou as mãos dentro dos bolsos da calça que ele usava. Por alguns segundos ele ficou olhando para os seus próprios pés fazendo semicírculos no calçamento do local.</p><p>–Eu tenho que encontrar a minha irmã e a minha amiga. Quer vir comigo?</p><p>–Não. Perdoa-me, mas eu também vou procurar os meus amigos. Tchau Fernanda. Um dia à gente se vê. –despediu e deu às costas.</p><p>–Tchau Ângelo. Até outro dia. –disse ela com ar esperançoso. –Ai!–suspirou– Espero que seja logo. –pensou. –Ângelo. –ela o chamou.</p><p>Ele voltou até à ela.</p><p>–Sim, Fernanda.</p><p>–Eu vi você cantando, e, eu gostaria de e convidar para ir ao conservatório onde eu estudo música aqui em Goiânia. – falou com doçura e timidez. Seus olhos denunciavam que ela estava enamorada por ele. A pele clara do rosto dela transformou-se num tom avermelhado. A boca de lábios rosados e exuberantes parecia querer engolir de volta as palavras ao ver Ângelo fitando seus olhos com um olhar analítico e, ao mesmo tempo, profundamente sincero.</p><p>–Eu te prometo que em breve nos veremos. -e se foi.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p>Quando a campainha tocou, Fernanda se levantou às pressas, sabendo que era Verônica quem estava chegando para elas conversarem sobre seus encontros e desencontros. Ao sair do quarto para atender Verônica, Fernanda percebeu que Flávia jà havia antecedido à ela.</p><p>Um oizinho e um beijinho de praxe entre elas quando Verônica chegou à sala. Em seguida, elas foram para o quarto de Fernanda.</p><p>–E então Fernanda. –disse Verônica. –Como foi no clube? –perguntou se sentando na cama.</p><p>–Foi ótimo amiga!–respondeu na frente do espelho.</p><p>Verônica viu Fernanda se torcendo, querendo ver sua própria nuca, com uma mão juntando os cabelos e a outra puxando à cartilagem da orelha.</p><p>–Fernanda. Você está pensando mesmo em tatuar a letra G em seu corpo?</p><p>–Não Verônica. Agora eu vou tatuar o nome inteiro, mas só que é o nome do meu verdadeiro amor. –respondeu abraçando Verônica.</p><p>Elas desfizeram o abraço, Fernanda voltou ao espelho e deu mais uma olhadinha.</p><p>–Qual nome Fernanda?</p><p>–Rodrigô. –respondeu tonificando à ultima sílaba. Ele é de Goiânia, gosta de música e é muito lindo.</p><p>–O quê?–perguntou assustada. –Você tem certeza que é o Ângelo? –Verônica não estaria acreditando no que acabara de ouvir de Fernanda.</p><p>–É Verônica, Ângelo. Por quê?</p><p>–Ai Fernanda, que bom!– disse abraçando–a. – Eu pensei que fosse o nome do Jorge.</p><p>–Ah Verônica, o Ângelo é muito interessante. O Jorge não tem essa qualidade.</p><p>Verônica também o achava um garoto interessante. De frente ao espelho, ela via a Fênix tatuada em suas costas e sentia que ele não teria dificuldade em explicar mais sobre o significado do desenho à ela. E depois de ouvi-lo na sala de aula ela jamais se esqueceria de como as palavras dele trouxeram significância à sua vida.</p><p>–Que bom. –disse Verônica outra vez, com à voz e a expressão de quem não achou nada bom. – Você dois estão namorando ou foi só um lance de final de semana num clube de recreação?–perguntou se sentando na cama.</p><p>–Verônica, ele chegou de repente e depois de me deixar caída por ele, me disse tchau e se foi. –disse Fernanda se sentando na cama, cruzando as pernas.</p><p>–O Marcelo fez o mesmo depois que a gente conversou bastante ao redor da fogueira com os nossos amigos. O JP chegou dando uma notícia aos três. Daí, o Ângelo saiu correndo e deixou a gente ao redor da fogueira e foi embora.</p><p>–O que aconteceu?</p><p>–Não sei. O Marcelo, e JP só ficam em um lugar até enquanto o Ângelo também estiver com eles. O Ângelo ficou de me ligar hoje.</p><p>–Oi, voltei! – anunciou Flávia. –Ai Verônica! Você vai mesmo fazer outra tatuagem? –perguntou fazendo cara de ranço.</p><p>–Não Flávia. Eu não tenho uma letra pra tatuar. –respondeu se sentando na cama dà Fernanda.</p><p>–Ah, Eu tenho! –disse Flávia em pé. –Eu vou tatuar uma letra. – disse ela se sentando no piso do quarto.</p><p>–O quê?– Fernanda perguntou assustada.</p><p>–Você também Flávia?–quis saber Verônica.</p><p>–Ahã! Euzinha!–confirmou cruzando as pernas.</p><p>–Qual letra?– Fernanda perguntou achando que sua irmã também caíra nos encantos do Ângelo.</p><p>–Eu vou tatuar a letra</p><p>–Fala logo Flávia. – Verônica ordenou ansiosa.</p><p>–R de ruivinho. Paulo Henrickhelson. Ai que fofo! –disse Flávia batendo palminhas.</p><p>–Ai que alívio!–sussurrou Fernanda.</p><p>–Que bom! Flávia. Isso quer dizer que vocês duas estão amando. –diz Verônica.</p><p>–Estou a fim, só.</p><p>–E você com o Marcelo Verônica?– quis saber Fernanda.</p><p>–È mesmo. O que rolou entre vocês dois no clube?–Flávia reforçou a pergunta.</p><p>–Eu e o Marcelo ficamos de nos ver hoje, mas, não tà rolando nada entre nós. Eu o achei um pão e muito legal só que não pintou um clima entre a gente. Parece até que nós somos irmãos. –confessou sem empolgação. –Fernanda eu tenho que te contar um lance. –disse ela se sentando do lado da amiga.</p><p>–Agora eu vou fazer um suco pra gente. –Flávia anunciou sua retirada e saiu.</p><p>–Pode contar Verônica– disse Fernanda ajeitando os cabelos.</p><p>–Eu jà conhecia o Ângelo. Ele é meu professor de música.</p><p>Houve uma pausa porque o semblante de Fernanda desfaleceu naquele momento. Ela sentiu que algo de bom entre Verônica e Ângelo havia acontecido. Bom para a sua amiga, mas infelizmente, desnorteador para ela.</p><p>–Não houve nada demais entre nós dois, Fernanda.</p><p>–Tudo bem Verônica, eu e ele nem chegamos à falar da gente. Eu fui precipitada. Só isso.</p><p>–Foi muito louco, amiga...</p><p>–O que você quer dizer com essa expressão?</p><p>–Foi estranho, diferente. Quando nós nos conhecemos, ele pegou em minha mão e disse que eu era o ar...</p><p>–Como assim, ar Verônica? –Fernanda começava à se preocupar realmente. –Que ar? O ar que ele...</p><p>–Espere Fernanda. –Verônica falou segurando a mão da amiga que jà estava em estado explosivo. –Eu também não entendi, mas antes de eu perguntar o que ele estava querendo dizer, ele disse que eu era o ar do contralto em relação à música. Eu nem pedi explicação porque eu não manjo nada de música. Só de Rock.</p><p>–Droga! Ele usa o conhecimento musical dele para brincar com o sentimento das pessoas. –Fernanda julgou pressionando as fontes do rosto.</p><p>–Só que ele não estava brincando.</p><p>–Como assim? Comigo ele foi sério também.</p><p>–Fernanda, o que ele falou foi incrível. Eu era toda deprê por causa das pegações no meu pé, pela Cláudia e as gatas da vez. De repe, o Ângelo me fez ser outra pessoa.</p><p>–Eu sei Verônica. Ele me decifrou quando eu estava revisando uma àrea da composição de Beethoven. Mas, o que foi que ele te falou? Pode me contar, eu jà estou mais preocupada com nós duas, do que interessada nele.</p><p>–Escuta só o que o Ângelo disse sobre o ar. O ar está em toda parte. Onde houver uma abertura ele penetra. O contralto representa esse elemento, porque a função dele é preencher as lacunas que ficam entre o soprano e as outras vozes. Quanto à mim, ele disse que eu estou sempre interferindo na vida dos outros para reparar as fissuras que ocorrem entre as pessoas do meu círculo familiar e de amizade. Então ele me recomendou à executar bem a minha função de contralto, apesar de ela ser pesada de conduzir e dolorosa de se ouvir e. E que sem contralto a música soa vazia, e sem mim, o grupo de amigos perde a moderadora de amizades. Sem o ar, a vida fica sufocante. Ainda bem que o ar tem peso, o contralto é volumoso e eu sou constante. Depois, ele viu a Fênix tatuada em minhas costas e falou que ela me representa porque em algum momento da minha vida, eu tive que ressurgir das cinzas. Eu não esqueço uma vírgula do que ele me falou.</p><p>–Nossa Verônica! Será que ele jà sabe algo à respeito de você?</p><p>–Não Fernanda. À única que sabe como é difícil a barra que eu enfrento é você. Nem mesmo o Ricardo, que me trata como uma filha dele, e eu que o considero como à um pai para mim, não sabe nada sobre mim. Eu gosto do Ângelo, mas foi de modo diferente. Pode acreditar amiga. Talvez o que ele queria dizer seja isso mesmo.</p><p>–isso mesmo o quê.</p><p>–Eu jà estou entrando no lance de vocês dois. E você sabe que sou eu quem está sempre me intrometendo nos romances terminados de nossos amigos para uni-lo novamente.</p><p>–Esquece. Mas e aí? Depois que o Ângelo invadiu a sua mente como fez comigo, o que foi que você disse à ele?</p><p>–Ao redor da fogueira eu contei um pouco de mim à ele. De repe, ele foi à recepção do clube, demorou por lá uns minutinhos e voltou me trazendo essa folha escrita com o ponto de vista dele sobre mim. –Verônica entregou a Fernanda uma folha.</p><p>Fernanda se pôs à ler em voz baixa.</p><p>–Numa visão meramente superficial sobre à vida, ela se apresenta sobre dois fatores: Alegria e/ou tristeza.</p><p>Verônica, você parece conceber que a sua vida seja simplesmente insípida por vivê-la de certa forma trancada dentro de si mesma sem poder interagir com amigos e amigas. Na sua fase adolescente, seu número de amigas era bem pequeno, pois contava apenas com Fernanda e Flávia como únicas amigas. Com alguns outros e outras, o grau de amizade era basicamente colegas de escola e conhecidos de vista.</p><p>Em certa fase de sua vida, você quis culpar sua mãe por tê–la feito viver fugindo de se relacionar com garotos, adolescentes, jovens e qualquer que fosse a faixa etària de idade do sexo masculino. Tal regra de “modus vivendis” Faria ou faz que uma pessoa independentemente de qual idade ela tenha, venha sofrer a amargura de uma vida vazia e, invariavelmente a concepção que todos têm de vida vazia é, de viver infeliz. Finalmente aos dezessete anos de idade, você não está mais vivendo o modo de vida imposto pela mãe. (O ar, contralto, você vivia comprimida dentro de si mesma). Ao conhecer o namorado de sua mãe, você o tem como seu melhor amigo,então se abriu à você um leque de oportunidades para se relacionar com novos amigos, e você sente que a insipidez de seu viver finalmente chegou ao fim dando lugar à uma nova ótica sobre à vida e, desta vez sobre um só aspecto: Felicidade. No colégio você começou à interagir com os alunos, e sua vida melhorou significativamente. Verônica, você passou à acreditar que enfim será simplesmente feliz, e que as infelicidades que surgirem em seu caminho serão facilmente superadas. Começou então, à ser a conselheira da escola. Seus novos amigos e amigas sempre contam com você quando a situação fica crítica. Mas, você não conta que a vida não se resuma apenas sobre dois fatores por ainda, até então, não ter experimentado outro fator que é de fundamental importância para a definição de felicidade ou infelicidade. Ele se chama amor. E este sentimento tão etéreo e às vezes tão espúrio farà você entender que a vida deve ser observada sobre vàrios aspectos, e você só conseguirà assimilá-los quando conhecer o seu verdadeiro amor. Eu jà encontrei o meu amor verdadeiro. Torço para que você e a sua mãe encontrem alguém que dêem à vocês duas o amor que vocês merecem. Serei sempre seu amigo.</p><p>Finalizando com a leitura, Fernanda suspirou aliviada.</p><p>–É só amizade sincera o que rola entre mim e ele, Fernanda.</p><p>–Eu sei amiga. Pelo que ele escreveu dà pra perceber. –Agora vamos para a sala.</p><p>Ao passarem pela sala, as duas se depararam com Flávia pendurada ao telefone.</p><p>–Maninha você jà preparou o suco?</p><p>–Jà. –respondeu apontando para a mesa. –Tudo bem, eu vou falar com a Fernanda e com a Verônica. Tchau.</p><p>Quando terminou a conversa com a amiga, Flávia se dirigiu à Fernanda e a amiga Verônica. A cara que ela fez não era das melhores.</p><p>–O que foi Flávia? –Verônica quis saber.</p><p>–O senhor Cândido disse que não é para a gente voltar para São Paulo.</p><p>-Mas o vovô Amaro quer que a gente volte.</p><p>-É Fernanda, mas quem dà as ordens é senhor Cândido. Ainda mais que, está chegando o dia dos nossos aniversàrios. –Verônica às fez saber.</p><p>Contentes elas se sentaram em volta da mesa da cozinha.</p><p><br /></p><p><br /></p><p>***</p><p><br /></p><p>Fernanda estava deitada com os pés para cima enquanto deslizava os dedos em seus cabelos lisos, castanhos, sedosos.</p><p>Pegou o telefone e fez a ligação.</p><p>-Alô, quem fala? –Ângelo perguntou como quem acabara de acordar.</p><p>-Sou eu, Ângelo. A Fernanda. Eu peguei o seu número com a Verônica. Ainda é cedo. Você jà estava dormindo?</p><p>-Estava um pouco cansado e acabei cochilando.</p><p>-Tudo bem, eu posso desligar se te atrapalho.</p><p>Ele sentiu que ela queria conversar, mas também não queria parecer uma garota pegajosa.</p><p>-Não, não desliga, por mim, eu converso com você à noite inteira. Onde você está nesse momento Fernanda?</p><p>-Em minha cama lendo um livro indicado por um amigo meu. Você não o conhece.</p><p>-O livro ou o amigo?</p><p>-O amigo.</p><p>Ângelo se levantou e voltou à janela.</p><p>-Ele é apenas amigo mesmo?</p><p>-Eu não te falei que eu não tenho namorado?</p><p>-Não. Não falamos sobre isso.</p><p>-Não tenho... a noite está fria hoje, você não acha? Eu estou embrulhada por dois cobertores.</p><p>Antes de responder, ele escreveu o nome dela no embaçamento da janela e circulou-o com um coração.</p><p>-Está, está muito frio. –falou voltando para a cama. –Se continuar assim durante a semana, eu vou te convidar para tomarmos um chocolate quente na confeitaria da mãe de uma nova amiga minha.</p><p>-É só sua amiga mesmo, ou namorada?</p><p>-Não.</p><p>-E a Verônica.</p><p>-Você sabe mais dela do que eu.</p><p>-É que às vezes eu não acredito que você não tem uma garota. São tantas que te querem.</p><p>-Nenhuma delas gosta de mim, como alguém gosta de você.</p><p>-Eu não estou disponível para ele.</p><p>-Você está me dando o direito de achar que existe mesmo esse alguém.</p><p>Fernanda se sentou na cama na expectativa de poder abrir o jogo com ele.</p><p>-Me pergunta que eu respondo.</p><p>-Eu soube que você é cotada para ser a garota estudantil da escola esse ano...</p><p>-Seja mais direto. –o coração dela disparou.</p><p>-Fernanda, eu tenho tanto de mim pra te falar, e não preciso mais saber tanto sobre você. -sentando-se na cama ele esfregou o rosto. Estava apaixonado por ela. O Marcelo me contou sobre sua apresentação musical na escola da Ordem. Você tem talento.</p><p>-Você conhece a escola?-perguntou encabulada.</p><p>-Digamos que sim.</p><p>-Aquele pessoal todo, apenas me ouviu tocando uma sonata e foram embora sem nada me dizer. Eu fiquei frustrada. Pensei que eu teria que fazer uma dissertação oral, ou um exame técnico.</p><p>-Eles não avaliam a parte teórica. Para eu ser mais exato, eles ignoram essa àrea. Qual foi a música?</p><p>-Uma sonata do século dezoito. Eles me entregaram a partitura sem o nome do compositor. Era para descobrir se eu sou uma pianista de estilos, ou eclética.</p><p>Do outro lado da linha, Ângelo fechou os olhos e deduziu que Fernanda estava sendo sondada.</p><p>-Não era uma audição avaliativa sobre a sua desenvoltura musical. Eles estavam avaliando você e seu interior. Quem escolheu a composição?</p><p>-Fui eu mesma, mas foi o maestro quem me mostrou as partituras. Tinha marcha nupcial, noite feliz, nona sinfonia, e até discoteca ao piano. Pode uma avaliação dessas?</p><p>Ele achou que a escolha dela pela sonata do século dezessete fora porque ela estava passando por um período de sufoco. Ele teria que tomar uma decisão.</p><p>-Me responda. Você está comprometida com alguém?</p><p>-Ângelo, eu não tenho namorado, e não ligo nenhum pouco se os meus colegas de escola me acham a mais... qualquer coisa do colégio. O Jorge nunca vai me namorar. Eu não gosto dele e nem da Valquíria, a mãe dele. Eu sei que eu sou a garota mais estúpida de todas que você jà conheceu. A mais...</p><p>-A mais bonita, a mais interessante. Enfim, a garota que me faz esquecer que eu tenho um trabalho musical para terminar. Eu tentei me inspirar para compor uma música com uma temàtica solidària, mas você me inspira à escrever uma canção romântica. Vou chamar você de: a musa inspiradora para um rapaz que jamais sentiu algo tão real e sincero por alguém, como o que agora sinto por você.</p><p>-Se tudo isso é verdade, por que você está me evitando?</p><p>-Eu não estou te evitando, é que, eu quero ir ver você, mas eu não tenho nada de interessante para te falar, ou para a gente fazer. –disse se levantando da cama.</p><p>Fernanda apertou o aparelho telefônico com o ombro esquerdo e se viu emocionada.</p><p>Ângelo voltou à janela e escreveu o seu nome junto ao dela dentro de outro coração.</p><p>-Ângelo, eu adoro chocolate. Ângelo, você está ouvindo?</p><p>-Ah! Sim. Eu estava meio aéreo.</p><p>-Eu acho que você está com sono. Que tal a gente se ver pra gente conversar. Eu estar na festa da apresentação da Moça pura e bela e o do Menino de ouro da Ordem Rivera. Và lá também. Será aberta ao público.</p><p>-Vou tentar.</p><p>-Vou te esperar. Tchau.</p><p>Talvez Fernanda conseguisse dormir. Ou podia ser que ela ficasse acordada remoendo tudo que ela soube sobre Ângelo. Ela se embrulhou, mas deixou de cobrir a cabeça e se pôs à olhar o teto do quarto.</p><p><br /></p><p>*</p><p><br /></p><p>Ângelo passou horas pensando em Fernanda, fazendo planos e procurando encontrar as palavras certas para compor uma poesia que expressasse de modo simples, porém muito verdadeiro o que ele passou à sentir por ela depois do primeiro encontro dos dois no clube de banho. Não rascunhou uma letra, tampouco dedilhou as cordas do violão. Ele simplesmente deixou seu pensamento fluir enquanto visualizava o lindo rosto dela e sentia o vento penetrar pela janela tocando seu rosto. No entanto, apesar de toda a sua sensatez, era como se a voz do vento sussurrasse o nome Fernanda. Antes de ele se deitar para dormir, decidiu que na manhã seguinte ele à procuraria.</p><p>Chegou à casa de arquitetura colonial, onde funciona a escola de música clássica e erudita, ponto de encontro e estudo musical para artistas mais requintados. Ângelo tinha toda liberdade de freqüentar o local, pois ele era nada mais, nada menos que, discípulo de Cândido Plates Rivera conhecedor da arte dos mistérios que se revelam através dos sons musicais.</p><p>O local não estava aberto ao público, que por sinal era muito seleto, mas para alguém com a credencial pessoal de Ângelo, não era problema.</p><p>“Tô em casa. Quero dizer, é disso que eu tô precisando.” – pensou.</p><p>–Vamos lá, o que eu vou tocar antes que aqui fique lotado de gente para ver a Fernanda em ação? Do piano eu só conheço as escalas, do violino eu conheço a diagramação das notas. Flauta, só toco a transversal. Harpa ainda é o meu sonho poder tocá-la. Sobrou o violão.</p><p>Ângelo apoderou do violão e o afinou rapidinho, ouvindo o ressoar das cordas aplicando um pizzicato por conhecer bem o som de cada uma a partir das quartas maiores e quintas menores, conferiu os acordes simples e dissonantes. Tudo ok. É agora.</p><p>–Ih! Não me vem uma música à cabeça.</p><p>Ângelo tateava as cordas do violão, tentando encontrar algum ritmo ou uma articulação que pudesse introduzir lhe alguma inspiração para tocar uma primeira musica, porque depois da primeira as demais viriam naturalmente, mas nada além da sonoridade do acorde natural das cordas ressoando em intervalos mistos. “Bem que o seu Cândido me falou que a música não é a arte de manifestar sentimentos, mas sim de forjà-los e induzir os ouvintes à tê–los.” – pensou. Na verdade ele estava feliz por estar na sala de musica instrumental, no entanto, ele não se lembrava de uma melodia alegre para tocar. Ele havia ficado triste por não ter inspiração, mas também não conseguia tocar nem mesmo uma musica triste. Sentado no sofá estampado de flores, Ângelo continuava dedilhando as cordas livres, sem pestanà-las e sem posicionà-las nos traços.</p><p>–Ângelo. –Fernanda quase gritou. –Eu não acredito que você está aqui.</p><p>Ele se levantou e abriu os braços para recebê-la.</p><p>–Eu prometi que um dia nos veríamos novamente.</p><p>–Ai Ângelo, que bom te ver!</p><p>Os dois se sentaram lado à lado no sofá.</p><p>–Pra falar a verdade Fernanda, eu não parei de pensar em você o tempo todo. Acho até que vi você no Braz.</p><p>–Eu morava lá.Por que você não veio falar comigo,</p><p>–Os meus dias estavam sendo corridos. Eu tenho emprego e preciso dar rumo a minha vida.</p><p>–Olha Ângelo, a minha mãe é corretora de imóveis, e, se você quiser eu posso falar para ela te arrumar um emprego menos cansativo.</p><p>–Não, eu não vim aqui pra falar de trabalho. Eu só queria te ver antes de ir trabalhar.</p><p>–Ah! Só esse pouquinho de tempo? Você podia ficar pra ver a minha apresentação.</p><p>–Infelizmente eu não vou poder. O meu horàrio jà está vencendo. E, eu preciso ir para o trabalho.</p><p>Fernanda se levantou bem entusiasmada.</p><p>–Vem! Vamos tocar uma música nós dois juntos, antes de você ir. –convidou pegando no braço de dele e levando-o para o piano. –Sente-se aqui do meu lado.</p><p>Os dois ficam lado a lado a banqueta. Ela posiciona de modo ereto e repousa as mãos, suavemente no teclado do piano. Ângelo segura o violão pelo braço deixando o fundo da caixa ressoante tocando o piso.</p><p>–O que vamos tocar? –ele perguntou.</p><p>–Qualquer coisa. – respondeu.</p><p>Em seguida Fernanda executou um trillo a partir da nota mi natural ascendendo ao fà.</p><p>–Nada ainda? –perguntou a ele.</p><p>–Nada. Estou sem inspiração nenhuma.</p><p>–Olha só... –ela executa uns arpejos intervalando os acordes em oitavas. –Então, pensou em algo agora?</p><p>–Sim. –disse ele batendo o pé no piso e a mão em seu joelho. –Isso, continua suave. –sugeriu.</p><p>Enquanto Ângelo marcava a pulsação dos tempos do compasso batendo o pé direito no piso e a mão no joelho, Solange o acompanhava preludiando uma música suave. Ele apossa–se do violão e vai improvisando ascendentemente sobre a Tônica de sol maior usando a sua mediante como base.</p><p>–Conseguiu captar essa melodia? –Ângelo pergunta sem parar de dedilhar as cordas nas escalas dissonantes.</p><p>–Sim. Essa música é linda! –em seguida ela fecha os olhos.</p><p>Ângelo à imitou e os dois tocam suavemente, movimentando os corpos para um lado e outro, sentindo o prazer da melodia. E de vez em quando eles faziam um dueto de voz.</p><p>♫My endless love</p><p>♫Two hearts, two hearts that beat as one</p><p>Our lives have just begun</p><p>♫Forever</p><p>Ohhhhhh</p><p>I'll hold you close in my arms</p><p>I can't resist your charms.</p><p>De repente, numa manhã, lá estava ele, sentado na banqueta de um piano ao lado de uma linda pianista com sensibilidade musical maravilhosa.</p><p>A música ia sofrendo mudanças de ritmo em cada trecho melódico para ao fim terminar com uma articulação Poco hall.</p><p>–My Love. –Ângelo.</p><p>–My Love, my Love. –Fernanda.</p><p>Os dois se olhavam frente a frente, com os rostos bem próximo um do outro. Eles terminam a musica executando uma cadência suavizada, sem desviar os olhos para os instrumentos. Seus lábios se tocaram.</p><p>–My endless Love. –Os dois.</p><p>Seus lábios quase se colaram.</p><p>–Perdão, eu me emocionei. –ele pediu ao terminar o beijo.</p><p>–Não precisa se desculpar.</p><p>Os dois abandonaram o piano e o violão e foram se sentar no sofá.</p><p>–Você é muito talentosa.</p><p>–Vindo de você eu fico lisonjeada.</p><p>–Eu soube que você fez uma tatuagem...</p><p>–Alguém vive me dizendo pra eu tatuar a letra G em uma parte do meu corpo. –envergonhada, Fernanda mostrou à ele aonde seria a tatuagem.</p><p>–No pescoço é bem discreto, mas você ficaria muito sexy, e eu acredito que você não quer e nem precisa de mais esse atributo. Sua pureza e classe não combinam com esse adereço. E essa letra, é de alguém que você gosta?</p><p>–Era para ser a inicial do nome do Jorge. Um amigo do meu pai, mas eu não quis me tornar uma tatuada para sempre.</p><p>Fernanda mentia descaradamente. Ela disse às amigas que não teria coragem nem de se inscrever em uma gincana se ela tivesse que ter o Jorge como parceiro, para não ver o nome dele escrito do lado dela.</p><p>–Se você não gostasse, poderia removê-la com acetona. Se não fosse permanente, é claro.</p><p>–Você acha que ele se sentiria feliz em ver a letra G tatuada em mim?</p><p>–Do modo que você fala dele, vocês dois ainda não namoram. Por isso eu arrisco à ser sincero com você sem sacanear o Jorge. Posso ser?</p><p>Fernanda correu as mãos nos cabelos e fica olhando para o piano. Ela tentava disfarçar que jà estava se revelando uma moça dissimulada, pois, Jorge nem chegava à ser uma paquerinha dela. O rapaz era um conquistador barato que achava que com jeito com ela, e paparicos ao pai dela, ele conseguiria ser o primeiro do bairro à tocar os lábios dela. Fernanda o chamava de chiclete mascado, e fazia eca quando pensava nele.</p><p>–O que você acha dele? –ela, enfim perguntou.</p><p>–Simplesmente nada. Eu não o conheço. Serei sincero ao dizer que, se fosse a inicial do meu nome eu me sentiria honrado pela homenagem.</p><p>Ela reagiu como se tivesse tido um choque anafilático ao ouvir o que Ângelo falou olhando diretamente nos olhos dela. Sua respiração ficou alterada. Sua boca abriu assim meio sem querer.</p><p>É claro que eu teria coragem de tatuar o R em qualquer parte do meu corpo. –pensou em dizer.</p><p>–O Jorge não é assim, tão emotivo como você. –afirmou com um leve sorriso e um olhar desejoso.</p><p>–Com certeza não é. –disse se levantando. –Bem, Fernanda, como eu jà falei, a hora não espera. –olhou no relógio. –Eu tenho que ir.</p><p>–Fique mais – ela se levantou e tocou o braço dele. – O pessoal está chegando para me assistir. A gente pode fazer um dueto.</p><p>Ângelo olhou para a entrada do conservatório e viu que algumas pessoas jà estavam se apresentando na recepção. Com discrição, alguns homens e mulheres o cumprimentavam de certa distância, para então ocuparem os seus lugares. Entre eles estavam Alceu, Mathias e Paulo.</p><p>–Eles vieram me ver tocar. Mas, a presença de alguns deles me surpreende. Isso não estava programado. Não seriam eles os meus avaliadores.</p><p>–Não perca a classe. –disse ele dando um sorriso suave aos que os observavam.</p><p>–Como não Ângelo? Algumas dessas pessoas fazem parte de uma ordem, a qual, os iniciados são seletíssimos e, o grupo deles é muito fechado. Só de vê-los chegando para me assistir eu jà fico nervosa. –deu uma tremidinha esfregando os ombros.</p><p>–Fique tranqüila. Eles irão avaliar apenas a sua técnica e postura ao piano.</p><p>–Ângelo, que conhecimento musical você possui? –perguntou à ele e acenou para os distintos expectadores nas poltronas.</p><p>Antes de responder, ele fez um gesto bem sutil com a mão para Amaro que o com feição sisuda olhava-o por sobre as lentes dos óculos.</p><p>Fernanda ficou como à ver navios ao vê-los se cumprimentando à meia distância. Seria um cumprimento? – ela pensou.</p><p>Em seguida, alguns outros e outras que também se apresentava à sala de audição, cumprimentavam Ângelo, mas não repetia o mesmo gesto à ele.</p><p>Não é um cumprimento formal. –Fernanda pensou outra vez.</p><p>–Você conhece essas pessoas? –perguntou intrigada.</p><p>–Bem, eu só posso dizer que nenhuma delas é o Jorge. –beijou a mão dela. –Faça uma boa apresentação. Até outro dia.</p><p>–Ângelo! –ela exclamou vendo-o dando as costas.</p><p>Quando ele virou-se para Fernanda, ela não estava mais sozinha. O delegado Valdir estava conversando com ela e fez um sinal para Ângelo. Ele foi ao encontro dele do lado de Fernanda.</p><p>Fernanda tinha um sorriso no rosto, mas ao ver a reação dos dois, ela ficou um pouco sem graça.</p><p>-Fernanda eu preciso ir embora. –Ângelo avisou.</p><p>-Jà vai Ângelo?</p><p>-Papai!... Ângelo espere a minha mãe...</p><p>-Tchau Fernanda!</p><p>-Ângelo, papai, o que houve? –estava indecisa, à qual dos dois, ela dirigia à palavra. Quando ela olhou para a rua, Ângelo jà havia passado por o outro lado.</p><p>-Deixe ele ir, Fernanda. Ele não vale...</p><p>Marluce acabava de chegar, mas não pôde conhecer que era o Ângelo que ela conhecera em São Paulo. Ele saiu em direção oposta à que ela chegava.</p><p>-O que está havendo aqui? –quis saber.</p><p>-Mamãe! –exclamou Fernanda abraçando-a.</p><p>-Você devia procurar saber direito com quem à sua filha está se envolvendo.</p><p>-Se acalme filha!-Marluce a acalentava em seu ombro. –O que houve com seu namorado?</p><p>-O papai o conhece. –falou ainda abraçada a mãe.</p><p>-Và para casa, Fernanda. Eu vou conversar com o Valdir.</p><p>-Eu não aceito que ele namore a Fernanda. Ele teve sorte por eu não tê-lo expulsado daqui à ponta pés. Ele não presta. Estou indo falar com a Fernanda. –avisou saindo.</p><p>-Não và mentir para ela.</p><p>Marluce se via diante de uma situação complicada, de um lado, a filha apaixonada, do outro, um pretendente à esposo que tinha se mostrado um homem cheio de mentiras para esconder sua real intenção em relação à Fernanda.</p><p>Não havia pranto nos olhos de Fernanda, apenas um profundo sentimento de sonho perdido. Olhando em direção à esquina, ela pressupôs que Ângelo pudesse ter ido pra lá casa de Verônica, no entanto, ela precisava ter uma conversa com Valdir, primeiramente.</p><p>-Papai! –disse Fernanda. –Eu quero falar com você.</p><p>-Olha Fernanda, eu acho que ele não serve pra você. –foi dizendo.</p><p>-De onde você o conhece?</p><p>-Eu não quero falar sobre isso.</p><p>Marluce o olhava.</p><p>-Vamos Valdir, diz à ela o que você afirma que ele é. Não me envolva nessa história. Não me envolva.</p><p>Valdir ignorou a última recomendação e voltou-se para Fernanda que estava completamente desnorteada.</p><p>-Olha Fernanda, o Ângelo é um psicopata. Ele faz mal para as pessoas.</p><p>Fernanda teve um choque.</p><p>-Mas por que?</p><p>Marluce o olhou e percebeu nele insensibilidade para com o sentimento da filha.</p><p>-Depois eu quero conversar com você filha. –disse Marluce.</p><p>Fernanda não quis ouvir mais nada.</p><p>-Aonde você vai filha?</p><p>-À casa da Verônica, mamãe.</p><p>-Deixe-a ir Marluce. –disse Valdir abraçando Marluce.</p><p>-Me solte Valdir. –deu um safanão no braço dele. -A mim você não engana.</p><p>-Você acha que eu devo procurà-lo para pedir desculpas? –ele fingia que Marluce não o ofendia com a indiferença e desconfiança dela.</p><p>-Và para o inferno, Valdir. –bateu o portão e entrou na casa.</p><p><br /></p><p><span style="white-space: pre;"> </span>***</p><p>O telefone tocou, Ângelo foi atender.</p><p>-Ângelo, venha ao meu encontro, eu estou com uma refém nas mãos. E mande Darlene, Débora e Fátima virem na frente. Sobrado ao extremo da sua casa, à esquerda da rua.”</p><p>Sozinho ele percorreu a rua e chegou ao local do encontra marcado. Analisando a escada antes de iniciar à subir por ela, ele imaginou um diagrama contendo as notas musicais nos degraus. Ele sentia a pulsação sombria de uma canção em toda a sua conjuntura, rítmica, andamento, compasso e métrica. Do maior. 4/4. Acéfalo. Lento. Superou três degraus, iniciando do segundo que seria Re. O primeiro seria Do, mas o ritmo inicial da canção era decapitado. No quarto degrau ele não pisou, avançou direto ao quinto. “Do. Re. Mi. -. Sol”. Dali ele voltou o pé direito ao degrau às suas costas e o pisou com pouca força suficiente para fazê-lo romper deixando um buraco na escada. Embaixo, naquele ponto havia um buraco de grande profundidade aberto. Uma queda daquela altura seria fatal.</p><p>Respirou e reiniciou a escalada. Subiu mais um degrau e fez uma pausa em cima do que seria o sexto.</p><p>‘“La.</p><p>Parou ali para analisar o sétimo que seria o degrau Si. Resolveu suprimi-lo e foi direto ao degrau superior. Do oitavo, ele estucou o degrau inferior, Si, fazendo-o despencar da estrutura da escada deixando uma abertura que o lavaria de encontro a morte certa ao cair dentro de um tubo de metal que o conduziria à uma fornalha subterrânea, de combustão à gàs e acendimento elétrico. Superou mais cinco degraus e pensou antes de pisar no próximo, Si novamente. Ele jà estava à margem do patamar central, a plataforma de largura e comprimento de um metro quadrado. Reparando-a Ângelo intuiu que a resistência daquele patamar não fora adulterada de acordo a ordem dos tons e semitons. O patamar seria a repetição da nota Si. Mas, o degrau superior estava comprometido. Então ele agachou-se e correu as mãos em volta das bordas do degrau Do e encontrou dois pequenos calços de madeira em formas de cunhas sustentando apenas o peso do degrau de madeira.</p><p>Ele desceu ràpido, e foi parar debaixo da escada. Justamente no ponto debaixo do patamar fora instalado um tanque de zinco sobre uma armação de ferro com rolamentos nos pés. O tanque quadrado comportava quatro metros cúbicos de àgua com piranhas vorazes e famintas. Ângelo deu um giro procurando um objeto qualquer.</p><p>-Achei. –disse ele ao ver um varão de madeira com a rede de apanhar peixes. Lançando mão do varão ele o apoiou no joelho e o partiu em dois. A quebradura formou pontas semelhantes à canas cortadas para serem introduzidas em engenho de moagem. –beleza, do jeito que eu queria.</p><p>Com cuidado ele subiu no tanque destampado e se equilibrando sobre ele, se esticou todo para conseguir danificar com um varão o encaixe do patamar Si, mas, ele constatou que a firmeza dele jà estava sim comprometida, com calços precários para um patamar daquele tamanho. Foi inútil a quebra do varão.</p><p>Pulou do tanque e o deixou onde ele estava debaixo do patamar que não resistiria sequer o peso de um gato magricela pisando sobre ele.</p><p>Voltou à subir a escada, e sem nenhum acidente de percurso ele alcançou o segundo andar. Aporta estava trancada, com a chave do lado de fora. Ao abrir a porta, ele se apresentou vivo e inteiro sem nenhuma escoriação, ao ardiloso feitor de armadilhas, que não esperava vê-lo em tão bom estado de saúde física e frieza emocional. Foi recebido com palmas cadenciadas dadas pela misteriosa figura encapuzada.</p><p>-Você é bom, Ângelo.</p><p>-Quem é você?</p><p>-Um amigo. Eu também não esqueci nenhuma sílaba da canção. Você não mandou as outras mulheres que eu pedi. Veja, eu trouxe essa bela mulher comigo. –indicou para Valquíria caída no canto da sala. -Ela está apenas inconsciente.</p><p>As pernas dela formavam o número quatro, braços caídos ao piso, com as palmas das mãos para cima, o corpo envergado escorado à parede e cabeça tombada para o ombro esquerdo. Ângelo não demonstrou nenhum tipo de preocupação com ela, e também não esboçou reação de ameaça contra o encapuzado quando ele perguntou pelas outras duas companheiras dele que ele não às mandou na frente.</p><p>-Elas não estavam em casa.</p><p>-Você terà que pagar pela bonitona ali, jà que não trouxe as outras três valiosas mulheres como base de troca.</p><p>-Eu não tenho nenhum vínculo afetivo com essa mulher. Ela não é minha mãe, se fosse não tentaria fazer sexo comigo. Para mim tanto faz, ela saudàvel ou machucada por você. Ela, você e todos os seus parentes, supostamente jà morreram outras vezes. Mas você devia ao menos ter coberto as pernas dela com uma toalha. Vestidos de seda, curtos e rodados deixam à mostras as intimidades das mulheres quando elas ficam nessa posição desconfortàvel.</p><p>-Você não está falando sério, ou está me achando um imbecil. Mas, eu sei que o sangue dela não corre em suas veias, porém, ela é muito preciosa para você.</p><p>Ângelo deu de ombros.</p><p>-As cartas que eu escrevia e enviava para o endereço da casa da Fátima, era você que às recebia. E o carro que me seguia pelas ruas no Braz, era você que o dirigia?</p><p>-Sim. Fátima não poderia lê-las e correspondê-las. Não atropelei você porque tudo teria que ser feito à seu tempo. Hoje eu sei que você não é filho de nenhuma delas, e não terei nenhum constrangimento em eliminar você aqui e agora. Mato você e vou-me embora dessa cidade. –e sorriu com os dentes cerrados. Estarei à cima de qualquer suspeita.</p><p>-Então eu não vou perder muito do meu tempo com você. Esse jogo de descubra quem ele é, eu começo à jogar logo assim que me deparo com alguém de personalidade maleàvel e caràter duvidoso.</p><p>-Você não me parece ser tão perspicaz assim.</p><p>-Em sua armadura de clave que representa o seu espírito, não existe elemento de definição de tom, não por você ser natural e simples, mas sim por você ser uma partitura modulável de acordo o querer de quem cifra a sua natureza indefinida. Tudo o que nós conversamos, era eu quem dava base à você para compor suas estrofes descoordenadas.</p><p>-Você não sabe com quem está lidando, afinal de contas, você me perguntou quem sou eu.</p><p>-A primeira vez que nós conversamos na delegacia, você não soube modular as frases corretamente. Em campo minado, quem sobrevoa são os ataques aéreos que serão abatidos pelos guerrilheiros de terra que, jà preparados, os esperam. Os soldados de terra devem dar a volta para pegarem os inimigos despercebidos.</p><p>Dentro da màscara, o mascarado enrubesceu o cenho, por saber que em pouco tempo de conversa que ele teve com Ângelo foi o suficiente para ele detectar seu mau caràter e bandidagem camuflada por fardas militares.</p><p>-À propósito, a mulher que não te quer como marido, não se chama Arlete. –depois da fala, Ângelo deu as costas e foi saindo. -Marluce é o nome da mulher. Mate essa daí, eu te denuncio, e você será preso em flagrante. –concluiu da porta e a fechou em seguida, forçando a perseguição.</p><p>-Miserável. –o delegado praguejou arrancando o capuz.</p><p>Valdir procurou e encontrou o calibre 38 dentro da gaveta, e apossando dele saía às pressas atrás de Ângelo para liquidar com a vida dele.</p><p>Nesse ínterim, Ângelo jà havia descido a escada, mas o esperava em pé sobre o piso térreo abaixo do primeiro degrau. Do alto da escada Valdir, procurava um ângulo melhor de visão para ele dar o tiro certeiro. A coluna roliça de madeira que sustentava o assoalho do segundo andar fora erguida a partir da face inicial do parapeito de contenção na lateral da escadaria. Detràs da coluna Ângelo não seria alvo fàcil.</p><p>-Sabe por que foi que em 66, Otero, Norato e Ferreira foram mortos apunhalados, e não como foram atestados nos resgates dos seguros? –quis saber descendo o primeiro degrau da escada.</p><p>-Porque não foi você que os matou. Apenas sabia quem era o assassino, e o acobertou.</p><p>-Você é mesmo muito esperto. Mas, é porque eles foram mortos apunhalados, e o meu negócio é apertar o gatilho. -desceu mais alguns degraus e reparou que o patamar jà estava bem próximo. No degrau à cima do patamar ele não pisaria. Era Do adulterado. -Eu usava droga para conquistar as mulheres no passado, por causa do meu desatino sexual. Você não usa droga nenhuma e conquista muitas mulheres, mas, você vai morrer por causa da sua petulância e interferência em meus planos.</p><p>Então Ângelo se deu conta de que Valdir fosse Augusto Rivera, mas não demonstrou nenhum sinal de que ficara estarrecido com a descoberta.</p><p>-Tudo que eu fiz com tantas mulheres no passado foi por ordens de Cândido Plates Rivera. Só que ele tinha seus segredos e propósitos, eu tinha os meus. Acabei ficando sem nada, enquanto que a Ordem Rivera se tornou ainda mais rica, com as mortes de Otero, Norato e Ferreira à dezessete anos atrás. Fátima, coitada, e eu ficamos sem nenhum tostão.</p><p>-Você não matou os três homens em 66, mas com a sua ajuda alguém matou Mathias, Alceu. Exceto o Paulo que morreu doente, Cândido tem algo à ver com todas essas mortes?</p><p>-Você sabe mais do que eu. Mas, eu sou quem devia estar nadando em dinheiro.</p><p>“Meu amiguinho saiba que uns morrem para que outros vivam e vivam melhores. - latejou na memória de Ângelo”</p><p>Valdir fez a mira. Ângelo afastou um pouco mais para detràs da coluna.</p><p>-Daí você não me acerta.</p><p>Valdir pulou direto para o patamar e ao tocar os pés na madeira veio o desespero tardio.</p><p>-Nãooo. –gritou mergulhando no tanque onde as piranhas aguardavam a alimentação, fosse ela qual fosse. Ele teria cometido um erro na escala diatônica.</p><p>Ângelo foi parar debaixo da escada e viu Valdir Augusto se segurando na boca do tanque, mas não tentava escapar de lá. As piranhas haviam devorado grande parte das pernas dele. A àgua borbulhava por efeito do cardume de peixes famintos disputando cada centímetro da carne dele.</p><p>-Você devia saber que as notas Si são sensíveis em escalas de Do maior.</p><p>O delegado bandido desapareceu em meio à àgua vermelha de sangue.</p><p>Ângelo recordou de Fátima e sentiu um aperto no peito. Talvez ela gostasse de um cràpula e não teria noção de que o tal era um oficial encarregado de fazer com que a justiça se cumprisse em todos as modalidades de ações criminosas, mas por ironia, o bandido usava fardas e se passava por praticante da lei e da ordem.</p><p>***</p><p>–Justiça foi feita, Ângelo. Justiça foi feita.</p><p>–Obrigado pelo beijo, Valquíria. –fitando os olhos dela ele disse. A fala e o olhar de Ângelo fez estremecer o corpo dela.</p><p>Ela se deixou cair sobre a cadeira, como se houvesse sido atingida por um potente golpe.</p><p>–Você era a empregada da Fátima, não era?</p><p>Os olhos de Valquíria faiscaram de espanto. Ângelo inquiriu outra vez a resposta, com seu jeito de olhar para ela, e gesticular com as mãos.</p><p>–Naquela noite, eu e Fátima, estávamos na casa para darmos a luz aos nossos filhos. Augusto não estava em casa porque ele teve que se livrar de ser morto assim como Otero, Norato e Ferreira. –Valquíria fechou os olhos buscando forças para continuar. –Estava sem luz elétrica. Mas, tinha três mortos ali.</p><p>Ângelo estabelecia uma linha de raciocínio para chegar à uma conclusão lógica sobre tudo que Valquíria disse.</p><p>–Alguém matou aquelas crianças, Valquíria, mas de que forma, e por quê?</p><p>–Uma estava caída rente à parede...</p><p>–Debaixo da janela do segundo andar da casa. Eu vi a janela quebrada. Outra foi morta queimada. A outra foi afogada na piscina. Eu estive lá.</p><p>Ela meneava a cabeça. Ângelo analisava. Ele aguardava a réplica que condissesse com o movimento da cabeça dela para um lado e outro.</p><p>–Eu e Fátima acordamos com os nossos partos realizados. Nossos filhos estavam vivos do nosso lado. Depois de acalmá-las, nós dormimos e quando nós acordamos, a Débora e a Darlene estavam enlouquecidas correndo pela casa e falando aos gritos, que os bebês delas estavam mortos, mas que eles não eram filhos delas. – cobrindo o rosto com as mãos, Valquíria se mostrava horrorizada.</p><p>–E você fugiu trazendo o Jorge.</p><p>Valquíria se conteve para não responder de modo agressivo. Mas, não daria para ela disfarçar a expressão de raiva em seus olhos. Só então ela se deus conta de que Ângelo não confiava nela e que jà desconfiava que ela fosse uma mulher maquiavélica, violenta e, sobretudo, assassina.</p><p>-Constatou-se através dos exames feitos no sangue da Fátima, que ela não é mãe do Jorge. Você o registrou em seu nome e do Alceu, e os dois o criou como se ele fosse o filho do Augusto.</p><p>Os olhos dela parecia expelirem labaredas de fogo.</p><p>–Você não sabe o que está dizendo. O Jorge é filho meu e do Augusto. Mas eu não tinha a intenção de revelar ao senhor Cândido, que o Augusto era um homem sem honra e não respeitava à mulher nenhuma, nem ao menos uma pobre empregada. Por isso eu nunca quis herdar o dinheiro do senhor Cândido. Tanto é que, eu não me apresentei à ele como sendo a mãe do neto dele.</p><p>–Porque você não tinha certeza, afinal de contas, três bebês saíram vivos daquela barbárie. Quando você soube que ele podia ser filho de outra mulher com o Augusto, você cuidou logo de drogar a Fátima a mais cotada para ser mãe dele para extrair os sangues dos dois. Com efeito, se Fátima não fosse mãe dele, ela seria condenada a prisão por todos os danos causados à ele. Se fosse Jorge o algoz e filho seu com o Augusto, ele seria inocentado porque você responderia pelo erro dele. Jorge sendo filho do Augusto, e você a mãe dele, você teria dado um neto ao seu Cândido. Assim o senhor Cândido saberia que supostamente, você era a mãe de um neto dele, que merecia respeito e consideração da parte dele, e você herdaria a fortuna do senhor Cândido.</p><p>–Ângelo. –disse ela, com calma. –Eu saberei se o Jorge é meu filho, somente após os exames de sangue realizados em mim. Se eu jà soubesse eu o teria defendido no tribunal.</p><p>–O Jorge é seu filho e do Augusto sim. Mas algo saiu errado, Jorge não possui tipo sanguíneo que ateste que ele seja neto do senhor Cândido. O seu filho é fruto de suas orgias sexuais com os seus próprios consangüíneos. Outro alguém realizou os partos de todas as mulheres naquela noite. Os parteiros misteriosos salvaram o seu bebê e os outros bebês que você os mataria juntamente com as três respectivas mães.</p><p>–Não, não, nãooo. Eu não tenho parente e não matei à ninguém. Você deve estar ficando louco.</p><p>Ângelo saiu e à deixou sozinha procurando um objeto na gaveta. Apoderando-se de uma faca, Valquíria cravou-a em seu próprio coração.</p><p>Ângelo jà havia passado pela porta e fechado-a às suas costas. Não a ouviu.</p><p>Caída no piso da cozinha ela agonizava, mas ainda pôde dizer suas últimas palavras:</p><p>–Você também não é neto de Cândido e nem saberà quem você é, ou de que linhagem maldita você descende... –e morreu.</p><p><br /></p><p> <span style="white-space: pre;"> </span> *</p><p>Amaro sentiu um fisgar profundo e doloroso feito a machucadura de um punhal à perfurar seu coração ao ver Ângelo se aproximar dele. Respirou fundo e baixou a cabeça.</p><p>–Alguém sacrificou três mulheres e suas crianças naquela noite. Os seus três irmãos foram mortos. Conte-me quem foi o culpado por toda essa trágica sina familiar.</p><p>–Cândido. Você precisa saber de toda a verdade...</p><p>06 de junho de 1966. Noite dos partos.</p><p>Otero teria que admitir que ele fora inconsequente ao permitir que Darlene ficasse sozinha em casa durante quase uma semana logo depois de Augusto tê-la conhecido em um jantar oferecido à ele por Otero em sua própria casa. Na ocasião, Darlene não fazia ideia de que para Augusto, uma linda mulher com um vestido de seda roxo, com fendas nas laterais das pernas, e decote em v deixando visível a beleza anatômica de seus seios, fosse muito mais apetitosa do que um risoto de camarão acompanhado de vinho seco, - a bebida fora levada para o jantar pelo ilustre convidado. E, na entrega da garrafa à sensual anfitriã que o atendeu na porta ao chegar naquela hora, Darlene jà pôde descobrir à que fins Augusto estaria ali. Não seria apenas para saborear o cardápio refinado. “Você está encantadoramente maravilhosa.” – disse ele beijando o dorso da mão direita dela. Darlene apenas levou a mão esquerda ao coque do cabelo e o convidou à entrar.</p><p>Lá pelas nove horas da noite, Otero chacoalhou o relógio no pulso, conferiu as horas, pediu licença à Augusto Rivera, disse que ele podia ficar à vontade em companhia da atenciosa esposa, pois, ele tinha que ir à um encontro com alguns clientes. Minutos mais tarde, Augusto Rivera e Darlene estavam bem à vontade sobre lençóis amarrotados.</p><p>-Eu pensei que você fosse uma moça de respeito quando se casou comigo, e, eu deixaria que nossa primeira noite acontecesse quando você estivesse pronta à se entregar à mim. Mas, Alguém fez e faz com você o que eu pretendia fazer no momento oportuno.</p><p>-Você sempre quis que eu me entregasse à outro homem. –disse Darlene se levantando para levar as sobras da leve refeição de início da noite, ao cesto de lixo na pia da cozinha.</p><p>-Não diga isso, Darlene. Eu sempre te amei e considerava uma moça indefesa que não estaria pronta para se tornar mulher bem nova após um casamento tão recente.</p><p>-Jogando o prato dentro da bacia da pia ela jogaria na cara do Marido as intenções dele para com ela.</p><p>-Você me tratava como à uma filha prometida para um moço rico como o Augusto. E sempre usou a desculpa de que você sentia amor compreensivo por mim, e que por isso não queria me ter antes do tempo, mas, depois da minha gravidez de um filho dele, você se tornou um marido excelente. Convenhamos, Otero.</p><p>-Não se irrite. –disse com sarcasmo. -Só me resta aceitar que seja meu o seu primeiro filho. –assegurou, mas com certa indignação, por achar muito pequena a possibilidade.</p><p>-Se você quer ser pai, que seja com uma de suas amantes. Admita que você teve outras mulheres durante o período que você me deixou após ter me oferecido ao Augusto Rivera.</p><p>-Eu continuo vivendo com você para não dar lugar aos falatórios das pessoas que não sabem que eu ainda não tenha feito amor com você. – disse com profunda expressão de complacência em respeito à sua condição de marido traído que perdoara à mulher. -Darlene enervou-se de modo à tal, que à fez jogar um prato de louça no piso da cozinha.</p><p>-Tudo certo, minha querida, – disse ele pisando nos cacos. –Perdoe-me se eu te deixei nervosa. – e à abraçou por tràs, acarinhando a barriga enorme dela.</p><p>-Me solte Otero. Não tente se redimir. Isso é patético. Para nós dois não têm mais jeito. Và se acostumando. –disse decidida.</p><p>Ela deixou a louça para ser lavada depois. Sentia que a bolsa amniótica havia delatado. Ela saiu noite à fora à procura de ajuda para dar a luz à seu filho. Tentando se segurar na parede de um muro, ela foi surpreendida por um homem e uma mulher que a abordou e a levou para uma casa próximo dali. Dentro de um cômodo totalmente escuro ela foi parar. O parto fora realizado, porém, seu bebê fora levado por alguém, sem que ela pudesse tê-lo visto.</p><p><br /></p><p><span style="white-space: pre;"> </span>***</p><p>Norato penteava os cabelos de frente ao espelho e decorava em pensamento o texto bíblico que ele pregaria em uma igreja à qual ele fora convidado à presidir o serviço de culto logo mais às dezenove e meia da noite. Da igreja, ele iria à um córrego para batizar aos novos convertidos.</p><p>-Você passou muito tempo conversando com o Augusto. Isso não é bom. Você sabe que ele é casado.</p><p>Débora fechou a bíblia e a devolveu à escrivaninha.</p><p>-Ele é apenas um rapaz diferente dos outros, e não se interessaria por mim que sou casada, e ele também.</p><p>-Você não tinha o direito de fazer o que quisesse do seu corpo, de suas entranhas e de sua alma.</p><p>-Norato. – disse Débora se mostrando estafada. –Eu posso até ser uma evangelizadora que conquista aos meus ouvintes por causa da minha beleza, como você sempre me joga na minha cara. Mas saiba que eu tenho o meu compromisso de ser uma esposa fiel e dedicada ao marido. Por isso, não se preocupe com a minha fidelidade. O Augusto é só um rapaz diferente dos outros, porém, ele é também muito respeitador.</p><p>Certa noite, ao passar por dois adolescentes, um deles disse ao outro, - você jà viu o quanto que a mulher desse pastor é bonita? Ela se parece com a mulher que anda sobre à àgua. -Norato escutou e tentou redargüir o primeiro falante. –respeite a mulher de um servo do senhor, moleque. –O outro entrou na conversa e disse, - eu não sei como é que uma mulher bonita daquele jeito teve coragem de trocar o marido dela por um safado igual à você.</p><p>Norato amarrou os cadarços do seu sapato bem lustrado com graxa preta e jà de pé apertou o nó da gravata.</p><p>-Mulher prudente não fica de conversinhas com um homem casado. E esse filho que você está gerando, com certeza é dele.</p><p>-Quanta desconfiança. Você está é com ciúmes de mim. –disse ela. –Você acha que eu me entregaria à ele, estando casada com você e compromissada com a palavra, e esperando um filho?</p><p>-Onde há fumaça há fogo Débora. E você deu lugar ao diabo, ele te tragou usando um lobo com o nome de Augusto. Eu ainda estou casado com você e vou assumir essa criança, porque sou um servo de Jesus. -disse vestindo o paletó.</p><p>-Deixe de tanta preocupação. Você diz isso porque você jà caiu em tentações por diversas vezes.</p><p>-O que é que vocês dois conversaram?</p><p>-Nada. O Augusto não é de conversar muito. Và para o culto em paz querido, eu estou muito exausta hoje e não poderei te acompanhar ao batismo. Mas não demore, eu acho que dessa noite não passa. –pediu ao sentir que ela daria à luz naquela noite.</p><p>-Mulher, você não me engana. E não queira me iludir. Não queira e nem tente me trair. -segurou forte nos pulsos dela. -Não pense que eu sigo o mandamento de perdoar setenta vezes sete.</p><p>-Me solte, você está machucando à mim e ao bebê.</p><p>Norato saiu pisando firme em direção à porta de saída do quarto. Desta vez ele não à machucou porque estaria próximo o triunfal momento de ele se apresentar à igreja. Porém, costumeiramente, ele à esbofeteava e até à espancava usando a própria bíblia. Tudo por ciúmes e insegurança, pois, a beleza de Débora era notória à todos que à vissem mesmo estando vestida em vestidos longos comprados pelo próprio Norato que não a permitia usar saia curta que pudesse mostrar nem ao menos as panturrilhas dela.</p><p>O desconforto em seu ventre ia se intensificando, anunciando a hora de ela dar a luz. Minutos depois, ela não teria condições físicas para se locomover nem ao menos para ir ao telefone fazer uma ligação e pedir por socorro. A dor imensa à levou ao estado de inconsciência, e, então ela estava em um lugar estranho, deitada em uma cama, sem o bebê do lado dela, nem dentro de sua barriga.</p><p>***</p><p>Quando Fátima chegou ao quarto dela, Augusto à esperava sentado na cama, e foi logo querendo saber aonde foi que ela estava toda arrumada daquele jeito. Ela não quis dar satisfações à ele. Ele disse que ela estava se comportando como uma mulher solteira, com aquele cheiro de álcool comum à quem estivesse de ressaca. Ela alegou estar cansada e precisando dormir.</p><p>Enquanto ela tirava os saltos, Augusto se deitou na cama. Fátima não queria dividir a cama com ele nem ao menos como assento. Ela foi à penteadeira para se livrar dos brincos. Ele insistia perguntando o que estaria acontecendo, e a acusando de estar o traindo. Ela se sentou na banqueta da penteadeira e o recomendou à não pensar que ela iria dar razões para ele à considerar como uma adúltera. Tirando os brincos, ela sentiu que havia sim, sido beijados os lados do rosto dela, ou no mínimo, sido acariciados por mãos delicadas e toques sutis. Augusto quis saber, com quem ele esta naquela hora da noite. Ela respondeu que queria ter estado mesmo com outro homem, mas o fato de ela ser casada a impedia de ao menos se colocar à disposição para outro alguém. Falou abrindo o zíper do vestido e pediu que ele saísse do quarto para que ela trocasse de roupa. Mas, ela jà estava com o zíper do vestido de seda pérola aberto. Ele se levantou e a abraçou por tràs, dizendo não acreditar que um homem não dispensasse atenção à uma mulher tão sexy igual à ela, e foi beijando a nuca dela. Ao senti-lo, Fátima fez cara de quem não suportava o toque, o cheiro e nem a presença dele. Mas, ela resolveu tirar proveito da situação.</p><p>Ela dava gemidos de prazer.</p><p>Augusto sentia que estava atingindo o ponto G da mulher que o deixava delirando de desejo por ela. Parecendo estar à ponto de se explodir de prazer, ela sussurrava palavras melosas enquanto ele tirava vestido dela, achando que ele à estaria livrando ao clímax no momento certo. Até então, ele só apreciava a bela mulher que ele tinha com ele em sua cama, mas, que, os pés dela eram as únicas partes do corpo dela à tocar sua cabeça enquanto ela dormia. Depois que ela o flagrou com as três empregadas, que eram contratadas e despedidas sequencialmente, ela nunca mais o quis para sexo.</p><p>-Não chegue perto de mim. Solte-me. – bradou virando-se e afastando-o com as mãos.</p><p>Furiosamente Augusto à empurrou fazendo-a desequilibrar e cair sobre a cama.</p><p>-Você estava pensando no Otero. - afirmou irado e à ameaçou de morte. -Se eu souber que você está me traindo, eu mato você e aquele infeliz.</p><p>Ela queria poder dizer algo mais relevante sobre o envolvimento dela com Otero, para assim fazer com que Augusto entendesse de vez, que ela não teria tido relações sexuais com ele, mas o que ficara dele em sua memória foi apenas o cheiro de Almíscar. Um cheiro de perfume masculino penetrava em suas narinas e à faziam imaginar que talvez ela estivera algumas vezes com outro homem, mas, apenas o cheiro do perfume não era o suficiente para fazê-la visualizar mentalmente o aspecto físico dele, jà que ela imaginava que fosse Augusto que fazia amor com ela todas as noites.</p><p>-Se o seu ex-marido estivesse vivo, ele estaria satisfeito por saber que eu à amava, mas o respeitava e nunca tentei te roubar dele enquanto ele ainda era vivo. Mas, quanto ao Otero, seu falecido esposo morreria de desgosto ao saber que você estava tendo um caso com um filho de Monsenhor Olavo.</p><p>Fátima não respondeu. Mas, ao dizer: seu ex-marido, Augusto à deixou preocupada.</p><p>-Poupe-me dessa conversa fiada. –disse espalmando as mãos sobre a penteadeira. –Eu tenho que me trocar para dormir. Tenha uma boa noite.</p><p>-Você engravidou daquele... Eu vou me separar de você assim que eu tiver certeza de que você espera um filho do Otero.</p><p>Ela sentiu vontade de unir as mãos e levantà-la para o alto em agradecimento à Deus, contudo, com ar de felicidade alcançada ela simplesmente disse:</p><p>-Faça isso e sejam felizes vocês e a sua amante. Agora, me leve para o hospital. –pediu sentindo as primeiras contrações de parto anunciado.</p><p>-Peça ao pai desse bastardo para acudir vocês dois. –e deixou o quarto, extremamente transtornado.</p><p>-Fátima se esforçaria o quanto pudesse para chegar à pés à maternidade, mas ao chegar ao portão de sua casa, faltou-lhe força para continuar a caminhada. Deitou-se ali mesmo, no gramado do jardim. Ainda lúcida, ela viu quando um casal de pessoas à levantou para conduzi-la à algum lugar.</p><p>Minutos depois, ela estava em um cômodo sem luz natural ou elétrica.</p><p>Ela dera a luz, mas fora privada de ter com ela o que de seu ventre fora tirado.</p><p>***</p><p>Os maridos das mulheres foram se encontrar em uma casa enorme que contava com cinco quartos, todos eles com suítes, dois banheiros sociais, despensa anexa à cozinha de tamanho extra. Uma sala de estar de tamanho exagerado, mas muito bem mobiliada, com direito à barzinho, aliàs, toda a casa era muito bem mobiliada. Àrea coberta até ao muro da frente, garagem lateral para três automóveis, resumindo. Muito bem projetada. Era uma residência bem confortàvel. Os proprietàrios jà haviam conferido todos os cômodos da mansão e foram conversar sentados nos sofás da sala.</p><p>-Só faltou à segurança nacional estar vigiando essa casa pra ela ser confundida com uma fortaleza. –falou Norato olhando para o teto que estava à uns cinco metros a cima das cabeças de todos eles.</p><p>-Será que as mulheres vão gostar daqui? –Quis saber Ferreira indo ao espaço bar.</p><p>-Com certeza. –respondeu Galdino indo à estante.</p><p>Norato não deu opinião e se dirigiu até ao bar para fazer companhia à Ferreira.</p><p>-Se elas não gostarem a gente as deixa em suas casas e mantemos os matrimônios por correspondência. Quando a gente quiser dar umazinha, é só ir visità-las.</p><p>-Estamos falando de mães e filhos que merecem serem bem cuidados. –Galdino objetivou.</p><p>-O que é que vocês estão bebendo? –Otero perguntou apontando aos dois no balcão.</p><p>-Eles não me ofereceram. –Galdino respondeu se sentando com um livro na mão.</p><p>-Nem à mim. Bota dois dedos de manguaça aí para mim. –disse Otero, fazendo uma chave com os dois dedos. Polegar e mindinho.</p><p>-Chega aqui Otero. –Ferreira o chamou.</p><p>-Cheguei. Enche aí. –e sentou na cadeirinha alta ao lado do Norato e esperou ser servido.</p><p>-Vira aí. –disse Ferreira passando o copo.</p><p>-Vocês jà viraram os seus?</p><p>-Jà. –Norato respondeu.</p><p>-Eu também. –disse Ferreira.</p><p>-Agorinha vocês dois estarão virando os olhos.</p><p>-Vai um gole aí Galdino? –Norato.</p><p>Ele só acenou que não e continuou lendo o livro.</p><p>-Lá vou eu. –bebeu de uma vez. -Que pinga boa é essa?</p><p>-Engenho Monsenhor legítimo. –Ferreira respondeu.</p><p>-Põe mais outra dose. –Otero ordenou. –Eu vou fazer companhia para o nosso irmão intelectual.</p><p>Ferreira repetiu a dose de pinga no copo de Otero, que foi se sentar ao lado de Galdino.</p><p>-E aí Galdino... Como é que é? –Otero perguntou levando o copo à boca.</p><p>-Senta aqui.</p><p>-É o seguinte, Galdino... Ou a gente assume, ou então... –bebeu. –Eu tenho que cair fora.</p><p>-Por quê?</p><p>-Eu estava desconfiado que ela estivesse se encontrando com o Augusto.</p><p>-O Augusto é mesmo uma pedra no sapato de vocês três. Mas, uma pedra de ouro. – fechou o livro.</p><p>-Você precisa ser cauteloso pra não por tudo à perder. O pai dele deixarà uma grana alta... Bebe aí.</p><p>-Eu soube que Cândido sumiu do mapa.</p><p>-Foi tudo providencial. Você tem que assumir o filho de Darlene.</p><p>-Foi o Cândido que matou o nosso pai. Galdino, eu sou homem. E você sabe como é que é. –bebeu.</p><p>Galdino se ajeitou no sofá puxando as barras da calça para baixo.</p><p>-Vamos fazer o seguinte. Você não vai ver a Darlene por esses dias. Só a verà depois do resguardo. Tràs ela para ver essa casinha, e diz à ela que assim que o filho ou filha for registrado em seu nome. Depois eu converso com os dois beberrões ali.</p><p>-Combinado. –Otero falou enxugando o copo. –Hoje eu quero ficar às pampa. –se levantou e foi até o barzinho residencial para repetir a dose. Galdino ficou lendo no sofá.</p><p>-E aí Norato. –deu uma tapa no ombro dele. –Como é que tà os esquemas? –perguntou e sentou rente ao balcão.</p><p>-Você entendeu a jogada. – ele afirmou dando uma golada. –Assuma o filho do Augusto e ganhe uma imensa riqueza.</p><p>-Rivera será o sobrenome das crianças. Elas estão nesse momento parindo filhos do Augusto. –Galdino falou fazendo cara de quem os chamou de imbecis.</p><p>-Não acredito. Mas imaginava que não fui eu que engravidei a Débora. –disse Norato. –Eu nem cheguei à fazer amor com ela.</p><p>-Augusto. Esse nome e sobrenome Ferreira?</p><p>Ele bebeu com cara de marido enganado.</p><p>-Não, mas eu posso descobrir. –Falou. –Só sei que ele estava transando com a Darlene. –e sorriu com os olhos. –Pelo que nós sabemos você não conseguiu saborear Darlene, e o Augusto não vacilou como você.</p><p>Otero não quis confessar que jà teria também sido o outro de Fátima mulher de Augusto. A preocupação dos canalhas não é com o bem-estar das mulheres.</p><p>-Eu não vejo tanto risco naquele rapaz, aliàs, eu o acho muito simples até. Eu só espero que vocês cuidem dele após os nascimentos das crianças, sem me comprometer. –Galdino objetivou.</p><p>Otero se sentou e pediu outra dose. Ferreira colocou os cotovelos no balcão e coçou a cabeça. Devia estar pensando na ameaça do Galdino.</p><p>-Vocês vão cuidar dos filhos dele. –disse Galdino apontando o dedo à todos eles.</p><p>-Ele engravidou nossas mulheres. Depois dos partos nessa noite será a hora de cobrarmos a dívida.</p><p>-Ele me disse que se são filhos dele mesmo, ele pagarà pensões e ainda o incluirà como beneficiàrio do que ele pertence. –Galdino assegurou.</p><p>-O que vocês acham irmãos? –quis saber Otero.</p><p>-Essa parte nos interessa. –Norato considerou.</p><p>Eles riram fantasmagoricamente. Galdino também riu para disfarçar sua preocupação com a segurança de Augusto.</p><p>Jà estava chegando a noite e a reunião não chegava ao fim, mas aos poucos, Otero, Norato e Ferreira iam se embriagando de gole em gole, até perderem noção de tudo à volta deles. Tudo que Galdino queria era despedir mais cedo. Mas, ele esperaria com toda paciência, o momento certo para culminar com o assassinato de seus três irmãos.</p><p>Quando o efeito da bebida jà havia baqueados os beberrões e os feito se esparramarem nos sofás, Galdino fez uso dos seus três punhais para com eles eliminar seus três irmãos apunhalando-os nos seus corações, sem dar à eles tempo nem de ao menos despertar do porre daquela última noite de bebedeira.</p><p><br /></p><p>Atualmente</p><p>-Eu jà sei de toda a verdade. Você evitou que o senhor Cândido fosse jogado para fora de um carro que teve a porta e o cinto de segurança danificados, do lado que ele se sentaria para ir embora de carona ao deixar a festa. E também não aceitou Iolanda ao saber que ela o amava?</p><p>–Eu o livrei da morte naquela noite porque eu amava Iolanda, mas não podia exigir que ela me amasse e a impedisse de viver com Cândido. Eu sei que você só está confuso com tudo isso. Mas, saiba de uma coisa, Otero, Norato e Ferreira foram mortos, Valquíria recebia todas as indenizações garantidas pelas apólices de seguros de vida de cada um deles.</p><p>–Outros bandidos forjavam seus óbitos. O delegado Valdir registrava as ocorrências dos homicídios. O legista Paulo Vidigal fornecia os atestados de óbitos. Mathias, e Alceu confirmavam as mortes. O senhor os conhecia bem.</p><p>–Eu não confiava nos pareceres deles. Cândido achou que fosse melhor assim. Eu não ousaria desobedecer ao meu mestre. –disse Amaro.</p><p>–Fátima, Débora e Darlene. Quem seriam os pais delas, Amaro?</p><p>Amaro estranhou ser chamado por Ângelo de Amaro, e não de Senhor Amaro, mas deixou que a falta de consideração da parte dele passasse despercebido.</p><p>–Elas não eram filhas de Cândido com Dolores, mas os meus três irmãos pensavam que fossem. Eles as matariam depois que as crianças nascessem.</p><p>-E eles teriam direito à fortuna do senhor Cândido.</p><p>Amaro assentiu.</p><p>Ângelo sentiu calafrio em todo seu corpo ao saber que a maldade contida no espírito de cada um dos membros da família de Monsenhor Olavo ia além do que um e outro pudessem imaginar. As intenções de ambos não restringia esse ou aquele de ser vítima do veneno mortífero contidos em suas naturezas cruéis e personalidades maquiavélicas.</p><p>“Os homens eram ou ainda são de origem pagã, profanos, cruéis, sagazes e capazes de se porem à serviço do maligno em tempo integral. Não foram batizados e nem sequer possuíam registros de nascimentos” Ângelo recordou do que padre Ovídio disse à ele, e se posicionou lado lado à Amaro.</p><p>–Você não permitiria que Mathias, Alceu e Paulo se casassem com as viúvas. E você criava as herdeiras. Na verdade, você pretendia ser contemplado com a herança do senhor Cândido por ter cuidado bem das netas dele.</p><p>–Eu errei muito em ter tido muitas mulheres e muitos filhos e por ter abandonado as mulheres. Mas eu não seria capaz de deixar que mais ninguém fizesse mal as crianças.</p><p>–Correto. Mas, Débora, Darlene e Fátima foram salvas das mortes certas por alguém porque elas eram as três viúvas dos três homens que alguém os matou nas terras do Sr. Cândido.</p><p>–Se você pensa assim. –disse consentindo. -Agora me siga e me deixe te mostrar a resposta para suas perguntas e a solução para as suas dúvidas a meu respeito e a Cândido Plates Rivera.</p><p>Eles andaram.</p><p>Parado e sem mover um músculo de seu corpo, Ângelo sentia uma forte presença do mal à envolver o local em que ele se encontrava naquele momento. Os móveis de madeiras rústicas, como, mesa de leitura, cadeiras, estante e prateleiras de livros, tudo era muito tosco e grosseiro. As telas do período renascentista de representações religiosas esparramadas pelas paredes e até no carpete do centro da sala, não estavam expostas ali naquele hall para serem tidos como um memorial do apogeu da era cristã, sim para profanação da religiosidade e fé dos cristãos de todas as eras. Com exclusividade para o carpete de material sintético com a gravura da última ceia. No desenho, um dos discípulos dividia dinheiro com os outros, enquanto que, outro preparava o vinho com veneno extraído das presas de uma cobra. Para Ângelo, aquilo seria uma grande blasfêmia.</p><p>Uma música orquestral, tocada por um aparelho de som que não era visível ali, fazia fundo ao ambiente sombrio.</p><p>Havia também no meio da sala, quatro estátuas de bronze de cavaleiros medievais segurando com as duas mãos os punhais, mas no sentido horizontal, de fios para frente e cabos tocando nos peitos, uma distante da outra, aproximadamente noventa centímetros, formando um corredor entre elas e a parede lateral.</p><p>Amaro segurava no ombro de Ângelo, esperando que ele recomeçasse à caminhar. Atento à tudo ao seu redor, Ângelo não deixou de perceber que a canção silenciou-se, mas ele ainda marcava a pulsação e acompanhava os movimentos do compasso usando sinestesia musical apurada. A música reiniciou no terceiro movimento do compasso, com uma seqüência de semifusas. Correu veloz. Às suas costas, as estátuas foram caindo uma por uma e um dos punhais ficou no corpo de Amaro, que caiu de peito para o piso, fazendo com que o punhal penetrasse mais profundamente em seu coração. Ângelo o observou agonizando sobre o piso. Aos poucos o sangue de Monsenhor Amaro ia formando poças sobre o piso.</p><p>-O senhor Cândido não sacrificou nenhuma vida. Quando você soube que Darlene, Débora e Fátima estavam vivas, você quis que eu tivesse relações sexuais com elas. Eu só queria descobrir a verdade, Amaro. Seus irmãos, filhos e filha se puseram no meu caminho. Eu não tenho culpa se as ambições de todos eles os levaram à mortes, e à você também. Na busca pelo tesouro, você não deu valor às preciosas pedras que surgiram em seu caminho. Família é o bem mais precioso, mas você não à valorizou, Monsenhor Amaro Galdino.</p><p>–Eu te ensinei e você usou o que de mim aprendeu, para me vencer nesse jogo.</p><p>–Então eu direi à você o que aprendia após cada vez que você tentava fazer de mim uma pessoa competitiva, arrogante e sanguinària. A pràtica de esportes faz bem para o corpo e a mente e nos torna mais competitivos, mas também pode levar a pessoas à contar com suas habilidades físicas para tornar-se superior à outros seres humanos. Inteligência demais pode transformar os que a possuem em pessoas arrogantes e prepotentes. Durante um tempo você quis me tornar competitivo para ir à busca da verdade, desafiando e fazendo mal para as pessoas que eu às julgasse culpadas. A minha inteligência seria usada para desacreditar e confrontar a fé das pessoas, levando–as ao ateísmo ou à se matarem por suas convicções religiosas. Agora, neste exato momento, eu estou te dizendo o que foi que eu aprendi, e o que representa aquele homem de cabeça baixa, olhos fechados e mãos no coração. Representa à elevação do espírito. Nada adianta ser competitivo e inteligente se não se possui sã consciência e espírito humilde e bondoso.</p><p>–Um menino puro teria que efetuar os rituais de mortes. Você sacrificou as vidas que ele teria que sacrificar. –fôlego falhando, olhos se fechando.</p><p>Amaro Galdino expirou e morreu sem poder aprender tais lições de vida.</p><p>Ele era o único dos quatro filhos de Monsenhor Olavo, que se tornou um homem muito rico usando os mesmos métodos do seu pai sanguinàrio: roubando e matando pessoas, mas não dividiria a riqueza dele com seus parentes, por achar que eles não fossem merecedores da bondade que ele não à possuía.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p> <span style="white-space: pre;"> </span> *</p><p><br /></p><p>O velho Cândido fez mesura abrindo uma porta para que Ângelo passasse por ela. Ele viu-se diante de um porão que não tinha janelas ou qualquer outro tipo de abertura que não fosse a porta estreita com travessas transversal de travamento pelo lado de fora. O lado externo do cômodo tinha aspecto sombrio. A parede frontal exibia desenhos característicos dos símbolos usados em rituais de magia negra. Cruzes de pontas cabeças, crânios com punhais cravados nos cimos, uma minguante em sangramento, e escritos em línguas mortas. Era tudo muito espantador aos olhos de pessoas comuns, mas para Ângelo, aquilo não passava de meros simbolismos inúteis para evocação do mal, tendo ele como certo que, o bem e o mal seriam componentes da essência espiritual de cada ser humano. Sobre seis bancadas de cimento, revestidas com pedras ardósias, deitadas inconscientes estavam mulheres com as cabeças raspadas à navalha, nuas, com folhas de lótus cobrindo suas genitàlias. Em cada uma das mulheres um punhal fora cravado no coração. Cabelos em molhos jogados no canto da recâmara.</p><p>Ele caminhou indo ao centro do cômodo onde um piso elevado à meio metro do nivelamento normal, era a recâmara propiciatória de um sacrifício satânico. Do lado de cada corpo de três das mulheres tinha também um bebezinho morto. Junto às outras três mulheres, havia mais três adolescentes, mortas com seus órgãos genitais também cobertos com folhas de lótus. Ângelo não os descobriu para uma definição de sexo. Sabia do que se tratava tudo aquilo.</p><p>Era um cenàrio desorientador para um expectador normal, porém, Ângelo conferia tudo com frieza isenta de qualquer descontrole emocional. As visões e audições poderiam ter ralação com as pessoas que ele teria de conviver com durante o percurso de sua vida após tornar-se apadrinhado do grande Cândido Plates Rivera.</p><p>Deu às costas à exposição macabra e saiu do local, tão natural quanto quando ele estava ao entrar. Tudo que ele presenciou fora apagado de sua mente. No entanto, os cheiros de alabastro, gesso, corante natural e incenso de Dama da noite ainda se faziam frescos ao seu sentido olfativo. De olhos fechados ele definiu a composição dos elementos e o cheiro de unguento.</p><p>Travou a porta e caminhou para o reencontro com seu mentor.</p><p>Cândido segurou no ombro direito de Ângelo e o conduziu ao quintal. O sol irradiava o brilho intenso do meio dia, mas, o vento suave e refrescante daquela hora trazia ao velho as cinzas do passado, e com as cinzas a escrita de uma história não contada à ninguém, sim mantida em segredo até aquele momento em que ele tinha do seu lado o seu menino de ouro, o seu baú do tesouro, a sua jóia mais rara.</p><p><br /></p><p>***</p><p>Noite de 06-06-66</p><p>Iolanda pacienciosa escovava fios de náilon, tecendo-o para transformá-los em cabelos de bonequinhos e bonequinhas. Cândido arrastou uma cadeira de madeira envernizada, colocou-a do lado da esposa e sentou. Iolanda parou a escovação e aconchegou a cabeça no ombro dele.</p><p>-Pronto, Iolanda? –da porta do ateliê ele perguntou à esposa.</p><p>-Os bebês já estão prontos. Pode ir. –disse ela.</p><p>Iolanda lavou as mãos e se livrou do avental alvo como algodão processado.</p><p>-Estou indo, e que tudo saia como planejamos.</p><p>No quarto de Fátima, Candido encontrou as mulheres já despertas, e vômitos esparramados pelo piso.</p><p>-Onde estamos. –Débora perguntou estranhando tudo à sua volta.</p><p>-Estão seguras. Eu preciso dar uma notícia à vocês. –disse Cândido se sentando numa cadeira, tendo as três mulheres à observá-lo. –Vocês, agora são mães de três crianças perfeitas?</p><p>Elas não sabiam o que responder. Suas lembranças teriam sido apagadas. Olharam para os copos vazios sobre a mesa tentando rebuscar as recordações anteriores à chegada delas ali. Mas, foi em vão. Ficara apenas o sabor amargo do chá de ervas que elas teriam bebido e o lançado fora em seguida. Mas, os feto de Valquíria filha de Galdino foi abortado.</p><p>-O que aconteceu com a gente? –Valquíria quis saber.</p><p>-Vocês estavam indo para um hospital, mas o carro deu uma pane no sistema elétrico e não poderia chegar na hora marcada. Vocês tentaram ir à pés, mas o cansaço causado pela longa caminhada às venceu e, vocês dormiram numa cabana, e seus filhos nasceram. Eu às trouxe para cá. Amaro Galdino já foi avisado e virá estar com vocês, trazendo as suas crianças. Eu acho que estamos recebendo visita. – falou à elas e foi receber o esperado visitante.</p><p>Cândido espanou as mãos em sua batina preta e tirou o gorro preto de sua cabeça.</p><p>-Temos muito trabalho à fazer. –disse Cândido. Eu encontrei três bebês, femininas. Iolanda e eu já cuidamos de tudo.</p><p>-E as mães? –Galdino perguntou.</p><p>-Estão sendo preparadas para a cerimônia de oferendas, juntamente com as crianças.</p><p>-Eu cuidei de eliminar os meus irmãos. Temos que partir daqui imediatamente. Houve muito alvoroço por aqui essa noite. Eu sugiro que você leve os bebês para Goiás.</p><p>-Assim será feito.</p><p>Atualmente</p><p>-Iolanda passava o tempo fazendo bonequinhos parecidos à seres humanos. Então, eu a ajudei fazê-los maiores para serem sacrificados numa cerimônia de engodo ao endiabrado Amaro Galdino.</p><p>-Então, os bebês e mulheres que foram enterrados eram feitos de alabastro, gesso e corante de erva natural?</p><p>-Eu e Iolanda demos os bebês vivos de Darlene, Débora e Fátima, para as filhas de Amaro Galdino para que ele as registrasse com o sobrenome dele e as oficializasse como herdeiras. Assim ele devolveria o que ele, o pai e os irmãos dele haviam roubado dos sócios e verdadeiros pais e mães das crianças.</p><p>–Mas como o senhor soube que o Monsenhor Olavo e o filho Amaro seriam tão perversos a ponto de matarem tantas pessoas por causa de uma profecia sem pé nem cabeça?</p><p>–Eu Conheci o espírito cruel dele quando ele dançava com Matilde no baile. Ele realizou a dança da morte. Monsenhor Olavo e seus descendentes seguiam o legado cruel de seus antepassados. Infelizmente eu não pude evitar que ele e Amaro Galdino matassem os três casais no ano 1945. Eles faziam parte da ordem dos Monsenhores do tempo. Mathias, Paulo e Alceu eram filhos de Amaro Galdino assassino de seus irmãos de sangue.</p><p>-E o profeta, por onde ele anda?</p><p>Cândido se pôs de frente à Ângelo e segurou nos ombros dele.</p><p>-O profeta está aqui à falar contigo. Iolanda foi morar comigo, mas esperava à um mês, um filho de Galdino, que seria o Augusto. Calculei que Augusto nasceria no mês de junho de 1946. Então fiz uso da numerologia mística para incutir na mente das pessoas a ideia do nascimento de um menino iluminado no dia seis de junho de 1946. Iolanda e eu tivemos que ocultar o nascimento de Augusto, pois, ele nasceu em minha casa na fazenda, no dia dois de junho. No dia sete anunciamos à todos, que ele havia nascido na noite anterior.</p><p>-Com Fátima e as demais em 1966, não houve necessidade de ocultação?</p><p>-Quando eu às salvei, as levei para minha casa e dei à elas uma bebida. Elas vomitaram e esqueceram dos seus esposos e de que elas estivessem gràvidas. Por pura coincidência, ou talvez por providência divina, as filhas de Fátima, Darlene e Débora nasceram na data predita por mim. Eu às pajeava de perto. Com Valquíria, tivemos que antecipar o parto, ou, ela morreria por estar gerando filho de Augusto que era meio irmão biológico dela por parte de pai.</p><p>-As filhas de Darlene Débora e Fátima são filhas de homens maus...</p><p>-Eu não os salvei e nem salvaria os três homens também maldosos, que Monsenhor Olavo e Amaro Galdino traiçoeiramente os matou em minhas terras em 1965. Aqueles homens matariam Fátima, Darlene e Débora, sem hesitação alguma depois que elas lhes dessem filhos ou filhas. Mas, não existem espíritos maus hereditàrios...</p><p>-Sim, maldades repassadas e praticadas de geração à geração.</p><p>-Você é muito sàbio.</p><p>-E o Jorge...</p><p>-Tal como o pai, ele sempre foi um desonrado, mas não merecia morrer.</p><p>-E Iolanda, por que o senhor se casou com ela, se não a amava?</p><p>Cândido sacou do bolso da camisa o antigo bilhete escrito por Iolanda.</p><p>“Rivera, eu estou gràvida esperando um filho do Amaro Galdino. Quando ele nascer será sacrificado em ritual satânico. Eu não posso abortar. Peço à você que, por favor, não me deixe cometer o pecado do aborto, mas também não permita que eu crie um filho prometido ao demônio por seguidores do mal.”</p><p>-Augusto era filho dela?</p><p>Cândido confirmou com um balançar de cabeça.</p><p>-Eu tive que morar com ela que estava gràvida. Mas eu não a tinha como minha esposa. Amaro Galdino não contentaria se Iolanda fosse morta e eu ficasse vivo. O defeito na porta do carro levaria apenas Iolanda à morte. Então ele danificou o freio do automóvel e falou à mim, que não deixasse Iolanda ir com Matilde, Antônia e Doralice sem mim do lado dela dentro do carro porque ele queria que eu fosse com ela para morrermos juntos.</p><p>–E quanto à Dolores, senhor Cândido?</p><p>-Galdino a tomou por sua mulher, mas, ela o deixou sem ter dado filhos à ele. Valquíria com certeza era filha dele com uma serviçal dele. Eu amava Dolores, mas ela se foi, e, eu perdi a esperança de um dia poder revê-la novamente.</p><p>-Eu acho que ela pode estar sentada numa cadeira de balanço em um alpendre de uma casa no Bairro do Braz em São Paulo. Ou talvez ela esteja fazendo doces deliciosos para oferecer ao seu grande amor quando ele resolver ir vê-la, ao invés de mandar cartas sem endereço e nem nome de remetente.</p><p>Os olhos de Cândido brilharam de emoção.</p><p>-E eu, senhor Cândido, quem sou eu?</p><p>-Eu não sei quem são os seus pais. Só sei que você é o meu menino de ouro, a minha jóia mais rara, o meu baú do tesouro.</p><p>-Somos escalas enarmônicas. –disse Ângelo, meio que rindo.</p><p>-Agora và. Ainda não chegamos à última sílaba da canção.</p><p>-Sim senhor, senhor Cândido.</p><p>***</p><p>A porta do primeiro quarto da casa de Ângelo estava entreaberta. Bastou abri-la um pouco mais para que o estranho visitante adentrasse o aposento. Darlene dormia descoberta e confortavelmente vestida apenas de lingerie. Era o costume dela, que, vivendo sozinha não se preocupava em usar pijamas ou camisolas. O vulto se aproximou da cama silenciosamente, fazendo com que Darlene sentisse a corrente de ar percorrendo todo seu corpo. Acordando, ela se sentou na travessa da cama.</p><p>-Você resolveu vir dormir em meu quarto, Ângelo? Eu vou para o de visitas. –disse ela, havendo se calçado. Não ouvindo a resposta, Darlene subiu na cama e se armou com o travesseiro. – Saia daqui, ou eu acabo com você. – ameaçou erguendo o travesseiro. – Nãooo. – tentou gritar, mas a garganta não pôde reproduzir o grito na intensidade desejada no momento que duas mãos congelantes abarcaram os lados do corpo dela à cima da cintura. Com cuidado o intruso à fez deitar-se na cama.</p><p>-Não grite. Precisamos conversar. – disse, porém com voz indistinguível para Darlene.</p><p>-Eu não sei o que você quer comigo.</p><p>-Falar do seu passado e de sua criança.</p><p>-Não, não, não. – a voz ia sumindo aos poucos. – Ângeloooo... – ela tentava gritar, mas não passou de um sussurro quase inaudível.</p><p>-Beba esse remedinho, e você ficarà pronta para mim essa noite. Vamos, beba e não grite, ou eu acabo com todos nessa casa. Principalmente com o Ângelo.</p><p>-Não, não o machuque... tà bom, eu bebo. – bebeu, e o desmaio à silenciou de vez.</p><p><br /></p><p>O ressonar de Débora era ouvido pela estranha figura que deslizava as mãos nos longos cabelos dela e na pele macia de seu rosto descoberto. Ela acordou sentindo o afago e se livrou do cobertor que a cobria dos pés ao pescoço, na intenção de ceder maior parte de seu corpo para que fosse acariciado com tanta suavidade de toques.</p><p>-Que bom Ângelo, sentir você me fazendo assim. Deite-se comigo essa noite. – disse chegando um pouco mais para o canto da cama. – Pode se deitar, eu não vou tirar a minha roupa de dormir, dessa vez.</p><p>-Eu trouxe água pra você. Beba.</p><p>-O que houve com a sua voz? – pegando o copo no escuro e se sentando na cama, Débora perguntou.</p><p>-Minha garganta está inflamada.</p><p>-Se você quiser eu preparo um chá pra você.</p><p>-Primeiro eu quero que você sacie a minha sede de te amar essa noite</p><p>-Débora não perderia a chance. Bebeu a água e voltou à se deitar.</p><p>-Vem, embrulhe comigo. A gente faz bem quietinhos para não acordar as... – e dormiu.</p><p><br /></p><p>Fátima dormia encolhida na posição fetal, mas sentiu quando o travesseiro foi tirado de entre suas pernas.</p><p>-Unh, é você, Ângelo? Vem, deite aqui comigo. – disse ela de olhos fechados e erguendo o braço para tocar e trazer para mais junto dela aquele que ela supunha ser Ângelo.</p><p>-Eu não vim para dormir com você. – falou com voz robotizada. -Vamos beber um vinho.</p><p>-Eu não bebo, mas posso beber com você.</p><p>-Depois de beber, eu quero passar a noite acordado com você.</p><p>-Não, Ângelo, eu não vou cair nessa sua conversa de novo...</p><p>-Beba logo.</p><p>-Quem, quem é você? Por favor, me deixe em paz... – calou–se ao ter uma mão tapando a boca dela.</p><p>-Eu só quero beber com você o nosso vinho favorito. Se você gritar eu te jogo álcool e boto fogo em você. – disse liberando a boca dela. -Ângelo, você está meio estranho, e....</p><p>-Beba, eu já disse.</p><p>Ela bebeu e desacordou.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><span style="white-space: pre;"> </span></p><p> <span style="white-space: pre;"> </span>O ensaio</p><p><br /></p><p>Verônica estava toda animada com o ensaio que ela, Flávia e Michelle iam fazer ao lado dos amigos dela em sua casa. Flávia levou à amiga Michelle para ela participar do ensaio. Flávia foi quem deu a ideia de chamar a Michelle para participar do ensaio. Michelle também não conseguia esconder a alegria em fazer parte do grupo, ainda mais que ela estava sem namorado, e Verônica disse à ela que o Marcelo, loirinho gato como ela o chamava também estava sem namorada, aí talvez... Quem sabe pudesse dar certo de os dois começarem um romance.</p><p>-Michelle, eu tenho certeza que você vai gostar dele. Ele é o màximo!</p><p>-E se ele não gostar de negras, Verônica?</p><p>-Ele me falou que o sonho dele é se casar com uma negra. Não é Flávia?</p><p>-É. E ainda mais, sendo bonita igual à você Michelle.</p><p>-Que bom! E o Paulinho como é que ele é?</p><p>-O Paulinho é o ruivinho mais fofo que eu conheço. –respondeu Flavia fazendo charme.</p><p>-E o Ângelo?</p><p>-O Ângelo é moreno dos cabelos bem pretos, até brilha. Lisos nas laterais, ondulados em cima, jogados para o lado esquerdo. Mas eu não posso te dizer mais nada sobre ele.</p><p>-Por que não, Flavia?</p><p>-Por que o Ângelo jà tem dona. –Verônica respondeu.</p><p>-Pelo que vocês falam, eu jà estou louca pra conhecer esses seus amigos, principalmente o Marcelo e o Ângelo.</p><p>-Então segura a sua onda e nem dê bola para o Ângelo, pois se ele perceber que você está indecisa entre o Marcelo e ele, você vai rodar nos dois, o Ângelo sabe suas intenções, só de olhar em seus olhos. Sem contar que a Fernanda é louca pelo meu maninho lindo!</p><p>-Quem é o seu maninho, Verônica? Eu não tô entendo mais nada</p><p>-O Ângelo é o maninho dela que ela ama tanto.</p><p>-Mas vocês não são parentes, né Verônica?</p><p>-Ah Michelle, essa história só eu entendo. Mas quando você conhecer todos eles, você vai entender, principalmente se você passar a ser amiga do Ângelo.</p><p>-Ai gente, vocês falam tanto dele, que tà me deixando mais curiosa ainda.</p><p>-Mas quando você vir o Marcelo, com certeza vai se apaixonar por ele. –Verônica garantiu. -Você viu o quanto o Ricardo é gato? Então, os dois são irmãos.</p><p>Depois de conversarem, elas deixam o quarto e foram para a sala, onde estavam Andreza e Ricardo vendo televisão.</p><p>-Então é hoje o grande dia. –Andreza disse.</p><p>-É. E eu não vejo a hora de começarmos esse ensaio.</p><p>-Gente, o Ângelo é mesmo um garoto surpreendente. Ele consegue contagiar a gente com suas ideias e vai envolvendo todos que estão perto dele. –Andreza confessou.</p><p>-Ele podia trabalhar com a gente no restaurante. –disse Ricardo.</p><p>-Você jà pensou em chamà-lo?</p><p>-É mesmo Flávia, afinal de contas, o restaurante é perto de onde ele trabalha.</p><p>-Flávia, você nos deu uma boa ideia. –disse Ricardo.</p><p>-Se vocês precisarem de mais uma funcionària, podem contar comigo.</p><p>-Taí... Ângelo e Michelle. Fechou o quadro de funcionàrios. –Andreza passou à régua.</p><p>Ângelo jà havia terminado de compor a sua música, por isso ele reuniria com os seus amigos na casa de Verônica para ensaiarem, por que ele havia combinado com o organizador de um evento que seria realizado na praça cívica, onde os artistas de rua teriam a oportunidade de apresentar seu talento no evento cultural que tinha o patrocínio do ministério da cultura, sendo assim, ele não ia perder a chance de subir no palco com o seu grupo musical e fazer com que o público ouvisse a canção que ele compôs com a intenção de que as pessoas abrissem os olhos para o problema que muitos fingiam não ver.</p><p>O trio de amigos chegou na hora marcada ao local do ensaio. Ângelo ganhou abraços de Ricardo, Andreza e demais presentes ali.</p><p>Então, esse é Ângelo que todos parecem gostar tanto assim dele. Michelle pensou assim ao dar a mão à ele no momento em que ela foi apresentada à ele.</p><p>-Ângelo, Paulinho, eu acho que acabo de me apaixonar. Olha só que mulata mais gata do mundo. –Marcelo disse aos dois.</p><p>-Essa é. Não sei porque não existe Miss Brasil negra. –Paulinho observou.</p><p>-É porque não descobriu ela ainda. –Ângelo ratificou. –Agora parem de cochichar e vamos ensaiar. Depois você chega junto nela Marcelo. Essa daí tà no papo.</p><p>-De quem?</p><p>-No seu, vacilão. –Paulinho respondeu dando uma tapa na cabeça dele.</p><p>-Ela só fica te olhando, e você ainda pergunta...</p><p>-Sei lá Ângelo!</p><p>-Cale a boca. Vamos ensaiar.</p><p>Eles falavam baixo um para o outro, mas todos, inclusive à gata cor de ébano percebeu que ela era o motivo dos cochichos deles.</p><p>-Verônica, você começa a musica com sua voz suave.Marcelo entrarà em seguida com um timbre um pouco mais forte.Flávia entra com uma quinta a cima do tom de C maior com sua voz aguda, não muito estridente.Paulinho trarà uma expressão melancólica com voz exclamativa e quase chorosa. Eu finalizo a estrofe usando voz firme e vivaz.Todos nós juntos com Ricardo, Andreza, Michelle cantaremos o refrão da canção. Vamos lá então. Verônica, você começa depois do arranjo, ok?</p><p>♫♫♫♫♫♫♫♫♪♪♪♪</p><p>-Um, dois e...</p><p>Verônica: Vê,vê aquele menino que vive na rua sem ter onde morar.</p><p>Marcelo: Vê que ele chora sozinho, sem mãe, sem carinho, sem pai, sem um lar.</p><p>Flávia: Vê que ele dorme me calçadas, sobrevive do nada que a rua lhe dà.</p><p>Paulinho: Chorando ele fecha os olhos e começa à sonhar...</p><p>Ângelo: Chorando ele fecha os olhos e começa à sonhar...</p><p>Arranjo: ♪♪♪♪</p><p>Refrão, todos juntos:</p><p>Com um mundo melhor,uma vida decente. E as pessoas não veem que depende da gente. E o que é pior em sua ilusão, é ver que está só, mendigando o pão. Com um mundo melhor, uma vida decente. E as pessoas não veem que depende da gente. E o que é pior em sua ilusão é ver que está só... –relentando: men... di...gan... do o pão.</p><p>♪♪♪♪♪</p><p>Palmas emocionadas.</p><p>-Ficou linda essa música Ângelo! –disse Andreza abraçando Ângelo.</p><p>-É isso aí Rodrigão,você tem talento garoto.</p><p>Ricardo também o abraçou satisfeito.Em seguida todos se abraçaram comemorando o trabalho em conjunto do grupo.Eles estavam radiantes pelo fato do ensaio ter sido tão bem sucedido. Sentaram-se no piso da garagem. Ricardo e Andreza Foram para dentro de casa para preparar algo para todos comerem.</p><p>-Então Ângelo, qual é a sua avaliação?</p><p>-Ficou legal Marcelo. Mas eu acho que ainda ficaria melhor se tivesse mais vozes para o refrão.</p><p>-Podemos chamar a Marluce, a Fernanda e o João Pedro. –Marcelo sugeriu.</p><p>-O João Pedro, com certeza vem no próximo. Quanto à Marluce, ela ainda está em observação na enfermaria do hospital, e, a Fernanda,eu não sei não viu pessoal.</p><p>-Eu posso convidar algumas gatinhas pra cantar com a gente. –Se ofereceu Paulinho se levantando.</p><p>-Senta aqui. Você não vai convidar gatinha nenhuma.</p><p>Todos riram da Flávia falando e puxando Paulinho, fazendo-o se sentar ao seu lado novamente.</p><p>-Desculpa gatinha!</p><p>-Ângelo por que você quer o carro do Paulinho emprestado, só pra você e o João Pedro saírem amanhã?</p><p>-Marcelo, só eles dois irão ao Centro.</p><p>-É isso aí Paulinho. Eu jà expliquei o que eu e João Pedro vamos fazer lá, e depois a gente vai comprar uns presentes.</p><p>Quando Ângelo falou em comprar presentes, as garotas ficaram curiosas.</p><p>Será que o João Pedro vai me dar um presente? –pensou Verônica.</p><p>O Ângelo vai comprar um presente pra Nandinha e a chamar pra namorar. –pensou Flavia.</p><p>Nossa! Esses caras são mesmo o màximo. Todos eles. O Ângelo então, nem se fala. Ele é tão legal. A Fernanda merece. –pensou Michelle.</p><p>-Seguinte... Hoje nós ensaiamos apenas com violão, mas outro dia o Paulinho vai trazer o teclado. Aí o bicho vai pegar. –Ângelo falou riçando às cordas do violão.</p><p>-É isso aí... Iuhull. Com um mundo melhor, uma vida decente... ♪♪♪</p><p>Paulinho reiniciou, eles o seguiram entoando o refrão da música.</p><p>♫♫♫♫♫...</p><p>Naquele instante chegou Fernanda. Ela não queria reencontrar Ângelo por achar que ele teria mesmo tido um caso com Marluce em São Paulo. Mas a pior de todas as suas dúvidas era: será que ele teria mesmo assassinado todas aquelas pessoas, incluindo Valdir, que estava desaparecido. Havia a possibilidade de Marluce ser levada à depor, por ela ter sido vista em companhia de Ângelo no bairro do Braz, e pelo fato de nas investigações preliminares sobre os assassinatos de Mathias, Paulo e Alceu, o delegado Valdir ter dado início às investigações elaborando o relatório, tendo Ângelo como o principal suspeito de ter cometido os homicídios. Eis outra pergunta que insistia em martelar na cabeça de Fernanda: Marluce teria se apaixonado por Ângelo e resolvera se livrar do empecilho Valdir? Afinal de contas, ela não o amava e toda vez que ela falava em Ângelo ela parecia estar interessada nele.</p><p>Fernanda mantinha-se fria e indiferente com Marluce por descobrir que ela não era sua mãe e, a distância entre as duas só crescia à cada vez que Marluce tentava alertà-la do cinismo e falsidade de Valdir fingindo querer registrà-la com o sobrenome dele. E, onde estaria Valdir? Ela perguntava a si mesma.</p><p>Por alguns motivos e razões, Fernanda recusava a aceitar que Marluce e Ângelo tivessem tido um caso amoroso. –Não, o Ângelo não teria coragem. Há tantas garotas que ele poderia namorar uma delas. A Marluce não é uma mulher qualquer. Ela apenas foi sempre mal amada, e isso prova que ela é mesmo uma mulher honesta. E não foi o Ângelo que a forçou para que ela não o entregasse à polícia, por talvez, ela tivesse descoberto que fora ele quem teria assassinado Valdir e todos os demais.</p><p>Parada próximo ao portão da casa de Verônica, Fernanda resignou antes de entrar e encontrar Ângelo e suas amigas e amigos conversando e cantando casa.</p><p>Ela respirou fundo e entrou.</p><p>-Boa noite, pessoal.</p><p>Boa noite. Todos responderam. Ângelo ficou pontilhando o violão sem querer olhá-la.</p><p>-Gente, deixe o Ângelo e a Fernanda aí conversando e vamos lá para o meu quarto. –Verônica convidou.</p><p>Eles entraram.</p><p>Fernanda ajeitou os cabelos e se sentou num banquinho sem encosto no qual Ângelo apoiava o braço.</p><p>-Como foi o ensaio de vocês?</p><p>-Foi legal, Fernanda. –respondeu meio sem jeito.</p><p>Ao vê-lo se levantar, Fernanda imaginou que ele estivesse fugindo dela e isso a fez se sentir péssima.</p><p>-E você como tem passado? –Ângelo perguntou se sentando no outro banquinho.</p><p>-Bem!... Estou estudando muito. As aulas vão recomeçar na semana que vem.</p><p>-É... Eu soube.</p><p>Os dois evitavam os olhares. Fernanda havia mentido ao dizer que estava passando bem, afinal, os dias e noites dela não tinham o mesmo sabor de antes. Os passeios que fizera com sua mãe não foram suficientes para fazê-la não pensar nele. Ela buscava nos estudos algo para distraí-la.</p><p>Ângelo aprendeu à conviver com a solidão, embora ele ainda não soubesse o que era solidão por estar sempre rodeado de amigos e amigas aonde quer que ele estivesse, e sempre antes de dormir ele estudava sobre os temas da vida nos manuscritos de seu Cândido, atualmente ele lia sobre o “O tesouro do rei”, escrito manualmente pelo seu velho amigo.</p><p>-Você está diferente Ângelo. O que foi?</p><p>-Deve ser o meu uniforme de trabalho.</p><p>Fernanda quis dizer que ele estava bem com o novo corte de cabelo. Mas resolveu não dizê-lo.</p><p>-Você quer me dizer alguma coisa Fernanda?</p><p>Ele sabe que eu quero. Ela pensou.</p><p>–Não Ângelo. -falou.</p><p>-Então me dê licença eu...</p><p>-Espere! –disse ela impedindo-o de levantar. –Como você tem passado os seus dias? –perguntou encarando-o.</p><p>-Vou levando um dia após o outro.</p><p>-Eu soube que você está namorando.</p><p>-Não Fernanda. Eu estou muito bem sozinho.</p><p>Ao ouvir a resposta, ela sentiu um calor tomar seu rosto.</p><p>-Eu também estou muito bem sozinha.</p><p>Ângelo à observou e notou que ele não precisava ser um expert em expressões física e facial para saber que ela mentiu.</p><p>-Antes só do que mal acompanhado. Não é Fernanda? –disse ele olhando no rosto dela.</p><p>-Eu não quis dizer isso Ângelo. Eu só queria que você soubesse que eu também estou levando a vida sem você.</p><p>-Que bom! Eu sempre quero que as pessoas com quem eu me envolva possam viver melhores comigo e até depois que tudo se acabe entre nós.</p><p>Mas eu não estou vivendo melhor sem você. Ela pensou.</p><p>-A vida ensina a gente à conviver com as perdas. –ela disse.</p><p>-Você acha que perdeu algo comigo Fernanda?</p><p>-Não sei. Eu só sei que foi bom o pouco que eu pensei em viver com você...</p><p>Ângelo evitava deixar que ela percebesse que ele notou os olhos dela brilhando e revelando que agora sim ela estava sendo sincera. Por um momento ele pensou em dizer que a queria, porém ele queria que tudo fosse de modo simples, sem choro, juras de amor ou pedidos de desculpas. Ele percebeu que ela o queria também, mas se fosse naquelas circunstâncias era provàvel que depois ela ficasse se sentindo fraca e arrependida por ter praticamente implorado à ele. Para ela, a maioria das pessoas se sente mal por ter dado o braço à torcer ao começar um romance.</p><p>Ele precisava ser categórico.</p><p>-Fernanda, eu tenho trabalhado muito ultimamente, fazendo alguns trabalhos extras... E pra ser sincero com você, quando eu terminar e ter conseguido tudo o que eu quero,eu pretendo me casar...</p><p>-Ai Ângelo! Tà bom! Eu entendo. – disse ela tristemente. –Eu preciso ir embora. -se levantou e tentou sair.</p><p>-Você continua à mesma. Nunca dà tempo à gente para concluir o que se está dizendo.</p><p>-Eu sei o que você quer dizer...</p><p>-Sabe mesmo? –perguntou se levantando. –Então me diz o que eu ia dizer. –desafiou-a bem próximo à ela.</p><p>Os dois se encararam frente à frente. O olhar dela se perdeu no olhar dele, deixando-a sem palavras. Ele tocou os cabelos dela e em seguida acariciou lhe o rosto com o dorso da mão. Por alguns segundos, Fernanda fechou os olhos e parecia sonhar. Ela queria abraçà-lo, mas Ângelo beijou suavemente seus lábios.</p><p>-Ângelo o que significa isso? –quis saber se despertando.</p><p>-Significa que eu nunca achei que tivéssemos terminado nosso namoro sem tê-lo começado. Ou você prefere que fique como estava?</p><p>-Não... Eu também nunca me vi longe de você, e você sabe disso.</p><p>-Sei Fernanda, e sei também que você é a garota que eu quero pra vida inteira. À propósito, você fez falta no ensaio. Você faz falta em minha vida...</p><p>Num ímpeto Fernanda o abraçou sem nada dizer. Ela sentia que palavras não seriam suficientes para externar tudo que sentia naquele momento. Ao senti-la apertando-o no abraço e ouvir o suspirar apaixonado dela sobre seu ombro, Ângelo sentiu que valeu todo suspense que ele fez para fazê-la entender que ela era, e sempre seria a garota que ele amava e amaria por toda à vida.</p><p>-Quando a gente se casar você promete que vai se vestir desse jeito. -perguntou segurando as mãos dela.</p><p>Ela deu uma rápida olhada no seu vestido azul claro, bàsico e discreto.</p><p>-Não. Eu vou vestida de véu e grinalda. –respondeu balançando as mãos pra lá e pra cá, sorrindo e fazendo charme. –Eu te amo Ângelo. –confessou olhando nos olhos dele.</p><p>-Então não me prometa, mas procure entender os erros que cometi...</p><p>-Ângelo, o Valdir não era meu pai, e, ele não pode impedir o nosso namoro.</p><p>-Que bom, Fernanda! Que bom! –exclamou apertando-a em seus braços. –Você quer se casar comigo?</p><p>-Quero, quero , quero! –respondeu beijando-o três vezes.</p><p>-Então eu preciso de tempo para preparar tudo.</p><p>-Eu te dou o tempo que você precisar... Mas não demore!</p><p>-Venham todos pra dentro. Vamos comer. –Andreza anunciou. –Oi Nandinha, vem, entrem vocês dois. Isso vai dar casamento. –disse ela, ao ver Fernanda grudada à cintura do Ângelo.</p><p>-Vai dar mesmo, né meu amor?</p><p>-Se depender de mim, a gente se casa amanhã.</p><p>Eles entraram e viram que quase todos jà estavam comendo sanduíches e tomando refrigerantes. Menos Marcelo e a nova amiga que, conversavam frente à frente no balcãozinho da cozinha.</p><p>-Qual é o seu nome?</p><p>-Michelle. E o seu?</p><p>-Marcelo. Você vai fazer parte do nosso grupo?</p><p>-Eu gostaria muito. Vocês todos são namorados uns das outras?</p><p>-Eu não entendi a sua pergunta.</p><p>-Eu quero saber quem de vocês namora quem.</p><p>-O Ângelo namora à Fernanda, o Paulinho namora a Flávia.</p><p>-E você, namora quem?</p><p>-Ninguém. Eu sou muito tímido.</p><p>Marcelo mentiu passando a mão no balcão e olhando para a turma comendo. Paulinho chacoalhava os dedos para ele, como quem dizia chega junto.</p><p>-Você tà a fim de dar um passeio com a gente amanhã. Vamos, eu, você, o Paulinho, a Flavia, a Verônica e outro amigo da gente. Aí você aproveita pra conhecer ele e ver o quanto ele é engraçado e bacana. O nome dele é JP.</p><p>-Eu vou sim. Eu gosto muito de passear.</p><p>-Espera aí. –Marcelo se virou para a sala. –Ângelo que horas que você volta do Centro?</p><p>-Centro! O que você vai fazer no Centro Ângelo?</p><p>-Eu vou na loja para comprar um presente pra você Fernanda. –respondeu a ela. –Antes do almoço ô dedo duro do caramba. –disse ao Marcelo.</p><p>-Ih, foi mal! –coçou a cabeça e virou-se para Michelle. –O Ângelo e a Fernanda também vão com a gente.</p><p>-Legal! Vocês são tão amigos, não são?</p><p>-Nós somos irmãos. Pode perguntar ao Ricardo. Quer ver? Ricardo... O que eu, você, Paulinho e o Ângelo somos uns dos outros?</p><p>-Irmãos. –respondeu com a boca cheia.</p><p>-Tà bom, eu acredito viu! –disse ela desconfiada.</p><p>-Você sabia que nós temos um trato de namorarmos as amigas de nossas amigas,pra quando a gente se casar, morar na mesma casa?</p><p>-E você quer namorar que amiga delas?</p><p>-Você, é claro. Na hora que eu te vi, me apaixonei.</p><p>-Acredito. Vai ver que você diz isso à todas. –disse Michelle ajuntando as tranças dos cabelos e prendendo-as para tràs.</p><p>-Então quer dizer que você não quer namorar comigo?</p><p>-Amanhã eu te respondo.</p><p>Tà no papo. Pensou Marcelo.</p><p>–Seus dentes são lindos. –disse.</p><p>-Os seus também!</p><p>Paulinho estava de olho nos dois que conversam muito de perto.</p><p>-Pessoal, olhem lá os dois.</p><p>-Paulinho, deixe de ser curioso. –Ângelo o advertiu.</p><p>Enquanto Marcelo e Michelle conversavam sobre a ideia de eles namorarem, o papo na sala de Andreza girava em torno de casamento coletivo.</p><p>Provavelmente, eles casariam com as garotas. Fernanda e Ângelo eram certos que se casariam. Verônica confessou que teria coragem de se casar com JP, mesmo sabendo que ele era um tremendo aventureiro. Flávia concordou em se casar com Paulinho. E pra fazer valer o que Marcelo disse à Michelle, eles morariam todos na mesma casa.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><span style="white-space: pre;"> </span>*</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Débora e Fátima gritavam uma com a outra pelo fato de as duas terem dormido além da conta e, por incrível que pudesse parecer, ambas estavam sem nenhuma disposição para os afazeres domésticos em uma casa estranha para elas. Nenhuma das duas podia dizer o que elas tinham feito ou deixado de fazer durante tanto tempo. Foram perguntar para Ângelo que estava no quarto dele arrumando as roupas de cama.</p><p>–Ângelo, foi você que nos trouxe pra essa casa? –Fátima quis saber.</p><p>–Eu acordei agora. –respondeu estendendo o lençol.</p><p>–Ai, meu Deus! –Débora clamou buscando coragem para perguntar. –Você dormiu comigo Ângelo?</p><p>–Não, sei lá... algo muito estranho aconteceu.</p><p>–Então foi a Fátima.</p><p>–Débora. Não à julgue precipitadamente.</p><p>–Mas só pode ter sido ela, Ângelo... foi essa daí mesmo.</p><p>Fátima não quis culpar à Débora. Sabia que seria difícil fazê-la entender que ela viveu a maior parte da vida dela enclausurada dentro de uma velha casa de atmosfera pesada, buscando alternativas para pôr fim a sua vida sem sentido, sem graça, tornando-se uma mulher qualquer entregue à bebidas, cigarros e à homens que satisfazia seus vícios, não seu desejo de ser amada, ou, simplesmente compreendida. E na obscuridade de suas ideias, ela quis até sair pelo mundo sem rumo certo. Mas quando ela se sentia no auge da insensatez, Ângelo apareceu mostrando à ela que viver valeria a pena.</p><p>–Foi ela sim. Olha só, a cara dessa loira...</p><p>–Débora, menos, menos. –Ângelo a fez calar a boca.</p><p>Nervosa, Débora abriu a porta do quarto e deparou com Darlene que escutou toda a conversa. De cabeça , Darlene passou pelos três, entrou no quarto sem nada dizer e se sentou na cama de Ângelo.</p><p>–Eu fui ao salão, como você pediu Ângelo. –disse ela meio sem jeito. -Me levantei mais cedo, com um dor de cabeça terrível, mas fui...</p><p>Os três à olhavam sem nada dizer, esperando que ela apresentasse uma explicação para os acontecimentos estranhos da noite anterior. Darlene era outra mulher, de cabelos escovados e maquiagem perfeita para o rosto dela. Débora estava à ponto de agarrà-la pelos braços e enxotà-la porta à fora. Fátima queria ouvir Darlene dizer que não teria sido ela, mas que, ela teria visto alguém entrando e saindo da casa, e também não seria ela, Fátima, que teria feito algo de errado com todos ali. Darlene também não poderia dizer nada sobre os últimos acontecimentos. Ângelo se sentou do lado de Darlene e anunciou que ele seria honesto com todas naquela hora. Ângelo se levantou e pediu para que as três companheiras se sentassem na cama para ouvir a confissão dele. Elas ficaram completamente estarrecidas por presumirem antecipadamente que elas tiveram suas privacidades e, talvez, suas intimidades violadas por aquele que estaria isento de qualquer suspeita?</p><p>–Eu sei que vocês devem estar imaginando que eu fiz algo desrespeitoso à vocês. Mas, eu não fiz. Vocês podem acreditar que eu não toquei em parte íntima alguma de nenhuma das três. Vocês não se lembram porque eu dei uma droga para vocês beberem. Eu a encontrei no... –ele ia dizer no quarto do bebê de Fátima. –Eu a encontrei em algum lugar em São Paulo. -Eu tinha que trazer vocês antes que alguém ferisse vocês.</p><p>–Mas por que você fez isso, Ângelo? –Fátima perguntou.</p><p>–Eu tenho os meus motivos.</p><p>–Só que você não devia agir assim com a gente. Se fosse um mau elemento eu o teria deixado fazer o que quisesse comigo sem eu saber com quem eu estaria fazendo.</p><p>–Fazendo o quê, Débora?. Eu hem! Você gosta dele e queria fazer aquilo com ele... Ângelo, eu a vi cheirando a sua camisa antes de lavá-la. Ela me falou que queria saber se você estava usando o perfume que ela te deu de presente, e disse que dormiria com você. Eu não sei não. Isso é paixonite, e...</p><p>Ângelo riu de Darlene.</p><p>–Olha aqui. Não te interessa. E você? Aposto que se arreganhou toda pensando que ele queria...</p><p>–E daí se eu quisesse fazer com ele o que me viesse na telha? Eu sou solteira mesmo, e se eu soubesse que era ele, eu teria...</p><p>–Ah, Ângelo, agora você achou o que não procurava. –Fátima observou e se levantou.</p><p>–Débora e Fátima, nos deem licença. Eu preciso falar com a Darlene.</p><p>–Não, eu não vou deixar você ficar sozinho com ela. –Débora protestou irada.</p><p>–Estou indo, Ângelo. –Fátima avisou e saiu.</p><p>–Tudo bem. Eu, a Fátima e a Darlene, vamos morar em outra casa.</p><p>–Não Ângelo, eu... eu já vou deixar vocês à sós. Até mais para vocês dois.</p><p>Vendo Débora sair, Darlene não perderia a oportunidade de fazer uma pergunta indiscreta à Ângelo.</p><p>–Ângelo, você aprendeu a arte de conquistar as mulheres? Eu nunca vi alguém igual à você. Para seu governo, se é que você não sabe ainda...</p><p>–Você fala rápido demais. E a sua pergunta foi pura especulação sem sentido. Você conheceu sim, grandes sedutores de mulheres. Por exemplo, os homens que te conquistaram.</p><p>–Está enganado. Eu só tive um marido, e de namoricos eu corro léguas.</p><p>Ângelo começou a agitar as mãos à frente do corpo dele.</p><p>–Não, não o machuque... tà bom, eu bebo com você.</p><p>Darlene ficou séria e procurou entender a sutacação que ele fez. Prendeu melhor os cabelos, agora bem lisos e brilhosos, com uma liga e se pôs pronta à discutir a relação.</p><p>–Eu sei que a Débora e a Fátima são apaixonadas por você. E vou confessar que eu também me sinto atraída por você, mas disputas não são comigo. Se você quer ser meu namorado, terá que dizer às duas que a escolha foi sua. Eu nunca tentei roubar namorado ou marido de ninguém nessa minha vida. E, se você gosta de mim, então me assuma, senão... e você me pediu para cortar o meu cabelo e me pintar pra eu ficar parecida com a Sílvia Bandeira. Não sei pra que foi que eu fui cair na sua conversa e...</p><p>–Darlene, por favor, – pediu como quem unisse as mãos em uma prece. –A Débora me falou que você se parece com essa atriz de novela, e a Fátima acha você bonita.</p><p>–Eu também a conheço.</p><p>–Por isso eu pedi pra você se produzir um pouco. Você é uma mulher linda e não deve continuar se isolando do mundo. Mas, eu não quero falar de namoro.</p><p>Ela fez hum e ficou séria.</p><p>–Olha pra mim.</p><p>–Tà bom. Fala. –disse depois de passar as mãos no rosto, batendo os pés no piso.</p><p>Ângelo alinhou as sobrancelhas dela e com delicadeza deslizou as pontas dos dedos desde os lados do nariz às orelhas dela, para desfazer a expressão de contrariedade no rosto dela.</p><p>–Você ficou linda assim. –disse.</p><p>–Tà bom, mas fala logo. Eu tenho muita coisa pra fazer nessa casa tão grande. Se você moraria apenas com a Fátima, porque foi que você comprou uma casa tão grande assim? Vai, fala logo o que você quer me falar.</p><p>–Tà bom, Darlene. –ele riu de si mesmo.</p><p>–Tà me imitando, não é? –e riu também, sem querer.</p><p>–Agora me diz. Quando você foi dar a luz, aonde aconteceu o parto?</p><p>–Eu acordei numa sala.</p><p>–Tinha alguns objetos que você conseguiria se lembrar do formato de alguns deles?</p><p>–Nada. Estava vazia. Só tinha uma cama com colchão duro feito pedra. Daí a luz se apagou e alguém me deu um troço pra eu beber, e eu voltei à dormir. Acordei não sei que dia, com outras mulheres e um casal de pessoas mais velhas, mas, sem o meu neném.</p><p>–Você acha que eu poderia ser o seu filho?</p><p>–Não. As mães têm a intuição muito forte em se tratando de filhos. Se você fosse meu filho eu não sentiria atração física nenhuma por você. Pode rir de mim, mas quando eu conversei com você pela primeira vez na minha casa, dali por diante eu só pensava em namorar você. Mas agora eu sei que você não teria coragem de me...</p><p>–Darleneeee. –disse ele estendendo a última sílaba do nome dela. –Você acha que eu me pareço com o Augusto?</p><p>–Nem um pouco. Ele era mais branco, mais alto e de cabelos claros. Era bonito, mas você... não và ficar convencido, mas você é mais bonito do que ele. Eu só me lembro dele porque eu tive que prestar depoimento sobre a morte dele. Aí, eu vi algumas fotos dele. Ele tinha cara de cafajeste, canalha, sem vergonha...</p><p>–É tudo a mesma coisa, minha coisinha fofa, faladeira, amor meu. –Ângelo à deitou na cama e se deitou em cima dela. –Hoje não é o seu dia de cuidar dessa nova casa, para não ter que desfazer essa belezura que você ficou. –deu a ordem selando os lábios dela e a deixou livre em seguida. –Vou falar com a Débora.</p><p>–Tà bom. –consentiu soltando os cabelos.</p><p><br /></p><p>Chegando ao quarto de Débora, ela estava ajoelhada no piso, com o dorso sobre a cama, elevando à Deus suas súplicas. Escorado ao portal da porta, Ângelo escutava o clamor fervoroso dela em prol de alguém.</p><p>Quando Débora finalizou a oração com o amém em nome de Jesus, ao abrir os olhos ela viu Ângelo e se levantou vagarosamente.</p><p>–Oi Ângelo. –disse com voz profundamente triste. –Eu estava aqui rogando à Deus em favor do delegado Valdir.</p><p>Ângelo foi até à ela e a abraçou.</p><p>–O que houve com ele?</p><p>–Você estava ouvindo a minha oração?</p><p>–Alguns trechos. –confirmou, naturalmente. –Só que eu acho que você não deve se martirizar por uma causa perdida.</p><p>Débora sentiu que seria mais uma dedução sensata de Ângelo, por razão de ele tê-la ouvido apresentar à Deus o relacionamento do delegado Valdir com a namorada. Ela ficou constrangida com a frieza dele em afirmar que era causa perdida. O desabraçou e foi juntando os cabelos.</p><p>–Às vezes você me assusta com sua frieza. O delegado me encontrou na igreja e me pediu pra eu orar para os dois.</p><p>Calado, Ângelo a acompanhou até a penteadeira. Ela se sentou na banqueta e se pôs à escovar os cabelos juntados em seu colo para não deixá-los esparramar pelo piso cerâmico. A escova corria vagarosa nos cabelos. Débora, absorta, a manuseava com o pensamento firmado na fé de que o amor do delegado pela mulher fosse correspondido em breve. Ângelo se aproximou dela, pelas costas, embrenhou as mãos entre os longos cabelos e massageava os ombros dela.</p><p>–Sabe, Débora, eu jà fui de um extremo ao outro de minhas emoções. Senti o calor ardente me envolver por inteiro ao sentir vontade de me deitar naquela cama com você toda linda, despida e se entregando inteira à mim. Confesso que eu tive que baixar o grau e nível de minhas emoções para não me queimar no desejo ardente de me tornar seu e ter você como minha mulher para todo o sempre.</p><p>Ela suspendeu os ombros prensando as mãos dele ao pescoço dela para que ele continuasse à falar sem deixar de tocá-la com tanta suavidade restauradora.</p><p>–Mas teve um momento que o medo de te perder me incendiou por dentro e por pouco não me levou à agir precipitadamente por não saber administrar bem as minhas emoções. –se pôs de joelhos aos pés dela e segurou as mãos dela. –Perdendo você eu sofreria e choraria amargamente. Tendo você eu me alegro de emoção e felicidade. Portanto, eu não me considero frio ou insensível. Simplesmente sei por quem eu devo sorrir ou chorar.</p><p>Débora se lançou de joelhos ao piso para se envolver nos braços dele.</p><p>–Eu não sei do que você está falando, mas prometo que você não irà me perder para ninguém. Eu quero só você, só você, e serei sempre sua, somente sua. –confessou emocionada e apertando o abraço como se ela quisesse que a alma dela se unisse à dele para sempre.</p><p>–Eu só preciso que você espere eu me acertar de um negócio. Então eu farei de você a mulher mais feliz do mundo. E, esqueça o Valdir. Deixe que ele siga sozinho em direção ao seu merecido destino.</p><p>Concordando, Débora se calou. Os braços dela enlaçaram o corpo dele.</p><p><br /></p><p>Na sala, Ângelo comunicaria às três.</p><p>-Vocês três morarão aqui, enquanto resolvo algumas questões...</p><p>-Não, Ângelo, eu não fico sem você. –disse Débora, saltando do sofá, abraçando-o.</p><p>-Tudo bem. Eu fico aqui...</p><p>-Ai, meu Deus, eu não acostumo com a vida de fica e não fica, vai e volta. Ângelo, você tem que decidir se eu moro ou não moro com você, porque eu jà...</p><p>-Cale a boca, sua faladeira. Você nem devia ter vindo morar aqui com a gente.</p><p>-Olha aqui, Débora... ai, coitadinha, a Fátima já está...</p><p>-Fátima – disse Ângelo deixando as duas na sala para ir ter com ela que saía muito entristecida, da sala. –Espere, minha linda. –e a abraçou. - Eu prometi nunca te abandonar, por isso eu trouxe você.</p><p>-Está bem, Ângelo, eu, eu, acredito em você.</p><p>-Quer saber de uma coisa? Fátima, minha linda, me espere aqui. Débora, me espere na escola. Darlene, você vem comigo.</p><p><br /></p><p>***</p><p><br /></p><p>Parada em frente à loja de vestidos para noivas, Flávia olhava na vitrine o vestido que seria o sonho de toda moça que quisesse se casar. O longo branco, com véu arrastando ao chão acompanhado de grinalda um lindo arranjo, tudo bem branco como manda o figurino. Seu olhar sonhador parecia se perder no encanto do que seus olhos vislumbram. Ela cresceu com o sonho de um ia se casar numa igreja toda enfeitada, cheia de convidados admirados pela sua atitude de se casar virgem, fator este que valorizava a moral de qualquer garota.</p><p>O enorme bolo que seria servido aos convidados. Também a pilha de presentes que ela ganharia, no caso, se ela houvesse sido mais popular com as pessoas. – Nisso ela preferia não pensar.</p><p>-Nossa que vestido lindo! –exclamou ao ver um todo azul. –Eu acho que ele cairia bem em mim.</p><p>-Com certeza este vestido vai ficar muito bem em você moça. –disse Darlene. Ela também procurava um vestido na loja.</p><p>-Ãh, oi! Eu acho que vou ficar com ele.</p><p>Flávia escolheu o vestido considerando o gosto de seu namorado Paulinho pela cor azul. Outro motivo foi o fato do vestido não ter decotes extravagantes. Depois da noite que ela tentou provocá-lo, vestindo algo mais ousado e, depois de tudo que ouviu dele, ela descobriu que seu futuro esposo não era nada feticheiro, assim sendo, ela continuaria vestindo-se comportadamente, mas também não queria perder a chance de ouvi-lo dizendo que ela estava linda de vestidinho bàsico.</p><p>-Você tem muito bom gosto. É pra uma ocasião especial?</p><p>-Sim. Muito especial. –disse Ângelo abraçando as duas por sobre os ombros dela. –Ela vai se casar e precisa de um vestido como este e de uma mãe para entregá-la ao noivo no altar. Então eu pensei em presenteá-la com o vestido, e convidar à você para dà-la em casamento ao meu amigo Paulinho ruivinho.</p><p>Não daria para narrar tudo que Darlene destampou à dizer em meio à pranto e muito agradecimento à Ângelo, ao mesmo tempo em que Flávia chorando só conseguia dizer: mamãe, mamãe, você é minha mãe. E, ambas se desmanchavam em lágrimas de felicidades.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> <span> </span><span> </span><span> </span><span> </span><span> </span> </span></span>***</p><p><br /></p><p>O último ensaio musical não passaria de uma rápida explicação dada por Ângelo à seus alunos, sobre as fermatas. Não havia necessidade de explicações teóricas, pois, em sua melodia não constavam tal sinal. Portanto, ele os fez saber que o sinal significava expressões dos sentimentos dos seres humanos diante daquilo que os surpreendem e os fazem reagirem externando duas formas de surpresas que são reveladas, uma por som monossilábico, se expressado por voz: Ah. E outra, normalmente sentida, mas raramente externada com voz: Oh. Mas, se música é a arte de expressar sentimentos, os instrumentos transmitem-nos através do som. Por isso usamos Ah e Oh em forma de expressões sonoras.</p><p>-Aí, bate a real. Como assim, maninho? – quis saber melhor, a heavy-metal Verônica, que apesar de ter um linguajar cheio de gírias urbanas, tinha a voz em tom de lá bemol maior, suave, meigo.</p><p>-Verônica, digamos que eu tenho uma surpresa para você. –pegou algo de dentro da capa do violão e foi ao encontro dela no canto da sala. –Isto que está em minha mão é um presente que eu vou dar à você.</p><p>-O que é?</p><p>-Eu jà disse, é surpresa. Você quer?</p><p>Todos os outros ficaram de pé, curiosos para saberem do que se tratava.</p><p>-Quero. Abra a mão. –disse a mocinha que jà tinha certa afinidade com o amigo compositor.</p><p>Ângelo abriu de imediato.</p><p>-Ah, um toco de giz. Quero não.</p><p>-E se eu disser que você tem a voz mais musical que eu jà tive a oportunidade ouvir?</p><p>Verônica congelou-se e internalizou o que ela sentiu no momento. Porém, os demais colegas de classe deixaram escapar sonoramente a expressão de agradàvel surpresa.</p><p>“Ohhhhhh” foi o que se ouviu unissonamente dentro da sala de aula.</p><p>-Ok, agora vocês entenderam. –disse Ângelo voltando para o lado de Débora que esperava ansiosa pela surpresa que seria apresentada à mocinha Verônica.</p><p>-E como saber se é Ah ou Oh a expressão, Ângelo? –Marcelo quis saber.</p><p>-Na posição do arco da fermata. Quando você diz Ah externando contrariedade, você exprime; fermata com arco para cima. Quando diz Oh expressando satisfação, você reprime; fermata com arco para baixo...</p><p>-Ângelo, eu toco tuba. Mas quando a fermata na nota é muito grave eu não consigo executà-la. –confessou Paulinho coçando a cabeça.</p><p>-Daí você pensa que é mà embocadura?</p><p>-Não seria?</p><p>-Não. É apenas um erro de execução, porque você tenta reprimir o som em todas as fermatas, aí o som sai pipocado. Muitos músicos cortam o som para que não se perceba que ele não consegue estendê-lo com precisão. Porém, basta conhecer as posições das fermatas para executà-las com perfeição. Nas notas mais graves as fermatas estarão com arco para cima, ou seja, AhhhH. Começa com a intensidade normal, vai baixando até o meio e subindo gradativamente para terminar forte... o sino jà vai tocar, mas, vocês entenderam que a execução de uma é ao contràrio da outra. E, Junho chegou... o tempo de férias preludiou. Boas férias para todos nós.</p><p>“AhhhH” –exprimiram juntos.</p><p>Aos poucos eles foram saindo.</p><p>-Vai Ângelo, mostre à ela o que o senhor Cândido te mandou mostrar. –Débora incitou inocentemente.</p><p>Verônica curiosa olhava para as mãos de Ângelo, para não ser surpreendida novamente por um pedaço de giz.</p><p>-Ela jà está vendo. Alguém tão linda assim não passa despercebida nem por uma garota cega.</p><p>O suspense deixou as duas suando frio.</p><p>-Bom. –disse ele. - Eu tenho aqui em meu bolso um registro natalício. E nele consta que, Verônica Elis Meneses é filha de Débora Albuquerque Meneses.</p><p>As palavras mãe e filha foram entoadas simultaneamente, seguidas de abraços, afagos nos rostos, beijos nas faces, lágrimas nos olhos.</p><p><br /></p><p><br /></p><p>***</p><p><br /></p><p>Acompanhado por alguém muito especial, Ângelo chegou à casa dele e ao entrar sozinho, sentiu a atmosfera diferente. Fátima não foi recebê-lo na porta como de costume. Ao se dirigir para o quarto, ele ouviu um choro e soluços sussurrados.</p><p>–Fátima, eu trouxe um presente para você.</p><p>-Outro?</p><p>-Está lá do outro lado da porta. Và ver o que é.</p><p>Ela foi às pressas. Ao abrir a porta, se surpreendeu ao ver uma moça linda com um buquê de flores brancas em suas mãos. Seus olhos castanhos claros estavam vermelhos por causa do pranto, mas sua expressão era de alegria sem fim.</p><p>-Eu às trouxe pra você, mamãe. –disse Fernanda, com lágrimas nos olhos.</p><p>-Minha filha... –e chorando a abraçou de modo à fazer as rosas sofrerem a pressão do abraço que às esmagou entre dois corpos, de uma mãe que fora impedido de viver com a filha que ela perdera à dezessete anos atrás. E de uma moça outrora infeliz por não ter tido o carinho, os cuidados e o amor de sua verdadeira mãe.</p><p>Ângelo sorria em silêncio vendo mãe e filha abraçadas.</p><p>Os seguros de vida Classe A, que Ângelo era o mantenedor, eram de Norato, Alceu e Paulo. As beneficiárias eram Fátima, Débora e Darlene. As apólices de Valquíria, Amaro Galdino e Valdir Augusto foram pagas às mocinhas Flávia, Verônica e Fernanda. A estipuladora dos seguros pertencia ao próprio Amaro Galdino. Todo o dinheiro sujo acumulado por ele foi transferido para as contas bancárias das beneficiadas.</p><p>Ângelo casou-se com Fernanda, e seus três melhores amigos, Marcelo, Paulinho e João Pedro casaram com as três garotas e formaram uma grande e harmoniosa família feliz.</p><p><br /></p>O aprendizhttp://www.blogger.com/profile/05427010805464309038noreply@blogger.com06827HJ89+7Q-9.434346699999999 -54.380552599999987-40.492337107360726 -89.536802599999987 21.623643707360731 -19.224302599999994